sábado, 31 de maio de 2008

A responsabilidade penal da Pessoa Jurídica no atual ordenamento brasileiro


Karina Merlo

Olá caro leitor,

Depois de algumas indagações feitas por alunos de universidades baianas e nas comunidades do site de relacionamentos do Google, o Orkut, sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, incumbi-me de fazer algumas considerações como referência para esclarecimentos sobre esse controverso tema.

O legislador brasileiro introduziu a responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento jurídico sem se preocupar com a necessária adequação com os institutos vigentes e que são incompatíveis, ensejando, inúmeras críticas, muitas das quais insuperáveis, sendo que as mais contundentes referem-se à incompatibilidade da nova criminalização com o princípio da culpabilidade, bem como à aplicação de penas à pessoa jurídica.

Segundo o professor Alexandre Magno Fernandes Moreira, em seu artigo “Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional” que versa muito bem sobre o assunto em pauta, o art. 25 da Lei 7.492/86, considerava penalmente responsáveis por esses crimes “o controlador e os administradores da instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes”. O § 1° equiparava a eles, “o interventor, o liquidante ou o síndico”, sobrevindo a necessidade mais tarde, do seu veto. Tratava-se de uma hipótese de responsabilidade objetiva do sujeito ativo, ou seja, essas pessoas poderiam ser responsabilizadas mesmo que não tivessem agido com dolo ou culpa. Porém, a doutrina atual ainda considera que a responsabilidade penal só pode ser subjetiva, ou seja, mesmo, nesse caso, os citados sujeitos só seriam responsabilizados se agissem com dolo ou culpa.


Após sete anos em tramitação no Congresso Federal, a nova Lei de Crimes Ambientais finalmente entrou em vigor em 30 de março de 1998. Esta lei determina a criminalização do desmatamento e entre outras medidas: a responsabilidade da pessoa jurídica em crimes ambientais; multa e prisão de até um ano para quem comprar, vender, transportar ou armazenar madeira, lenha ou carvão sem licença; e a extinção da punição mediante a apresentação de laudo que comprove a recuperação de dano ambiental. A lei ainda prevê multas e pena de até cinco anos de prisão para os infratores, que podem ainda, a depender do caso, ter seus equipamentos apreendidos e seus negócios encerrados.

Entretanto, a doutrina, até então, não tem entendimento pacífico sobre a possibilidade de pessoa jurídica ser considerada como sujeito ativo de crime.

A teoria da realidade, de Otto von Gierke, adotada em vários países, considera que a pessoa jurídica tem existência real, e que, portanto, pode cometer crimes.

Já Savigny e Ihering, adeptos da teoria da ficção jurídica, consideram que a pessoa jurídica não tem existência real e que, por isso, não pode cometer crimes.

A Constituição Federal de 1988 adotou esta última teoria em duas ocasiões: no art. 173, § 5° (atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular) e no art. 225, § 3° (condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente). Porém, tais artigos são normas constitucionais de eficácia limitada, ou seja, requerem regulamentação infralegal para que se tornem eficazes. Apenas o art. 225 foi regulamentado, por meio da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), que prevê penas específicas para pessoas jurídicas. Essa lei adotou o sistema da dupla imputação, de acordo com o qual a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a do ser humano que comete o crime.

Logo, a despeito do que estatui a Lei nº 9.605/98, vige o princípio “societas delinquere non potest” sendo a responsabilidade penal pessoal e, mais que isto, subjetiva.

Com acerto lembrou o nosso notável penalista, Rogério Greco:
"Na precisa lição de Nilo Batista, o princípio da culpabilidade impõe a subjetividade da responsabilidade penal. Não cabe, em direito penal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico. Isso significa que para determinado resultado possa ser atribuído ao agente é preciso que a sua conduta tenha sido dolosa ou culposa. Se não houve dolo ou culpa, é sinal de que não houve conduta; se não houve conduta, não se pode falar em fato típico; e não existindo o fato típico, como conseqüência lógica, não haverá crime.
(...)
Concluindo, a culpabilidade, ou seja, o juízo de censura que recai sobre a conduta típica e ilícita, é individual, pois o homem é um ser que possui sua própria identidade, razão pela qual não existe um ser igual ao outro. Temos nossas peculiaridades, que nos distinguem dos demais. Por isso, em tema de culpabilidade, todos os fatos, internos e externos, devem ser considerados a fim de se apurar se o agente, nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo." (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - parte geral. 2a ed., Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2002, p. 98-99 e 424- 425).

