terça-feira, 30 de setembro de 2008

Ibccrim organiza evento para discutir voto de presos

Karina Merlo

Afinal alguém percebeu, definitivamente, essa arbitrariedade na lesão dos direitos políticos do preso provisório. Não é de agora que os presos têm sido impedidos de exercer o seu direito de votar.

As desculpas são inúmeras: os TRE’s dizem não ter aparelhagem e nem segurança para promover o sufrágio nas instituições carcerárias, estas dizem não conseguir organizar-se com o seu pessoal interno para uma eleição tranqüila, os Diretores falam em não ter agentes suficientes, etc. Além dos presos provisórios serem impedidos de votar, ainda têm de pagar muita. É o Estado negando um direito e ainda cobrando por isso.

Sabe-se que a população carcerária não é uniforme. Temos presos provisórios, ainda respondendo a processos, nem foram julgados e estão convivendo com outros que podemos chamar de escória humana. Mesmo sem trânsito em julgado já têm os seus direitos restringidos por tais fatores.

O Ibccrim está de parabéns pela iniciativa!

Direito de escolha

Ibccrim organiza evento para discutir voto de presos

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2008

Negar aos presos provisórios o direito de votar é renegar o princípio da presunção de inocência. Essa será a tônica da Mesa de Estudos e Debates (MED) Por que os presos no Estado de São Paulo não votam?, promovida pelo Ibccrim na próxima quinta-feira (2/10).

O objetivo é debater sobre o direito do exercício da cidadania. Para o Ibccrim, a participação social e política é essencial para a formação de uma sociedade livre e democrática e é através do voto que o cidadão passa a existir e adquire identidade nacional e pessoal.

A Constituição Federal garante a todos os direitos políticos, obrigando o alistamento eleitoral e o voto aos maiores de 18 anos e facultando o direito de votar aos jovens maiores de 16 anos. De acordo com o Ibccrim, o estado de São Paulo abriga 32% das pessoas encarceradas no Brasil, das quais 40% são presos provisórios. Isso corresponde a mais de 54 mil brasileiros aptos a votar, mas que têm esse direito violado.

Entre os debatedores estão a advogada Sônia Regina Arrojo e Drigo, o procurador regional eleitoral Luiz Carlos Gonçalves dos Santos e o juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo Waldir Sebastião Nuevo de Campos Junior.

As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo site do Ibccrim, por e-mail ou pelo telefone (11) 3105-4607, ramal 174.

Data: 2 de outubro de 2008 (quinta-feira).
Horário: 10h
Local: Rua Onze de Agosto, 52, 2º andar - Centro – São Paulo – SP

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

CJF consolida resolução sobre intimação eletrônica nos JEFs

Caros leitores,
Alguns de vocês devem ter sido destinatários, como eu, daqueles e-mails sórdidos intitulados "INTIMAÇÃO", que nos deixam dúvidas quanto à sua veracidade e intenção.
Eles chegam despretenciosamente em nossas caixas postais, geralmente não nos explicando nada. Vêm acompanhados de um arquivo (anexo) que, certamente, vitimará algum curioso que se acha em condições de ter entrado numa roubada. Na verdade, esse curioso leitor se achará em apuros se sucumbir à curiosidade de abrir o tal "anexo" que sempre acompanha essas intimações. Ainda não consegui entender como se consegue ter acesso ao domínio @abcdefgh.gov.br ou @abcdefgh.org.br de órgãos públicos e entidades tão idôneas como o Ministério Público e a Polícia Federal.
Adquiri o hábito de pesquisar no Google essas mensagens antes de, finalmente, abrir tais anexos e, para a minha pouca surpresa, constantemente surgem várias denúncias de vírus relativos aos mesmos.
Como uma das formas de tornar a justiça brasileira mais célere é informatizar muitos procedimentos que no qüotidiano emperram a máquina judiciária, ficamos propensos a abrir tais arquivos para verificar se, realmente, somos parte de algum desconhecido processo.
Dessa forma, fica registrada a dica de recorrer ao nosso informante universal, "Dr. Google", para que você não seja mais um infeliz a relatar o seu infortúnio nas páginas públicas. É fato que, em pouco tempo, estaremos sujeitos a receber tais procedimentos por e-mail, mas por enquanto, toda e qualquer cautela é pouca.
Lembre-se que a Internet é domínio público e que o seu endereço de e-mail é uma das facilidades para qualquer banco de dados dos "crackers" (como erroneamente se divulga, os "hackers" não são perigosos, ao contrário, são indivíduos com potencial conhecimento em informática que trabalham no propósito de bloquear as ações dos "crackers" - vilões de crimes e perturbações na Internet).
Veja abaixo a mais recente decisão referente ao uso da intimação eletrônica pelo Colegiado do Conselho da Justiça Federal.
Fonte: Conselho da Justiça Federal, 24/09/2008
O Colegiado do Conselho da Justiça Federal (CJF), em sessão realizada nesta terça-feira (23), aprovou por unanimidade proposta de resolução que consolida em um só ato as resoluções nº 522, de 05 de setembro de 2006, e a 555, de 03 de maio de 2007 que versam sobre a intimação eletrônica das partes, Ministério Público, procuradores, advogados e defensores públicos no âmbito dos juizados especiais federais (JEFs).
De acordo com a minuta aprovada, a intimação dos atos processuais, nos JEFs, e em suas turmas recursais será efetivada, preferencialmente com a utilização de sistema eletrônico. O processamento de intimação eletrônica, no entanto, fica condicionado ao prévio cadastramento do usuário.
O cadastramento será realizado no juizado, com a identificação presencial do usuário que será registrado no sistema e receberá uma senha de acesso individual e intransferível, assegurado o sigilo, a identificação e a autenticidade das comunicações.
O cadastramento implicará o expresso compromisso do usuário em acessar o site próprio da seção judiciária, semanalmente, ou seja, de segunda a domingo, para ciência das decisões inseridas no local próprio, protegido por senha.
As intimações eletrônicas, inclusive da União e suas autarquias, consideram-se pessoais para todos os efeitos legais e dispensam publicação em diário oficial convencional ou eletrônico.
A intimação eletrônica ocorre com o acesso do usuário ao site próprio da seção judiciária, em local protegido por senha, onde esteja disponível o inteiro teor da decisão judicial. Será considerada realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização. Na hipótese da consulta se dar em dia não útil, a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte.
Nos casos urgentes em que a intimação feita eletronicamente possa causar prejuízo às partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de fraudar o sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conforme determinação do juiz.
Disponível em: http://www.jf.jus.br/

domingo, 21 de setembro de 2008

Eliana Calmon é a nova ministra substituta do TSE



Baiana de Salvador tomou posse nesta terça-feira, no gabinete da presidência da casa.
Tomou posse nesta terça-feira (16) como ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana Calmon. O presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, após empossar a nova ministra em seu gabinete, disse que Eliana Calmon vem para se somar aos ministros da Casa e para emprestar aos trabalhos do TSE o brilho do seu reconhecido talento, da sua vasta cultura, da sua vocação firme e forte para com a judicatura.
“Onde a ética na vida pública não é tudo, a vida pública não é nada”, refletiu o ministro.O presidente ainda acrescentou que é uma honra para o TSE receber a ministra Eliana e disse: “todos nós somos seus admiradores e desejamos que se sinta bem nessa nova missão, nessa nova experiência porque o Brasil merece o melhor de todos nós”.
A ministra dispensou as formalidades e num gesto simbólico colocou o broche do TSE e disse que espera honrar o novo cargo. Ela é baiana de Salvador, formou-se em Direito pela Universidade Federal da Bahia em 1968, e ingressou na Justiça Federal como juíza da Seção Judiciária do Estado, em 1979. Dez anos depois, tomou posse no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em junho de 1999. É membro da 1ª Seção, 2ª Turma e da Corte Especial do STJ.Estiveram presentes à cerimônia de posse os ministros integrantes do TSE Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Caputo Bastos e Marcelo Ribeiro. Os colegas da ministra no STJ Herman Benjamin e Mauro Campbell também compareceram à posse.
CM/BA

Senado analisa projeto para acabar com Exame de Ordem

Foto: Ilustrativa - unipar.br
por Marina Ito
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), do Senado, deve votar, na próxima quarta-feira (24/9), o Projeto de Lei 186/06, de autoria do senador Gilvam Borges (PMDB-AP), que pretende acabar com o Exame de Ordem no país. O projeto prevê mudanças no Estatuto dos Advogados, que delega para a OAB a tarefa de avaliar os candidatos a ingresso na profissão.
Segundo a Agência Senado, a decisão terá caráter terminativo, ou seja, se aprovado, o projeto não irá ao plenário, sendo remetido à Câmara dos Deputados. A proposta só será votada em plenário se houver recurso assinado por um mínimo de nove senadores.
O artigo 44, da Lei 8.906/94 estabelece que é competência da OAB “promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda da República Federativa do Brasil”. O projeto exclui da lista de competências previstas no dispositivo a seleção. Revoga, ainda, partes do artigo 8º e 58º. O inciso IV, do artigo 8º, dispõe que a inscrição de advogado depende da aprovação no Exame de Ordem. Já o inciso VI, do artigo 58º, confere à OAB a competência para realizar a prova.Presidente da Comissão Nacional do Exame de Ordem, a conselheira da OAB Maria Avelina Imbiriba Hesketh afirmou à revista Consultor Jurídico que está confiante na desaprovação da proposta. “Já foram apresentados diversos outros projetos que morreram na CCJ. Não acredito que esse seja aprovado. Estamos torcendo e confiantes no bom senso dos parlamentares”, observa.
Posição dos senadores
Segundo a Agência Senado, o autor do projeto, senador Gilvam Borges, considera que a proposta resgata o direito do bacharel ao exercício da profissão. Para o senador, a dedicação do aluno à sua formação durante, pelo menos, quatro anos na faculdade de Direito, justifica seu ingresso direto na carreira. Sustenta também que o dever de avaliar o desempenho das faculdades e dos estudantes é do Ministério da Educação (MEC) e não da OAB.
“A um simples exame não se pode atribuir a propriedade de avaliar devidamente o candidato, fazendo-o, dessa forma, equivaler a um sem-número de exames aplicados durante todos os anos de curso de graduação, até porque, por se tratar de avaliação única, de caráter eliminatório, sujeita o candidato à situação de estresse e, não raro, a problemas temporários de saúde”, afirma Borges.
Já o senador Magno Malta (PR-ES), relator do parecer a ser apreciado pela CCJ, conclui que o Exame de Ordem é necessário para avaliar a qualidade do ensino de Direito no país. Ele chegou à conclusão depois da audiência pública, realizada em março deste ano, onde ouviu várias entidades da sociedade civil sobre o assunto. Magno Malta atribui uma crise de qualidade dos cursos Jurídicos a proliferação de escolas particulares, a partir dos anos 50, “sem o prestígio e a qualidade atribuídos ao ensino público da época". Magno Malta sugere o encaminhamento do projeto à Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) antes da apreciação pela CCJ.
Ao se manifestar na audiêcia pública, o senador José Nery (PSOL-PA) afirmou que não é o caso de se acabar com o exame, mas de aperfeiçoá-lo para que sirva como mecanismo de acompanhamento da qualidade do ensino. O senador sugeriu que o exame fosse aplicado ao longo do curso, por etapas, ao final de cada ano letivo.
Inconstitucionalidade da prova
No Rio de Janeiro, a juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal do Rio, concedeu liminar, no início deste ano, a seis bacharéis para que pudessem advogar sem a aprovação no exame. A juíza considerou a exigência de aprovação no exame inconstitucional. “Qualificação é ensino, é formação. Neste aspecto, o exame de ordem não propicia qualificação nenhuma e como se vê das recentes notícias e decisões judiciais reconhecendo nulidade de questões dos exames (algumas por demais absurdas), tampouco serve como instrumento de medição da qualidade do ensino obtido pelo futuro profissional”, escreveu na decisão. A decisão liminar foi suspensa pelo desembargador Raldênio Bonifácio Costa, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
A defesa dos estudantes alegou que a exigência do exame foi revogada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Além disso, afirmou que o Estatuto dos Advogados, ao estabelecer a aprovação na prova como requisito para exercer a advocacia é inconstitucional já que se confronta com o inciso XIII, do artigo 5º, e com o artigo 205 da Constituição Federal. Os dispositivos estabelecem que é livre o exercício profissional atendidas as qualificações exigidas por lei.
Segundo a conselheira da OAB, Maria Avelina, a própria Constituição faz a ressalva de que o exercício da profissão é livre desde que atendidas as exigências estabelecidas por lei. Segundo a conselheira Maria Avelina, a exigência do Exame de Ordem não faz uma reserva de mercado para os atuais inscritos nos quadros da OAB. “Não é uma guerra contra os bacharéis”, afirma. Segundo ela, a OAB lamenta a situação dos bacharéis que ainda não conseguiram a aprovação no exame. “Nós não podemos flexibilizar”, conclui.
Revista Consultor Jurídico, 20 de setembro de 2008

