domingo, 31 de agosto de 2008

Anencefalia e aborto

Fabricio Fazolli
Antes de discutir a legalidade do aborto em casos de anencefalia, faz-se necessário expor o significado de tal anomalia, e do próprio termo aborto.
A anencefalia trata-se de uma anomalia diagnosticável, porém, não possui nenhuma explicação plausível para justificar sua origem, sabendo-se, apenas, que o feto não apresenta abóbada craniana e os hemisférios cerebrais ou não existem, ou se apresentam como pequenas formações aderidas à base do crânio. E expõe o óbvio, a médica geneticista Dafne Horovits, em entrevista dada à revista Época na edição de 15 de março de 2004, quando afirma que: "A anencefalia é fatal em 100% dos casos".


O aborto consiste na destruição da vida antes do início do parto, ou então, é o período que compreende desde de a concepção até o início do parto, que é o fim da vida intra-uterina. Assim, pode-se dizer que, o aborto ocorre quando por algum motivo a vida intra-uterina é interrompida, e que a causa desta interrupção não seja o nascimento da criança.
Aborda-se agora, questão polêmica que é, a impossibilidade de aborto em casos de feto anencefálico na legislação brasileira. A lei é bem clara quando exclui a possibilidade de aborto eugenésico, ou seja, feto com deformidade ou enfermidade incurável. É fato que tal discussão gera controvérsia em diversos aspectos tanto éticos, como religiosos, jurídicos, etc. Porém, não cabe neste momento analisar outros aspectos senão o jurídico. E com clareza coloca o jurista Cezar Roberto Bitencourt, quando afirma que, "modernamente, não se distingue mais entre vida biológica e vida autônoma ou extra-uterina. É indiferente a capacidade de vida autônoma, sendo suficiente a presença de vida biológica".(1) Sendo assim, se tal afirmação for considerada verdadeira, como conseqüência, o abortamento de feto anencefálico enquadra-se como crime contra vida. Ora, o feto possui batimentos cardíacos, circulação sanguínea, e isto, já caracterizaria vida biológica.
Porém, cabe lembrar que o produto desta gestação só possui "vida" devido ao metabolismo da mãe, que a criança, ao nascer, conseguiria "sobreviver" apenas alguns instantes e viria a óbito logo em seguida. Assim, a ausência de cérebro não daria a este ser nenhuma expectativa de vida. E, mesmo com a afirmação acima de que, a capacidade de vida autônoma torna-se irrelevante à questão do aborto, torna-se indispensável expor aqui a desnecessidade de uma mãe carregar em seu ventre um filho que não tenha possibilidade de ter uma vida extra-uterina, e que ela, além da dor física que terá durante nove meses de gravidez, que neste caso tornar-se-ia a menor das dores, sofrerá de forma que só uma mãe possa sofrer ao imaginar seu filho "nascendo" e "morrendo", em seguida.
Interessante é analisar a legislação brasileira, que, senão redundante, muitas vezes torna-se "curiosa". Nota-se na Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997, que é a lei de Transplante de Órgãos, em seu art. 3º, que prevê a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinadas a transplante, somente se e quando for diagnosticada a morte encefálica do paciente, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção de transplantes. Ora, neste caso a lei é bem clara, que quando constatada a morte encefálica é permitido a remoção de órgãos, e conseqüentemente, devido a isto, se obteria a morte biológica do paciente.
Então, o que leva o legislador a aceitar a morte encefálica do paciente como prioridade para o transplante, e a não consenti-la no caso do feto anencefálico?
Note, que propositadamente há redundância na pergunta, visto que, não é possível que um organismo venha sofrer disfunção em um órgão que não possua. Outro motivo que leva a crer que a proibição do aborto eugênico é ultrapassada.
Cabe-se ressaltar que, o Código Penal de 40 foi publicado com costumes de décadas anteriores, e conseqüentemente não podemos esperar que tais hábitos permaneçam pétreos. Na atual conjuntura, não só na cultura como também na ciência, houve uma grande evolução, permitindo dessa forma, a indiscutível necessidade de um Anteprojeto de Reforma do Código Penal, quando que em 1992 foi criada uma Comissão para Reformulação do Código Penal, sendo que a parte específica dos crimes contra a vida foi orientada por uma subcomissão, presidida pelo desembargador Dr. Alberto Franco. E ressalta-se que, dentre outras reformas, autorizaria o aborto nos casos em que o nascituro apresentasse graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais. E a redação proposta pela Comissão é a seguinte:
"Não constitui crime o aborto praticado por médico: Se se comprova, através de diagnóstico pré-natal, que o nascituro venha a nascer com graves e irreversíveis malformações físicas ou psíquicas, desde que a interrupção da gravidez ocorra até a vigésimo semana e seja precedida de parecer de dois médicos diversos daquele que, ou sob cuja direção, o aborto é realizado".
Porém, é fato que uma reforma legislativa não acontece de forma célere, e obviamente, o ser humano muitas vezes se abstém de tempo para aguardar tal reforma, cabendo ao Judiciário sanar tais necessidades, que, mesmo contra legem está transformando os moldes desta realidade.
Como dito acima, os fatos sociais, via de regra, precedem as leis. Assim, faz-se necessário citar a decisão do ilustre desembargador Dr. Miguel Kfouri Neto, então juiz na cidade e Comarca de Londrina, que em 19 de dezembro de 1992, pela primeira vez na história do Direito Penal brasileiro, autorizou um aborto legal em feto portador de anencefalia numa gestação de 20 semanas.
Ressalte-se ainda, que no dia 18 de junho de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTS), emitiu nota ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que fixe entendimento de que a gestação de feto anencefálico é desnecessária, visto que, tal prática, além de não trazer em hipótese alguma possibilidade de vida ao feto, gera danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbito intra-uterino desses fetos. A CNTS afirma que, mesmo com a regularidade de sentenças que o Judiciário vinha firmando em todo o país, reconhecendo o direito da antecipação terapêutica do parto, as decisões em sentido inverso desequilibram essas jurisprudências. Por isso, faz-se necessário o reconhecimento do Supremo em relação a inutilidade de levar-se adiante uma gravidez que não apresente possibilidade de vida extra-uterina.
Busca-se como objetivo deste breve discurso, mesmo que de forma prematura, tentar esclarecer alguns pontos, como por exemplo, a posição do nosso atual Código Penal diante do aborto, e de que forma prossegue sua reformulação, bem como mostrar que muitas vezes a lei nos parece obscura, confusa, tornando-se necessário a função de analisá-la com cautela. Que a solução dos problemas sociais nem sempre estará nas normas de direito, pois o fato gera a norma, e quem cria a norma é a sociedade, que por fim, é a causadora do fato. E o mais importante, que é tentar fazer com que o leitor crie questionamentos sobre tal tema, que como já mencionado acima, não sempre, mas por muito tempo irá gerar polêmica.
Notas:
1 BITENCOURT, Cezar Roberto, Código Penal Comentado, editora Saraiva: São Paulo, 2002, p. 123.

