sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Prova ilícita é válida se usada em legítima defesa

Zélio Maia da Rocha é Professor de direito constitucional da Escola Superior da Advocacia da OAB/DF, dos cursos Obcursos e Plêiade em Brasília, conselheiro da OAB-DF, procurador do Distrito Federal e advogado.
Como regra geral os direitos fundamentais podem ser objeto de restrição mesmo quando expressamente não previsto no texto constitucional. Há aquelas hipóteses em que o legislador constituinte já promoveu o adequado balizamento impondo limites ao direito fundamental, como é o caso, v.g., do sigilo das comunicações telefônicas que, pelo disposto no artigo 5°, inciso XII, da Constituição, somente por ordem judicial e desde que para investigação criminal ou instrução processual penal é que se poderá promover a quebra do sigilo das comunicações telefônicas e tudo nos termos do que vier a ser definido em lei.

Ao se investigar o texto constitucional há de se perquirir se é possível a limitação dos direitos fundamentais quando não houver explícita previsão constitucional. A resposta se impõe afirmativa eis que os direitos fundamentais são, como regra geral, relativos. Afirmar o absolutismo dos direitos fundamentais como regra geral é promover uma negação geral dos próprios direitos fundamentais na medida em que o exercício absoluto de um direito fundamental conduziria à completa anulação dos direitos fundamentais de terceiros. Exemplificando: se o direito fundamental de livre manifestação do pensamento não pudesse sofrer restrições, a ninguém seria dado o direito de invocar a tranqüilidade de seu lar para impedir, por exemplo, que alguém, usando amplificador de som, expusesse seu pensamento a qualquer ora do dia ou da noite.

É claro que os direitos fundamentais exigem, para sua interpretação, uma compatibilização para se evitar colidência insuperável, pois os direitos fundamentais terão, necessariamente momentos de colisão, mas que devem ser resolvidos sem sua anulação. Aí reside o relativismo dos direitos fundamentais.

Quando a relativização dos direitos fundamentais vem expressamente prevista no texto constitucional, isso não gera qualquer dificuldade para o intérprete uma vez que a taxatividade constitucional supera qualquer dúvida quanto ao problema. A dúvida surge, no entanto, naquelas hipóteses em que o constituinte não contemplou a possibilidade de limitação ao direito fundamental de forma expressa, cabendo ao intérprete, nesses casos, buscar a solução à luz da hermenêutica constitucional, que nem sempre é de fácil compreensão.

Uma coisa é certa, porém: a ausência de previsão constitucional expressa não pode ser interpretada como impossibilidade de limitação. A limitação pode ocorrer nesses casos, desde que pautada em balizas seguras que darão ao intérprete constitucional elementos delimitadores para justificar a limitação de um direito fundamental.

Inicialmente deve ser identificada a motivação hábil a justificar a limitação de um direito fundamental. Aqui solução é facilmente estabelecida pelo intérprete na medida em que o direito fundamental poderá ser limitado com vista à preservação de outro direito fundamental ou de um interesse coletivo.

Outro elemento, este sim mais complexo, que deve ser atendido pelo intérprete reside no seguinte questionamento: até que ponto um direito fundamental pode sofrer restrições?

Aqui temos que investigar o princípio da proporcionalidade em seu critério de razoabilidade. Toda norma constitucional, quando sofre limitações deve preservar seu núcleo central. Quando o texto magno informa, em seu artigo 9°, parágrafo 2°, que o trabalhador em greve será punido quando incorrer em abuso, é evidente que o legislador infraconstitucional, ao editar a lei referida não pode punir o grevista por todo e qualquer ato que repute, a seu juízo, abusivo. O juízo de avaliação do que é abusivo deve ser feito preservando o núcleo essencial da constituição sobre o tema, que é o direito de fazer greve. E como isso será alcançado? Promovendo um juízo de razoabilidade com o objetivo de que a norma regulamentadora proporcione os meios hábeis a se alcançar os fins constitucionais (princípio da proporcionalidade pelo critério da razoabilidade).

Com essas rápidas considerações conclui-se que: os direitos fundamentais, como regra geral, podem sofrer limitações e tais ao serem exercitadas dever respeitar o princípio da proporcionalidade. Em apertada síntese: os limites impostos aos direitos fundamentais são limitados pelo princípio da proporcionalidade a fim de preservação do conteúdo nuclear da norma constitucional.

Em razão disso, se discute a possibilidade de relativização da garantia constitucional de inadmissibilidade das provas ilícitas.

Da proteção constitucional das provas ilícitas

Reza o artigo 5°, inciso LXVI, da Constituição que: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito;”.

Discute-se da possibilidade ou não desse preceito constitucional ter caráter absoluto. Inicialmente façamos aqui algumas considerações sobre a terminologia constitucional.

O texto constitucional é claro e taxativo ao vedar, por completo, a utilização de provas obtidas por meio ilícito assim, não há que se falar em mitigação, abrandamento, do preceito constitucional que veda o uso de provas ilícitas. E não se argumenta, como querem alguns, que as provas ilícitas podem, em alguns casos (quando a única e quando para beneficiar o réu) possam ser utilizadas. Não. Sou da compreensão da absoluta e irrestrita inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente. Esse posicionamento não é isolado, ao contrário, encontra respaldo irrestrito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O que muitos não compreendem talvez é a afirmação de que: a prova quando produzida para defesa própria pode ser utilizada. Sim, pode, e quando tal ocorre não se está utilizando prova ilícita, mas sim prova lícita. Ora, se se produz uma prova em legitima defesa (como é comum se ouvir) não se está admitindo uma prova ilícita em caráter excepcional, mas sim está-se a admitir uma prova lícita pela forma como foi produzida.

Explica-se:

O que é a legítima defesa que não a extração da ilicitude da conduta? Pois bem. Quando alguém produz uma prova em legítima defesa exclui-se a ilicitude para torná-la lícita. Nesta situação não há que se falar em prova ilícita admitida, mas sim em prova produzida de forma lícita e, portanto, admitida.

Outro, aliás, não é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que reiteradamente rechaça o uso de provas ilícitas e, como não poderia ser de outro modo confirma o uso de provas lícitas decorrentes de condutas que, em regra seriam ilícitas mas que ganham status de lícitas quando produzidas para uso em defesa de interesse próprio, verbis:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido" (AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05.). (sem grifo no original).

Assim, é incorreto afirmar que, em alguns casos, a provas ilícitas são admitidas. Não. As provas ilícitas nunca são admitidas, e nesse contexto a norma constitucional não admite temperamentos.

E porque tal posicionamento?

Admitir que o Estado, na sua função jurisdicional, admita prova ilícitas é jogar na vala da ilegalidade e da lei da selva todos os investigados e/ou processados e, o que é mais grave, os simples suspeitos, fazendo com que a segurança jurídica dos cidadãos de bem seja colocada em plano secundário gerando inquestionável descrédito no próprio Estado que passaria a utilizar-se de provas ilicitamente produzidas colocando-se no mesmo patamar daqueles que descumprem a lei.

Em lapidar decisão proferida nos autos do RE 251.445 o ministro Celso de Mello bem abordou o tema da absoluta proscrição da provas ilícitas que, pela lucidez da manifestação, trago à colação:

“Assentadas tais premissas, devo reiterar, na linha de diversas decisões por mim proferidas no âmbito desta Corte Suprema, que ninguém pode ser denunciado, processado ou condenado com fundamento em provas ilícitas, eis que a atividade persecutória do Poder Público, também nesse domínio, está necessariamente subordinada à estrita observância de parâmetros de caráter ético-jurídico cuja transgressão só pode importar, no contexto emergente de nosso sistema normativo, na absoluta ineficácia dos meios probatórios produzidos pelo Estado. Impõe-se registrar, até mesmo como fator de expressiva conquista dos direitos instituídos em favor daqueles que sofrem a ação persecutória do Estado, a inquestionável hostilidade do ordenamento constitucional brasileiro às provas ilegítimas e às provas ilícitas. A Constituição da República, por isso mesmo, tornou inadmissíveis, no processo, as provas inquinadas de ilegitimidade ou de ilicitude.”