Questões atuais da legítima defesa

Alice Bianchini
Advogada. Mestre em Direito pela UFSC. Doutora em Direito pela PUC/SP. Especialista em Teoria e Análise Econômica pela UNISUL e em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM. Professora do Mestrado em Direito da Unisul. Coordenadora Geral dos Cursos de Especialização Televirtuais da Unisul/Rede LFG. Autora de diversas obras publicadas pela Editora RT.
Nos primeiros aglomeramentos humanos a vingança privada foi a forma de resposta às ações agressivas. Sucedeu-a à fase da vingança divina, substituída, posteriormente, pela vingança pública, chegando, dias de hoje, ao período criminológico. Como em todas as etapas anteriores, hoje prevalece o entendimento de que, havendo encontro de agressões, aquele que agir no sentido de repelir ou evitar ataque injusto (para salvaguardar outro direito de igual ou equivalente valor) não deve sofrer recriminação.
As justificativas teóricas podem ser fundamentadas em quatro grupos: (a) na equidade; (b) na moralidade da ação; (c) na necessidade política; (d) na própria natureza do direito (PEDRO VERGARA). Há, ainda, aqueles que negam qualquer justificativa, apoiando-se em razões humanas.
Para as teorias da eqüidade, a legítima defesa se explica pelo instinto de conservação e pela coação moral (constrangimento e ameaça) que a agressão injusta representa. As teorias da moralidade da ação buscam fundamentação no motivo determinante do ato defensivo, qual seja, salvaguardar o direito colocado indevidamente em perigo. As teorias de base política suportam-se no fato de que sempre que o Estado deixe de atuar em defesa do cidadão, este pode substituir àquele. Por fim, para as teorias com assento no conceito do direito, o agente recebe tacitamente uma delegação do Estado para defender-se; trata-se, assim, de exercício de um direito subjetivo.
A legítima defesa, no Código Penal, está prevista no art. 25. É causa excludente da ilicitude ou da antijuridicidade, e confere ao indivíduo que está sendo agredido (agressão atual) injustamente (agressão injusta), ou que se encontra sob séria ameaça de agressão (agressão iminente), ou que se vê diante de uma agressão dirigida a outrem (legítima defesa de terceiro) o poder de sacrificar bens alheios, desde que os meios utilizados sejam necessários (necessidade dos meios), para o fim de salvaguardar outro bem igualmente valorado (importância do bem jurídico salvaguardado), e tenham sido utilizados meios moderados (moderação dos meios). Vê-se, assim, que o escopo da legítima defesa é consentâneo com o do Direito penal: proteção de bens jurídicos.
Atualmente, quando ganha proporções acentuadas a preocupação com a segurança, o tema da legítima defesa passa a ter elevada importância. Conforme dados do Datafolha, a segurança é tida como o principal problema do país (FSP, 25 mar. 07, A4), significando que a segurança deixa de ser vista como função de governo, de combate à criminalidade, para converter-se em direito (largamente reivindicado) da sociedade. Se antes a tônica era a segurança pública, agora é a segurança privada que se destaca.
A preocupação com a segurança, aliada à não confiança nas instituições de controle social formal (sistema de Justiça penal), resulta em aumento de meios de proteção e se faz sentir diretamente nas renovadas invenções, na intensa comercialização e no alargamento das aplicações de aparatos de segurança (carros blindados, cercas elétricas, guardas particulares, alarmes, câmeras de observação, cães bravios, etc.). Disso decorre o fenômeno conhecido como "indústria da segurança", o qual conta, por sua vez, com a disseminação da insegurança como clima fundamental para a garantia de lucros.
Outra importante conseqüência é a cada vez maior falta de proporcionalidade entre o bem jurídico a ser protegido e o efeito advindo do funcionamento dos instrumentos utilizados para prevenir ou obstar ataque a bens particulares. Trata-se dos denominados ofendículos, que são dispositivos de defesa dispostos de maneira a dificultar ou impedir ataque ilícito a um bem. Aos meios de defesa mais bem desenvolvidos e seguros, aliás, somente uma parcela pequena da população tem acesso: os detentores de recursos financeiros. Grande parte da população lança mão de meios mal arranjados, potencialmente danosos e letais, porque atendem pouco às exigências técnicas de segurança e muito mais à imaginação agressiva de quem os improvisa.
Apesar de os ofendículos, para a maioria da doutrina, caracterizarem-se como legítima defesa, há quem entenda que o seu uso constitui exercício regular de direito, tendo em vista, principalmente, que, quando os equipamentos, sistemas ou instrumentos de proteção são instalados, ausente se encontra o requisito temporal da legítima defesa, qual seja, a atualidade ou a iminência da agressão. Fundamentando-se no mesmo argumento, outra parte da doutrina defende que, enquanto não entrarem em ação os meios utilizados para a defesa, deve-se falar em exercício regular de direito; tão logo acionado, inscrever-se-ão nos limites da legítima defesa.
São defensores da primeira tese, dentre outros: BASILEU GARCIA, CEZAR ROBERTO BITENCOURT, FLÁVIO AUGUSTO MONTEIRO DE BARROS, FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, JOSÉ FREDERICO MARQUES, GALDINO SIQUEIRA, JOÃO JOSÉ LEAL, LUIZ ALBERTO FERRACINI, LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO, MAGALHÃES NORONHA e NELSON HUNGRIA.
Entre os que compartem o entendimento de que se trata de exercício regular de direito: ANÍBAL BRUNO, BENTO DE FARIA, FERNANDO CAPEZ, GUILHERME DE SOUZA NUCCI, JOSÉ GERALDO DA SILVA, MARCELLO JARDIM LINHARES, JULIO FABBRINI MIRABETE, PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR e ROMEU DE ALMEIDA SALLES JÚNIOR.
Como partidários da terceira tese, podemos encontrar: DAMÁSIO DE JESUS, FRANCISCO DIRCEU BARROS, LUIZ FLÁVIO GOMES e LUIZ REGIS PRADO.
Parece-nos assistir razão a estes últimos penalistas. A agressão injusta, embora não se tenha dado no momento em que os instrumentos de defesa foram instalados, realiza-se quando acionados, em face do ataque do agressor. Ou seja, ainda que a instalação do aparelho preceda o momento da agressão, ele entrará em funcionamento, ou cumprirá sua função, tão logo, mas tão só quando esta se torne atual ou iminente. Trata-se, portanto, de mera criação de risco permitido. Na hipótese de haver abuso, responderá o agente pelo excesso doloso ou culposo, conforme o caso.
A utilização mais comum dos ofendículos ocorre na proteção ao patrimônio, locus de grande parte dos excessos. O direito do cidadão de defender seus pertences, como todos os demais, deve ser exercido com consciência e prudência, a fim de que não exponha a risco bens jurídicos alheios de maior valor. Sempre que o agente se puder valer de meios de proteção não ofensivos (alarmes sonoros, por exemplo), estes devem ser preferidos em relação a meios de proteção ofensivos (cercas elétricas, v.g.).
Todas as cautelas devem ser tomadas pelo agente, afastando-se, ao máximo, o perigo comum, para que, em caso de acionamento dos ofendículos, não venha a responder por excesso. A exorbitância dos limites da defesa pode ser aferida em relação: (a) aos meios usados para a estruturação do dispositivo (se eram ou não necessários) e (b) à potencialidade de sua atuação (se eram ou não moderados).
Dentro desse tema, bastante eloqüente é o exemplo trazido por MAGALHÕES NORONHA, e repetido por tantos juristas, acerca do excesso de legítima defesa daquele que eletrifica porta de casa com acesso direto ao público, bem como daquele que eletrifica uma porta a que se tenha ingresso apenas pela parte interior da residência, aplicando uma descarga capaz de causar a morte ou sério dano físico.
Ainda em relação à moderação, vê-se que o "estado de insegurança sentida" tem levado a que se amplie cada vez mais o âmbito de limitação ético-social da legítima defesa: cães treinados para atacar ferozmente o invasor, cercas elétricas com alta voltagem e/ou dispostas em local de fácil contato e/ou não acompanhadas de avisos indicativos de perigo, utilização de arma de fogo, objetos perfurantes ou cortantes dissimulados, dispositivos eletrônicos que disparam gases tóxicos, etc. são largamente utilizados e aceitos pela sociedade, sem causar qualquer perplexidade.
Percebe-se, em muitos desses casos, que, de mecanismo de autoproteção, o ofendículo transforma-se em contra-ataque. Se os meios utilizados são superiores aos necessários, os danos que vierem a produzir aos direitos do agressor não se encontram legitimados, caracterizando-se, por isso, o excesso. Há que se prestar tributo à exigência de proporcionalidade entre a reação defensiva e a agressão injusta. Não é o que ocorre, por exemplo, na situação em que, para defender o patrimônio, o agente utiliza armadilhas de alto poder letal. Não existe proporcionalidade no sacrifício de uma vida humana para a salvaguarda exclusiva do patrimônio.
Sentimentos coletivos de insegurança, descrédito na Justiça e fratura da ordem social levam ao medo e à intranqüilidade, fazendo com que cada vez mais pessoas lancem mão de recursos de autodefesa. Tal não seria problemático se não se estivesse utilizando meios sempre mais agressivos, caracterizando, inúmeras vezes, excesso de legítima defesa, numa demonstração de retorno à fase, que parecia superada, da vingança privada, embaralhando os sentimentos de proteção e de vingança. Embalado pela "cultura do medo" (BARRY GLASSNER), tudo isso dá ensejo a uma sociedade que, além de buscar fortes aparatos de proteção individual, deposita nas mãos da lei penal (e principalmente em um seu maior rigor) a solução para os seus problemas relativos à violência, não sendo capaz de perceber que os aplicadores da Justiça penal são exatamente aqueles nos quais ela já perdeu toda a confiança (policiais, juízes, tribunais, etc.).
Os excessos têm alcançado, talvez, culpados, mas igualmente, e quiçá em maior proporção, vitimado inocentes (como crianças que pulam o muro atrás de uma bola e são eletrocutadas ou cidadãos pacíficos atacados por cão mal controlado), com conseqüências de responsabilidade civil e criminal em número que se acentua.
Referências bibliográficas
AMADA, Célio de Melo. Legítima defesa. São Paulo: José Bushatsky, 1981.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. T. I. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, "sociedade de risco" e o futuro do direito penal: panorâmica de alguns problemas comuns. Coimbra: Almedina, 2001.
GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.
GOMES, Luiz Flávio, GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Direito penal: parte geral. São Paulo: RT, 2007, v. 2.
GLASSNER, Barry. Cultura do medo. Trad. Laura Knapp. São Paulo: Francis, 2003.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: IBBCrim, 2003.
QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001.
VERGARA, Pedro. Da legítima defesa subjetiva. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1992.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1.
Artigo publicado em junho de 2008 na Carta Forense, disponível em:

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

AGU publica súmulas que vão desafogar o judiciário e garantir benefícios ao cidadão