Fonte: http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/Anencefalia%20e%20aborto%20por%20Fabricio%20Fazolli%20em%2002-08.htm

De olho no ardil



" Tomar o exemplo de Marcela, o símbolo antiaborto, para proibir a interrupção da gravidez de fetos sem cérebro é exploração desonesta da tragédia alheia "
André Petry

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal, que tem dado mostras de ser o poder mais conectado com a realidade dos brasileiros comuns, fará outra de suas audiências públicas. Uma delas discutiu as pesquisas com células-tronco embrionárias, finalmente aprovadas. Agora, o debate será sobre o direito de interromper a gravidez de fetos sem cérebro – que não sobrevivem fora do útero mais do que algumas horas ou dias. É uma anomalia incurável, cujo desfecho inevitável é a morte. É uma crueldade ímpar obrigar uma mulher a carregar por nove meses no útero um feto que não sobreviverá fora dele. Ainda assim, há quem defenda que a mulher deve ser forçada – por lei! – a amargar esse calvário, preparando-se para, ao fim de nove meses, em vez de celebrar a vida, dar à luz a morte.
Na terça-feira, o Supremo ouvirá os defensores dessa posição: a CNBB dos católicos, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família. Há argumentos sólidos e respeitáveis para ser contra o aborto de fetos sem cérebro, mas também há velhacarias e engodos. Para um deles, é preciso que a platéia esteja especialmente atenta porque são grandes as chances de que apareça na audiência pública do Supremo: chama-se Marcela de Jesus Galante Ferreira. É o nome da menina que viveu um ano, oito meses e doze dias em Patrocínio Paulista, mesmo tendo nascido, dizia-se, sem cérebro. Marcela morreu no último dia 1º de agosto, de pneumonia. Por ter sobrevivido tanto tempo, a pequena Marcela foi tratada como um milagre divino. Chegou a virar símbolo de passeata contra o aborto, que reuniu 5 000 fiéis católicos, espíritas e evangélicos em São Paulo.
Era comovente acompanhar o carinho e o respeito com que a mãe de Marcela a tratou em vida. Cacilda, lavradora do interior paulista, parou de trabalhar para cuidar da filha, agia como se ela fosse igual aos outros bebês e tirava fotos da criança usando um simples gorro, para não expor a parte superior da cabeça, deformada pela ausência do cérebro. Em matéria da repórter Adriana Dias Lopes, publicada por VEJA em agosto do ano passado, Cacilda afirmou: "Minha filha é muito carinhosa. As pessoas ficam tão encantadas com ela que não ligam para o formato de sua cabecinha".
Acontece que tomar o exemplo de Marcela, o milagre divino, o símbolo antiaborto, para proibir a interrupção da gravidez de fetos sem cérebro é exploração desonesta da tragédia alheia. A pediatra Márcia Barcellos, que cuidou de Marcela, examinando ressonâncias magnéticas de alta definição, concluiu que a menina sobrevivia porque não era um bebê sem cérebro. Ela tinha o mesencéfalo, parte intermediária do cérebro, e outras proto-estruturas que lhe permitiram tamanha sobrevida. Na sessão do Supremo, sempre pode aparecer alguém – bem-intencionado, lógico – dizendo que o aborto de feto sem cérebro tem de ser proibido porque ainda pode haver centenas de Marcelas vivendo anos a fio.
Se você ouvir isso, saiba: é um ardil.
Fonte: http://veja.abril.com.br/270808/andre_petry.shtml

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

CCJ aprova novas regras para quebra de sigilo telefônico

Fonte: Rondônia Jurídico / Agência Senado

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou nesta quarta-feira (27), por unanimidade, texto substitutivo a projeto do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) disciplinando a quebra, por ordem judicial, do sigilo das ligações telefônicas para investigação criminal ou para fins de instrução de processo penal. As normas abrangerão também as comunicações por meio de computador. A matéria terá que ser votada em turno suplementar, antes de seguir para o Plenário do Senado. Jarbas Vasconcelos pediu ao governo que se empenhe para que a proposição seja aprovada com urgência pelo Senado e pela Câmara dos Deputados.

O texto apresentado nesta quarta-feira pelo relator, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), foi construído em acordo com o ministro da Justiça, Tarso Genro, e estabelece, entre outras medidas, que a quebra de sigilo não será permitida na investigação de crimes de menor potencial.

Define também que o pedido de quebra de sigilo das comunicações terá que ser formulado por escrito ao juiz, por meio de requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial. Esse pedido deverá conter informações como a descrição precisa dos fatos investigados e a indicação do nome da autoridade que está investigando o caso. Além disso, deverá informar o prazo de duração da quebra, que não poderá exceder a 60 dias, sendo permitida prorrogação por igual período.

O texto substitutivo define também as sanções penais para quem violar o sigilo de comunicação telefônica, de informática ou telemática sem autorização judicial. Quem descumprir a regra poderá pegar a pena de reclusão de dois até quatro anos, além de pagar multa. A pessoa que violar o segredo de justiça e divulgar as informações também estará sujeita a essas penas. Se o crime for praticado por funcionário público, a pena poderá ser aumentada de um terço até a metade.

O Executivo também estará autorizado a instituir sistema centralizado de informações sobre quebra de sigilo de comunicações.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Profissão: Advogado(a)

Roberto Bartolomei Parentoni
Advogado criminalista - militante há mais de 17 anos, professor e autor do livro "Prática da Advocacia Criminal", da Editora JH Mizuno, especialista em Direito e Processo Penal, atual presidente do IDECRIM - Instituto de Direito e Ensino Criminal.
A escolha da profissão de advogado deve ser, como qualquer outra, pautada pela análise e reflexão saudáveis e sensatas das habilidades e desejos profundos da alma, pois que nascemos com uma missão a cumprir, o que torna a escolha da profissão uma decisão árdua, mas dignificante. Ou seja, há que se ter vocação, talento, predestinação. A contribuição dos pais, amigos e principalmente das dificuldades encontradas para essa escolha, das quais as financeiras é uma das mais difíceis, devem ser colocadas em lugares derradeiros e, de incontáveis formas, serem dissolvidas.
A profissão de advogado é controvertida. Muitos a elogiam e muitos a condenam. É, porém, a única que consta na nossa Constituição Federal, como um dos pilares da Justiça e indispensável à sua administração.
Quem escolher a profissão de Advogado, deverá estar preparado para não ter reconhecida sua competência, mesmo “dando seu sangue” por uma causa – o cliente sempre achará que, afinal, era um direito dele! - e, não obtendo o sucesso esperado, saber que a culpa sempre será do Advogado, não importando a dificuldade da própria causa e os elementos que a compõem. Portanto, terá que ter desprendimento.
Essa “ingratidão” não deverá, no entanto, ser motivo de desgosto. Deve constar nas habilidades deste profissional o saber lidar com esta situação e sempre fazer o melhor. Haverá sempre as exceções que trarão a satisfação e o orgulho de ser um Advogado.
Não se nega que muitos profissionais contribuem para a má visão que muitos têm do advogado, pois agem irresponsavelmente, pensando apenas em auferir lucros, sem se importar com a moralidade ou a integridade dos seus atos. Isso, porém, não interessa àqueles que tomam sua profissão, e a tudo, como a expressão da manifestação do que há de melhor em si, pois dentro da sua atuação profissional ou de suas habilidades em qualquer atividade, está a manifestação da própria vida.
Assim, é necessário que se defenda a honra e a importância da profissão de Advogado, o que é feito pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, e pelos profissionais que a compõem. Temos, pois, o Código de Ética, que norteia os desavisados, não sendo tão necessário aos que cumprem com suas obrigações e têm dentro de si a percepção e a consciência dos requisitos dignificantes que são necessários à sua atuação. Estes, além de bons advogados, são bons homens.
Levemos em consideração que depende de cada advogado a manutenção da boa fama e reputação de toda a classe. Apesar de toda a balbúrdia e intenções contrárias, a Advocacia é dignificante e possui tradição, já que há uma história da Advocacia, ordem social e jurídica no País.
Aquele que escolhe ser advogado deve saber que a partir do momento em que estiver apto a exercer sua profissão, ou seja, após realizado o exame da Ordem dos Advogados do Brasil, obrigatório em todo o País, estará imbuído de responsabilidades. Ao falar, ao comportar-se, ao agir, ao escrever, ao opinar, ao atuar, não poderá mais portar-se como o estudante que, anos atrás, ingressou nas lidas dos estudos jurídicos em uma Faculdade ou Universidade. Nem mesmo como o mesmo homem. Já terá de ter-se adaptado ao mundo jurídico, moldado-se às suas exigências, fato que será fator de sucesso na sua profissão.
Se você detesta usar terno, gravata ou desgosta-se de leituras, se é impaciente demais, ou se aborrece facilmente, terá vida curta dentro da Advocacia. A menos que uma das suas qualidades seja a capacidade de adaptar-se.
Fonte: PARENTONI, Roberto Bartolomei. Profissão: Advogado(a). Jus eundi, Rio de Janeiro, mai. 2008.
Disponível em: http://www.juseundi.com.br/artigo/artigo.asp?id=54. Acesso em: 18 ago. 2008


A Advocacia Criminal

A Advocacia Criminal, a qual muitos se referem como “o mais apaixonante ramo do direito”, é uma área muito importante e exige de seus profissionais muitas habilidades que diferem das exigidas pelos profissionais de outras áreas, como a cível e a trabalhista, por exemplo.