Assim, e ancorado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não há como defender a admissão de provas com violação da garantia constitucional que proporciona segurança jurídica ao jurisdicionado de que não poderão ser utilizadas provas produzidas de forma ilícita.

Outra coisa, porém, é utilizar-se de provas que, em princípio seriam ilícitas, mas que, conforme o modo de sua produção, tornam-se provas lícitas.

É o caso da ementa acima transcrita onde se verifica que a gravação de diálogo por um dos interlocutores, quando ou outro não tem ciência, constitui-se em prova ilícita. Perderá, no entanto, o caráter de ilicitude se essa prova for produzida para defesa própria. Veja que não estamos aqui diante de mitigação do uso de provas ilícitas, pois tal possibilidade, como visto, não existe. Trata-se aqui do uso de uma prova lícita eis que produzida em legítima defesa.

Assim, se a pessoa, na busca de preservar direito próprio promove gravação de uma conversa (telefônica ou ambiental) como meio de defesa não estará praticando nenhuma ilicitude, mas sim agindo em legítima defesa. Não seria crível que, v.g., alguém submetido a uma situação de extorsão, não possa gravar a prática delituosa para usar como prova. Ora se se pode até mesmo tirar a vida de alguém no exercício da legítima defesa, com mais razão deve ser admitida a produção da referida gravação a fim de prevenir direitos e provas para defesa futura. Nesse sentido, aliás, o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal, verbis:

"Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma." (RE 212.081, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 5-12-97, DJ de 27-3-98). No mesmo sentido: HC 75.338, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 11-3-98, DJ de 25-9-98.

Assim, aquele que está sendo submetido a algum constrangimento, especialmente se tal constrangimento for caracterizador de conduta ilícita, está sim autorizado a promover gravação dialógica (telefônica ou ambiental) por si ou por terceiros, desde que tal se dê para usar como instrumento de defesa e, para tal, não se exige autorização judicial, pois não se trata de interceptação telefônica de que nos fala o artigo 5°, inciso XII, in fine, da Constituição.

Estamos aqui diante de situação em que um dos interlocutores está promovendo a gravação e, portanto, não há que se falar em autorização judicial prévia. Apenas para traçar parâmetro com outras condutas, indaga-se: É possível matar alguém de forma lícita? Claro. Quando no exercício do direito de defesa. Assim, e no mesmo tirocínio, indaga-se: é possível gravar a conversa sem o consentimento de um dos interlocutores de forma lícita? Sim, desde que no exercício do direito de defesa. Para as duas indagações a regra é a ilicitude, mas o Direito de defesa torna as condutas lícitas.

Para promover a gravação da relação dialógica por um dos interlocutores (ou com o seu consentimento), não há a proteção da denominada clausula de reserva jurisdicional até porque é o próprio interlocutor quem está promovendo a gravação e para defesa de direito seu em razão de estar sendo submetido a situação caracterizadora de crime ou ao menos de constrangimento e o que se procura com a gravação é a preservação de situação probatória que não se terá outra oportunidade para sua produção.

Repita-se, no entanto, que na esteira da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, não se está aqui a sustentar o uso de prova ilícita, mas sim o uso de prova lícita que ganha esse status pelo modo de sua produção (defesa própria).

Conclusão

Assim sendo, e à guisa de conclusão, pode-se afirmar que a prova ilícita não pode ser admitida em nenhuma situação, tendo pois, a garantia constitucional insculpida no artigo 5°, inc. LVI, da Constituição, caráter absoluto.

Por outro lado, a prova que, em princípio seria ilícita, pode tornar-se lícita se for produzida em defesa própria, como é o caso da gravação da relação dialógica ambiental por um dos interlocutores (ou por terceiro mas com o seu consentimento) desde que tal prova destine-se ao exercício do direito de defesa.

Como se percebe, pois, a gravação ambiental de uma conversa por um dos interlocutores, quando os demais não tenham conhecimento, como regra geral deve ser tida como prova ilícita, contudo se a colheita dessa prova se dá no exercício do direito de defesa, é uma prova lícita, logo plenamente hábil a ser utilizada como instrumento probatório para comprovação de ilícitos praticados contra o interlocutor que promoveu ou autorizou a gravação.

Revista Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2008
Fonte: http://www.conjur.com.br/static/text/71240,1#null

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Dicas para os experientes estudantes de Direito

por Vladimir Passos de Freitas
Em 5 de outubro passado, publiquei nesta coluna artigo direcionado aos jovens estudantes de Direito. E, na dificuldade de abranger em uma página e meia todo o universo de acadêmicos de Direito, omiti-me quanto aos que ingressam na faculdade já maduros. Em outras palavras, aqueles que possuem perfil diverso dos seus colegas mais jovens. Então, fixando a adolescência na sua nova marca, que é de 30 anos, vejamos como fica a situação dos que ingressam com três ou mais décadas de existência.
Os estudantes de Direito mais velhos, psicologicamente amadurecidos, são diferentes de seus colegas mais novos. Nas roupas, nos hábitos, na visão de vida, quase em tudo. Seus estudos são feitos com maior seriedade. O valor da mensalidade (universidades públicas são exceção) e os anos passados não recomendam perda de tempo. Costumam ter origem e idade diversas, sendo impossível amoldá-los a um perfil único. Há os que ingressam na faculdade depois de já ter um diploma universitário, os que procuram o curso de Direito para ampliar uma atuação profissional já consolidada, os que ingressam mais tarde porque antes não tinham como pagar a faculdade, os que buscam mais cultura, os que desejam exercer melhor a cidadania e até quem o faça para ocupar o tempo, conviver com a juventude, renovar a si próprio.
Seja qual for o motivo, esta decisão é sempre louvável. Ela mostra um desejo de crescer culturalmente. Uma via por alcançar novos horizontes, trocando a posição acomodada de expectador de telenovela pelo desafio da academia. A questão é como aproveitar ao máximo um curso feito com mais idade, menos tempo e mais compromissos.