E ainda complementa:
"Com a devida venia das posições em contrário, entendemos que responsabilizar penalmente a pessoa jurídica é um verdadeiro retrocesso em nosso Direito Penal. A teoria do crime que temos hoje, depois de tantos avanços, terá de ser completamente revista para que possa ter aplicação a Lei n. 9.605/98. Isso porque, conforme frisou o Min. Cernicchiaro, já encontraremos dificuldades logo no estudo do fato típico. A pessoa jurídica, como sabemos, não possui vontade própria. Quem atua por ela são os seus representantes. Ela, como ente jurídico, sem o auxílio das pessoas físicas que a dirigem, nada faz. Não se pode falar, portanto, em conduta da pessoa jurídica, pois que, na lição de Pierangeli, “a vontade de ação ou vontade de conduta é um fenômeno psíquico que inexiste na pessoa jurídica.” [José Henrique Pierangeli. Escritos jurídicos- penais, p. 178].




Problema ainda maior será verificar a culpabilidade de uma pessoa jurídica. Quando poderá ela sofrer um juízo de censura, já que a censurabilidade é própria do homem?" (GRECO, ob. cit., p. 193).

Não sendo possível dissociar o homem e a pessoa jurídica para efeitos de culpabilidade, resta-nos aferir então, o entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça:

'Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes)'



Para um maior aprofundamento sobre a inconstitucionalidade da Lei 9.605/98, oriento-o a ler o Habeas Corpus nº 83.301-2/RS, com Relatoria definitiva do Elmo. Min. Cezar Peluso, acompanhado pelos Ilustres Min. Carlos Britto e Min. Sepúlveda Pertence.


Fontes complementares:


domingo, 18 de maio de 2008

Operação Navelha... ops!

Publicado acórdão de decisão sobre Operação Navalha
Fonte: Notícias STF - http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=88964&tip=UN



Foi publicada hoje no Diário da Justiça Eletrônico (16) a decisão unânime da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no Habeas Corpus (HC 91435) impetrado em favor do ex-deputado distrital Pedro Passos (PMDB), que em maio do ano passado foi preso por suposto envolvimento com fraudes em licitações públicas descobertas pela Operação Navalha, da Polícia Federal.

No dia 1º de abril deste ano, a Turma confirmou liminar do ministro Gilmar Mendes, atual presidente do STF, que revogou a prisão preventiva de Passos no dia 22 de maio de 2007. Todos os argumentos utilizados por Gilmar Mendes para conceder a liberdade a Pedro Passos foram acolhidos pelos ministros da Turma.

Ao final do julgamento da Turma, o ministro Gilmar Mendes relembrou fatos sigilosos da investigação da Operação Navalha, que teriam sido vazados para imprensa, e o episódio em que seu nome foi citado como integrante de uma lista de prováveis beneficiários de “presentes” da empresa Gautama.

Ele foi enfático ao cobrar providências das autoridades. “Até agora, não tenho ciência de quaisquer medidas tomadas pelas autoridades competentes para apurar eventual responsabilidade penal e disciplinar no caso. Repito que tais providências não dependem de representação ou de requisição, mas devem ser efetuadas de ofício”.

Por sugestão do ministro Cezar Peluso, os ministros decidiram encaminhar uma cópia integral do relato feito por Mendes ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza.

Imunidade parlamentar

Pedro Passos foi preso por ordem da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon. Ela determinou a prisão em flagrante argumentando que o então deputado era acusado de cometer o crime de quadrilha, na modalidade de organização criminosa. Pela lei, esse crime tem natureza permanente, o que permitira a prisão em flagrante.

No julgamento da Turma, Gilmar Mendes disse que a ministra fez, sem sucesso, um “torcicolo jurídico” para enquadrar o caso na possibilidade de prisão em flagrante. Isso porque, como parlamentar à época, Pedro Passos tinha direito à garantia constitucional da imunidade formal (parágrafo 2º do artigo 53), só podendo ser preso em flagrante por crime inafiançável.

Como o crime de quadrilha, previsto no artigo 288 do Código Penal, é afiançável, o delito não poderia ter sido usado para alicerçar o decreto de prisão contra o deputado distrital.


Gilmar Mendes foi enfático ao dizer que o decreto de prisão de Pedro Passos não apresentava a situação de flagrância em que ele teria sido surpreendido, um requisito para esse tipo de prisão, e não trazia um único elemento concreto para justificar a prisão.