Algumas das habilidades que os Criminalistas devem possuir, além da vocação, são os conhecimentos científicos sobre criminologia e medicina legal, além de oratória, caso desejem atuar no Tribunal do Júri. Não podemos esquecer, ainda, que as habilidades de psicologia também são bem vindas, uma vez que tratará sempre com pessoas e os problemas que as afligem, geralmente graves.

Algumas qualidades são essenciais e, segundo Manoel Pedro Pimentel, ao Advogado Criminalista cabe : “coragem de leão e brandura do cordeiro; altivez de um príncipe e humildade de um escravo; fugacidade do relâmpago e persistência do pingo d’água; rigidez do carvalho e a flexibilidade do bambu”.

O estudo, conhecimento da alma humana, leitura de bons livros fora de temas jurídicos – que agreguem valores, ajudem no aumento do vocabulário -, conhecimento das leis, jurisprudências e arestos dos Tribunais, perspicácia na análise das provas, exercício da oratória, atenção a tudo e a todos, boa impressão pessoal, tato, diplomacia, capacidade de convencimento - de forma agradável e precisa, são ações indispensáveis ao Advogado Criminalista.

O próprio Curso de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais está incurso na área de Ciências Humanas. É impossível, pois que uma pessoa que nada compreenda da natureza humana, tampouco tenha um espírito capaz de se sensibilizar com a tragédia humana, possa servir nos balcões da Advocacia, especialmente a Criminal.

Aquele que escolhe esta área para atuar, deverá sempre ter em mente que estará defendendo a pessoa e seus direitos e não o crime do qual o cliente é acusado. O Advogado Criminalista é a voz, cabeça e mãos dos direitos que cabem a qualquer pessoa.

O processo criminal sempre trará em seu seio histórias trágicas, da vítima e do acusado, pois que não é menos trágico o cometimento de um crime, apesar de parecer, num primeiro plano, que a vítima é a que mais “perde”.

O Advogado Criminalista tem a função e obrigação de analisar as provas diligentemente, além de verificar se o processo prima pela regularidade perfeita, pois disso depende que seja feita a justiça e é a garantia de que defesa de seu cliente foi realizada de forma primorosa e eficaz.

Os Advogados Criminalistas precisam “ter estômago”, como dizem, serem combativos, guerreiros e corajosos, trazerem consigo um espírito de luta, não só para lutar, dentro do processo criminal a favor de seu cliente, contra as cotas da acusação ou eventuais injustiças das sentenças, mas também para enfrentar a oposição ainda maior da sociedade que muitas vezes não compreende suas ações.

Os desavisados e ignorantes têm em mente que o Advogado Criminalista “defende bandidos”, solta os criminosos que a polícia se esforça para prender, o que não é verdade.O Advogado Criminalista defende os direitos de toda pessoa humana, garantidos pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, assim como pugna, como um bom e combativo advogado, para que todos os procedimentos e leis sejam cumpridos quando uma pessoa sofre uma acusação ou é recolhida à prisão.

Não cogitam os mesmos desavisados que muitos inocentes sofrem a prepotência da ação policial, que às vezes agem fora das normas e preceitos legais, consciente ou inconscientemente, não importa. Importa que o Advogado esteja ali para lutar pelos direitos da pessoa. Todos os desavisados com certeza gostariam que assim se procedesse com eles próprios, caso a “água batesse em suas costas”.

O advogado criminalista lida com a liberdade das pessoas, com a repercussão das ações criminosas praticadas e as agruras da alma humana. Quão difícil e complicada a alma humana com todas suas subjetividades e relatividades!

A fama que leva o Advogado Criminalista de abrir as portas das cadeias para os clientes criminosos é absolutamente maldada, uma vez que o Advogado é uma das peças da constituição judiciária, não tendo esse poder, nem age injustamente, pois outras peças agem dentro do processo, com igual ímpeto de realizar bem as suas obrigações.

Se por muitas vezes o Advogado Criminalista sofre as agruras da profissão, muitas recompensas ele também agrega, principalmente quando consegue, agindo com integridade e esforço, evitar uma injustiça, salvar da prisão um inocente, abrandar uma pena severa demais.

Aquele que escolhe a profissão de Advogado, e Criminalista, deve, pois, orgulhar-se das habilidades que possui, de ter escolhido uma profissão digna e de ajudar a manter a ordem social e jurídica do seu País, auxiliando na manutenção da ordem e da paz.

Não por menos, os nomes lembrados e laureados são nomes de Criminalistas consagrados através do tempo, que entram para a História, não ocorrendo o mesmo com grandes civilistas. Aqueles ganham o direito a esta posteridade exatamente por ousar agir em uma causa impopular, enfrentando toda uma sociedade indignada, na defesa do acusado. Coloca-se, naquele momento ao lado do mais fraco e desafortunado, não porque defende a ação da qual o cliente é acusado, mas por dever ético, profissional e humano. É preceito Constitucional que ninguém pode ser condenado sem defesa.

Ainda que o crime seja nefasto, em nenhum momento o conceito atribuído ao cliente deve se confundir com a reputação do advogado.

Mesmo assim, os Advogados Criminalistas sofrerão muitas vezes com os abusos de poder e a pressão da sociedade, que têm início junto aos seus clientes e mistura-se à personalidade do defensor, o que resulta em situações em que os profissionais vêem-se forçados a violar o sigilo profissional, através de buscas ilegais em seus escritórios.

Há, no entanto, a jurisprudência a garantir que os advogados têm o direito de exercer com liberdade a profissão em todo o território nacional, na defesa dos direitos ou interesses que lhe forem confiados; fazer respeitar, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade do seu domicílio, do seu escritório e dos seus arquivos, como coisas intocáveis.

O artigo 7º, II, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil garante o direito do advogado de ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca e apreensão determinada por magistrado.

Por fim, a Advocacia Criminal é personalíssima e não se organiza em grandes escritórios ou empresas. Não há clientela, como no caso dos Civilistas, Tributaristas e Advogados Trabalhistas, por exemplo.

Faço minhas as palavras de Sir Francis Bacon: “Conhecimento é Poder”

Fonte: PARENTONI, Roberto Bartolomei. A Advocacia Criminal. Jus eundi, Rio de Janeiro, mai. 2008.
Disponível em:
http://www.juseundi.com.br/artigo/artigo.asp?id=55. Acesso em: 18 ago. 2008

domingo, 17 de agosto de 2008

Grampo telefônico: STF delimita campo de ação de CPI

José Dirceu de Oliveira e Silva
José Dirceu atualmente não é deputado, nem ministro e nem presidente de partido. Está inelegível e não deixou de lembrar que foi acusado de quadrilheiro. Possui uma coluna no site Pátria Latina (¹) e o seu articulado e polêmico blog (²).
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de impedir a chamada CPI dos Grampos de ter acesso irrestrito à relação dos mais de 400 mil brasileiros grampeados por decisão da justiça, a pedido de procuradores e delegados, coloca no seu devido lugar o papel e a função das CPIs. A partir de agora, pela decisão, está impedido o acesso à parte das informações de processos em segredo de justiça.
Como ninguém é contra a interceptação telefônica como meio de investigação, mas sim contra o abuso de sua prática pela justiça, o STF autorizou a CPI a ter acesso às informações mínimas para a sua atuação. Delimitou claramente seu papel e deixou claro que vai dar um basta - como no caso das algemas - aos abusos e ao uso desmedido e com outros fins da interceptação telefônica como meio de investigação.
Não é de hoje que vazam todas as informações sigilosas em poder de parlamentares. Eles, por lei - portanto deveriam ser na prática - são seus guardiões, fiéis depositários do sigilo, e ao violá-lo podem, inclusive, perder o mandato. Mas, o fato é que virou moda esse vazamento, não se sabe a que preço, para jornalistas escolhidos a dedo por juízes, delegados e procuradores, para receberem informações sigilosas de investigações, inquéritos e processos ainda sob segredo de justiça.
O argumento do segredo de justiça, aliás, tornou-se uma forma de juízes, delegados e promotores impedirem, na prática, ao supostamente investigado e a seus advogados o acesso às suspeitas ou acusacões contra ele levantadas ou arroladas nas apurações e inquéritos. Assim, o cidadão é investigado, tem seu sigilo quebrado, sofre interceptação telefônica, há o vazamento para a imprensa e, depois de tudo, muitas vezes, nem sequer é denunciado.
A prática, tão corrente, realmente exigia não só a recente medida do STF - sobre quebra de sigilos para CPIs - como exige, ainda, a aprovação de leis contra o abuso de autoridade e sobre interceptação telefônica, colocando um fim nos abusos e no verdadeiro comércio que virou o grampo no Brasil.
Você tem uma autorização judicial e quer grampear?
Veja aqui os equipamentos necessários: "GRAMPO"
Fontes:

Novas leis para consolidar o Estado de Direito

Como acontece em momentos de crise e de luta contra o crime organizado e a corrupção, enfrentamos o dilema de como combater esses males, sem nos desviar do Estado de Direito, que exige o respeito integral à Constituição e aos direitos e garantias individuais. Essa questão não é única do Brasil. Há inúmeros exemplos no mundo, em países e regimes democráticos, como nos EUA, onde o Ato Patriótico, com o pretexto de combater o terrorismo, na prática, autorizou a suspensão das garantias individuais. De forma indireta, autorizou o uso da tortura e a prisão sem prazo e sem culpa até que a Suprema Corte começasse a derrubar essas barbaridades e impusesse de novo o império das garantias constitucionais.

Nada, nem mesmo o terrorismo, pode justificar que para combater o crime ou o delito, governos rompam com a constituição e suas garantias. No Brasil, não está longe a Ditadura Militar que, a pretexto de combater o que chamavam de corrupção e subversão, criou um Estado que subverteu a ordem legal e constitucional e permitiu, por omissão, leniência e autoritarismo, uma corrupção como o país nunca tinha visto, já que não havia nem a fiscalização do legislativo, nem independência do judiciário e muito menos liberdade de informação.

Faço o apanhado histórico para chamar a atenção sobre os riscos que corremos hoje em nosso país com a escalada de abusos de autoridade e de ilegalidades praticadas por setores do Ministério Público, da Polícia Federal e mesmo da Magistratura, a pretexto do combate à corrupção. A própria mídia não fica isenta de culpa ao tomar partido na disputa política e dar dois pesos e duas medidas às informações sobre denúncias e escândalos, privilegiando e estimulando matérias contra o governo e o PT, fazendo campanhas abertas pela punição sem julgamento de acusados ou apenas suspeitos, mesmo sem provas.

A justificativa agora são os novos tempos que exigiriam leituras flexíveis da Constituição e dos Direitos Individuais, permitindo a delegados e juízes o ilimitado das interceptações telefônicas, buscas e apreensões, prisões provisórias e preventivas, denúncias, ou seja, transformando as investigações e inquéritos num verdadeiro julgamento onde não há segredo de Justiça e nem mesmo sigilo do processo ou das informações protegidas por lei.

Apesar do consenso nacional de que é necessário combater a corrupção, aos poucos se forma no país a convicção de que algo está podre apesar dos fins nobres da cruzada anti-corrupção de alguns delegados e juízes. Os vazamentos estão se tornando regra e as escutas telefônicas passaram a ser, para muitas autoridades, o único meio de investigação.

No momento em que surgem propostas, no Judiciário, no Executivo e no Legislativo – cuja expressão maior foi a tentativa da CPI dos "grampos", rejeitada pelo STF, de acessar os dados que as telefônicas têm dos 409 mil que foram grampeados só em 2007 – ficamos sabendo que um juiz de São Paulo, apesar de seus desmentidos, autorizou um delegado da Polícia Federal a ter acesso a senha para todos os telefones que ligaram para os 409 mil interceptados. É uma violação - mais uma - aberta e frontal à Constituição e à lei que autoriza as interceptações telefônicas. O Brasil já viveu três décadas de sua vida republicana sob ditadura e não pode ter medo da democracia e do Estado de Direito. Deve e precisa de uma nova lei de interceptação telefônica e de uma rigorosa legislação contra o abuso de autoridade para que a luta e o combate necessários e exigidos pela sociedade contra a corrupção e o crime organizado se dêem dentro da lei e da Constituição.

(artigo publicado no Jornal do Brasil, em 07 de agosto de 2008)

Fonte: http://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3817&Itemid=63&mosmsg=Seu+coment%E1rio+foi+salvo+e+ser%E1+publicado+ap%F3s+media%E7%E3o.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

STF entende que Súmula Vinculante tem caráter impeditivo de recurso

Fonte: Notícias STF
ATUALIZADO EM: 23 de agosto de 2008.
O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de aprovar, por unanimidade, a 13ª Súmula Vinculante da Corte, que veda o nepotismo nos Três Poderes, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios. O dispositivo tem de ser seguido por todos os órgãos públicos e, na prática, proíbe a contratação de parentes de autoridades e de funcionários para cargos de confiança, de comissão e de função gratificada no serviço público.
A súmula também veda o nepotismo cruzado, que ocorre quando dois agentes públicos empregam familiares um do outro como troca de favor. Ficam de fora do alcance da súmula os cargos de caráter político, exercido por agentes políticos.
Com a publicação da súmula, que deverá ocorrer em breve, será possível contestar, no próprio STF, por meio de reclamação, a contratação de parentes para cargos da administração pública direta e indireta no Judiciário, no Executivo e no Legislativo de todos os níveis da federação.
Lembremos que, na sessão plenária ocorrida no dia 13 de agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, também, conferir à todas as demais Súmulas Vinculantes caráter impeditivo de recursos. Isto significa que as decisões tomadas com base no entendimento do STF não serão passíveis de recurso.
O efeito impeditivo de recurso permite aos tribunais negar admissibilidade a Recursos Extraodinários e Agravos de Instrumento que tratem de tema estabelecido nas Súmulas Vinculantes, de modo que esses recursos nem sejam encaminhados à instância superior, isto é, não cheguem ao Supremo. Dessa forma, os tribunais poderam inadmitir, já na origem, os agravos contrários às decisões que negarem a subida dos recursos extraordinários.
Confira os textos das 13 Súmulas Vinculantes no link:
STF aumenta punição para abusos no uso de algemas
Carolina Brígido - O Globo; Agência Brasil

Desafiados pela Polícia Federal (PF), que ontem algemou 32 presos da Operação Dupla Face, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram hoje em tempo recorde para os padrões da Corte uma súmula vinculante que prevê punições severas para policiais e autoridades que algemarem pessoas sem necessidade e a responsabilização do Estado. Além disso, os agentes terão de justificar por escrito o motivo para o uso de algemas. Quem for vítima de abuso pode reclamar diretamente ao STF. Num único dia, os ministros redigiram e aprovaram o texto.

Na opinião de ministros do STF, a Operação Dupla Face foi um exemplo de afronta ao tribunal que, na semana passada, decidiu que apenas em casos excepcionais um preso deve ser algemado. A operação foi deflagrada ontem para desmontar uma quadrilha suspeita de cobrar propinas e de cometer fraudes para acelerar processos de certificação de imóveis rurais no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e na Receita Federal.

De acordo com a súmula aprovada hoje, o agente público que determinar e executar a colocação de algemas em um preso terá de justificar por escrito a medida. Se o ato for considerado abusivo, o policial ou autoridade poderá responder administrativa, civil e criminalmente. A súmula, que deve obrigatoriamente ser seguida, também prevê a anulação da prisão ou do julgamento no qual ocorrer o uso abusivo das algemas.