Vejamos a situação dos graduados em outras faculdades. Um médico formado em Direito saberá melhor os seus direitos e deveres com relação ao cliente e evitará situações de conflito. Um biólogo poderá enveredar, com sucesso, pela área do Direito Ambiental. Economistas podem ser de muita utilidade em um grande escritório de advocacia, pois, cada vez mais, Direito e Economia andam juntos. Contadores podem avançar nos serviços que prestam, promovendo defesas na área tributária.
Quanto aos concursos públicos, engenheiros costumam sair-se bem em certames para auditor da Receita Federal e outros assemelhados, onde a matemática é o forte. Geógrafos com formação em Direito levaram vantagem em recente concurso para oficial de inteligência da Abin, onde a remuneração inicial está em torno de R$ 9,7 mil. Biólogos terão mais chance de sucesso em concursos para perito da Polícia Federal.
É oportuno lembrar aos que buscam a segurança dos concursos que não existe limite de idade. O sonho pode ser alcançado. Para dar apenas um exemplo, o advogado Zuudi Sakakihara ingressou como juiz federal na 4ª Região com 55 anos de idade, e por 10 anos exerceu, com competência e dignidade, suas funções, aposentando-se em Curitiba aos 65.
Na advocacia, a maturidade lhe dará algumas vantagens. Pessoas maduras são mais conciliadoras, regra geral, não se envolvem em conflitos inúteis com autoridades ou colegas e escolhem com mais segurança seu campo de atuação. Será oportuno enveredar por área na qual já tenham experiência de vida. Assim, por exemplo, aquele que trabalha em um sindicato poderá optar pelo Direito do Trabalho ou o Previdenciário. Os que militam em órgãos públicos, desde que compatível, pela área do Direito Administrativo. Pessoas maduras, nas cidades maiores, podem cogitar da abertura de um escritório para atendimento de questões envolvendo homossexuais, um nicho emergente e inexplorado no mercado.
Alguns acadêmicos, por já ter uma profissão definida, desejam a graduação em Direito para aprimorar os serviços que prestam. Por exemplo, um escrivão da Polícia Civil poderá legitimar-se a exercer suas funções em um posto de mais relevância. Um jornalista que cobre a área jurídica se sairá muito melhor e não cometerá erros primários, como referir-se ao “parecer do juiz.” Administradores de empresas compreenderão melhor as relações de trabalho e as tributárias.
Muitos buscam apenas aumentar seus conhecimentos ou mesmo entreter-se. E nisto não há nada de errado. Há pessoas que trabalharam toda uma vida e adquiriram posições de prestígio. Mas não tiveram tempo de estudar. Graduar-se em Direito dá-lhes maior segurança, realização profissional. Outras, principalmente mulheres acima dos 50 anos, procuram no curso uma renovação existencial. O contato com a juventude, o desafio de voltar aos estudos, faz-lhes muito bem. E, formadas, podem auxiliar no escritório de um parente formado. Os graduados mais tarde encontram nos Juizados Especiais, muitas vezes, a possibilidade de realizar-se, atuando como conciliadores.
Evidentemente, existem algumas desvantagens. Os estágios, que são essenciais na fase de estudos por unirem teoria e prática, são mais difíceis a quem trabalha todo o dia e estuda à noite. Mas no serviço voluntário, cuja presença não necessita ser diária, poderá ter uma boa oportunidade de adquirir vivência prática. Alguns tribunais exibem no seu site os requisitos para assumir tal condição (por exemplo, o TRF-4, pioneiro no Brasil nesta atividade).
Tal qual o jovem estudante de Direito, o mais maduro precisa também aproveitar bem os cinco anos do curso. Isto significa aproximar-se dos professores que mais admira, expor suas dúvidas e anseios. Como seu tempo, via de regra, é menor, não pode ser desperdiçado. Por exemplo, o cinema pode ser uma excelente via de aprendizado e distração a um só tempo. Filmes como Sessão Especial de Justiça (Costa Gravas), O povo contra Larry Flynt (Milos Forman), A história oficial (Luiz Puenzo) ou Meu nome não é Johnny (Mauro Lima) podem ser de grande valia.
Em suma, ao que se forma mais maduro há, também, boas oportunidades de sucesso e de realização profissional. E se o passar do tempo pode constituir uma dificuldade a mais, a maturidade que dele decorre pode ser o diferencial para o sucesso.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de outubro de 2008

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Princípio da dignidade


OAB quer fim de Regime Disciplinar Diferenciado

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 21 de outubro de 2008

A Ordem dos Advogados do Brasil resolveu questionar, no Supremo Tribunal Federal, o Regime Disciplinar Diferenciado. Ele foi criado para punir com mais rigor os presos que oferecem risco dentro da cadeia. A Ordem entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o regime prisional que foi incorporado à Lei de Execução Penal pela Lei 10.7892/03.

O RDD é aplicado nas hipóteses de o preso cometer crime doloso, colocar em risco a ordem e a segurança do presídio ou da sociedade ou participar de organizações criminosas durante o cumprimento da pena. A lei prevê recolhimento em celas individuais, banho de sol de no máximo duas horas e restrição de visitas a duas por semana, também por duas horas.

Para a OAB, o tratamento instituído pelo Regime Disciplinar Diferenciado é desumano e degradante porque leva ao isolamento, à suspensão e à restrição de direitos por tempo prolongado. A pessoa fica até 360 dias no regime. O prazo pode ser prorrogado em casos de reincidência. “A aplicação do regime, que inclui isolamento, incomunicabilidade e severas restrições no recebimento de visitas, entre outras medidas, aviltam o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e agride as garantias fundamentais de vedação à tortura e ao tratamento desumano ou degradante, e de vedação de penas cruéis”, afirma a ADI.

A entidade argumenta, ainda, inconstitucionalidade do regime porque a única distinção prevista na Carta Magna de diferenciação para cumprimento da pena é feita em beneficio do réu, aliviando a pena por conta de sua idade, sexo ou natureza do delito cometido. Não é previsto uma mudança de pena para penalizar ou castigar o detento.

Os artigos da Lei de Execução Penal que estão sendo contestados pela ADI são: 52, 53 (inciso V), 54, 57 (parte referente ao artigo 53), 58 (parte sobre o regime diferenciado) e artigo 60 (caput e parágrafo único).


Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.162

Leia o voto do juiz que julgou RDD inconstitucional:


A INTRIGADA QUESTÃO CARCERÁRIA


“O Regime Disciplinar Diferenciado constitui um avanço na legislação, mas tem deficiências. O prazo máximo de sua aplicação é de 360 dias, sem prejuízo da repetição da sanção por nova falta grave da mesma espécie até o limite de 1/6 da pena. Na realidade, não cabe esse marco temporal. Enquanto o preso acarretar risco à ordem pública, impõe-se o seu segregamento em face de um bem maior, que é a segurança coletiva.”

Um sobressalto de indignação foi o que se viu em todo o País após os ataques criminosos à capital paulista e cidades do interior do Estado de São Paulo. Ainda sob o efeito do medo, vozes abalizadas prenunciaram a ineficácia da lei penal e a falência do sistema penitenciário.

Ante o caos que se instalou na área de segurança pública, a equipe CONSULEX não esmoreceu. Instigada pelo interesse em apontar soluções concretas para a difícil questão, entrevistou o Promotor de Justiça em São Paulo, FERNANDO CAPEZ, cuja lucidez permeia os meandros do sistema penitenciário, trazendo a lume as falhas que inviabilizam o cumprimento da lei penal.Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, FERNANDO CAPEZ atualmente se dedica à defesa do cidadão e do patrimônio público, como membro do Parquet estadual, e ao ensino jurídico. É Coordenador do curso de Direito da Uniban; Presidente e Professor do Instituto Fernando Capez de Ensino Jurídico; Professor convidado da Escola Superior do Ministério Público e do Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, palestrante e conferencista nacional e internacional.

A convicção que emana de suas palavras resulta da intensa dedicação ao Direito Penal, que culminou na elaboração de aproximadamente 20 obras jurídicas, de subidos méritos.

Revista Jurídica CONSULEX – A lei penal, nos moldes como vem sendo aplicada, tem servido à sua finalidade, qual seja, a prevenção da criminalidade e a sua repressão? Ou podemos dizer que, em face do falecimento do sistema penal, ela perdeu completamente esse sentido?

Professor FERNANDO CAPEZ – Infelizmente, hoje, vivemos numa crise geral. Fala-se de crise no Direito Penal, contudo, esquece-se que isso nada mais é do que reflexo da crise da sociedade em seus mais amplos espectros.O Direito Penal deve ser sempre a ultima ratio na prevenção do crime, somente lançando-se mão dele quando todos os demais ramos do Direito e outros segmentos da atividade humana fracassam. Sucede que, na atualidade, está havendo uma inversão nessa idéia. A lei penal passou a ser a razão primeira na solução dos conflitos sociais, justamente pelo fato de os demais segmentos da sociedade não terem se lançado num projeto social de longo prazo.