AGU Notícias
A Secretária-Geral de Contencioso, Grace Maria Fernandes Mendonça, propôs ao Advogado-Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, a edição de oito súmulas da Advocacia-Geral da União (AGU), que foram aprovadas e publicadas no Diário Oficial da União. As súmulas servirão de orientação aos órgãos e autoridades administrativas da instituição, além de propiciar a redução de ações judiciais em trâmite nos tribunais brasileiros. Por meio das súmulas, os representantes judiciais da União, suas autarquias e fundações públicas ficam autorizados a não contestar os pedidos, não recorrer das decisões desfavoráveis e, também, a desistir dos recursos já interpostos.
A maior virtude que se pode extrair da edição de súmulas no âmbito da AGU é o respeito ao cidadão, que já terá seu direito reconhecido sem que tenha que sofrer as delongas relativas à tramitação de um processo judicial”, explicou Grace Mendonça.
A edição das súmulas é mais um passo dado na consolidação do papel da AGU no cenário nacional, na medida em que contribui para a redução do volume de trabalho dos membros do Poder Judiciário brasileiro.
Por Lei, a AGU é obrigada a recorrer de qualquer ação que perca. Assim, a edição de súmulas desobriga o advogado público de insistir em teses já rechaçadas pela jurisprudência dos tribunais superiores, permitindo que ele se dedique às ações que efetivamente poderão obter êxito.
Em junho de 2008, foram editadas nove súmulas relativas ao INSS, com a finalidade de reduzir a quantidade de ações propostas contra o Instituto e facilitar o recebimento de benefícios pelos segurados.
As oito súmulas referem-se a assuntos distintos e são todas igualmente relevantes.
Veja as Súmulas .
Fonte: http://www.agu.gov.br/noticias/inteiro_teor_noticias.asp?codconteudo=12476&codsecao=2

Procuradoria ingressa ADI contra resolução do CNJ que regulamenta grampos

Notícias STF - Quinta-feira, 18 de Setembro de 2008
A Procuradoria Geral da República (PGR) ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4145) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que disciplina os procedimentos para autorização judicial de escutas telefônicas.
Segundo o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, o CNJ “agiu além de sua competência constitucional” ao estabelecer regras para a validade de decisões judiciais sobre escutas telefônicas. "Não pode o CNJ incluir formalidade que a lei não o fez, sob a frágil roupagem de regulamentação administrativa, tolhendo não só a liberdade do juiz mas também a legítima expressão da vontade geral filtrada democraticamente pelo Legislativo", diz Antonio Fernando na ação.
Para o procurador-geral, mesmo que o STF não reconheça que a resolução representa “indevida ingerência do CNJ em atividade típica do Judiciário” e reafirme sua “natureza unicamente administrativa”, ela deve ser considerada inconstitucional porque trata de matéria que somente pode ser regulamentada por meio de lei (inciso XII do artigo 5ª da Constituição).
Antonio Fernando pede que a resolução seja suspensa liminarmente ou que se aplique à ação o rito abreviado de julgamento, previsto na Lei das ADIs (artigo 12 da Lei 9.868/99). Segundo ele, a concessão da liminar “decorre da necessidade de suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados para um exame mais aprofundado do tema, bem como para se evitar que os juízos sejam atingidos por ingerência formalmente indevida".
O ministro Cezar Peluso é o relator da ação.
Resolução
Aprovada no dia 9 de setembro pelo CNJ, a Resolução 59 tem 22 artigos. Ela estabelece que os juízes terão que informar, mensalmente, a quantidade de interceptações telefônicas em andamento. Os dados serão repassados pelas corregedorias dos tribunais à Corregedoria Nacional de Justiça, que terá um controle das interceptações telefônicas.
A resolução prevê, ainda, a identificação das pessoas que tiveram acesso às escutas autorizadas, com a finalidade de preservar o sigilo das informações obtidas e evitar vazamentos. As informações serão sistematizadas pelo CNJ e possibilitarão dados estatísticos sobre o assunto.
RR/EH
Processos relacionados
ADI 4145.
Acompanhe esse processo no site do STF:

domingo, 14 de setembro de 2008

Novos meios de provas fazem parte do novo século


por Vladimir Passos de Freitas
Na esteira da “Operação Satiagraha”, a mais comentada de toda a história do Brasil, seguem manifestações de toda ordem. Entrevistas, projetos de lei sobre interceptação telefônica, regulamentação da matéria pelo CNJ, processos anulados, manifestações públicas de magistrados, agentes do MP e advogados, discussão sobre o papel da Agência Brasil de Inteligência (Abin) e por aí vai.
Em meio ao festival de protestos e contra-protestos, há de tudo e para todos os gostos. Só falta mesmo discrição, virtude “démodé” para quem já está mesmo fora de moda ou “old fashion”, para quem se adapta às novas palavras do nosso idioma.
Em análise técnica, com mais razão e menos emoção, vejamos as normas que regem a matéria. A Constituição declara inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial e na forma da lei (artigo 5º, XII). A Lei 9.296/96, que trata das interceptações telefônicas, disciplina a matéria, dispondo sobre quando e como ela deve ser feita. No dia 9 passado, o CNJ editou a Resolução detalhando o cumprimento da lei. A Abin, agência de inteligência brasileira, é regulada pela Lei 9.883/89, e se destina a auxiliar o presidente da República no processo decisório e na ação governamental de segurança da sociedade e do Estado.
Aqui cumpre abrir espaço aos meios de prova. É fato indiscutível que as provas tradicionais, interrogatório, ouvida de testemunhas e perícia (para furtos e homicídios), são, de fato, do passado. Atualmente, ninguém confessa coisa alguma (exceto em se tratando de delação premiada) e ninguém depõe sobre nada, por medo, comodismo ou descrença.
Eis que entra, então, a prova técnica. Os novos meios de prova, gravações, fotos, filmagens, tudo que este século proporciona e que deixa pasmos os mais velhos. Imaginaria um juiz gaúcho, em 1970, que, através de satélite, poderia ter acesso visual a uma rua localizada em um bairro em Belém do Pará? Cogitaria um antigo delegado, de canetas que filmam e gravam? Um promotor, de maletas sofisticadas que captam conversas à distância? Não, por certo.
Mas este é o novo mundo. Assustador, sem dúvida. Mas agora e daqui para frente será assim. Gostemos ou não. A técnica evolui rapidamente. E a legislação, lentamente. Seremos, todos, cada vez mais espionados. E os que têm vida pública pagarão um preço maior.
Ao invés de, nostalgicamente, lembrar-se o passado, o que se tem a fazer é aproveitar a técnica para o bem. Afinal, a gravação pode ser a única saída para uma vítima de seqüestro. A filmagem, o único meio de demonstrar o tráfico de drogas nas imediações de uma escola.
O mal está no abuso e pode dar-se de diversas formas. Pode existir sob a capa da legalidade. Por exemplo, em um pedido feito ao juiz poderá ser inserido o número de um telefone que nada tem a ver com o caso. Pode existir ilegalmente, através de aparelhos sofisticados (o que é mais raro) ou mediante suborno de um empregado de companhia telefônica (forma usada em questões de família). Ou, até, na disputa de cargos políticos, como notícia jornalística que sugere “grampo” para prejudicar a nomeação do Ministro Sepúlveda Pertence ao cargo de Ministro da Justiça (jornal O Estado de S. Paulo, 12.9.2008, A4)
Todos estes meios devem ser reprimidos. O artigo 10 da Lei 9.626/96 prevê como crime, punido com 2 a 4 anos de reclusão, a interceptação telefônica sem autorização judicial ou com abuso. Uma qualificadora dobrando a pena, no caso de o infrator ser agente público, e a inclusão de pena acessória de perda do cargo, poderiam inibir tais práticas.
Na verdade, no extenso rol de dúvidas e opiniões apaixonadas, encontra-se o mundo jurídico em um dilema shakespeariano: a) fixa-se na posição tradicional, valorizando a prova à antiga; b) aceita as provas técnicas, conhecendo seus riscos e impondo-lhes limites.
As conseqüências não são teóricas, são práticas, e já existem. O STJ, contrariando jurisprudência antiga (STF HC 83.515/RS, 16.9.2004) anulou Ação Penal do PR porque as gravações duraram mais do que o prazo previsto no artigo 2º da Lei 9.296 e, segundo matéria jornalística, isto vai barrar 50 investigações (Gazeta do Povo, 11.9.2008, 20). Segundo a imprensa, “STF solta tropa de choque do PCC” (O Estado de S. Paulo, 11.9.2008, C1). O motivo foi o excesso de prazo na instrução, gerado pelo sucessivo adiamento de audiências. Se as audiências não se realizam porque não há como transportar os presos com segurança e, por outro lado, não se admite que sejam feitas por vídeo-conferência, é certo que o excesso de prazo será uma constante.
Como se vê no emaranhado quadro exposto, o momento é delicado e exige bom-senso, mercadoria em falta no mercado. Mas para o cidadão, que dos acalorados embates públicos pouco ou nada compreende, fica apenas com uma certeza: o direito à segurança, que lhe assegura a CF (artigo 144), é uma miragem cada vez mais distante.
Vladimir Passos de Freitas: é desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e professor de Direito Ambiental da PUC/PR.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2008

domingo, 7 de setembro de 2008

Grampo - o verdadeiro Estado Democrático... sem Direito


Karina Merlo
Sinceramente, convenhamos que é mais seguro manifestar-me pelo meu Blog do que ao telefone! Então, por favor, se algo tiver de ser dito e compartilhado com a minha pessoa, é melhor que façamos por escrito aqui nesse espaço.
Talvez você, cidadão, estudante, trabalhador, não tenha se dado conta da gravidade da grampolândia, que de tema sério, passou a ser banalizado na imprensa com a massificação das notícias de alcance do STF. Ora, não é de agora que nos pronunciamos sobre as ilegalidades que circundam o grampo - um instrumento eficaz de investigação, relevante na apuração de fatos criminosos - desde que realizado de forma regular, legal e comedida. O que tem ocorrido atualmente é a aplicação descontrolada desse instrumento no nosso país.
A Polícia Federal grampeia o bandido; o bandido grampeia a Polícia Federal; o empresário grampeia o empresário; o banqueiro grampeia o outro banqueiro; o banqueiro grampeia o cliente; o marido grampeia a mulher; a mulher grampeia o marido; e a amante grampeia os dois! Ou seja, a exceção passou a ser a regra. Estão grampeando Ministros do Supremo, o Palácio do Planalto, etc... Convenhamos que, se grampeiam os maiores, os menores incluem-se por “osmose”. Essa é a "Nova República do Estado Democrático... sem Direito". É a mais pura realidade. E as pessoas não têm se alertado à importância do mau uso do grampo devido à supremacia das circunstâncias em que ele é aplicado - combate à criminalidade, à lavagem de dinheiro, à corrupção no Brasil - oficializando-se o grampo de qualquer modo, sem regras, sem acompanhamento, mesmo havendo ordem judicial para tanto.
Exemplo disso foi a Operação Satiagraha, na qual o delegado solicitou o grampo, o promotor apoiou e o juiz o deferiu. Uma vez grampeado o “determinado” cidadão, todas as pessoas que tiveram alguma comunicação telefônica com o suspeito adquiriram o estigma de serem suspeitas também. O que eu quero dizer com isso: se alguém telefonava para o alvo grampeado terminava por ser grampeado também. A depender não 'do que' fosse falado, mas 'como' o que foi falado fosse (mal) interpretado, o indivíduo já seria passível de ser grampeado oficialmente também. E uma vez oficializado, e tido como suspeito, poder-se-ia dizer adeus ao seu sigilo bancário.
Logo, se você liga pra alguém que está grampeado, conseqüentemente será vítima de grampo também. É o famoso efeito dominó, por tabela ou bola de neve. Não importa o termo. Deve-se atentar ao fato de que você não está seguro na sua privacidade. A sua intimidade está sendo bisbilhotada: ora pela Polícia Federal legalmente, ora ilegalmente pelas pessoas interessadas - as quais conseguiram a adesão de um juiz que despachou além do que deveria, ainda havendo a possibilidade de você ficar a mercê dos bisbilhoteiros de plantão que pretendem levar alguma vantagem nos detalhes da sua vida particular.
Não há segurança jurídica. Fala-se em 400 mil pessoas grampeadas oficialmente no país. Indiretamente podemos estimar cerca de 10 milhões. Isso mesmo. Dez milhões. Pois cada um que liga pra um dos 400 mil grampeados cai no grampo. Nem o efetivo da polícia é capaz de dar conta de tantas degravações. Isso extrapola completamente os limites da normalidade. É o verdadeiro “Estado Policialesco sem Direito”, em que você, um mero cidadão, pode estar submetido, a qualquer momento e a qualquer hora, a estar e ser grampeado: a ter a sua rotina completamente detalhada e devassada. Aliás, o próprio Ministro Tarso Genro disse que “o ideal é não falar nada de importante ao telefone”. E isso, diante do panorama que estamos vendo, não é nenhum exagero. Afinal, fica-se a mercê do entendimento do que se é falado pela interpretação do juiz. Se, por exemplo, ao telefone você falar: “não vou sair hoje porque está chovendo”, isso poderá ser interpretado: “não vou sair hoje porque a polícia está caindo em cima”. Você passa a ser mais um da máfia. É evidente a importância do grampo como instrumento de investigação, repito. Mas devemos nos atentar para a proteção dos direitos individuais que devem ser respeitados e, enfim, nos perguntar onde fica a imparcialidade do juiz, pois é ele quem determina o grampo assegurado pelo fumus boni iuris, sendo ainda considerado o titular do inquérito. E eu pergunto: como é que esse juiz que determinou o grampo pode ser o mesmo juiz que irá julgar a causa? Deve-se avançar nesse aspecto. Deveria ser assegurado que o juiz que determinou o grampo não ficasse fadado a julgar o processo cujo inquérito ele deferiu o uso desse instrumento de investigação. Daí a frustração de tantos inquéritos e processos. O fato de querer-se utilizar do grampo para chegar mais rápido a alguma conclusão de indícios de autoria e materialidade de algum crime acaba por determinar a invalidação de provas contundentes na conhecida "Árvore dos Frutos Envenenados". É mais uma evidência do dito popular: “a pressa é inimiga da perfeição”.
Portanto, precisando entrar em contato comigo, por mais importante que seja, envie-me um e-mail, de preferênia, bem detalhado. Mas, por favor, não me telefone!
Veja também: http://www.youtube.com/watch?v=WIl078IUHjI