"A súmula não pode ter caráter meramente retórico. A imposição de algemas transforma-se num ritual de degradação moral", afirmou o ministro Celso de Mello. Para ele, tem ocorrido "um exercício de insensatez e de desafio à autoridade do Supremo Tribunal Federal". Segundo o ministro, usar algemas sem necessidade é um ato "criminoso". Pela súmula, somente podem ser usadas algemas em caso de resistência do preso ou risco de fuga ou perigo à integridade física do investigado ou de outras pessoas. A súmula aprovada tem de ser seguida por toda a administração pública.

Filha

O STF havia decidido na semana passada editar texto disciplinando o uso das algemas. A decisão foi tomada durante um julgamento em que o plenário anulou a condenação do pedreiro Antonio Sérgio da Silva a 13 anos e meio de prisão por homicídio. Durante o julgamento no Tribunal do Júri de Laranjal Paulista, no interior de São Paulo, o pedreiro ficou algemado.

Os ministros entenderam que a imagem do pedreiro perante os jurados foi prejudicada. Curiosamente, a decisão de algemar o preso partiu da então juíza do município, Glaís de Toledo Piza Peluso, filha do vice-presidente do STF, Cezar Peluso. De acordo com a assessoria de imprensa do Supremo, o ministro não sabia que se tratava de uma decisão de sua filha. Ele, inclusive, criticou duramente a decisão da juíza, dizendo que tinha partido de um magistrado inexperiente.

Fonte: O Globo On Line de Quarta, 13 Agosto de 2008
http://br.noticias.yahoo.com/s/13082008/25/politica-stf-aumenta-puni-abusos-no-algemas.html

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O Direito Penal insólito

Guilherme Guimarães Feliciano
Juiz do Trabalho, secretário-geral da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15.ª Região, doutor em Direito Penal e livre-docente em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP, publicou, entre outros, o livro Teoria da Imputação Objetiva no Direito Penal Ambiental Brasileiro.
Tramita no Senado o PLC nº 83, de 2008, que "define o crime de violação de direitos e prerrogativas do advogado". Pelo projeto, haveria no sistema penal brasileiro um novo crime, a saber, o de violar direito ou prerrogativa do advogado, estabelecido no artigo 7º da Lei nº 8.906/1994, "impedindo ou limitando sua atuação profissional, prejudicando interesse legitimamente patrocinado", cuja pena variaria de seis meses a dois anos, sem prejuízo da sanção correspondente à violência. A proposta, já aprovada na Câmara dos Deputados, seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
As associações de juízes e membros do Ministério Público têm oposto franca resistência à sua aprovação, por motivos óbvios: o projeto de lei é, do ponto de vista técnico-jurídico, inconstitucional; e, do ponto de vista político-legislativo - em tempos de Direito Penal mínimo, a la Alessandro Baratta -, é, no mínimo, inconveniente. Diga-se o porquê.
No aspecto técnico-jurídico, o tipo penal que se propõe viola o que se convencionou chamar, em "juridiquês", de princípio da taxatividade penal. Assis Toledo dizia, seguindo a tradição alemã, que a norma penal tem de ser ditada em "lex scripta, stricta, certa et praevia" (lei escrita, estrita, certa e prévia). E é como deve ser: não pode a lei prever como "crime" condutas absolutamente genéricas, sem qualquer conteúdo concreto que possa servir de referência ao cidadão comum. Assim, por exemplo, não pode ser crime a conduta de "mau procedimento", ou de "atentado contra o interesse público", ou de "molestamento de cetáceos" (como havia, até 1998, na legislação brasileira), porque não se sabe exatamente o que significam tais expressões; dão-se, em contrapartida, poderes arbitrários ao juiz, que decidirá, exclusivamente conforme o seu próprio caldo de cultura, sobre o que seja ou não crime.
É o que ocorre no caso do PLC 83/2008. Como as prerrogativas dos advogados estão previstas no artigo 7º da Lei 8.906/1994, poderiam configurar o novo crime, em tese, condutas tão isentas e corriqueiras como o bloqueio temporário da passagem de um advogado em certa blitz policial, a ausência de cadeiras em sala de audiência para que o causídico se pudesse acomodar, ou mesmo alguma discussão de trânsito em que um cidadão qualquer se dirigisse ao causídico de forma desabonadora, em razão da sua profissão. Na redação original do projeto, que nem sequer limitava o crime aos direitos e prerrogativas desse artigo 7º, até mesmo questões ligadas à partilha e ao inadimplemento de honorários poderiam suscitar acusação de crime de violação de prerrogativas.
Da mesma forma, o projeto de lei é inconveniente na dimensão político-legislativa. Como seria inconveniente, por exemplo, um texto de lei que criminalizasse a conduta de "violar as prerrogativas do magistrado, impedindo ou dificultando o exercício e a eficiência da jurisdição" (que, a valer a tese política de sustentação do PLC 83/2008, teria igual valor republicano): tipificado esse "crime", poderiam por ele responder advogados de todos os ramos, instâncias e locais, bastando para tanto a interposição pura e simples de algum recurso protelatório... Nada mais surreal.
Ademais, deve-se ter em conta o risco de que a nova figura penal sirva à perseguição corporativa de autoridades e cidadãos comuns. A esse propósito, merece menção a desconcertante iniciativa da OAB-SP de instituir uma "lista negra" em detrimento de tantos quantos tenham sido "condenados", no âmbito interno de sua Comissão de Prerrogativas, em procedimentos de desagravo e moção de repúdio, pelas mais diversas razões. Há ali juízes das mais diversas competências (estaduais, federais e do trabalho), parlamentares (vereadores de vários municípios), autoridades do Poder Executivo, membros do Ministério Público, policiais civis e militares, sindicalistas, gerentes de bancos, conselheiros comunitários e até mesmo jornalistas (assim, por exemplo, ali está - e se decline o nome apenas neste caso, porque se maltrata a imagem insuspeita de alguém que devotou a vida às causas da cidadania - o nome do jornalista Elio Gaspari). Tal "cadastro" é francamente disponibilizado na rede mundial de computadores, com danos sensíveis ao nome e à imagem de todos os que - justamente ou não - se tenham envolvido em entreveros com advogados ou com a própria instituição. Pois bem, à luz da nova lei, seriam todos esses, apenas por constarem do malsinado índex, criminosos à partida? Afinal, constam da lista exatamente porque, na percepção da entidade, violaram em algum momento direitos ou prerrogativas de advogados...
Tal indagação revela como, no limite, a criminalização em pauta serviria, não raro, para represálias de natureza corporativa. Não é - registre-se isso muito claramente - da natureza ou mesmo da tradição da OAB assim proceder, mas o instrumento, uma vez disponibilizado, facilitaria os abusos. Ofender-se-ia, ademais, a imunidade de juízes, de promotores e até mesmo dos próprios advogados, quando em conflito com outros advogados. E, para mais, se comprometeria a independência e o poder de polícia dos magistrados na condução de processos e audiências. Ter-se-ia o caos: nas sessões "mandaria" quem mais (ou melhor) gritasse e, na seqüência, se abarrotariam as varas e os tribunais com processos penais de violação de prerrogativas, por um lado, e de desacato (até como forma de defesa), por outro.
Não se pretende, com tais considerações, arranhar ou desmerecer, em milímetros sequer, o papel vital da Ordem dos Advogados do Brasil na construção da democracia brasileira recente. Os advogados têm, é certo, prerrogativas inalienáveis. E é bom que as tenham. Mas não à custa das liberdades públicas, tampouco a reboque de um Direito Penal do insólito.
Publicado na quarta-feira, 30 de Julho de 2008 no Estadão.com

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O fenômeno bullying: breves considerações criminológicas sobre sua possível relação com algumas práticas da delinqüência juvenil.

Lélio Braga Calhau

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Mestre em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). 2º Diretor-Secretário do ICP – Instituto de Ciências Penais de Minas Gerais. Autor do livro “Resumo de Criminologia”, 3ª Ed. Impetus, RJ, 2008. Editor do site Revista de Direito Penal (http://www.novacriminologia.com.br/
).

A Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal e, em resumo, busca o seu diagnóstico, prevenção e seu controle. Para tanto, ela utiliza uma abordagem interdisciplinar e se vale de conhecimento específico de outros setores como a sociologia, psicologia, biologia, psiquiatria etc, para lançar um novo foco, com a busca de uma visão integrada sobre o fenômeno criminal.