“Para se manter a prisão cautelar de qualquer cidadão, é necessário que o juízo competente indique a especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição de liberdade”, afirmou Gilmar Mendes.

Ainda segundo o ministro, “a depender da situação concreta em apreço, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito”.

Denúncia

De acordo com a acusação, Pedro Passos teria, na condição de secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Distrito Federal, conseguido aprovar crédito suplementar de R$ 3,5 milhões na Câmara Distrital para a Gautama, a empresa de Zuleido Veras, apontado como um dos organizados do esquema de desvios de verbas públicas. Em troca, Pedro Passos teria exigido vantagens indevidas de Zuleido. Quando foi preso, Pedro Passos não era mais secretário do governo do Distrito Federal e logo depois renunciou ao mandato de deputado distrital.

No último dia 12, Ministério Público Federal (MPF) denunciou 61 pessoas em virtude das investigações da Operação Navalha. Pedro Passos não está entre os denunciados.

Leia a íntegra do acórdão.

Leia mais:
01/04/08 -
STF confirma habeas corpus para Pedro Passos

Charges:
Lane - http://blog0news.blogspot.com/2007/05/justia-cega-e-cegou-navalha.html

Amorim - http://blog0news.blogspot.com/2007/05/navalha-nas-charges.html

sábado, 17 de maio de 2008

DECISÃO / Caso Isabella

Fonte: Superior Tribunal de Justiça
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=87548

Liminar é indeferida, pai e madrasta permanecem presos

O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indeferiu o pedido de liminar feito pela defesa do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. Eles são acusados da morte da menina de cinco anos Isabella Nardoni, filha de Alexandre e enteada de Anna Carolina, no dia 29 de março de 2008, em São Paulo (SP).

O relator entendeu que a decisão do desembargador Caio Canguçu de Almeida, do Tribunal de Justiça paulista, “expõe com fundamento e lógica, com pertinência e conclusividade, a necessidade de excepcionar uma importantíssima conquista cultural (direito à liberdade), quando diante da situação em que outro valor, igualmente relevante, se ergue e se impõe como merecedor de prioridade”.

Para o relator, não há defeito na decisão do desembargador, a qual também não pode ser considerada teratológica, “ou seja, das que afrontam o senso jurídico comum, agridem o sentimento social de justiça, dissentem de posições jurídicas consolidadas na jurisprudência dos tribunais e na doutrina jurídica mais encomiada”.

O ministro afirma ainda na decisão que não subtrairá da turma julgadora (Quinta Turma) “outros aspectos que aos seus membros possam parecer juridicamente estratégico”. Motivo pelo qual não extinguiu o habeas-corpus conforme determina a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ainda não há data para que a Turma julgue o mérito do pedido. O que só será feito após o retorno do caso do Ministério Público Federal (MPF), para onde o processo será encaminhado para o oferecimento de parecer.


O pedido

A defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá pretende conseguir com o habeas-corpus não só a liberdade do casal como a anulação da denúncia recebida pela Justiça de São Paulo.

O habeas-corpus, com pedido de liminar, chegou ao STJ na tarde desta sexta-feira (16). Os autos têm seis volumes, sendo 107 páginas somente de petição inicial.

A defesa alega não haver justa causa para a prisão preventiva em função da inobservância dos requisitos previstos em lei que autorizam a decretação. Por isso, pede que os acusados sejam colocados em liberdade. A defesa também pede a nulidade do recebimento da denúncia sob a alegação de que teria havido juízo de mérito com antecipação de julgamento. Para a defesa, houve excessivo juízo de valor, abuso de opiniões e julgamentos inadequados no relatório da autoridade policial, a peça que finda o inquérito.

De acordo com a defesa, o casal nunca teria obstruído a produção de provas, não teria coagido testemunhas, não teria impedido ou dificultado a realização de qualquer prova, não teria fugido. Diz que várias provas foram colhidas quando Alexandre e Anna Carolina estavam em liberdade. Além de que ambos são primários, não têm antecedentes criminais, compareceram ao juízo para depor e têm residência fixa. Para a defesa, a prisão preventiva somente poderia ter sido decretada para resguardar a apuração do processo.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, foi apreciado e negado o pedido de liminar em habeas-corpus apresentado pela defesa do casal. A decisão entendeu que, para a concessão da liminar, seria preciso que se evidenciasse uma intolerável injustiça, o que não parece estar acontecendo, já que as circunstâncias indicam “sintomático comprometimento dos pacientes [Alexandre e Anna Carolina] com a autoria do inacreditável delito”. Na decisão, faz-se referência ao decreto de prisão preventiva do casal, que estaria “largamente fundamentada e diz respeito a um crime gravíssimo praticado com características extremamente chocantes”.


