Olá caro leitor,
Depois de algumas indagações feitas por alunos de universidades baianas e nas comunidades do site de relacionamentos do Google, o Orkut, sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, incumbi-me de fazer algumas considerações como referência para esclarecimentos sobre esse controverso tema.
O legislador brasileiro introduziu a responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento jurídico sem se preocupar com a necessária adequação com os institutos vigentes e que são incompatíveis, ensejando, inúmeras críticas, muitas das quais insuperáveis, sendo que as mais contundentes referem-se à incompatibilidade da nova criminalização com o princípio da culpabilidade, bem como à aplicação de penas à pessoa jurídica.
Segundo o professor Alexandre Magno Fernandes Moreira, em seu artigo “Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional” que versa muito bem sobre o assunto em pauta, o art. 25 da Lei 7.492/86, considerava penalmente responsáveis por esses crimes “o controlador e os administradores da instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes”. O § 1° equiparava a eles, “o interventor, o liquidante ou o síndico”, sobrevindo a necessidade mais tarde, do seu veto. Tratava-se de uma hipótese de responsabilidade objetiva do sujeito ativo, ou seja, essas pessoas poderiam ser responsabilizadas mesmo que não tivessem agido com dolo ou culpa. Porém, a doutrina atual ainda considera que a responsabilidade penal só pode ser subjetiva, ou seja, mesmo, nesse caso, os citados sujeitos só seriam responsabilizados se agissem com dolo ou culpa.
Após sete anos em tramitação no Congresso Federal, a nova Lei de Crimes Ambientais finalmente entrou em vigor em 30 de março de 1998. Esta lei determina a criminalização do desmatamento e entre outras medidas: a responsabilidade da pessoa jurídica em crimes ambientais; multa e prisão de até um ano para quem comprar, vender, transportar ou armazenar madeira, lenha ou carvão sem licença; e a extinção da punição mediante a apresentação de laudo que comprove a recuperação de dano ambiental. A lei ainda prevê multas e pena de até cinco anos de prisão para os infratores, que podem ainda, a depender do caso, ter seus equipamentos apreendidos e seus negócios encerrados.
Entretanto, a doutrina, até então, não tem entendimento pacífico sobre a possibilidade de pessoa jurídica ser considerada como sujeito ativo de crime.
A teoria da realidade, de Otto von Gierke, adotada em vários países, considera que a pessoa jurídica tem existência real, e que, portanto, pode cometer crimes.
Já Savigny e Ihering, adeptos da teoria da ficção jurídica, consideram que a pessoa jurídica não tem existência real e que, por isso, não pode cometer crimes.
A Constituição Federal de 1988 adotou esta última teoria em duas ocasiões: no art. 173, § 5° (atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular) e no art. 225, § 3° (condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente). Porém, tais artigos são normas constitucionais de eficácia limitada, ou seja, requerem regulamentação infralegal para que se tornem eficazes. Apenas o art. 225 foi regulamentado, por meio da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), que prevê penas específicas para pessoas jurídicas. Essa lei adotou o sistema da dupla imputação, de acordo com o qual a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a do ser humano que comete o crime.
Logo, a despeito do que estatui a Lei nº 9.605/98, vige o princípio “societas delinquere non potest” sendo a responsabilidade penal pessoal e, mais que isto, subjetiva.
Com acerto lembrou o nosso notável penalista, Rogério Greco:
"Na precisa lição de Nilo Batista, o princípio da culpabilidade impõe a subjetividade da responsabilidade penal. Não cabe, em direito penal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico. Isso significa que para determinado resultado possa ser atribuído ao agente é preciso que a sua conduta tenha sido dolosa ou culposa. Se não houve dolo ou culpa, é sinal de que não houve conduta; se não houve conduta, não se pode falar em fato típico; e não existindo o fato típico, como conseqüência lógica, não haverá crime.
(...)
Concluindo, a culpabilidade, ou seja, o juízo de censura que recai sobre a conduta típica e ilícita, é individual, pois o homem é um ser que possui sua própria identidade, razão pela qual não existe um ser igual ao outro. Temos nossas peculiaridades, que nos distinguem dos demais. Por isso, em tema de culpabilidade, todos os fatos, internos e externos, devem ser considerados a fim de se apurar se o agente, nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo." (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - parte geral. 2a ed., Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2002, p. 98-99 e 424- 425).
E ainda complementa:
"Com a devida venia das posições em contrário, entendemos que responsabilizar penalmente a pessoa jurídica é um verdadeiro retrocesso em nosso Direito Penal. A teoria do crime que temos hoje, depois de tantos avanços, terá de ser completamente revista para que possa ter aplicação a Lei n. 9.605/98. Isso porque, conforme frisou o Min. Cernicchiaro, já encontraremos dificuldades logo no estudo do fato típico. A pessoa jurídica, como sabemos, não possui vontade própria. Quem atua por ela são os seus representantes. Ela, como ente jurídico, sem o auxílio das pessoas físicas que a dirigem, nada faz. Não se pode falar, portanto, em conduta da pessoa jurídica, pois que, na lição de Pierangeli, “a vontade de ação ou vontade de conduta é um fenômeno psíquico que inexiste na pessoa jurídica.” [José Henrique Pierangeli. Escritos jurídicos- penais, p. 178].
Problema ainda maior será verificar a culpabilidade de uma pessoa jurídica. Quando poderá ela sofrer um juízo de censura, já que a censurabilidade é própria do homem?" (GRECO, ob. cit., p. 193).
Não sendo possível dissociar o homem e a pessoa jurídica para efeitos de culpabilidade, resta-nos aferir então, o entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça:
'Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes)'
Fontes complementares:
http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/arquivos/emagis_prog_cursos/penal_caderno2_vol_1.pdf