Há quanto tempo ouvimos falar de crise moral e ética, política, econômica etc. Agora, eu pergunto: Como uma lei penal, ainda que a intenção do legislador tenha sido a mais brilhante possível, pode surtir os efeitos almejados, de prevenção ao crime, se o indivíduo vive num modelo social que o estimula à criminalidade? No entanto, não podemos esmorecer. Toda violência e corrupção que assolam a sociedade no momento só podem ser enfrentadas, de imediato, por meio da repressão. De nada adianta lograr uma sentença condenatória após regular processo se, na fase de execução da pena, o Estado não tem condições de dar aplicabilidade à lei penal ou o faz através de um sistema penitenciário corrupto, em que adentram telefones celulares, entorpecentes, dinheiro para corromper, e de onde presos participam de teleconferências e são resgatados por helicópteros. A crise nos órgãos de execução, sem dúvida, torna a aplicação da lei penal sem efeito, mas isso pode ser resolvido com medidas contundentes e rápidas.

CONSULEX – Qual a sua opinião acerca da necessidade de reformulação do sistema penitenciário brasileiro? A privatização dos presídios seria uma alternativa viável?

FERNANDO CAPEZ – Há mais de 20 anos a questão carcerária tem sido relegada ao completo esquecimento. Não há planejamento a médio e longo prazo. Para se ter uma noção, na década de 80, estudantes de Direito já mencionavam organizações como a Serpente Negra, da penitenciária de São Paulo. O Poder Público quedou-se inerte. Nunca se fez nada. Tal omissão promoveu o surgimento de diversas organizações criminosas, que, aliás, proliferam justamente pela ausência de uma política para o sistema penitenciário. Surgem em decorrência da falta de presídios de segurança máxima alocados em regiões distantes e da ausência de isolamento dos grandes líderes das facções.É primordial, no momento, investimento maciço no sistema penitenciário. Para isso, precisamos de capital privado, isto é, de pessoas de direito privado colocando o capital, apresentando e executando os projetos, desde que aprovados pelo Poder Público, submetendo-se, portanto, à sua fiscalização. Não há outra saída. O Estado está falido. Enquanto não se injetar capital no sistema penitenciário, não teremos solução a curto prazo e, dificilmente, o Governo Federal disponibilizará o montante de recursos necessários para a reformulação do sistema.

CONSULEX – Nessa perspectiva, de reformulação do sistema penitenciário, o que o Senhor acha da concessão do porte de arma de fogo aos agentes penitenciários?

FERNANDO CAPEZ – Os agentes penitenciários são de extrema importância para a manutenção da ordem e da disciplina nos presídios. Em virtude dessa condição especial, infelizmente, tornam-se alvos das organizações criminosas, constituindo-se medida salutar a ampliação do porte de arma de fogo a essa categoria de servidores públicos. Deve, porém, haver mudanças no sistema de monitoramento dos presos. O agente que trabalha permanentemente no mesmo local tende a ser aliciado pelos presidiários com o passar do tempo. Assim, o ideal seria que, além de não trabalharem no mesmo presídio por mais de um mês, os carcereiros recebessem auxílio das tropas de elite na realização dessa atividade. São medidas bastante concretas. Obviamente que o investimento privado seria medida salutar na solução dos problemas, daí porque defendo a privatização dos presídios.

É preocupante o fato de os criminosos se tornarem mais perigosos depois de processados, condenados e devidamente guardados na prisão, voltando-se de forma letal contra a sociedade. O pânico, hoje, toma conta não apenas das pessoas comuns, mas também dos servidores da área de segurança. Isso é produto do descaso para com o sistema penitenciário. Há anos se fala que o sistema carcerário está para explodir. As autoridades, porém, mantiveram-se inertes. É preciso, agora, atuação conjunta e contundente. Não mais se admite a divisão. É preciso isolar por completo os envolvidos com facções criminosas, se possível, pelo tempo total da pena; manter os presídios em locais distantes dos grandes centros e censurar a comunicação dos presos com o mundo externo. O direito do preso não está acima do direito da sociedade.

CONSULEX – Professor, o Regime Disciplinar Diferenciado é um instrumento eficaz no combate à criminalidade organizada? Será ele constitucional?

FERNANDO CAPEZ – O RDD foi introduzido em nosso sistema jurídico pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, e, embora necessite de reparos, constitui-se um avanço na disciplina do sistema carcerário. É certo que até então não dispúnhamos de um instrumento jurídico nesses moldes.A prática de fato previsto como falta grave sempre ensejou a aplicação de suspensão ou restrição de direitos e o isolamento do preso provisório, ou condenado, na própria cela ou em outro local adequado, medidas que, no entanto, não podiam ultrapassar o prazo de 30 dias, que é bastante irrisório, diga-se de passagem, em se tratando de sancionamento de líderes de facções criminosas. Assim, cometida uma falta grave, o preso, por exemplo, podia ficar impedido de receber visita de cônjuge, companheira ou parentes, ou de ter contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, leitura, mas somente pelo prazo de 30 dias.

A instituição do Regime Disciplinar Diferenciado permitiu ao menos uma disciplina mais rigorosa para aquele, condenado ou preso provisório, que comete crime doloso capaz de ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas; ou que apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; ou, ainda, sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento com organizações criminosas, quadrilha ou bando. O preso fica recolhido em uma cela individual, admitindo-se a visita de apenas duas pessoas, no máximo, por duas horas semanais e duas horas de banho de sol por dia. Sem dúvida, constitui um avanço na legislação, mas tem deficiências. É que há um limite para a aplicação do RDD: o prazo máximo de 360 dias, sem prejuízo da repetição da sanção por nova falta grave da mesma espécie até o limite de 1/6 da pena. Na realidade, não deveria haver esse limite temporal. Enquanto o preso acarretar risco à ordem pública, impõe-se o seu segregamento em face de um bem maior, que é a segurança coletiva.

Outro incômodo do RDD é o seu trâmite, pois a aplicação dessa sanção disciplinar depende de prévio e fundamentado despacho do juiz competente, devendo a decisão judicial, precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa, ser prolatada no prazo máximo de quinze dias. Infelizmente, a jurisdicionalização das medidas disciplinares internas dos presídios não é a solução mais adequada, pois, muitas vezes, a leniência do Poder Judiciário, em face da sobrecarga de processos, entra em choque com a necessidade urgente dos diretores de presídios em conter atos dos prisioneiros, como líderes de organizações criminosas, que possam colocar em risco toda a sociedade. A punição somente surte o efeito almejado quando é imediata. Já a leniência do Estado, nesses casos, pode ser fatal.

Quanto a tratar-se o Regime Disciplinar Diferenciado de medida constitucional, entendo que sim, porquanto não existem garantias constitucionais absolutas, as quais devem se harmonizar com os interesses da coletividade, formando um sistema equilibrado. É o princípio da convivência das liberdades públicas. Indaga-se: Enquanto criminosos dentro do presídio arquitetam verdadeiros atos de terrorismo contra a população, a sua contenção dentro do RDD implicaria violação à proibição do estabelecimento de penas, medidas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes? O que é mais cruel ou degradante: restringir algumas regalias do prisioneiro, como banho de sol e visitas, ou deixar toda uma população acuada, e que agentes penitenciários e policiais sejam brutalmente assassinados? O bem maior deve ceder em face do bem menor. Ora, o que atenta mais contra o princípio da dignidade da pessoa humana? O recrudescimento das medidas contra os presos é uma necessidade que encontra respaldo no ordenamento legal.

O Poder Público tem a obrigação de tomar medidas, nos âmbitos legislativo e estrutural, capazes de garantir a ordem constitucional e o Estado democrático de direito. Nessa esteira, o art. 5º, caput, da Carta de 1988 garante a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e o seu inciso XLIV considera imprescritíveis as ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático.