Alexandre está preso no Centro de Detenção Provisória II em Guarulhos (SP) e Anna Carolina está presa na Penitenciária Feminina de Tremembé (SP).

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Entenda as mudanças na legislação penal aprovadas pela Câmara

Quinta-feira, 15 de maio de 2008
Fonte:
http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/51023.shtml


A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (14/4) oito projetos que alteram a legislação penal brasileira. Entre as propostas, estão a que modifica procedimentos do tribunal do júri e outras que tipificam crimes e aperfeiçoam a lei.

Confira o quadro de mudanças:
(Para mais detalhes, clique no projeto)

PL 4203/01 - põe fim ao protesto por novo júri a condenados a penas maiores de 20 anos, diminui o tempo de debate destinado à acusação e à defesa, entre outros. A matéria irá à sanção presidencial.

PL 4205/01 - aperfeiçoamento das exigências legais quanto às provas apresentadas nos processos. Uma das mudanças determina o envio antecipado de dúvidas que possam ser requeridas dos peritos durante o andamento do processo judicial. Muda o Código de Processo Penal. A matéria vai à sanção presidencial.

PL 1288/07 - rastreamento eletrônico (tornozeleira) em condenados com direito a passar o dia fora dos presídios. Muda o Código Penal e Lei de Execução Penal. A matéria volta para o Senado.

PL 7226/06 - garante a extensão do seqüestro de bens imóveis do indiciado aos bens que tenham sido registrados em nome de terceiros ou que estejam misturados com o patrimônio legalmente constituído. A matéria volta ao Senado, já que sofreu mudanças.

PL 938/07 – determina que o juiz, ao fixar a pena-base, deverá observar se o réu já cumpriu medida sócio-educativa de internação quando era menor de 18 anos e levar em conta como agravante. A matéria segue para o Senado.

PL 7024/06 - tipifica o crime de entrada com aparelho celular ou similares em prisões sem autorização legal, com pena de reclusão de três meses a um ano. Altera o Código Penal e segue para análise do Senado.

PL 4025/01 - tipificação do seqüestro relâmpago. Atribui penas mais rígidas para a extorsão se for cometida com restrição da liberdade da vítima ou se resultar em lesão corporal grave ou em morte. Acrescenta dispositivos ao artigo do Código Penal. A matéria retornará ao Senado.

PL 4850/05 – tipifica crimes sexuais contra crianças e adolescentes e caracteriza melhor os crimes de tráfico de pessoas para exploração sexual. Atualmente, só é considerado crime o estupro de mulheres com sexo vaginal. A proposta, que altera o Código Penal, retorna ao Senado.


Pendentes:

PL 678/03 - diminui a lista de categorias com direito a prisão especial quando sujeitas a ela antes de condenação definitiva. Deixariam de ter o privilégio os diplomados em curso superior e os ministros de confissão religiosa (padres e pastores, por exemplo), entre outros. Foi retirado de pauta para ser analisado em outra ocasião.

PL 2356/07 - aumenta o tempo necessário de cumprimento de pena em regime mais rigoroso para o preso ter direito a progressão para regime mais brando. Foi retirado da pauta.


quinta-feira, 15 de maio de 2008

Justiça social - solução à falência do sistema penal?


Karina Merlo

A falência do sistema penal punitivo se faz notória no nosso país.

Falta ao sistema, desde a individualização da pena, através do exame criminológico, que em tese deveria ser realizado no ingresso e durante a execução, como forma de aferir desde o início, as aptidões e capacidade do preso e orientar a sua execução para, de fato, reeducá-lo e reintegrá-lo à sociedade.

Porém o que existe na realidade é o simples encarceramento com o objetivo de banimento e vingança social. Agentes penitenciários em números insuficientes, sem um plano de carreira e vencimentos adequados, comandados por cargos de natureza política (e não por profissionais de carreira como deveria ser), também são problemas que tornam os apenados tão ou mais vítimas de um sistema inadequado. Caso houvesse o trabalho remunerado, obrigatório como determina a LEP, o estudo e uma execução individualizada, certamente seria reduzida a influência do tráfico e do crime organizado sobre a massa carcerária – atualmente é isso que têm suprimido as necessidades que o Estado deveria arcar.