A Criminologia busca mais que a multidisciplinaridade. Esta ocorre quando os saberes parciais trabalham lado a lado em distintas visões sobre um determinado problema. Já a interdisciplinaridade existe quando os saberes parciais se integram e cooperam entre si. Fazendo um paralelo com o marketing, a multidisciplinariedade busca agradar o cliente, e a interdisciplinariedade quer encantar o cliente. Vê-se que a visão interdisciplinar é mais profunda que a abordagem multidisciplinar (01).

Toda vez que a Criminologia tentou identificar um fator isolado como causador da criminalidade ela cometeu um grande erro. Hoje, o que sabemos, é que a criminalidade tem inúmeras motivações e fatores (uns internos e outros externos), e que de uma forma ou outra concorrem para a prática de delitos.

A questão da infância e da juventude é ponto fulcral para compreendermos alguns dos (inúmeros) fatores que podem influenciar efetivamente a prática dos delitos. O que ocorre em nossa infância vai refletir em nossa vida adulta. A Criminologia tem buscado junto á Psicologia (02) entender como esses fatores influenciam o ser humano em desenvolvimento, propiciando situações que o predisponham ao envolvimento futuro com crimes, em especial, os praticados com violência ou grave ameaça.

Mas o que o fenômeno bullying pode ter com relação direta à violência e a criminalidade no Brasil? Pouco estudado ainda no Brasil e quase que totalmente desconhecido pela comunidade jurídica, o bullying começa a ganhar espaço nos estudos desenvolvidos por pedagogos e psicólogos que lidam com o meio escolar.

Segundo Cleo Fante, o bullying é uma palavra de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão; termo que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais, utilizado pela literatura psicológica anglo-saxônica nos estudos sobre a violência escolar (03). Não se tratam aqui de pequenas brincadeiras próprias da infância, mas de casos de violência, em muitos casos de forma velada praticadas por agressores contra vítimas. Elas podem ocorrer dentro de salas de aulas, corredores, pátios de escolas ou até nos arredores. Elas são, na maioria das vezes, realizadas de forma repetitiva e com desequilíbrio de poder. Essas agressões morais ou até físicas podem causar danos psicológicos para a criança e o adolescente facilitando, posteriormente, a entrada dos mesmos no mundo do crime.

Para a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção á Infância e à Adolescência (ABRAPIA), por não existir uma palavra na língua portuguesa capaz de expressar todas as situações de bullying, as ações que podem estar presentes no bullying são: colocar apelidos, ofender, zoar, gozar, encarnar, sacanear, humilhar, fazer sofrer, discriminar, excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar, tiranizar, dominar, agredir, bater, chutar, empurra, ferir, roubar e quebrar pertences (04).

É comum entre os alunos de uma classe a existência de diversos conflitos e tensões. Há ainda inúmeras outras interações agressivas, às vezes como diversão ou como forma de auto-afirmação e para se comprovarem as relações de força que os alunos estabelecem entre si. Caso exista na classe um agressor em potencial ou vários deles, seu comportamento agressivo influenciará nas atividades dos alunos, promovendo interações ásperas, veementes e violentas. Devido ao temperando irritadiço do agressor e á sua acentuada necessidade de ameaçar, dominar e subjugar os outros de forma impositiva pelo uso de força, as adversidades e as frustrações menores que surgem acabam por provocar reações intensas. Ás vezes, essas reações assumem caráter agressivo em razão da tendência do agressor a empregar meios violentos nas situações de conflitos. Em virtude de sua força física, seus ataques violentos mostram-se desagradáveis e dolorosos para os demais. Geralmente o agressor prefere atacar os mais frágeis, pois tem certeza de dominá-los, porém não teme brigar com outros alunos da classe: sente-se forte e confiante (05).

Quanto aos demais alunos, acabam se tornando testemunhas, vítimas e co-agressores dessa cruel dinâmica. Se não participarem do bullying, podem ser as próximas vítimas. Não denunciam e se acostumam com essa prática violenta, podendo até encará-la como normal dentro do ambiente escolar (e um dia até no ambiente de trabalho). O bullying acaba criando um ciclo vicioso, arrastando os envolvidos cada vez mais para o seu centro.

O sofrimento emocional e moral (até físico eventualmente) da vítima é claro. É comum que a vítima mantenha a lei do silêncio, pois, na maioria das vezes, as agressões são apenas morais e não deixam vestígios. O fenômeno bullying, apesar de ser antigo, deve ocorrer com mais regularidade do que imaginamos. Será que um conselheiro tutelar, um assistente social, membro do Ministério Público ou Poder Judiciário saberá lidar de forma efetiva e adequada com essa situação? Estamos preparados para dar uma resposta efetiva para reduzir o bullying?

O fenômeno bullying estimula a delinqüência e induz a outras formas de violência explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com baixa auto-estima, capacidade de auto-aceitação e resistência á frustração, reduzida capacidade de auto-afirmação e de auto-expressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves. Tem, como agravante, interferência drástica no processo de aprendizagem e de socialização, que estende suas conseqüências para o resto da vida podendo chegar a um desfecho trágico (06). Em situações de ataques mais violentos, contínuos e que causem graves danos emocionais, a vítima pode até cometer suicídio ou praticar atos de extrema violência.

O profissional do Direito (juiz de direito, promotor de justiça, advogado ou delegado de polícia), ao se deparar com um problema de bullying deve ter estar aberto a todas alternativas possíveis que possam ser colocadas para a solução do problema. Não é o princípio de autoridade por si só, que poderá acabar com essas ocorrências num determinado ambiente escolar - mente aberta para todas as possibilidades de solução do conflito e interação com os alunos do meio escolar. Sem a participação efetiva dos estudantes na reconstrução da situação problemática a resposta imposta pode ser temporária e não resolver o problema das vítimas. Uma resposta imposta do meio externo tende a não ser aceita pelos estudantes em médio prazo.

Para romper aos poucos com o ciclo vicioso, cada parte deve examinar sua própria contribuição involuntária para o padrão e fazer algo diferente que tenha mais chances de reduzir o problema exteriorizado. É necessário que abandonem essa postura de culpar uma à outra e caminhem em direção a uma compreensão mais profunda do problema que há entre elas (07). Há necessidade de se tratar com a direção da escola a capacitação dos funcionários e professores para lidar com o tema e buscar o máximo possível manter um diálogo aberto e franco com as crianças e adolescentes envolvidos, com o intuito de se procurar uma solução que seja aceita pelo grupo e que seja internalizada e duradoura para aquele ambiente escolar.

É preciso buscar um diagnóstico do bullying naquela realidade escolar local. O esclarecimento pode, em muitos casos, facilitar o controle dessas situações. Para que isso possa ser conseguido é necessário que haja um diálogo franco entre os envolvidos. Isso evitará que os envolvidos tenham uma mensagem da sociedade que os problemas devem ser resolvidos com violência ou com a anulação moral dos mais fracos. Há ainda o problema da formação de grupos, até de gangues, pela ação do agressor, que podem futuramente partir para a prática de atos de delinqüência. A atuação preventiva nesses casos é a melhor saída. Devemos coibir essas práticas e propagar, em vez da violência, a tolerância e a solidariedade. Agindo assim contribuiremos para reduzir a prática futura de crimes violentos decorrentes das situações de bullying.

Esse texto não tem como objetivo esgotar o assunto, mas trazer considerações iniciais sobre um fenômeno corriqueiro e que não recebe o tratamento adequado pelo Poder Público no Brasil. Não seria diferente. Como podemos resolver uma situação se nem sabemos que ela existe? Façamos agora a nossa parte.

* O artigo do Prof. Lélio sobre bullying ganhou destaque na capa da revista jurídica Consulex no mês de julho de 2008.