Direitos violados
Na Grampolândia, quem grampeará o grampeador?
por Walter Ceneviva
A idéia para o título [quem grampeará o grampeador?] não é minha. É de Juvenal. Escritor e poeta satírico em Roma, Juvenal, que viveu na segunda metade do século 1º até o século 2º depois de Cristo, perguntou: “Quis custodiet custode?”. Ou seja, em transposição atualizada do latim: “Quem nos guardará daquele que nos deve guardar?” É a pergunta óbvia para quem se preocupe com o escandaloso abuso dos grampos telefônicos, quando o poder oficial não tenha quem o restrinja e impeça o excesso.
Tem sido freqüente, em especial na televisão, ver e ouvir pessoas a defender um estado policial mais enérgico como meio de enfrentar a criminalidade. Ignoram ou fingem ignorar que a orientação dos tribunais, liberando acusados, só é possível com base na Constituição, ao afirmar a presunção de inocência até que reconhecida a responsabilidade penal em sentença não sujeita a novos recursos. Entre nós, talvez pelo aumento da violência urbana (que não é problema exclusivo do Brasil), há a tendência de pretender que a prisão seja mantida, mesmo para uma acusação apenas policial ou, ainda pior, dominante nos meios de comunicação.
Também já ouvi gente dizendo que os juízes não devem ficar excluídos do grampo, para verificação de eventuais irregularidades. A violação da intimidade do magistrado é mais grave. Ofende o direito e o dever de preservar o sigilo de suas opiniões nos casos em que vai julgar.
Há métodos legais para verificar se o juiz é autor de alguma ação contrária à nobreza de sua profissão. A dificuldade de punir o magistrado, ainda que acusado de delitos graves, não é desculpa para a violação de seus direitos.
De quanto se tem visto, os grampos noticiados não parecem feitos apenas para constatar se o magistrado cometeu algum delito. Aliás, a admissão do grampo sem controle levará ao abuso contra suas vítimas. Nos sistemas ditatoriais, é constante a violação dos direitos individuais em benefício do poder dominante. O mau uso da força, em face de não integrantes do poder, passa despercebido, porque a censura veda a informação ao grande público. A ingenuidade de quem queira a ditadura é de ser repelida.
Grampear o telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal é o absurdo dos absurdos, no Estado de Direito. Leva à conseqüência óbvia: daqui a pouco os organismos policiais, ajudados por juízes desatentos, estarão grampeando os telefones dos presidentes das casas legislativas, dos tribunais federais e estaduais, dos promotores e governadores. Só escaparão dessas violações os próprios autores do grampo, cujo poder crescerá com a impunidade. Quando se houver percorrido todo o caminho das iniqüidades, haverá o choro das lamentações dos injustiçados a perguntarem: “Quem, afinal, vai grampear os grampeadores?”
A atitude, compatível com o interesse geral, na democracia, é muito clara: não se há de permitir a violação dos direitos e garantias constitucionais. Haverá exceções, por certo, quando a investigação de delitos o exija. Estas, porém, devem ser claramente delimitadas, sobretudo para os encarregados de diligências ou das providências investigatórias necessárias. O fio da navalha entre o lícito e o ilícito se resolve com a preservação dos inocentes.
Walter Ceneviva: é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.
Fonte: Conjur, 06/09/2008;
http://www.conjur.com.br/static/text/69617,1

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

ANENCEFALIA



AINDA SOBRE A ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO NOS CASOS DE ANENCEFALIA E A VISÃO DO STF — NOVAS CONSIDERAÇÕES EM FACE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LEGALIDADE E DA AUTONOMIA DE VONTADE.