CONSULEX – No tocante ao uso de celulares em presídios, quais as medidas jurídicas aptas a coibir tal prática? E quanto às visitas íntimas e outras regalias concedidas aos presos, como a televisão, o que pensar?

FERNANDO CAPEZ – Infelizmente, a nossa Lei de Execução Penal tem muito que avançar, de modo a se adequar aos novos problemas do sistema penitenciário, dentre eles o uso do telefone celular. A tecnologia criada, via de regra, para proporcionar bem-estar ao homem, trouxe outro viés assustador: favoreceu o aumento dos “tentáculos” da criminalidade organizada, tornando-se a sua maior arma, muitas vezes mais letal do que a arma de fogo. Pelo celular, é possível dar ordem a presidiários do Acre para que entrem em rebelião ou criminosos na rua provoquem a barbárie vista em São Paulo há pouco tempo.A primeira medida a ser adotada é de natureza administrativa. É preciso urgentemente modificar o sistema de revista pessoal: treinar devidamente os funcionários, afastando-se os corruptos. Faz-se também necessária a adoção de medidas jurídicas. Infelizmente, o uso de telefone celular, em face de nossa legislação arcaica, não constitui falta grave, nos termos da Lei de Execução Penal, pois, quando da edição dessa lei, sequer se cogitava de telefonia móvel. Nem a legislação estadual pode dispor a respeito, já que o art. 49 da LEP apenas autoriza o Estado a especificar faltas leves e médias. Assim, o uso de telefone celular, como diversas vezes já decidiu o STJ, não constitui falta grave de modo a acarretar a perda dos dias remidos pelo trabalho do preso, fato este que demanda uma reforma legislativa. Muito embora isso ocorra, o condenado que for pego comandando rebeliões, controlando de dentro do presídio ações criminosas, valendo-se de telefone celular, estará sujeito a ingressar no Regime Disciplinar Diferenciado em outro presídio, distante da cidade.

CONSULEX – Com relação ao § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, que veda a progressão de regime aos crimes hediondos e equiparados, declarado inconstitucional pelo STF, via controle difuso de constitucionalidade, qual a sua opinião?

FERNANDO CAPEZ – O STF vinha mantendo posicionamento pacífico no sentido da constitucionalidade desse dispositivo legal. Acabou, no entanto, mudando a orientação e reconheceu, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do dispositivo, por reputá-lo ofensivo ao princípio da individualização da pena, da dignidade humana e da proibição de penas cruéis.

De modo particular, entendo que tal disposição legal não ofende o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI). Ora, o próprio constituinte autorizou o legislador a conferir tratamento mais severo aos crimes definidos como hediondos e equiparados, não excluindo desse maior rigor a proibição da progressão de regime. Além do que, em nossa Constituição Federal, não há nenhuma passagem que proíba o legislador ordinário de estabelecer regras mais rigorosas para o cumprimento da pena em delitos considerados pelo próprio constituinte como de grande temeridade social. Também não podemos considerar que o dispositivo legal atenta contra o princípio da dignidade humana, que, levado às últimas conseqüências, pode autorizar o juízo de inconstitucionalidade até mesmo do cumprimento de qualquer pena em estabelecimento carcerário, o que torna necessário impor limites à sua interpretação, bem como balanceá-lo com os interesses da vítima e os da sociedade. Ressalve-se que por essa decisão emanar de controle difuso de constitucionalidade não vincula juízes e tribunais, os quais podem decidir de maneira diferente, nada impedindo aos magistrados que vedem a progressão de regime com base no mencionado dispositivo legal, por reputá-lo constitucional.

CONSULEX – Na sua vida profissional teve destaque o combate à improbidade administrativa. O que poderia ser feito para que os administradores públicos tenham uma atuação mais proba? Como combater a corrupção, verdadeiro flagelo que assola a sociedade tão acintosamente?

FERNANDO CAPEZ – Sem dúvida, a maior parte da minha vida profissional foi pautada no combate à corrupção dos administradores públicos. Trabalhei 13 (treze) anos na Promotoria de Justiça da Cidadania, responsável pela defesa do patrimônio público, e, em um caso de grande relevo, combati a chamada “Máfia do Lixo”, que ficou conhecida como a máfia das administrações regionais de São Paulo. No entanto, através de várias ações, logrei a condenação, em primeira e segunda instâncias, das empresas envolvidas, as quais tiveram que devolver quase o triplo do valor em multa.

De uma coisa estou certo: o Ministério Público teve e tem um grande papel moral na inibição da corrupção. Talvez não sintamos de imediato os seus efeitos, mas, se compararmos a sociedade de hoje com a de pelo menos quinze anos atrás, podemos constatar que o Ministério Público logrou expor as mazelas de um sistema cuja corrupção é endêmica. Aquilo que ficou encoberto, em virtude de anos de ditadura militar, pôde ser exposto para a sociedade.

Essa sensação a que os administradores públicos e as empresas em conluio ficam expostos, qual seja, a de que a qualquer momento poderão ser descobertos e exemplarmente processados e punidos, tal como sucedeu no caso da “Máfia do Lixo”, cria um ambiente favorável ao combate à corrupção, pois, através da repressão, incute-se na mente das pessoas o temor de possível represália. Com isso, vai se inibindo a ação do órgão corruptor.

Dessa forma, a certeza da punição dentro dos órgãos públicos, através de seus instrumentos disciplinares, e fora, por meio de ações propostas pelo Ministério Público, é, sem dúvida, uma grande arma no combate à corrupção. Temos que dar punição exemplar aos corruptos. Se o sistema falhar, cria-se a sensação geral de impunidade e fomenta-se o estímulo à corrupção. É um círculo vicioso. Basta verificar os atos de corrupção escancaradamente praticados no âmbito do Governo Federal. Os agentes corruptores têm sido exemplarmente punidos? Não. Portanto, a lição de casa passada para a sociedade é: corrompam-se e não serão punidos.

CONSULEX – Diante de uma sociedade com múltiplas facetas, que não mais espera pela mera aplicação da lei, qual é o novo papel do profissional do Direito?

FERNANDO CAPEZ – Realmente, na atualidade, a sociedade assumiu tamanha complexidade que é impossível ao profissional do Direito se ater à mera aplicação da lei. O profundo conhecimento da lei é importante, porém deixou de ser o único instrumento para a solução dos conflitos sociais.

Hoje, diante de uma sociedade carente de tudo, em constante crise, o profissional do Direito, assim como o de outras carreiras, deve assumir um trabalho de responsabilidade social. Como exemplo, temos integrantes do Ministério Público realizando parcerias com a comunidade no sentido de criar abrigos para moradores de rua, menores, escolas de capacitação para crianças etc.

Quando eu trabalhava na Promotoria de Justiça da Cidadania, embora o escopo maior fosse a defesa do patrimônio público, por diversas vezes deparei com situações em que o indivíduo não tinha sequer o que comer ou onde morar. Cite-se, por exemplo, o caso dos camelôs que, diante da corrupção de fiscais da Prefeitura, abandonavam suas barracas pelo temor de represálias, o que fazia com que ficassem relegados a um estado de miserabilidade. Eu me pergunto: será que o profissional do Direito pode ser mero aplicador da lei? Será que, mais do que ninguém, já que lidamos com as mazelas da sociedade, não temos o dever de buscar soluções sociais a par das soluções jurídicas? É esse o recado que eu passo para todos os estudantes de Direito e profissionais do ramo: O Estado somos todos nós e cada qual é um agente social que pode fazer a diferença no futuro!

CONSULEX – Professor, gostaria de fazer outras ponderações?