** Acesse esse artigo na sua origem: http://www.novacriminologia.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=1955

Notas de fim:

(01) CALHAU, Lélio Braga. Resumo de Criminologia. Rio de Janeiro, Impetus, 2006, p. 10.
(02) CALHAU, Lélio Braga. Criminalidade, infância e a Psicologia. Jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte, Minas Gerais, 01.12.06, página 02. Também disponível no site
www.novacriminologia.com.br
(03) FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas, Verus, 2005, p. 27.
(04) ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção á Infância e á Adolescência. Disponível na Internet:
http://www.bullying.com.br/BConceituacao21.htm#OqueE
(05) FANTE, Cleo, op. cit, p. 47-48.
(06) PEDRA, José Augusto em prefácio da obra constante na nota 03 de Cleo Fante, p. 9-10.
(07) BEAUDOIN, Marie-Nathalie; TAYLOR, Maureen. Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola. Tradução de Sandra Regina Netz. Porto Alegre, Artmed, 2006, p. 82.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Princípio do promotor natural

" A Turma indeferiu habeas corpus em que denunciado? A partir de investigações procedidas na denominada "Operação Anaconda" ?
Luiz Flávio Gomes
Pela suposta prática do crime de corrupção ativa (CP, art. 333) pleiteava a nulidade de procedimento que tramitara perante o TRF da 3ª Região, sob o argumento de ofensa ao princípio do promotor natural (CF, artigos 5º, LIII; 127, § 1º e 128, § 5º, b), bem como de violação a regras contidas no Código de Processo Penal e em portarias da Procuradoria Regional da República da respectiva região. Inicialmente, asseverou-se que, conforme a doutrina, o princípio do promotor natural representa a impossibilidade de alguém ser processado senão pelo órgão de atuação do Ministério Público dotado de amplas garantias pessoais e institucionais, de absoluta independência e liberdade de convicção, com atribuições previamente fixadas e conhecidas. (1-2) Entretanto, enfatizou-se que o STF, por maioria de votos, refutara a tese de sua existência (HC 67759/RJ, DJU de 1º.7.93) no ordenamento jurídico brasileiro, orientação essa confirmada, posteriormente, na apreciação do HC 84468/ES (DJU de 20.2.2006). (3-4) Considerou-se que, mesmo que eventualmente acolhido o mencionado princípio, no presente caso não teria ocorrido sua transgressão."

"Entendeu-se que todo o procedimento, desde sua origem até a instauração da ação penal perante o STJ observara os critérios previamente impostos de distribuição de processos na Procuradoria Regional da República da 3ª Região, sem que houvesse designação casuística ou criação de "acusador de exceção". Aduziu-se que, na espécie, deixara-se de adotar, relativamente aos procedimentos em tramitação perante o Órgão Especial do TRF daquela região, o critério numérico (referente ao final dos algarismos lançados segundo a ordem de entrada dos feitos naquela Procuradoria) para se assumir a ordem de entrada das representações junto ao Núcleo do Órgão Especial (NOE) em correspondência à ordem de ingresso dos procuradores no aludido núcleo. Ademais, salientou-se que, na estreita via do writ, a impetração não conseguira demonstrar a ocorrência de vício ou mácula na atribuição do procedimento inquisitorial que tramitara perante o TRF da 3ª Região às procuradoras regionais da república designadas pelo Procurador-Chefe do parquet. Aduziu-se, ainda, que por uma das portarias reputadas violadas, dera-se apenas a formalização de requerimento para que as mencionadas procuradoras atuassem em conjunto ou separadamente no procedimento. Dessa forma, concluiu-se que as portarias em vigor na ocasião em que o inquérito passara a transitar perante o TRF da 3ª Região respaldaram a estrita transparência e respeito às normas existentes quanto aos critérios objetivos de atribuição dos procedimentos aos órgãos de atuação do Ministério Público Federal perante aquela Corte. (5) HC 90.277-DF, rel. Min. Ellen Gracie, 17.6.2008".

Comentários: o julgado ora analisado adotou uma polêmica linha conservadora (no sentido da inexistência do princípio do promotor natural), com a qual (com a devida vênia) não concordamos.

(1) Em que consiste o princípio do promotor natural? O membro do Ministério Público que deve atuar em cada processo é o que conta, pela Constituição e leis vigentes, com atribuição para desempenhar sua função no caso concreto. Se uma determinada investigação foi distribuída para a Vara "x", promotor natural do caso é o que desempenha suas tarefas junto a essa Vara "x".

(2) O que se pretende alcançar com o princípio do promotor natural? O que se pretende com ele é que o exercício dessa nobre função não seja distorcido ou manipulado (sobretudo por interesses políticos ou escusos). Ele "representa a impossibilidade de alguém ser processado senão pelo órgão de atuação do Ministério Público dotado de amplas garantias pessoais e institucionais, de absoluta independência e liberdade de convicção, com atribuições previamente fixadas e conhecidas".

(3) Existe o princípio do promotor natural no ordenamento jurídico brasileiro? A posição tradicional (e conservadora) do STF é no sentido negativo: "o STF, por maioria de votos, refutara a tese de sua existência (HC 67759/RJ, DJU de 1º.7.93) no ordenamento jurídico brasileiro, orientação essa confirmada, posteriormente, na apreciação do HC 84468/ES (DJU de 20.2.2006)". Com a devida vênia, não pensamos dessa maneira. Depois da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei 8.625/93) já não se pode discutir a existência no direito brasileiro do princípio do promotor natural (cf. STF, HC 67.759 e RT 726, p. 588).

(4) O princípio do promotor natural impede a designação de membro do Ministério Público para atuar em casos específicos? Não. É válida a designação de promotor feita pelo Chefe da Instituição, quando dentro da lei (concordância do promotor natural com a designação e que esta não conduza à criação de um promotor de exceção). Não é possível designar promotor por critérios políticos ou pouco recomendáveis (RT 755, p. 566). O que se deve evitar é a designação casuística ou manipulações casuísticas ou designações seletivas, fora dos critérios legais (RT 724, p. 551). Fora disso, a designação de promotor é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.

(5) O princípio do promotor natural foi objeto de discussão no HC 90.277-DF (Segunda Turma do STF, j. 17.06.08), onde se discutiu a lisura do procedimento de seleção dos membros do MP que atuaram no famoso caso "anaconda". De acordo com a decisão, "Entendeu-se que todo o procedimento, desde sua origem até a instauração da ação penal perante o STJ observara os critérios previamente impostos de distribuição de processos na Procuradoria Regional da República da 3ª Região, sem que houvesse designação casuística ou criação de "acusador de exceção".

A troca do critério numérico por outro não é suficiente para macular a essência da garantia do promotor natural, que é a atuação independente e não política. "Aduziu-se que, na espécie, deixara-se de adotar, relativamente aos procedimentos em tramitação perante o Órgão Especial do TRF daquela região, o critério numérico (referente ao final dos algarismos lançados segundo a ordem de entrada dos feitos naquela Procuradoria) para se assumir a ordem de entrada das representações junto ao Núcleo do Órgão Especial (NOE) em correspondência à ordem de ingresso dos procuradores no aludido núcleo".

O fundamental é a adoção de critérios objetivos, que não dêem margem a uma seleção viciada.

Fonte: GOMES, Luiz Flávio. Princípio do promotor natural. Disponível em http://www.lfg.com.br. 06 agosto. 2008.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Intervenção mínima, Lei Penal Especial e os Crimes de Informática.