Sandro D´Amato Nogueira

‘’Não pode haver preceito legal, princípio ético ou mandamento religioso que obrigue uma desditosa mulher a acalentar no ventre e na alma o fruto de uma dolorosa concepção definida pelo dicionário como "monstruosidade em que não há abóbada craniana e os hemisférios cerebrais ou não existem, ou se apresentam como pequenas formações aderidas à base do crânio". Afinal, do parto deve surgir a vida e não a morte. (Prof. Rene Ariel Dotti, 2004)
1. Breve intróito. 2. Definição de anencefalia. 3. Apontamentos importantes sobre o feto anencéfalo. 3.1. Complicações maternas durante a gestação de fetos anencéfalos. 4. A anencefalia e o direito penal. 5. A anencefalia e a visão do Supremo Tribunal Federal. 6. O princípio da dignidade da pessoa humana, da legalidade e da autonomia de vontade - em face do problema da gestação de feto com anencefalia. 6.1. O princípio da dignidade da pessoa humana. 6.2. O princípio da legalidade. 6.3. O princípio da autonomia da vontade. 7. Manifestações diversas. 8. Considerações finais e nosso posicionamento.
1. BREVE INTRÓITO
O tema é extenso e polêmico, deste modo, não iremos analisá-lo sob o ponto de vista religioso e dogmático, pois precisaríamos escrever um tratado sobre anencefalia, passando pelo direito penal, filosofia, ética, sociologia etc. Tenho certeza, cada religião ou corrente de pensamentos e valores teriam motivos convincentes e fortes para tentar mostrar que esta é a correta e àquela é a errada, mas se adentrarmos em concepções mais profundas nessa discussão, não chegaríamos a lugar e conclusão nenhuma.
Portanto analisaremos o problema em face da dignidade da pessoa humana da mulher e o poder que deva ela ter de decidir sobre seu próprio corpo, decidindo interromper ou não o parto, conforme iremos discorrer adiante.
2. DEFINIÇÃO DE ANENCEFALIA
A anencefalia é definida na literatura médica como a má-formação fetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico. Conhecida vulgarmente como "ausência de cérebro", a anomalia importa na inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central – responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas algumas funções inferiores que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e a medula espinhal. Como é intuitivo, a anencefalia é incompatível com a vida extra-uterina, sendo fatal em 100% dos casos. Não há controvérsia sobre o tema na literatura científica ou na experiência médica. Embora haja relatos esparsos sobre fetos anencefálicos que sobreviveram alguns dias fora do útero materno, o prognóstico nessas hipóteses é de sobrevida de no máximo algumas horas após o parto. Não há qualquer possibilidade de tratamento ou reversão do quadro, o que torna a morte inevitável e certa. Aproximadamente 65% (sessenta e cinco por cento) dos fetos anencefálicos morrem ainda no período intra-uterina.(1)
A anomalia pode ser diagnosticada, com muita precisão, a partir de 12 semanas de gestação, através de exame ultra-sonográfico, quando já é possível a visualização do segmento cefálico fetal. De modo geral, os ultra-sonografistas preferem repetir o exame em uma ou duas semanas para a confirmação diagnóstica. A ressonância magnética, ao lado da ultra-sonografia de nível três, tem se mostrado importante meio diagnóstico na identificação desta e de outras malformações dos fetos. Ainda, constitui valioso auxiliar na identificação de outras afecções associadas, como a espinha bífida e a raquisquise, presentes em grande parte dos casos. Outras malformações freqüentemente associadas à anencefalia são as cardiopatias congênitas e as alterações do sistema gênito-urinário fetal. Em que pese a facilidade no diagnóstico por ultra-sonografia avançada, tem importante papel a elevação dos níveis de alfafetoproteína no líquido amniótico.(2)
Uma vez diagnosticada a anencefalia, não há nada que a ciência médica possa fazer quanto ao feto inviável. O mesmo, todavia, não ocorre com relação ao quadro clínico da gestante. A permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-útero desses fetos. De fato, a má-formação fetal em exame empresta à gravidez um caráter de risco, notadamente maior do que o inerente a uma gravidez normal. Assim, a antecipação do parto nessa hipótese constitui indicação terapêutica médica: a única possível e eficaz para o tratamento da paciente (a gestante), já que para reverter a inviabilidade do feto não há solução. (ADPF 54 - www.stf.gov.br, 2005)
3. APONTAMENTOS RELEVANTES SOBRE O FETO ANENCÉFALO
Segundo estudos, a anencefalia afeta mais meninas que meninos;
Não há tratamento para o feto anencéfalo;
Ainda não se sabe o que causa a anencefalia. Provavelmente ela é desencadeada por uma combinacao de fatores genéticos e ambientais;
Não há provas de que a anencefalia é causada por alguma coisa que os pais fizeram, portanto ninguém é culpado pelo feto ser anencefálo;
25% das crianças anencéfalas que vivem até o fim de gravidez morrem durante o parto;
50% tem a expectativa de vida de poucos minutos a 1 dia;
25% vivem além de 10 dias;
Segundo nosso levantamento, um exame de ultra-som de alta resolução pode detectar o feto com anencefalia logo pela 10 semana.
Normalmente um feto anencefalo lhe falta a calota craniana a partir das sobrancelhas. Um tecido neural de cor vívida vermelho-escura coberto apenas por uma fina membrana pode ser visto através de uma abertura da cabeça. O tamanho dessa abertura varia consideravelmente de uma criança para outra. Os globos oculares podem projetar-se por causa de uma má formação das órbitas, motivo pelo qual as crianças anencéfalas são às vezes descritas como parecendo rãs.
A taxa de recorrência nos casos de anencefalia é de 4%. Uma maneira de se prevenir a anencefalia seria se a mulher em idade fértil tomassem 0,4 mg de ácido fólico todo dia antes da concepção e pelo menos até o fim da primeira fase da gravidez, o que poderia talvez ser evitado de 50 a 70% poderiam ser evitados.
Segundo o site www.estadao.com.br, há 15 anos promotores e juízes acompanham casos de fetos anencefálos – que não tem cérebro e chances de sobrevivencia – no Brasil. Cerca de 3.000 liminares já foram concedidas em casos individuais)
De cada 10.000 nascimentos, 8,6 apresentam tal anomalia. No Hospital das Clínicas em São Paulo, todo mês, são 2 ou 3 casos. Isso vem causando muita aflição para as pessoas envolvidas e também para os médicos, que muitas vezes ficam indecisos e perdidos, sem saber o que fazer. .(Luiz Flávio Gomes. Nem todo aborto é crimonoso. Disponível em: www.mundo legal.com.br, 2005)
Segundo Jorge Andalaft Neto Presidente da Comissão Nacional de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por Lei, fatores nutricionais e ambientais podem influenciar indiretamente nesta malformação. Entre elas estão: exposição da mãe durante os primeiros dias de gestação a produtos químicos e solventes; irradiações; deficiência materna de ácido fólico; alcoolismo e tabagismo. Presume-se que a causa mais freqüente seja a deficiência de ácido fólico. O melhor modo de prevenir esta malformação é que toda mulher em idade fértil utilize ácido fólico três meses antes da concepção e nos primeiros meses de gestação, na dose de 5,0mg, por via oral, por dia.
Os documentos necessários são: relatório médico, solicitando ao senhor Juiz da Vara a autorização judicial, explicando no relatório que a patologia é letal em 100% dos casos; exames de ultra-som morfológico com avaliação de idade gestacional e descrição da patologia; avaliação psicológica e assinatura do casal. De modo geral, o tempo dispendido entre o diagnóstico e a o alvará judicial pode ultrapassar 30 dias. Após a autorização judicial, a paciente deverá retornar ao hospital a fim de ser internada e o parto induzido com medicamentos. Os fetos com mais de 500 g de peso deverão ser registrados e sepultados, conforme determina a lei brasileira. Atestado de óbito deverá ser fornecido pelo médico obstetra. (Anencefalia: posição da febrasgo.
Disponível em: www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm).
3.1. COMPLICAÇÕES MATERNAS DURANTE A GESTAÇÃO DE FETOS ANENCÉFALOS
Em parecer sobre o assunto, a FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia atesta: "As complicações maternas são claras e evidentes.
Deste modo, a prática obstetrícia nos tem mostrado que:
A) A manutenção da gestação de feto anencefálico tende a se prolongar além de 40 semanas.
B) Sua associação com polihidrâminio (aumento do volume no líquido amniótico) é muito freqüente.
C) Associação com doença hipertensiva especifica da gestação (DHEG).
D)Associação com vasculopatia periférica de estase.
E) Alterações do comportamento e psicológicas de grande monta para a gestante.
F) Dificuldades obstétricas e complicações no desfecho do parto de anencéfalos de termo.
G) Necessidade de apoio psicoterápico no pós-parto e no puerpério.
H) Necessidade de registro de nascimento e sepultamento desses recém-nascidos, tendo o cônjuge que se dirigir a uma delegacia de polícia para registrar o óbito.
I) Necessidade de bloqueio de lactação (suspender a amamentação).
J) Puerpério com maior incidência de hemorragias maternas por falta de contratilidade uterina.
K) Maior incidência de infecções pós-cirúrgicas devido às manobras obstetrícias do parto de termo." (ADPF 54 - www.stf.gov.br, 2005)
É certo que gravidez como esta, em alguns casos, tem causado graves transtornos psicológicos, até mesmo com tentativa de suicídio, eis que sabe a mulher que, na verdade, como salientado pela prof. Dafne Gandelman Horovitz, está condenada a ser um "caixão ambulante", carregando no ventre um feto sem qualquer possibilidade de vida extra-uterina.(3)
4. A ANENCEFALIA E O DIREITO PENAL
Deve-se fazer a diferenciação entre o conceito de aborto do ponto de vista jurídico e médico. Sob o ponto de vista jurídico, a lei não estabelece limites para a idade gestacional. O aborto é compreendido como a interrupção da gravidez com intuito de morte fetal, não fazendo alusão a idade gestacional. Sob o ponto de vista médico, aborto é entendido como a interrupção da gravidez, voluntária ou não, antes de completar 20 semanas de idade gestacional, quando o peso fetal for menor que 500 gramas ou ainda, para alguns autores, quando o feto medir até 16,5 cm. Esse conceito foi formulado baseado na viabilidade fetal extra-uterina ou gestação molar, a interrupção da gravidez não constitui prática de aborto, pois não há vida a ser destruída nessas situações, configurando um desvio na formação e/ou evolução da concepção.(4)
Luiz Flávio Gomes, nosso mestre, nosso guia, que constantemente está nos passando lições preciosas sobre direito penal, brilhantemente nos esclarece: ''Nosso Código Penal (de 1940) permite aborto em duas situações: (a) risco concreto para a gestante; (b) gravidez resultante de estupro. O primeiro chama-se aborto necessário; o segundo humanitário. O aborto por anencefalia (feto sem ou com má formação do crânio) não está expressamente previsto na lei penal brasileira. Tampouco outras situações de má formação do feto (aborto eugênico ou eugenésico). Também não se permite no Brasil o chamado abordo a prazo (que ocorre quando a gestante pode abortar o feto até a décima segunda semana, conforme decisão sua) nem o aborto social ou econômico (feito por razões econômicas precárias).'
Os que sustentam (ainda que com muita boa-fé) o respeito à vida do feto devem atentar para o seguinte: em jogo está a vida ou a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas com o feto mal formado. Se até em caso de estupro, em que o feto está bem formado, nosso Direito autoriza o aborto, nada justifica que idêntica regra não seja estendida para o aborto anencefálico. Lógico que a gestante, por suas convicções religiosas, pode não querer o aborto. Mas isso constitui uma decisão eminentemente pessoal (que deve ser respeitada). De qualquer maneira, não pode impedir o exercício do direito ao abortamento para aquelas que não querem padecer tanto sofrimento''.(5)
Em brilhante e esclarecedora obra com o título – ''Aspectos éticos e legais do aborto no Brasil'' – (Elaine Christine Dantas Moisés...(et al) do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, nos relata que o modelo de análise bioética, entre os vários existentes, comumente utilizado na área da saúde e de grande aplicação na prática clínica é o ‘’Principalista’’, introduzido por Beauchamp e Childress, em 1989. Esses autores propõem quatro princípios bioéticos fundamentais: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça''.
E, completa: ''O princípio da autonomia requer que os indivíduos, capacitados de deliberarem sobre suas escolhas pessoais, devam ser tratados com respeito pela sua capacidade de decisão. As pessoas têm o direito de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e a sua vida. Quaisquer atos médicos devem ser autorizados pelo paciente. A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), por meio do seu Cômite para Assuntos Éticos da Reprodução Humana e Saúde da Mulher, divulga, desde 1994, em um dos seus marcos de referência ética para os cuidados ginecológicos e obstétricos: O princípio da autonomia enfatiza o importante papel que a mulher deve adotar na tomada de decisões com respeito aos cuidados de sua saúde. Os médicos deverão observar a vulnerabilidade feminina, solicitando expressamente sua escolha e respeitando suas opiniões.’’(6)
Em brilhante artigo e posicionamento, o magistrado do Estado do Rio de Janeiro – Marcus Henrique Pinto Basílio comenta que: ''O que o Direito tutela é a vida – intra e extrauterina –, nunca a morte nem a mera possibilidade de vida extra-uterina imediatamente seguida de morte. Já se disse que o feto é jurídica e cientificamente uma vida, e, como tal, está sob a proteção do Direito, mas uma proteção que se destina a mantê-la, assegurá-la, preservá-la. (...) Havendo prova insofismável, certa e induvidosa, de que não haverá vida extra-uterina e que o feto morrerá à primeira oxigenação fora do ventre materno, pela irreversibilidade da anencefalia que o acomete, após o parto não haverá vida a proteger pela inevitabilidade da tragédia congênita da morte, razão bastante para que o bom senso prevaleça e poupe a gestante do risco de um parto inócuo quanto à sobrevida do feto. (...) Com maior força, um outro argumento justifica o deferimento da medida. O Código Civil e o Código de Processo Penal não definem o momento da morte. Os antigos sustentavam que a morte ocorria com a parada cardíaca (gregos) ou com o último suspiro, sendo o pulmão o indicador da morte (tradição judaico- cristã) ou quando cessam o coração, pulmão e cérebro (franceses no século XVII). (...) Ora, ausente o cérebro, o que ocorre quando constatada a anencefalia, não há vida juridicamente a proteger, o que evidencia que a conduta pleiteada não agride o bem jurídico protegido, o que a torna atípica.'' (7)
Em sede doutrinária, podemos analisar as colocações do Professor Rene Ariel Dotti comentando que durante a gestação podem surgir complicações mórbidas em face de doença da mulher ou de enfermidade intercorrente, pondo em risco a sua vida. Em tal situação, o médico é quem deve decidir sobre a continuidade ou não da gravidez. A ele incumbe averiguar se a incompatibilidade entre a moléstia e a gestação pode acarretar a morte. Em caso afirmativo, é lícita a intervenção com o sacrifício do feto. Essa é a opinião de cientistas como Nélson Hungria. (...) Com o acento indelével de uma jurisprudência humanitária surge a decisão do ministro Marco Aurélio (vide abaixo), do Supremo Tribunal Federal, autorizando a interrupção de gravidez num caso de anencefalia do feto. Trata-se de malformação congênita, caracterizada pela falta total ou parcial do encéfalo, isto é, do conjunto dos órgãos do sistema nervoso central contidos na cavidade craniana. A anomalia, que não tem cura, é incompatível com a vida extra-uterina.(8)
5. A ANENCEFALIA E A VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Em 19 de dezembro de 1992, o juiz Dr. Miguel Kfouri Neto, de Londrina, autorizou pela primeira vez no Brasil um aborto legal em feto portador de anencefalia, numa gestação de 20 semanas. A equipe do Instituto de Medicina Fetal e Genética de São Paulo entrou com ação judicial, em 4 de novembro de 1993, solicitando a interrupção legal de uma gravidez de 24 semanas com feto portador de acrania e onfalocele, sendo autorizada em 5 de novembro pelo juiz Dr. Geraldo Pinheiro Franco. Baseada nessas duas sentenças, em 3 de dezembro de 1993, o juiz Dr. José Fernando Seifarth de Freitas, de Guarulhos, São Paulo, autorizou a interrupção de uma gestação de 20 semanas comprometida por anencefalia. A partir dessas decisões judiciais, surgiu no Brasil a possibilidade da realização da interrupção da gestação em casos de malformações incompatíveis com a vida extra-uterina, através da alvará judicial.(9)