FERNANDO CAPEZ – Gostaria de dizer que para que a lei penal alcance o seu escopo de prevenir e reprimir o crime, o mais importante, no momento, é que tenhamos uma estrutura exemplar de execução da pena. O condenado deve adentrar o sistema penitenciário com a certeza de que de lá não sairá antes de cumprida a pena, não será resgatado nem terá a sua liberdade comprada.


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"Este monstro chamado RDD", por Rômulo Almeida:

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Após 20 anos, suposta fraude de Jobim à Constituição ainda gera polêmica

Andréia Henriques
Colcha de retalhos, canteiro de obras, norma em eterno processo de amadurecimento. As críticas à grande quantidade de emendas que a Constituição Federal de 1988 já sofreu ao longo de seus 20 anos de história são diversas e colocam em debate a forma como a Carta vem acompanhando o presente. Mas é um fato do passado que teria alterado o texto constitucional de maneira peculiar: a suposta fraude promovida pelo então deputado do PMDB Nelson Jobim (RS).
Como líder do partido, o atual ministro da Defesa teve papel de destaque na Constituição e há pouco tempo fez a polêmica revelação. Em 2003, quando era presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Jobim afirmou, em entrevista ao jornal O Globo, que quando o texto chegou à comissão de redação da Assembléia Nacional Constituinte foram acrescentados dispositivos que não passaram pelos dois turnos de votação no Congresso.
Uma das mudanças foi revelada: o artigo 2º, que trata da independência dos três poderes. A outra seria desvendada em um livro, promessa que quatro anos depois da entrevista ainda não foi cumprida.
Dois professores da UnB (Universidade de Brasília), em 2006, publicaram o estudo “Anatomia de uma Fraude à Constituição”, mostrando que a inserção foi feita no artigo 166 e beneficiaria diretamente os credores da dívida externa.
De acordo com o estudo de Adriano Benayon e Pedro Antônio Dourado de Rezende, Jobim e o líder do PTB na época, Gastone Righi (SP), teriam enxertado dispositivos no artigo 166.
Os autores do estudo afirmam que as mudanças foram feitas na etapa final da Constituinte, quando a Assembléia fazia apenas acertos no texto. Nessa fase, eram admitidas apenas emendas para melhorar a redação ou suprimir dispositivos.
Benayon e Rezende avaliam um requerimento feito para fundir os artigos 171, 172 e 173. Na página constava a alínea “b” do artigo 172 (atual 166), que previa não ser mais necessário indicar fontes de receitas nas emendas referentes ao pagamento do “serviço da dívida”. Ao invés de contar com as assinaturas dos líderes de todos os partidos, a folha tem apenas o nome de Jobim e Righi.
Com a mudança, o pagamento de juros e amortizações da dívida foi liberado, ou seja, passou a poder ser quitado com recursos de qualquer setor. O valor pago pelo serviço da dívida pública foi gerado principalmente pela fixação de altas taxas de juros.
Segundo o estudo, tal fato trouxe enorme impacto para o país. “O mecanismo das altas taxas reais de juros, combinado com a capitalização destes, gera o crescimento automático das despesas com o serviço da dívida, além de causar a elevação de seu saldo”, afirmam os professores, que dizem ainda que o aumento das despesas resultou no enfraquecimento da economia brasileira e submeteu o país ao controle de grandes grupos financeiros.
Outro lado
Segundo o Ministério da Defesa, tais informações, “equivocadas”, já foram devidamente esclarecidas em debate realizado pelo jornal Folha de S. Paulo no início de outubro. Jobim rebateu as acusações afirmando que, na Comissão de Redação, foram encontradas contradições e divergências em diversas áreas. Assim, um acordo entre as lideranças da época foi feito e as mudanças necessárias foram aprovadas.
Nelson Jobim lembrou que o segundo turno de votação da Comissão de Redação da Assembléia Constituinte só servia para emendas supressivas ou para destaques em votações separadas. Mas devido às divergências foi preciso fazer alterações no segundo turno. “Não houve contrabando de texto e sim a necessidade de ajuste diante do modelo pulverizado que havíamos feito”.
O ministro afirmou que todas as matérias incluídas foram aquelas em que houve acordo global e que todos os problemas foram sanados com a votação final do plenário, como se fosse um terceiro turno.
Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/57575.shtml

Saiba mais:

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Uma nova polícia sem violência

Quinta-feira, 16 de outubro de 2008

por Hélio Bicudo

Ainda há pouco o presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) recomendava, em visita aos Brasil, a unificação das polícias, para transformá-las num órgão civil a serviço da segurança do cidadão.
Trata-se de por em prática ponto de vista já manifestado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), em informe sobre a situação de direitos humanos em nosso país, ainda na década dos anos 90, do século passado.
P
rojeto sobre o problema foi apresentado na mesma década ao Parlamento brasileiro, mas foi fragorosamente derrotado por uma comissão instituída para atingir essa finalidade, fruto do poder dos lobbies das polícias militares no Congresso. Depois, não se falou mais no assunto.
Entretanto, não é possível que o Governo brasileiro e as entidades de direitos humanos continuem a fazer ouvidos moucos ao bom senso, no caso, a criação de uma polícia civil, com carreira única, com um ramo dedicado ao policiamento ostensivo – policiais uniformizados, nas ruas - e outro à investigação criminal. As polícias militares são uma criação da ditadura militar. Mantêm e exteriorizam o seu poder, transformando-se mesmo em poder paralelo ao poder civil, seja dos governadores de Estado, seja do próprio governo federal. Nos Estados, são um poder armado, que o estamento civil não ousa desafiar e que muitas vezes dele se utiliza para a prática de ações violentas contra a população civil mais pobre, contendo-as nos limites da pobreza, na periferia das cidades.
Tendo deixado de estar presente nas faixas de pobreza, o Estado abriu essas mesmas faixas para o poder dos grupos organizados, em especial do tráfico de drogas.
É o que acontece no Rio de Janeiro e em menor escala em outros centros urbanos, inclusive em São Paulo.
No Rio, já nos acostumamos com a violência nos morros, onde a PM e seus grupos especializados para matar intervêm, numa verdadeira guerra urbana, ora contra, ora a favor destes ou daqueles traficantes. Quando o Exército, que não poderia fazê-lo, intervem, temos o triste espetáculo do Morro da Providência onde três pessoas foram eliminadas sob a responsabilidade de militares do Exército e até hoje, “por supuesto”, como diriam os espanhóis, nada se apurou quanto a autoria dessas mortes.
O filme “Tropa de Elite” é bem um retrato da brutalidade a que os habitantes dos morros cariocas são submetidos. Enquanto se busca, como numa ópera bufa, encontrar a responsabilidade pelos “grampos” de telefones de figuras da elite dirigente, a violência corre solta, retratada, sobretudo, nos homicídios, sob a figura de “resistência seguida de morte”, diariamente praticados pelas PMs de todo o país.
E essas mortes vêm numa escalada que somente a tolerância da sociedade civil explica. A Polícia Militar de São Paulo — anuncia o jornal Folha de S. Paulo, na edição de 20 de setembro de 2008 — matou 19,5% mais pessoas nos primeiros sete meses deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado. São 319 mortes de civis contra 15 policiais em serviço. Basta o confronto desses números para mostrar o quadro de uma violência que não encontra parâmetros em Estado onde atua uma polícia voltada para a segurança.
Mas esses dados não são de hoje. Em 2006 os índices de violência já ultrapassavam níveis sequer toleráveis. Durante as rebeliões ocorridas nesses anos nos presídios de São Paulo, somente nos meses de maio a julho, mais de quatrocentas pessoas encontraram na morte a solução de seus problemas de vida. As responsabilidades ficaram no vácuo. Ora, as responsabilidades...
Na verdade, não se trata nunca, de apurar as responsabilidades dos homicídios cometidos pelas PMs. E quando se o faz, é em decorrência de perspectivas de apuração pelos sistemas internacionais de defesas dos direitos humanos- OEA e ONU – como aconteceu na chacina do “Castelinho” em 2002, quando doze pessoas foram chacinadas no pedágio da rodovia com esse nome, por policiais da PM, sob o comando do então secretário de segurança do Estado e o conhecimento do respectivo governador.
E acresce que a reforma parcial, do Poder Judiciário de 2004, ao invés de enfatizar o princípio de que os crimes cometidos por policiais militares em serviço são crimes comuns devendo submeter-se ao crivo da justiça civil, permitir um novo avanço da competência da justiça militar que tende a tornar inócua a Lei 9.299, de 7 de agosto de 1996, que submete à Justiça comum o processo e julgamento dos delitos de homicídio doloso cometidos por PMs contra civis, para entregar ao Tribunal do Júri, tão somente, o julgamento desses crimes, julgamento apenas cabível segundo o que for decidido na Justiça Militar.
Os fatos estão aí, os números são cada vez mais alarmantes. Não são os membros da elite os atingidos — quando grampos os atingem, há uma mobilização geral (governo e imprensa) para coibi-los — mas o povo mais pobre e sofrido de nossas periferias. Será que uma vida vale menos do que os segredos dos conventilhos governamentais?
Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/57447.shtml