Algum desses egressos que reincidiram, não tiveram ensino profissionalizante e regular, trabalho remunerado, e acima de tudo, nenhum apoio ao saírem de suas celas. Até que arrumar um emprego ao sair de uma prisão não é tão difícil assim, mas para comer, beber, dormir, vestir-se e arcar com os custos de condução até o primeiro salário, sem o amparo de um órgão específico, é quase impossível e improvável tornar-se uma pessoa digna, alguém “ressocializado”. Como esse apoio inexiste pelo Estado, é nas bocas-de-fumo, no tráfico e nos inúmeros delitos que o egresso se reencontra como pessoa, e obviamente, se compromete com a reincidência imediata.

Como falar de princípios basilares, em especial da dignidade humana, diante de tantas deficiências desse sistema capenga? Como exigir dignidade para os encarcerados enquanto tantas pessoas dignas têm suas vidas atormentadas pelo esforço de sobrevivência e temem pela sua própria segurança e das pessoas que estimam?

Creio que ao buscarmos as respostas para uma justiça penal de cunho efetivo estaremos despendendo nossas forças equivocadamente, afinal o cerne dessa questão só encontra justificação na absoluta falência da justiça social.

Há uma grande distorção dos conceitos de justiça, incitando-nos a considerar que a criminalidade é resultado da existência da população mais pobre e miserável do nosso país. O trinômio "pobre – miséria – crime" realmente nos induz a considerar ser verdadeira a idéia de que a violência é conseqüência da existência de pobres e miseráveis e daí advir a maior probabilidade de serem punidos com a privação da liberdade. É como se o indivíduo já nascesse condenado.

Por isso afirmo ser mais relevante, antes de buscarmos uma justiça penal de imediato, termos uma maior preocupação em buscarmos uma justiça social. Falo de políticas sociais efetivas e não de programas paternalistas e paliativos por parte do governo, e sim de investimentos em educação, desenvolvimento econômico e social, mais empregos, não de politicagens! Essas devem ser as metas de um verdadeiro Estado Democrático de Direito que visa superar as injustiças sociais e preocupa-se com a real defesa dos direitos humanos no Brasil.



Caso Isabella e a mídia

Inicio essa nova etapa interativa agradecendo àqueles que tanto me incentivaram a criar esse espaço, e assim, definitivamente, poder compartilhar com vocês opiniões, idéias e, quem sabe talvez, até soluções para tantos problemas polêmicos que assolam o nosso cotidiano.

O caso Isabella Nardoni.
Karina Merlo

É-me estranho o porquê de tanto espanto com esse crime hediondo, afinal crimes piores têm abatido a sociedade e nós, cidadãos, não nos damos conta de como a violência cada vez mais nos permeia. Se faz necessário que um caso assim surja nos nossos play-grounds, embaixo de nossas janelas para nos fazer despertar que o dia-a-dia violento e descabido já faz parte há muito tempo da nossa realidade?
Filhos matando pais, pais matando filhos não é nenhuma novidade. A diferença é quando a mídia se predispõe em mostrar casos isolados como se fossem um programa de TV, em que todos não podem perder um capítulo sequer, como se a realidade tivesse se tornado ficção.

Sou a favor que sejam cumpridos todos os passos de um devido processo legal, constitucionalmente garantido a "qualquer pessoa" no Brasil, independentemente de qualquer distinção pessoal, como classe social, cor etc.

A sociedade clama por uma justiça célere, não só no caso da Isabella, mas em todos que estão apodrecendo no sistema judicial. A morosidade, até a tramitação em julgado dos processos penais no Brasil, facilita a impunidade, o que intensifica a sensação da falta de justiça. Mesmo assim, é preciso que deixemos cada um realizar o seu papel. A pressão nesses casos, muitas vezes, camufla a verdade, e o objetivo maior não é termos respostas para os nossos anseios, mas respostas baseadas em fatos e provas e, não somente, uma justificação para a revolta alheia.

Então sejamos pacientes e guardemos as nossas angústias, pois de nada adianta clamar por direitos e não poder usufruí-los.

Regras do processo
Estado não pode impor culpa com base na opinião pública
por Roberto Wanderley Nogueira

Em seqüência a mais um episódio midiático do assim denominado caso Isabella, de triste sina, operadores jurídicos, jornalistas e comentadores em geral vão à imprensa para lançar um falso registro: missão cumprida! No entanto, quem entende, realmente, de Direito Processual, sabe que a Ação Penal apenas se inicia quando do seu recebimento, com ou sem prisão preventiva dos acusados.