Julgamos de melhor alvitre, transcrever todo o cronograma da discussão sobre o problema da autorização para a expedição de alvará para permitir a antecipação terapêutica do parto em casos de feto anencefálo, para com base nestas informações o leitor deste trabalho compreender como surgiu o problema, como foi a discussão até o presente momento e, ,principalmente para conferir qual o pensamento dos Ministros do STF acerca deste tema polêmico, relevante e delicado. A discussão é objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), conforme transcrevemos a seguir.
5.1. STF JULGA PREJUDICADO HABEAS CORPUS A FAVOR DE ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO COM ANOMALIA – 04/03/2004
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou hoje (4/03/2004) prejudicado o pedido de Habeas Corpus (HC 84025) impetrado em favor de G.O.C., contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a impediu de interromper a gestação de feto com anencefalia (cabeça fetal com ausência de calota craniana e cérebro rudimentar), uma má-formação que torna inviável a sobrevivência após o parto.
O HC ficou prejudicado por falta de objeto. De acordo com informações apuradas durante o julgamento pelo relator da matéria, ministro Joaquim Barbosa, e o presidente do Supremo, ministro Maurício Corrêa, a criança nasceu no sábado (28/2/2004) e sobreviveu apenas por sete minutos. Segundo o jornal "A Gazeta de Teresópolis", o bebê chegou ser registrado com o nome de Maria Vida.
"O que eu tenho a lamentar é que uma violência dessa natureza tenha sido cometida por força de uma decisão judicial", disse o relator após informar o Plenário sobre o nascimento e a morte da criança. Barbosa frisou que "o Tribunal, por força de procedimentos postergatórios típicos da prática jurisdicional brasileira, perdeu a grande oportunidade de examinar uma questão de profundo impacto na sociedade brasileira". Ele informou ainda que o caso chegou no Supremo na última sexta-feira (27/02/2004) e que tomou todas as providências para levá-lo a julgamento hoje, tendo em vista a urgência da questão.
Ao tecer considerações sobre o caso, o ministro Celso de Mello disse lamentar "que o desfecho trágico, porém previsível, do drama que envolveu uma jovem gestante, tenha impedido que esta pudesse, com o amparo do Poder Judiciário, superar um estado de insuportável pressão psicológica e de desnecessário sofrimento resultante do conhecimento de trazer em seu ventre alguém destituído de qualquer viabilidade, sem possibilidade de sobrevivência após o parto".
"Suscitou-se, nesse julgamento, e essa é a outra razão para lamentar-se a impossibilidade de conhecimento da presente ação de Habeas Corpus, uma questão impregnada de graves implicações éticas, filosóficas e jurídicas, motivadas pelo conflito dramático entre situações e valores que devem merecer agora, e em outra oportunidade, profunda reflexão por parte dos juízes dessa Suprema Corte" registrou Celso de Mello.
"O dogmatismo religioso, e digo isso porque a decisão que motivou esse Habeas Corpus foi provocada - e não questiono as razões do impetrante - mas foi provocada por um sacerdote católico, que postulou a adoção de medida diametralmente oposta àquela perseguida por essa jovem gestante. O dogmatismo religioso revela-se tão opressivo à liberdade das pessoas quanto a intolerância do Estado, pois ambos constituem meio de autoritária restrição à esfera de livre arbítrio e de auto-determinação das pessoas, que hão de ser essencialmente livres na avaliação de questões pertinentes ao âmbito de seu foro íntimo, notadamente em temas do direito que assiste à mulher, seja ao controle da sua própria sexualidade, e aí surge o tema dos direitos reprodutivos, seja sobre a matéria que confere o controle sobre a sua própria fecundidade", apontou Mello .
5.2 HISTÓRICO
G.O.C, residente em Teresópolis (RJ), ingressou na Justiça, por meio da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, com ação para obter autorização para interromper sua gestação após constatar com exames médicos que o feto que carregava padecia de uma grave má-formação incompatível com a vida (anencefalia).
O pedido foi indeferido em 1ª instância sob o argumento de falta de previsão legal para a antecipação do parto mas, ao recorrer ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), Gabriela obteve, em 19 de novembro de 2003, a concessão judicial para interromper sua gestação.
Inconformado, o padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, presidente da Associação Pró-Vida, em Anápolis (GO), impetrou Habeas Corpus no STJ para desconstituir a decisão do TJ/RJ. Em 25 de novembro de 2003, a ministra Laurita Vaz, relatora da ação, concedeu liminar para sustar a decisão que autorizou a antecipação terapêutica do parto até a apreciação do mérito do Habeas.
No julgamento de hoje, o ministro Joaquim Barbosa disse que "o Superior Tribunal de Justiça, em vez de julgar imediatamente o feito, em face da manifesta urgência que o caso requer, resolveu, às vésperas do recesso do Judiciário, requerer diligência ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em 18 de fevereiro de 2004, foi finalmente julgado o Habeas Corpus".
A decisão foi pela concessão do pedido para impedir a antecipação do parto concedido pelo TJ/RJ. Segundo o STJ, "a eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não se há falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro".
Contra a decisão do STJ, Fabiana Paranhos, diretora do Instituto de Bioética, Direito Humanos e Gênero (ANIS), impetrou Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal alegando a coação da liberdade da gestante por proibição de antecipação do parto.
O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, manifestou-se pelo não conhecimento do pedido feito no Habeas Corpus sob o argumento de que a impetrante não representa o interesse real de G.O.C, mas desenvolve tese pessoal por via processual inadequada. Ele disse "que não é fato que o jovem casal está em quadro de profunda angústia". Alegou a existência de matéria jornalística que deixa claro que a mãe havia desistido de realizar a antecipação terapêutica do parto.
"Há entidades dos mais vários credos que se dedicam exatamente, nessas situações, a buscar casais e conversar sobre a valia, num certo sentido, de uma sociedade que não quer se sacrificar, que é hedonista e profundamente materialista, mas a valia de um sacrifício", acrescentou Fonteles. (fonte: www.stf.gov.br)
CNTS PEDE AO STF QUE ANTECIPAÇÃO DO PARTO DE FETO SEM CÉREBRO NÃO SEJA CARACTERIZADA COMO ABORTO – 18/06/2004
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) quer que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixe entendimento de que antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico (ausência de cérebro) não é aborto e permita que gestantes em tal situação tenham o direito de interromper a gravidez sem a necessidade de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado. Na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54 ) ajuizada na Corte, com pedido de liminar, a entidade sustenta que "o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal tornou-se indispensável na matéria".
A entidade registra que o Judiciário vinha firmando jurisprudência, por meio de decisões proferidas em todo o país, reconhecendo o direito das gestantes de se submeterem à antecipação terapêutica do parto nesses casos, mas que decisões em sentido inverso desequilibraram essa jurisprudência.
Segundo a CNTS, a anencefalia é uma má formação fetal congênita incompatível com a vida intra-uterina e fatal em 100% dos casos. A entidade sustenta que um exame de ecografia detecta a anomalia com índice de erro praticamente nulo e que não existe possibilidade de tratamento ou reversão do problema. Afirma que não há controvérsia sobre o tema na literatura científica ou na experiência médica.
Por outro lado, diz a CNTS, "a permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-uterinos desses fetos". A entidade alega que "a antecipação do parto nessa hipótese constitui indicação terapêutica médica: a única possível e eficaz para o tratamento da gestante, já que para reverter a inviabilidade do feto não há solução". Com esses argumentos, a CNTS sustenta que a antecipação desses partos não caracteriza o crime de aborto tipificado no Código Penal. Isso porque, diz a entidade, no caso de aborto, "a morte do feto deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade de vida extra-uterina do feto", o que inexiste nos casos de fetos com anencefalia. "Não há potencial de vida a ser protegido, de modo que falta à hipótese o suporte fático exigido pela norma. Apenas o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser passivo de aborto", sustenta.
Para a CNTS, nessas situações, "o foco da atenção há de voltar-se para o estado da gestante" e o reconhecimento desses direitos não causam lesão a bem ou ao direito à vida do feto. "A gestante portadora de feto anencefálico que opte pela antecipação terapêutica do parto está protegida por direitos constitucionais que imunizam a sua conduta da incidência da legislação ordinária repressiva", alega a entidade, que aponta a violação de três direitos básicos da mulher impedida de interromper esse tipo gravidez. O direito da dignidade da pessoa humana, da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, e do direito à saúde.
A CNTS pede que o Supremo reconheça o descumprimento desses preceitos fundamentais em relação à mulher, nos casos em que as normas penais são interpretadas de forma a impedir a antecipação terapêutica de partos de fetos anencefálicos. E que seja dada interpretação conforme a Constituição dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, para declarar inconstitucional, com eficácia erga omnes (para todos) e efeito vinculante, a aplicação desses dispositivos para impedir a intervenção nos casos em que a anomalia é diagnosticada por médico habilitado.
Requer, também, a concessão de liminar para suspender o andamento de processos ou anular os efeitos de decisões judiciais que pretendam aplicar ou tenham aplicado os dispositivos do Código Penal para caracterizar como aborto a interrupção desses tipos de gravidez. O relator da ação é o ministro Marco Aurélio. (fonte: www.stf.gov.br)
5.3. STF INDEFERE INGRESSO DA CNBB NA AÇÃO QUE DISCUTE ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DE PARTO DE FETO ANENCEFÁLICO - 24/06/2004
O ministro Marco Aurélio indeferiu o pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de ser incluída como parte interessada na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) juizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
A CNTS quer que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixe entendimento de que antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico (ausência de cérebro) não é aborto. A entidade espera que o STF permita que as gestantes em tal situação tenham o direito de interromper a gravidez sem a necessidade de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado.
A CNBB requeria sua inclusão no processo na condição de amicus curiae, para poder se manifestar sobre a matéria, com base no parágrafo 1º do artigo 6º da Lei 9.882/99. No despacho em que negou a pretensão, o ministro Marco Aurélio disse que "o pedido não se enquadra no texto legal evocado pela requerente". (fonte: www.stf.gov.br)
MINISTRO DO STF PERMITE ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO SEM CÉREBRO - 01/07/2004
O ministro Marco Aurélio concedeu liminar à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) para reconhecer o direito constitucional de gestantes que decidam realizar operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos (sem cérebros). A identificação da deformidade deve ser feita por meio de laudo médico. A liminar também determina a paralisação de processos que discutem a possibilidade da gestante fazer a operação terapêutica e que ainda não tenham decisão final, ou seja, não tenham transitado em julgado.
A decisão foi concedida nos autos da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) e será submetida ao Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Na ação, a CNTS sustenta que a antecipação desses partos não caracteriza o crime de aborto tipificado no Código Penal.
Para Marco Aurélio, "diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar". O ministro afirma que "no caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos".
Ele concorda com o argumento de que a antecipação desses tipos de partos não caracteriza aborto. "Como registrado na inicial, a gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa contestar -, trata-se de situação concreta que foge à glosa própria ao aborto - que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade", disse o ministro.
Marco Aurélio conclui que manter esse tipo de gestação "resulta em impor à mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina". (fonte: www.stf.gov.br)
5.5. AÇÃO DA CNTS SOBRE ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO SEM CÉREBRO SERÁ JULGADA DEFINITIVAMENTE PELO PLENÁRIO DO SUPREMO - 02/08/2004
O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta segunda-feira (2/8), que a questão discutida na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) será julgada no mérito, sem o referendo da liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio no dia 1º de julho. A ação pede que a Corte reconheça o direito constitucional de gestantes que decidam realizar operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos (sem cérebros), sem necessidade de decisão judicial favorável.
Ao analisar o pedido do relator quanto ao referendo da liminar, o ministro Nelson Jobim disse que seria conveniente que a matéria fosse decidida definitivamente. Ele propôs abrir vista para que o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, emita parecer sobre a questão e que, após isso, o Supremo julgue o mérito do pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), autora da ação. A proposta do presidente foi acolhida por todos os ministros.(fonte: www.stf.gov.br)
5.6. STF PROPÕE AUDIÊNCIA PÚBLICA PARA ENTIDADES MANIFESTAREM-SE EM PROCESSO SOBRE ABORTO DE FETO ANENCÉFALO - 30/09/2004
O ministro Marco Aurélio, do STF, decidiu convocar audiência pública para ouvir diversas entidades no caso que discute a viabilidade jurídica da interrupção de gravidez em caso de feto anecéfalo (sem cérebro). O tema é objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
Na ação, que teve pedido de liminar deferido em julho pelo relator, a CNTS pede que seja dada interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal, que tratam do crime de aborto, a fim de permitir a interrupção de gravidez de filhos anencéfalos. A Confederação justifica o pedido com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, bem como o direito à saúde.
A realização da audiência pública depende da análise, pelo Plenário, de questão de ordem proposta pela Procuradoria Geral da República quanto à pertinência da ADPF para tratar do assunto. A apreciação do tema, ou seja, a questão de ordem, ocorre antes do julgamento de mérito e está prevista para outubro. Caso o Plenário entenda que esse tipo de ação não é o instrumento jurídico adequado, o processo deverá ser arquivado.
5.7. STF CASSA LIMINAR QUE PERMITIA ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO ANENCEFÁLICO - 20/10/2004
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, hoje (20/10), a discussão sobre a legitimidade constitucional da antecipação de parto de feto anencefálico (sem cérebro), com o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Os ministros, por maioria, decidiram revogar a liminar deferida pelo relator, ministro Marco Aurélio, em 1º de julho passado.