A unificação das polícias no Brasil

Leia o artigo de Hélio Bicudo sobre a unificação das polícias acessando o link: http://www.scribd.com/share/upload/4407049/21mnr50kewlmltr4cidz

Por que defendo um direito penal mínimo?



Paulo de Souza Queiroz é doutor em Direito (PUC/SP), é Procurador Regional da República, Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e autor do livro Direito Penal, parte geral, S. Paulo, Saraiva, 3ª edição, 2006
Porque uma das coisas que mais fiz, faço e farei (possivelmente) é argüir prescrição, em crime de homicídio inclusive; e a prescrição – expressão máxima da falência do sistema penal - é sempre uma frustração e uma injustiça; exatamente por isso, um direito penal mínimo não significa enfraquecer o sistema penal, mas fortalecê-lo;
Porque, apesar de se ocupar de um sem número de ações e omissões, a efetiva intervenção do sistema penal (ações penais, condenações, prisões etc.) é estatisticamente desprezível;
Porque mais leis, mais policiais, mais juízes, mais prisões significa mais presos, mas não necessariamente menos delitos (Jeffery);
Porque multiplicar leis penais significa apenas multiplicar violações à lei; não significa evitar crimes, mas criar outros novos (Beccaria);
Porque o direito penal intervém sempre tardiamente, nas conseqüências, não nas causas dos problemas; intervém sintomatologicamente, não etiologicamente;
Porque problemas estruturais demandam intervenções também estruturais e não simplesmente individuais;
Porque o direito penal deve ser minimamente célere, minimamente eficaz, minimamente confiável, minimamente justo;
Porque, se o direito penal é a forma mais violenta de intervenção do Estado na liberdade dos cidadãos, segue-se que, como ultima ratio do controle social formal, somente deve intervir quando for absolutamente necessário;
Porque a intervenção penal, por mais pronta, necessária e justa, é sempre tardia e incapaz de restaurar a auto-estima ou atenuar o sofrimento das vítimas; é uma intervenção traumática, cirúrgica e negativa (García-Pablos); e prevenir é sempre melhor que remediar;
Porque, por vezes, a pretexto de combater a criminalidade, o direito penal acaba estimulando a própria criminalidade, atuando de modo contraproducente, especialmente nos chamados crimes sem vítima (contravenção do jogo do bicho, exploração da prostituição de adultos, tráfico de droga etc.);
Porque não existe prova alguma de que o direito penal evite novos crimes, seja em caráter geral, seja em caráter individual (ressocialização), de sorte que prevenção geral e especial têm mais a ver com crenças, mitos e fantasias do que com ciência;
Porque, a pretexto de combater violência, o direito penal, que também é violência, acaba gerando mais violência, nem sempre legítima; não raro é um só pretexto para a violação sistemática de direitos humanos;
Porque o direito penal, assentado que está sobre uma estrutura social profundamente desigual, seleciona sua clientela, inevitavelmente, entre os setores mais pobres e vulneráveis da população; punir os chamados criminosos do colarinho branco, além de ser exceção a confirmar a regra, é só uma tentativa (quixotesca) de atenuar o nosso mal-estar, como se fosse possível, por meio da intervenção penal, inverter a lógica funcional do modelo capitalista de produção;
Porque uma boa política social ainda é a melhor política criminal (Franz von Liszt).
Fonte: http://pauloqueiroz.net/por-que-defendo-um-direito-penal-minimo/

domingo, 12 de outubro de 2008

Onde estão os Direitos Humanos? Certamente não estão na Amazônia!


Karina Merlo
Em recente palestra, com o tema "Teoria do Delito e as suas Controvérsias", o penalista e estimado amigo Rogério Greco nos trouxe um vídeo para reflexão: "Hakani". O vídeo mostra, com toda a sua propriedade e realismo, as atrocidades cometidas em uma das tribos na Amazônia: crianças são enterradas vivas por terem nascido gêmeas ou com alguma deformidade física, o que, na cultura desses povos, representa algum tipo de maldição.
Isso é uma afronta aos direitos fundamentais que tanto defende a nossa Constituição Federal de 1988 e suas inúmeras emendas. Afinal, índio não é brasileiro? Eu diria, até pelo contrário: se considerarmos as raízes do povo brasileiro, não há uma cultura que nos represente mais, historicamente, do que os povos indígenas. Põe em terra as penas de banimento, as cruéis e a pena de morte que, salvo em caso de guerra declarada, são descartadas pela Carta Magna em seu art. 5º, XLVII, a, d, e, além dos temidos "tribunais de exceção" do art. 5º, XXXVII. Isso quer dizer que onde há tribo indígena no Brasil existe "terra sem lei"? Que dirá princípios!
E o Direito Penal? Além do estigma de só ser efetivo para punir os P2 (leia-se Protelados do social e Pobres, e não Parlamentares e Pobres!) não se aplica aos crimes cometidos por esses povos?
Quando o assunto em pauta é algum direito reservado aos índios (saúde, educação, propriedade, entre outros) surgem várias entidades em defesa desses povos silvícolas. É o chamado defesa do direito das minorias. Mas quando vem à tona as aberrações de algumas culturas como a que se vê no vídeo, nada se escuta. Mais fácil é citarmos exemplos das mutilações em povos africanos do que olharmos para os abomináveis exemplos que ocorrem no solo amazônico. É a velha história: a injustiça está muito longe dos nossos lares...
Acesse a página de Hakani para maiores detalhes:

sábado, 11 de outubro de 2008

Tribunal manda juiz estudar Direito Processual Cível

Fonte: Espaço Vital
Um acórdão de conformação e comandos talvez inéditos na história do Judiciário brasileiro recomenda que "o magistrado de base seja inscrito, ex ofício, na Escola da Magistratura, disciplina Direito Processual Civil, em especial no módulo de recursos (coisa julgada)".
O julgado também refere que "o Corregedor de Justiça deve comunicar à Câmara - após o término do curso de que se trata - se houve aproveitamento por parte do juiz da causa".
A decisão é da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão, ao prover apelação cível interposta por Julio Moreira Gomes Filho e outros em desfavor de Estado do Maranhão, "contra sentença do juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital (São Luis) que julgou parcialmente procedente a ação, condenando o Estado a pagar a diferença de 3,17 % sobre os vencimentos dos autores, em todos os rendimentos e vencimentos percebidos a partir da indevida conversão de cruzeiro para URVs, devidamente atualizado".
Numa das passagens do acórdão vem analisado que "tendo os apelantes interposto aclaratórios, com a finalidade de corrigir (elevar) o percentual de correção concedido na sentença monocrática, não pode o magistrado, negar o pleito dos embargantes e, ao mesmo tempo, reformar o decisum recorrido, determinando que os mesmos não têm direito a qualquer correção".
O assunto domina desde ontem (8) rodas de advogados e magistrados na capital maranhense, diante do inédito: um órgão jurisdicional mandar, oficial e publicamente, o juiz do feito estudar Direito Processual Civil.
Advogados ouvidos pelo Espaço Vital coincidem na avaliação: o julgamento açodado da causa provavelmente tenha sido a necessidade de o juiz atender o imenso volume de processos, com a participação de assessoria despreparada que tem pouca intimidade com normas processuais básicas.
Um professor universitário da capital maranhense avaliou "a possível baixa de nível em concursos, selecionando um ou mais juízes despreparados".
Pedindo para não ser nominado, um colega do juiz questionado avaliou que "talvez o magistrado esteja em uma fase ruim, estressado etc.", mas especulando que "o julgado de segundo grau pode estar contendo um indicativo de falta de respeito ao juiz da causa por parte do tribunal".
Outro magistrado maranhense estima que "talvez a Câmara, cansada desses fatos, tenha resolvido dar um basta, chamando publicamente a atenção para um fenômeno lamentável, mas real: a queda de qualidade presente em certos nichos da magistratura nacional".
O acesso ao sistema de informações processuais do TJ-MA não disponibiliza a íntegra da sentença, mas demonstra a evolução do feito e mostra a decisão apelada - que, reformada pelo TJ-MA, resultou na crítica feita pelos desembargadores.
Conheça a tira do julgado e a íntegra do acórdão que determina que o juiz de primeiro grau volte a estudar
Proc. nº 0229572007
Tira do julgado: "Unanimemente, rejeitaram as preliminares suscitadas, e no mérito, em parcial acordo com o parecer do Ministério Público, conheceram e deram provimento ao recurso, nos termos do voto da desembargadora relatora.
Outrossim, por iniciativa do desembargador Jaime Ferreira de Araújo, fica determinando ainda o encaminhamento de cópia dos autos à Corregedoria Geral de Justiça com a recomendação que o magistrado de base seja inscrito, ex ofício, na Escola da Magistratura, disciplina Direito Processual Civil, em especial no módulo de recursos (coisa julgada), devendo o digno corregedor de justiça comunicar à câmara, após o término do curso de que se trata, bem como se houve aproveitamento por parte do juiz em causa."
Acórdão
Trata-se de apelação cível interposta por Julio Moreira Gomes Filho E Outros em desfavor de Estado do Maranhão, contra sentença do Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, que julgou parcialmente procedente a ação, condenando o Estado a pagar a diferença de 3,17 % sobre os vencimentos dos autores, em todos os rendimentos e vencimentos percebidos a partir da indevida conversão de cruzeiro para URVs, devidamente atualizado.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - SERVIDORES PÚBLICOS DO PODER JUDICIÁRIO - CONVERSÃO DOS VENCIMENTOS DE CRUZEIRO REAL PARA URV - DEFASAGEM SALARIAL - INOCORRÊNCIA DE INÉPCIA DA INICIAL - PRESCRIÇÃO QUINQUENAL NÃO-CONFIGURADA - RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO - IMPOSSIBILIDADE DE REFORMATIO IN PEJUS - REAJUSTE DA DIFERENÇA SALARIAL DEVIDA, EM PERCENTUAL 11,98% - O DIREITO À DIFERENÇA SALARIAL ORIUNDA DO ERRO DE CONVERSÃO MONETÁRIA ALCANÇA OS SERVIDORES QUE INGRESSARAM NO SERVIÇO PÚBLICO APÓS A EDIÇÃO DO PLANO REAL.
I - Enquanto integrantes do Poder Judiciário, os apelantes não têm o dever de demonstrar o efetivo dia do pagamento de seus vencimentos, já que estão abarcados pela regra de repasse descrita no art. 168, do CF.

II - Tratando-se de relação de trato sucessivo, não é cabível a incidência da prescrição qüinqüenal, posto que a lesão à remuneração dos servidores renova-se a cada novo pagamento.

III - É vedado em nosso ordenamento jurídico a reformatio in pejus. Desse modo, tendo os apelantes interposto aclaratórios, com a finalidade de corrigir (elevar) o percentual de correção concedido na sentença monocrática, não pode o magistrado, negar o pleito dos embargantes e, ao mesmo tempo, reformar o decisum recorrido, determinando que os mesmos não têm direito a qualquer correção.

IV - Os apelados, por serem servidores do Poder Judiciário, não tiveram o repasse da verba atinente às suas remunerações efetuadas no dia último dia dos meses de referência para cálculo da conversão de Cruzeiro Real em URV, mas, sim, no dia 20 (vinte) de cada mês, consoante regra do art. 168, da CF, pelo que fazem jus a uma diferença salarial da ordem de 11,98% (onze vírgula noventa e oito por cento).

V - O reajuste remuneratório também é devido aos servidores que ingressaram no Poder Judiciário após a edição do Plano Real, posto que o mesmo está relacionado ao cargo e não ao indivíduo.


quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Reforma na lei

Comissão estuda mudanças no Código de Processo Penal
Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2008.
A comissão criada no Senado Federal para indicar as atualizações necessárias no Código de Processo Penal apresentou, nesta terça-feira (07/10), um relatório de todos os projetos de lei já elaborados pelo Poder Executivo que alteram as leis que fazem parte do código.
Os especialistas que compõem a comissão também organizaram um quadro das propostas que já estão em tramitação no Congresso Nacional. A comissão tem até o dia 31 de janeiro do ano que vem para apresentar um anteprojeto de lei que atualize as leis processuais penais.
Após a quarta reunião do grupo, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Hamilton Carvalhido, que coordena comissão, afirmou que o prazo para o término dos trabalhos é muito curto, mas que os temas envolvidos já foram amplamente discutidos. A proposta a ser apresentada será a base para um novo código.
Para o ministro, os documentos organizados auxiliarão na discussão de um texto integral, já com todas as mudanças que os projetos em andamento causariam.
Saiba mais acessando:
Criada por intermédio do Requerimento nº 227, de 2008, de iniciativa do Senador Renato Casagrande, a Comissão foi constituída pelo Presidente Garibaldi Alves Filho, que teve a preocupação de designar destacados profissionais e estudiosos do direito processual penal brasileiro, sem perder de vista a representatividade das instituições que operam diariamente com a matéria (magistratura, ministério público, polícia judiciária e advocacia).
Vale lembrar que o Código de Processo Penal (CPP) data de outubro de 1941, editado por decreto-lei em pleno Estado Novo. Embora tenha sofrido várias alterações pontuais (algumas muito recentes, como as empreendidas pelas Leis nos 11.689, 11.690 e 11.719, todas de junho de 2008), o CPP vem resistindo às tentativas de reforma mais abrangente. Depois da Constituição de 1988, que tanto ajudou a oxigenar a interpretação das normas de processo penal por parte dos tribunais, o parlamento brasileiro ainda não teve a oportunidade de se dedicar à reforma integral do mencionado diploma, de modo a reforçar o movimento de convergência ao novo paradigma constitucional.
A Comissão tem pela frente o enorme desafio de superar impasses institucionais e retomar o processo de ampla reforma do CPP, com vistas a garantir unidade e sistematicidade à legislação processual penal brasileira. Para tanto, está aberta ao recebimento de sugestões, tendo sido prevista, ainda, uma fase posterior de consulta pública.