Acontece que, por mais robustos que sejam os elementos de demonstração probatória postos durante a fase pré-processual do Inquérito Policial específico (em que não há contraditório) e que haja suportado, inclusive, a propositura da denúncia por parte do Ministério Público, titular da Ação Penal Pública, não se afasta do jogo processual a problemática relativa à dúvida razoável, entre nós erigida em garantia de direito individual pela Constituição da República e pelas Leis do Processo.

Na prática, isto significa que, enquanto houver dúvida consistente em algum tipo de alternativa que possa explicar de modo diverso a linha disposta formalmente na acusação, eis que não se pode condenar validamente.

Ora, por mais difícil que possa resultar uma contra-prova às evidências meramente circunstanciais descritas fartamente pela mídia em torno deste e de qualquer outro caso, o fato é que, mesmo assim, esses elementos não são conducentes a condenar ninguém, porque postos sob dúvida legal.

A dúvida legal, ou razoável, é barreira que obsta a evolução do processo penal em direção a um desfecho positivo, a dizer, consubstancial à acusação.

É evidente que, em casos de crimes dolosos contra a vida, o juiz natural é o Conselho de Sentença, formado por sete cidadãos idôneos da comunidade do ‘distrito da culpa’ (local do delito), não necessariamente dotados de formação jurídica, que é convocado pelo Presidente do Júri para exercer o papel jurisdicional que lhe está reservado pela Constituição Federal.

Ocorre que a soberania do Júri Popular não é absoluta, pois um tal paradigma equivaleria a transformá-lo em uma expressão tirânica dentro mesmo do regime democrático. Então, sucede que as suas decisões passam necessariamente pelo crivo das provas que foram produzidas ao longo da persecução criminal, que envolve o plano do Inquérito Policial (sem contraditório) e o plano do sumário-crime acusatório que é a instrução processual sob a presidência do Juiz. A este é dada a competência de avaliar, com apoio em tudo isso, se o caso merece ou não ser encaminhado ao veredicto do Júri, certo da materialidade e de indícios que possam fazer acreditar, ainda que por suposição legal, a verdade quanto à autoria incidente à pessoa do réu.

Ao Júri, pois, cabe avaliar se esse juízo de valor precário deve ou não consolidar-se em definitivo, adotando-se a convicção de que, além da materialidade, também a autoria se firmou diante das provas produzidas.

Ora, para que a autoria se firme, ao lado da já demonstrada materialidade delitiva, como substância de condenabilidade jurídica (não política, não social, não moral, jamais supositiva), será sempre necessário que se exclua desse quadro de convenções jurídicas a dúvida tida como razoável.

Enquanto ela operar efeitos lógicos no sistema de evidências a tempo e modo construído, sucede que a condenação é juridicamente impossível. Se por ventura o Júri vier a decidir desse modo, descolado das evidências de materialidade e de autoria, essa decisão estará passível de nulidade e como tal será declarada pelo Tribunal de Justiça ao qual compete examinar os recursos dos Órgãos da Justiça de 1º Grau. O Júri Popular é um desses Órgãos.

Portanto, é de se registrar, isto sim, que o trabalho de apuração da responsabilidade criminal de qualquer espécie apenas se inicia ao ensejo do recebimento da denúncia que entende de acusar, formalmente, a quem de direito. A substância de uma acusação formal, porém, está presente na demonstração cabal assim da materialidade do fato como de sua autoria. Tanto assim é que a autoridade policial poderá ser a todo o tempo estimulada, mesmo de ofício ou por requisição da autoridade judiciária, a lançar novas evidências no contexto da imputação, para dirimir dúvidas sobre pontos relevantes, com natural e necessária repercussão para o âmbito da causa criminal já processualmente em curso, antes que uma sentença (ou veredicto do Júri) tenha sido proferida.

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova constante dos autos que não induzam dúvida razoável. Portanto, é vedado ao Estado proceder de modo temerário na fixação das culpas em definitivo. Sobretudo e quando acalentado por influxos heterodoxos que partem de diversos subsistemas sociais como a opinião pública sublevada em seus próprios medos e preconceitos e uma imprensa vocacionada a produzir resultados nem sempre edificantes.
Roberto Wanderley Nogueira: é juiz Federal em Recife, doutor em Direito Público e professor-adjunto Faculdade de Direito do Recife e da Universidade Católica de Pernambuco.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2008
http://conjur.estadao.com.br/static/text/66344,1