A pauta de hoje previa apenas a análise de Questão de Ordem no processo, suscitada pelo procurador-geral da República, Claudio Fonteles. Ele questionou, de forma preliminar - ou seja, antes da análise do mérito - a adequação da ADPF para analisar o pedido da CNTS, cabendo ao Plenário decidir pela admissibilidade ou não da ação.
Nesse ponto, após a manifestação do relator, que votou pela continuidade da tramitação da matéria no Supremo, o ministro Carlos Ayres Britto pediu vista dos autos. Assim, a discussão da Questão de Ordem foi suspensa.
Em seguida, o ministro Eros Grau sugeriu ao Plenário apreciar a pertinência de se manter a liminar, uma vez que não foi concluída a discussão quanto à admissibilidade do processo. Na votação, por maioria, o Plenário decidiu não referendar a liminar, com efeitos ex nunc. Foi mantida, no entanto, a suspensão de processos e decisões não transitadas em julgado, relacionadas ao caso.
Contra o referendo, cassando a liminar, votaram os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Nelson Jobim. Além do relator, votaram pelo referendo da liminar os ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence. Apenas o ministro Cezar Peluso votou no sentido de cassar a íntegra da liminar, inclusive no que se refere à suspensão dos processos e decisões relativas ao assunto. A liminar esteve em vigor de 1º de julho deste ano até hoje (20/10/2004).(fonte: www.stf.gov.br)
5.8. SUPREMO CONSIDERA CABÍVEL ADPF PARA DISCUSSÃO DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ DE FETO ANENCÉFALO – 27/04/2005
Na retomada do julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF 54), os ministros do Supremo Tribunal Federal analisaram, nesta quarta-feira (27/4),o cabimento da ADP proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
Por sete a quatro, os ministros resolveram dar seqüência à tramitação do processo no Supremo, para posterior decisão quanto à legalidade da interrupção de gravidez de fetos anencefálicos (ausência de formação cerebral).
Votaram a favor os ministros Marco Aurélio (relator), Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim (presidente).Negaram seguimento à ação os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Carlos Velloso. (grifei)
O julgamento recomeçou com o voto do ministro Carlos Ayres Britto, após pedido vista dos autos, no sentido da adequação da ação proposta. Ele seguiu o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, que havia se pronunciado anteriormente pelo cabimento da ADPF.
Também favorável, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que "milhares de autorizações judiciais de interrupção de gravidez em caso de anencefalia já foram concedidas no país nesses últimos anos, mas para cada autorização concedida várias outras são negadas, criando assim uma insegurança jurídica inadmissível".
Ao analisar se a ADPF pode ser utilizada como instrumento para questionar a falta de previsão na lei para os casos de interrupção da gestação de feto anencefálico, o ministro Gilmar Mendes considerou que, para a segurança jurídica, o Supremo deveria dar uma interpretação ampla, geral e imediata sobre o tema, para evitar decisões contraditórias em outras instâncias.
Gilmar Mendes argumentou que a própria insegurança jurídica pode ser vista como descumprimento de preceito fundamental. Para ele, o que a CNTS questiona é a necessidade de se respeitar um preceito fundamental da Constituição brasileira, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, da liberdade e do direito à saúde. "A existência ou não da violação de tais preceitos será objeto de exame quando do julgamento de mérito. Mas cabe enfatizar ,nesse ponto, que este requisito legal para a admissibilidade da ADPF me parece completamente cumprido", observou Mendes.
O ministro Celso de Mello votou pelo cabimento da ADPF entendendo que "esse instrumento está vocacionado a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no texto da República". Dessa forma, o ministro considerou haver, no caso, plena adequação formal da ação do instrumento utilizado pela confederação.
Também favorável à ADPF, o ministro Sepúlveda Pertence afirmou que, no caso, o que se questiona não é a exclusão de punibilidade que dispõe o Código Penal em relação ao assunto, mas a atipicidade do fato. "Na lógica da petição, não se segue que se queira aditar-lhe uma nova cláusula de exclusão da punibilidade. Ao contrário, se pretende excluir para dar prevalência aos valores constitucionais invocados", afirmou.
Último a votar, o presidente Nelson Jobim também acompanhou o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, e julgou admissível a ADPF. Ele acredita ser fundamental, diante da existência de várias decisões contraditórias em todo o país a respeito do assunto, que o Supremo possa dar ao caso uma solução definitiva.
Ao proclamar o resultado da questão de ordem, o ministro-presidente determinou a devolução dos autos do processo ao relator, para que ele decida sobre o procedimento a ser seguido na instrução processual. Nelson Jobim levantou a hipótese de se aplicar o parágrafo 1º do artigo 6º da Lei 9.882/99 - que dispõe sobre o processo e julgamento de ADPF.
O dispositivo diz que o relator poderá ouvir as partes no processo, requisitar informações adicionais, designar perito para emissão de parecer ou ainda fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Jobim entende ser necessário, para o julgamento de mérito, o esclarecimento, do ponto de vista médico, da situação de um feto anencéfalo.
Votos contrários
Divergindo do relator, o ministro Eros Grau entendeu ser inadequada a ação proposta, pois, segundo ele, a CNTS pede que o Supremo crie, por via oblíqua, nova hipótese de não-punibilidade do aborto, ferindo o princípio da reserva de lei e transformando a Corte em legislador positivo. "O que a autora pretende é lançar mão da ADPF como instrumento de interpretação extensiva de normas do Direito Penal, e as excludentes de punibilidade previstas no artigo 128 não admitem a interpretação conforme a Constituição", disse.
Da mesma forma, o ministro Cezar Peluso negou o pedido, ao afirmar que, no caso, não há controvérsia constitucional. Para ele, o caso envolve " pura e simples interpretação do artigo 124 do Código Penal". No fundo, disse Peluso, "o que se trata é de criar mais uma excludente de ilicitude", o que seria tarefa própria do Poder Legislativo. "O foro adequado para a questão é do Legislativo, que deve ser o intérprete dos valores culturais da sociedade e decidir quais desses valores podem ser diretrizes determinantes da edição de normas jurídicas", afirmou.
A ministra Ellen Gracie votou pelo não-conhecimento da ADPF. Ela afirmou que, além da necessidade de análise do controle de constitucionalidade, era preciso haver, também, o controle da passionalidade devido ao caráter controverso do tema. A ministra reconheceu o problema social e a polêmica em torno da autorização legal para a interrrupção da gravidez nos casos de anencefalia. No entanto, ressaltou que a intenção da CNTS ao propor a ação seria, através de mecanismos artificiosos, fazer com que o Supremo suprisse a lacuna deixada pelo Congresso Nacional, que não apreciou os projetos sobre aborto que lá tramitam.
"Parece-me profundamente antidemocrático pretender obter, por essa via tão tortuosa da ADPF, manifestação a respeito de um tema que, por ser controverso na sociedade brasileira, ainda não logrou apreciação no Congresso Nacional, inobstante às tantas iniciativas legislativas registradas em ambas as Casas", sustentou a ministra.
Ellen Gracie ressaltou que mesmo nos casos em que o Tribunal julga ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, a Corte se reserva a apontar ao legislador as lacunas existentes na lei, "mas não a preenchê-las", ponderando que tal intenção poderia acarretar na ruptura de princípios constitucionais como o da separação dos Poderes e repartição de competências entre eles.
Carlos Velloso também defendeu o não-cabimento da ADPF. Para ele, os dispositivos da lei penal utilizados pela confederação constituem direito pré-constitucional. "A pretensão do autor resulta, em última análise, na declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, de normas infraconstitucionais às normas penais mencionadas anteriores à Constituição vigente", declarou o ministro durante o seu voto. Ele lembrou que a jurisprudência do Supremo, a partir da ADI 02, não admite ação direta de inconstitucionalidade de direito pré-constitucional.(fonte: www.stf.gov.br)
6. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LEGALIDADE E DA AUTONOMIA DE VONTADE - EM FACE DO PROBLEMA DA GESTAÇÃO DO FETO COM ANENCEFALIA
DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIOS
Segundo alguns autores os princípios poderiam ser distinguidos das regras pelo caráter hipotético-condicional, pois, para eles, as regras possuem uma hipótese e uma conseqüências que predeterminan a decisão, sendo aplicadas ao modo se, então; os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para, futuramente, encontrar a regra aplicável ao caso concreto. Esser definiu como normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado, enquanto as regras determinam a própria decisão. Larenz definiu os princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direita ou indiretamente, normas de comportamento.(10)
6.1. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O professor Rizzato Nunes, assim define o princípio da dignidade da pessoa humana: ''É ela a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarda dos direitos individuais. A isonomia serve, é verdade, para equilíbrio real, porém visando concretizar o direito à dignidade. É a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intéprete. Coloque-se, então, desde já que, após a soberania, aparece no Texto Constitucional a dignidade como fundamento da República brasileira. Leia-mos o art. 1.º:
''Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e temo como fundamentos:
I – a soberania
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana'' (11)
A dignidade da pessoa humana (12) foi alçada ao centro dos sistemas jurídicos contemporâneos. A Constituição de 1988 se integra ao movimento doutrinário pós-positivista, caracterizado pela reaproximação entre o direito e a ética, pelo resgate dos valores civilizatórios e pela primazia dos direitos fundamentais. Pois bem: obrigar uma mulher a conservar no ventre, por longos meses, o filho que não poderá ter impõe a ela sofrimento inútil e cruel. Adiar o parto, que não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte, viola a integridade física e psicológica da gestante, em situação análoga à da tortura.
Sobre esse princípio a Doutora em Antropologia e Pós-Doutora em Bioética – Débora Diniz, e que no nosso entendimento é a mais competente, atualizada e séria pesquisadora sobre o tema no Brasil, discorre que: ''...o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado fundamental para a ética da antecipação terapêutica. O diagnóstico da má formação fetal incompatível coma vida é uma situação de extremo sofrimento para as mulheres e os futuros pais. São situações em que todos os recursos científicos disponíveis para reverter o quadro da má formação são nulos.(13)
Luiz Augusto Coutinho, comenta que o Direito é complexo e axiológico. Não se restringe à redação das normas, também é inegável que no caso em comento, normas de conteúdo ético, religioso e culturais, estarão sempre sendo questionadas, contudo o mais importante é saber adequar estes padrões pré-estabelecidos com o princípio da dignidade da pessoa humana (Art 1º, III, da Constituição Federal). Também é cediço que a dignidade humana foi alçada ao centro dos sistemas jurídicos contemporâneos, podendo-se afirmar que a Carta Política de 1988, se integra ao movimento político pós-positivista que busca a reaproximação entre o direito e a ética, afastando-o por conseqüência da religião(secularização), afinal Direito é Direito, Religião é Religião e Dogma é Dogma. A propósito a abalizada opinião de Luiz Roberto Barroso: "Obrigar uma mulher a conservar no ventre, por longos meses, o filho que não poderá ter impõe a ela sofrimento inútil e cruel. Adiar o parto, que não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte, viola a integridade física e psicológica da gestante, em situação análoga à da tortura. (Aborto em casos de anencefalia: crime ou inexigibilidade de conduta diversa? Disponível em: www1.jus.com.br, 2005).
6.2. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade, positivado no inciso II do art. 5° da Constituição, na dicção de que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", flui por vertentes distintas em sua aplicação ao Poder Público e aos particulares.
Para o Poder Público, somente é facultado agir por imposição ou autorização legal. Em relação aos particulares, esta é a cláusula constitucional genérica da liberdade no direito brasileiro: se a lei não proíbe determinado comportamento ou se a lei não o impõe, têm as pessoas a auto-determinação de adotá-lo ou não.
A liberdade consiste em ninguém ter de submeter-se a qualquer vontade que não a da lei, e, mesmo assim, desde que seja ela formal e materialmente constitucional. Reverencia-se, dessa forma, a autonomia da vontade individual, cuja atuação somente deverá ceder ante os limites impostos pela legalidade. De tal formulação se extrai a ilação óbvia de que tudo aquilo que não está proibido por lei é juridicamente permitido.
Pois bem. A antecipação terapêutica do parto em hipóteses de gravidez de feto anencefálico não está vedada no ordenamento jurídico. O fundamento das decisões judiciais que têm proibido sua realização, data venia de seus ilustres prolatores, não é a ordem jurídica vigente no Brasil, mas sim outro tipo de consideração. A restrição à liberdade de escolha e à autonomia da vontade da gestante, nesse caso, não se justifica, quer sob o aspecto do direito positivo, quer sob o prisma da ponderação de valores: como já referido, não há bem jurídico em conflito com os direitos aqui descritos.(ADPF 54)
6.3. O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE
Sobre esse princípio, o Prof. Daury Cesar Fabriz, em sua magnífica obra Bioética e Direitos Fundamentais explana: '' Identificado como respeito à pessoa, o princípio da auto (autos, eu; nomos, lei) denota que todos devem ser responsáveis por seus atos. A responsabilidade, nesse sentido, implica atos de escolha. Devem-se respeitar a vontade, os valores morais e as crenças de cada pessoa. Ressalta Leo Pessini e Paul de Barchifontaine que mencionado princípio diz respeito à capacidade de a pessoa governar-se a si mesma, ou a capacidade de se autogovernar, escolher, dividir, avaliar, sem restrições internas ou externas''. Em outro trecho da obra, completa o Fabriz - ''O princípio da autonomia justifica-se como princípio democrático, no qual a vontade e o consentimento livres do indivíduo devem constar como fatores preponderantes, visto que tais elementos ligam-se diretamente com o princípio da dignidade da pessoa humana.(14)
O posicionamento de Flávia Piovesan e Daniel Sarmento(15) (o qual também aderimos)é brilhante, senão vejamos: ''Com fundamento nos direitos à liberdade, à autonomia e à saúde, entendemos caber à mulher e aos casais, na qualidade de plenos sujeitos de direitos, a partir de suas próprias convicções morais e religiosas, a liberdade de escolha quanto ao procedimento médico a ser adotado em caso de anencefalia fetal. A responsabilidade de efetuar escolhas morais sobre a interrupção ou o prosseguimento da gravidez não apenas assegura à mulher o seu direito fundamental à dignidade mas permite a apropriada atuação dos profissionais de saúde. Impedir a antecipação terapêutica do parto, em hipótese de patologia que torna absolutamente inviável a vida extra-uterina, significa submeter a mulher a um tratamento cruel, desumano ou degradante, equiparável à tortura, porque violatório de sua integridade psíquica e moral. Além disso, se a interrupção do parto for caracterizada como aborto, recairá sobre a mulher o aparato penal repressivo e punitivo, por meio das sanções que prevêem a pena de detenção de um a três anos, nos termos do artigo 124 do Código Penal. A resposta da legislação brasileira à problemática do aborto viola flagrantemente os parâmetros internacionais que demandam do Estado compreender o aborto como grave problema de saúde pública, exigindo-lhe a imediata revisão de legislação punitiva.

7. MANISFESTAÇOES DIVERSAS SOBRE O PROBLEMA
Também sobre o tema vale o Pensamento de Luiz Vicente Cernicchiario: "Não nos parece razoável aguardar-se o final da gestação para ser consentida, na hipótese mencionada, a interrupção da gravidez. O ser humano também se caracteriza por sua constituição física. A gestação somente se justifica para reproduzir o homem. A ausência de cérebro (anencefalia), (para a hipótese, não se confunde com anomalias físicas – outro grande debate) afeta profundamente as características físicas do próprio homem, ou, explica a ciência, a sobrevivência e de curto espaço de tempo, não ultrapassando em regra, cinco dias. (Luiz Augusto Coutinho. Aborto em caso de anencefalia: crime ou inexigibilidade de conduta diversa?
Disponível em: www1.jus.com.br, 2005)
O Conselho Nacional de Saúde aprovou ontem (09.03.2005), por 27 votos favoráveis e 3 contrários, a interrupção da gravidez no casos em que for comprovada a anencefalia do feto. A decisão, tomada depois de uma reunião de mais de cinco horas, será formalizada hoje, com a redação de uma resolução sobre o tema. A medida, por si só, não tem poder de autorizar o aborto nos casos em que for comprovada a inexistência do cérebro nos fetos. Trata-se de mais um argumento, que reflete a posição da sociedade sobre o assunto, afirmou a integrante do conselho, Sílvia Marques Dantes. (Anencefalia, o Conselho de Saúde e a interrupção de gravidez. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br, 2005)
Com essa decisão do Conselho Nacional de Saúde, temos ainda favorável o Ministério da Saúde, OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, entre outras.
Jorge Andalaft Neto - Presidente da Comissão Nacional de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por Lei, em recente artigo com o título ''Anencefalia – A posição da Febrasgo), comenta:'' Do ponto de vista dos direitos sexuais e reprodutivos, buscando não restringir a autonomia das mulheres, somos favoráveis à livre decisão pela antecipação do parto na anencefalia. Do ponto de vista clínico e obstétrico há evidências muito claras de que a manutenção da gestação pode elevar o risco de morbi-mortalidade materna, justificando-se, deste modo, a livre decisão de médicos e pacientes pela antecipação do parto.
(Leia mais, em http://www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm,2005.)
Luíza Nagib Eluf, competente procuradora de Justiça do Estado de São Paulo, coordenadora do Centro de Apoio Operacional à Execução e das Promotorias de Justiça Criminais (CAEXSIM), explana assim, seu posicionamento, a qual nos juntamos: ''O período em que a mulher gesta uma nova vida, embora possa ser gratificante, não é fácil nem simples. A gravidez traz uma série de transformações físicas e psicológicas por vezes difíceis de suportar. O corpo se deforma, a digestão de alimentos torna-se um problema, a circulação do sangue fica prejudicada, o cabelo cai, os dentes enfraquecem, surgem manchas no rosto, aumentam a sonolência e o calor, as indisposições são freqüentes e o tamanho da barriga provoca dores lombares e compromete o equilíbrio. Evidentemente, algumas tarefas cotidianas ou profissionais tornam-se proibidas nesse período e, não raro, sobrevêm prejuízos materiais. Tudo isso se a gravidez for normal, sem problemas mais graves de saúde, que vão de herpes gravídica a hipertensão arterial, cardiopatias e depressão. Sem falar nos riscos do próprio parto.(...) No entanto, é evidente que o sacrifício da gestação não pode ser imposto a uma mulher quando já se sabe, com toda a segurança, que a criança em formação irá falecer logo após o nascimento. Nesse caso, o abortamento é a medida indicada para a preservação da saúde física e mental da mulher e por respeito aos seus direitos humanos, bem como de seu eventual companheiro e de sua família. Ninguém pode ser obrigado a sofrer inutilmente, amargando uma espera angustiante por uma criança sem cérebro e, portanto, sem nenhuma condição de sobreviver".(16)
E, completa a procuradora: ''Como salientado pelo ministro(referindo-se a decisão do ministro Marco Aurélio, ao autorizar, por liminiar a interrupção), "a um só tempo, cuida-se dos direitos à saúde, à liberdade e à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos e tecnológicos, postos à disposição da humanidade, não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar".
Para Ministro do STF - Marco Aurélio, "diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar". O ministro afirma que "no caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos".
Ele concorda com o argumento de que a antecipação desses tipos de partos não caracteriza aborto. "Como registrado na inicial, a gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa contestar -, trata-se de situação concreta que foge à glosa própria ao aborto - que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade", disse o ministro.
Débora Diniz (17) - O diagnóstico de de má-formação fetal, principalmente as incompatíveis com a vida extra-uterina, não compôe o rol de expectativas das mulheres grávidas. O diagnóstico de má-formação fetal é, sem sombra de dúvida, uma das experiências mais angustiantes que uma mulher grávida pode experimentar.
Diaulas Costa Ribeiro -(18) promotor de Justiça e especialista no assunto, assevera: ''A interrupção voluntária de gravidez de um feto inviável é uma questão de pouca relevância jurídica; e, dentro do sistema constitucional brasileiro, é considerada como uma decisão privada da mãe. Superada a decisão de realizá-la, o como fazê-la é de competência exclusivamente médica, devendo assegurar-se aos profissionais de saúde a segurança jurídica e o direito á objeção de consciência.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS E NOSSO POSICIONAMENTO
Não há tratamento para o feto anencéfalo, o estado de anencefalia é fatal em 100% dos casos.
Ainda não se sabe o que causa a anencefalia. Provavelmente ela é desencadeada por uma combinação de fatores genéticos e ambientais.
As complicações maternas são claras e evidentes.
Está claro que é inconcebível impor a uma mulher a obrigação de gerar um filho que saiba que não irá sobreviver, causando graves transtornos psicológicos, emocionais, e físicos na mulher.
O dever de gerar um filho até o parto( falamos parto e não nascimento, pois na maioria dos casos a feto já está morto) viola e conflita com nossos mais basilares princípios do nosso estado democrático de direito, que são: autonomia, liberdade e principalmente a dignidade da pessoa humana.
Há os que defendam que caso o feto sobreviva algumas horas, poderia aproveitar seus órgão para doação, o fato é que na nossa pesquisa e até baseado nas declarações da especialista no assunto Débora Diniz, não há conhecimento de doação com 100 % de sucesso, pois sempre traziam complicações ao receptor, isso por causa do órgão doado também apresentar algum tipo de problema.
Nosso posicionamento é de que o Estado não pode ter o poder de decidir sobre uma questão tão conflitante e triste para uma mulher, que ao saber que está gerando com todo o amor, carinho e claro uma expectativa positiva – um feto com anencefalia e sem chances alguma de sobrevivência nada poderá fazer.
Estima-se que pelo menos há 15 anos o problema sobre a autorização para a prática da interrupção terapêutica do parto é discutida nos nossos tribunais; cerca de 3 mil liminares já foram concedidas.
O STF irá julgar o mérito da questão ainda este ano, e esperamos que pelo já posicionamento de alguns ministros que seja reconhecido o direito da mulher de decidir livremente sobre o que fazer ao saber que gera em seu útero um natimorto. O fato é doloroso e desgastante para todos os que estão envolto, a mulher; o marido; os médicos e a família.
Caberá sempre à mulher, a partir de suas próprias convicções morais e religiosas, a liberdade de escolher - se quer ou não passar por essa experiência; que ela decida, somente ela!!!
Muito obrigado!
Sandro D´Amato Nogueira é advogado; membro da WSV – World Society of Victimology (USA); pós-graduando em Direito Ambiental pela PUC/SP; membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP; conciliador no Juizado Especial Cível de Guarulhos (2000/2003); membro colaborador do IPAM – Instituto Paulista de Magistrados; membro-honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. E-mail: sandro.nogueira@ipam.com.br
NOTAS:
(1) BARROSO,Luís Roberto. Artigos, pareceres, memoriais e petições.(ADPF 54. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_70/Artigos/Art_Luis.htm, 2005.
(2) NETTO, Jorge Andalaft. Anencefalia: posição da febrasgo. Disponível em: www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm, 2005.
(3) BASÍLIO, Marcus Henrique Pinto. A questão do feto acometido de anencefalia. http://www.direitosfundamentais.com.br/html/mmfd_nota14_6.asp
(4) MOISÉS DANTAS, Cristine Elaine et alli. Aspectos éticos e legais do aborto no Brasil. São Paulo:Funpec Ed. Universidade de São Paulo – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Departamento de Ginicologia e Obstetrícia, 2005, p.14.
(5) GOMES, Luiz Flávio. Nem todo aborto é criminoso. Disponível em: www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Doutrina_Detalhar&did=1531, 2005.
(6) MOISÉS DANTAS, Cristine Elaine et alli. Aspectos éticos e legais do aborto no Brasil. São Paulo:Funpec Ed. Universidade de São Paulo – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Departamento de Ginicologia e Obstetrícia, 2005, p. 20.
(7) BASÍLIO, Marcus Henrique Pinto. A questão do feto acometido de anencefalia. http://www.direitosfundamentais.com.br/html/mmfd_nota14_6.asp,, 2005
(8) DOTTI, Rene Ariel. Aborto de uma tragédia - Não há nada que obrigue mulher a ter filho sem cérebro. Disponível em: - http://conjur.uol.com.br/textos/247634/, 2005.
(9) MOISÉS DANTAS, Cristine Elaine et alli. Aspectos éticos e legais do aborto no Brasil. São Paulo:Funpec Ed. Universidade de São Paulo – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Departamento de Ginicologia e Obstetrícia, 2005, p. 43-4).
(10) ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 31.
(11) NUNEZ, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 20002, p.45.
(12) BARROSO, Luis Roberto. Novo olhar - Ministro resolveu sofrimento de mães de fetos sem cérebros. Disponível em: http://conjur.uol.com.br/textos/248490/), 2005.
(13) DINIZ, Débora, RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras Jurídicas, 2004, p. 81.
(14) FABRIZ. Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003,p.109.
(15) PIOVESAN, Flávia, SARMENTO, Daniel. STF e anencefalia. Disponível em: www.folha.com.br, 2004.
(16) Jornal do Advogado. OAB/SP – A gestante tem o direito de interromper a gravidez de feto anencéfalo? Ed. de agosto de 2004. Disponível em : ttp://www.oabsp.org.br/jornal/default.htm, 2004.
(17) DINIZ, Débora, RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras Jurídicas, 2004, p. 53.
(18) Idem, p. 121.
Fonte: http://www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos/Anencefalia.htm