"Não é raro deparar-se o Estado com uma situação nova, criada pelo progresso e pela evolução dos costumes, a exigir uma providência legislativa que ponha fim a um comportamento reprovado pela coletividade". (Manoel Pedro Pimentel - 1972)
Sandro D’Amato Nogueira
O mundo virtual contemporâneo já conta com milhões de pessoas conectadas em toda parte do planeta. O computador constantemente é usado por inúmeras pessoas de todas as classes sociais, pelos setores públicos ou privados. Ou seja: quase tudo o que fazemos hoje passa por um computador. A informática faz parte da nossa vida - um produto da revolução informacional que contribui imensamente para o fenômeno da globalização alcançar o nível em que se encontra.
Os benefícios provenientes dessa espetacular ferramenta chamada Internet compõem uma realidade mundial. No entanto, junto com toda essa inovação tecnológica, surge também uma nova classe de delinqüentes ─ os que fazem do seu computador um instrumento para o cometimento de crimes já conhecidos e outra classe, de novos criminosos, que estão cometendo crimes jamais imaginados dantes. São os chamados – delinqüentes de ocasião. Se não fosse pelas facilidades do mundo virtual, talvez eles jamais cometessem tais crimes.
Observa-se que o uso da Internet cresce de uma maneira assustadora e incoercível. Mauro Marcelo de Lima e Silva, competente delegado do setor de crimes de informática da Policia Civil de São Paulo, tem advertido: "O problema é que a interatividade, o alcance global e o falso sentimento de anonimato da rede estão criando uma nova geração de infratores. O que mais tem atemorizado, desde os sociólogos até os profissionais de polícia, é o crescimento geométrico do uso da Internet e sua absoluta forma dispersa e falta de controle. Estão criando espaços na rede exclusivamente para atividades criminosas, unindo ideais ou interesses de uma minoria, excitando a motivação delitiva, tais como crimes de ódio, terrorismo e parafilias".
Basicamente, há dois tipos de crimes informáticos hoje: os cometidos por meio do computador (o computador como instrumento para viabilizar os crimes) e os contra o computador (objeto material do crime).
O leque é extenso: furto de segredos militares, furto de senhas, racismo, disseminação de vírus, violação de segredo comercial, transação de drogas, lavagem de dinheiro, crimes contra a honra e à imagem, tráfico internacional de armas, destruição de informações, ameaças de violência física e moral, fraudes e invasões em sistemas bancários, contrabando, terrorismo democrático (todas as tribos mandam suas mensagens por e-mail, sem nenhuma distinção), extorsões por todos os lados, crimes de propriedade intelectual, pirataria, pedófilos se satisfazendo na ingenuidade das crianças, entre muitos outros que, delinqüentes ou desequilibrados, fazem da tecnologia um verdadeiro transtorno social. Nisso tudo surgiu até o estranho "salami slicing" (fatias de salame) – ladrão que regularmente faz transferências eletrônicas de pequenas quantias de milhares de contas bancárias para a sua própria. Depois de explicado até que não lhe é tão estranho assim.
Até agora, nenhuma novidade, claro. Afinal, a mídia se encarrega de divulgar tais fatos e acontecimentos. O que o público cibernético não sabe, é que ainda inexiste uma lei especial para punir estes delitos. O sentimento de impunidade na Internet é evidente e a quase absoluta falta de investigação e punição para estes delitos faz aumentar as estatísticas de crimes eletrônicos todos os dias. Simplesmente pela falta de uma lei que regule todo esse mundo digital.
O CYBER-DIREITO PENAL
Flávio Augusto Monteiro de Barros, assim define as funções do Direito Penal: "O Direito Penal tem duas funções básicas: proteção dos bens jurídicos e manutenção da paz social. Bens jurídicos são os valores ou interesses do indivíduo ou coletividade, reconhecidos pelo direito. Paz social é a ordem que deve reinar na vida comunitária. Apenas os bens jurídicos vitais ao desenvolvimento equilibrado da vida comunitária devem merecer a especial tutela do Direito Pena". Logo, a função primordial do Direito Penal é a tutela eficaz de bens jurídicos importantes para o convívio social.
Nesse sentido, Alice Bianchini, explana: "Quando se trata de conduta com elevado grau de reprovabilidade e danosidade social é comum o entendimento de que, só um meio, particularmente vigoroso, no caso a intervenção penal, poderá, a contento, proteger a sociedade".
Num brevíssimo relato podemos constatar que o Direito Penal tem a função de proteger bens jurídicos lesados com seu caráter sancionador, justificando-se a sua intervenção quando tais bens sofrerem essas lesões.
A criminalização de determinada conduta que ofenda bens ou valores fundamentais de forma grave ou que os tenha exposto a perigo idôneo só se justifica se a controvérsia não puder ser resolvida por outros meios de controle social, seja formal ou informal, o que caracteriza o Direito Penal como sendo subsidiário.
A fim de se criminalizar determinada conduta não basta que o bem jurídico tutelado possua dignidade penal. Deve-se verificar se a conduta que se está criminalizando (e, por decorrência, protegendo), efetivamente, é danosa para a sociedade – tanto que justifique a sua inscrição em um tipo penal.
Conforme assevera Claus Roxin, o Direito Penal é de natureza subsidiária. "Ou seja: somente se podem punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência social, se tais forem indispensáveis para a vida em comum ordenada. Onde bastem os meios do Direito Civil ou do Direito Público, o Direito Penal deve retirar-se". Estabeleceu-se, nessa ordem de idéias, que o Direito Penal deve ser considerado a ultima ratio da política social, demonstrando a natureza fragmentária ou subsidiária da tutela penal. Só deve interessar ao Direito Penal e, portanto, ingressar no âmbito de sua regulamentação, aquilo que não for pertinente a outros ramos do direito.
Também há uma desigualdade ínsita ao funcionamento do Direito Penal que o tem desviado de seu objetivo principal, que é o de proteger os direitos fundamentais do ser humano. A maneira pela qual estão organizadas as suas normas e ele é aplicado, demonstra a sua seletividade.
Além do problema de uma legislação específica, a polícia em geral, mesmo a Interpol, tem muita dificuldade para se chegar aos criminosos. Existe ainda o problema da territorialidade para saber de onde vem o crime. Qual o provedor? Qual a real data do delito?
É imprescindível um trabalho investigativo rigoroso, que exige uma estrutura grande, composta de policiais treinados e com conhecimento em informática, além de computadores de última geração - tudo o necessário para fazer o rastreamento e a localização de forma rápida. Isso requer pessoal treinado, tempo e recursos financeiros. Sabe-se que os recursos no nosso país têm outras prioridades, o que torna mais difícil, e principalmente relevante, o trabalho feito pelas autoridades brasileiras. No Brasil, os crimes de informática crescem cada vez mais e, apenas para ilustrar, vale ressaltar que 10% dos ataques de hackers no mundo partem do nosso país tropical.
Nada, porém, tende a melhorar se isso for adiante sem uma lei que possa punir todos esses delitos apurados. Grande parte das denúncias ocorre no improviso da legislação atualmente em vigor no país.
Luiz Flávio Gomes, sempre nos passando lições preciosas, assevera: "o controle da criminalidade informática é altamente "seletivo" ("teoria do labelling approach"). Pouquíssimos casos entram no sistema legal (altíssima taxa de cifra negra). A descoberta do delito e a produção da prova é muito difícil (= impunidade).
A Lei Penal Especial.
Manoel Pedro Pimentel, em sua preciosa obra "Legislação Penal Especial" (Revista dos Tribunais, 1972, pgs.18-19) discorre: "sentida a necessidade da lei, no torvelinho da mutação constante que se processa nas relações entre homens, cumpre proteger os bens ou interesses individuais ou sociais que se encontrem ameaçados por formas novas de agressão, ainda não perfilhadas pelos códigos penais ou leis anteriores".
Editam-se, então, novas leis criadoras de modelos jurídicos que cominem sanções tendentes a impedir os comportamentos reprovados. Os novos éditos não se incorporam ao Código Penal, convindo mesmo que permaneçam como adjuntos de normas autônomas, suscetíveis de alterações ágeis, na conformidade de previsíveis modificações. Assim é que certo número de leis penais existem - para o fim de regulamentar relações específicas, situadas fora da previsão geral contida no Código Penal. Ao conjunto dessas normas, aglutinadas em diplomas legais próprios, dá-se o nome de Legislação Penal Especial.
Cabe ao Estado cumprir a diversificação por meio da lei, adotando diretrizes consentâneas à tradição e costumes, considerando as condições particulares dos lugares e dos povos. Logo, se determinada conduta (ação ou omissão) viola algum bem jurídico que indica dever ser tutelado penalmente, cumpre ao legislador, como resultado dessa apreciação valorativa, catalogar tal conduta dentre aquelas que praticadas dão origem à aplicação da pena como sanctio juris.
A tutela penal deve reinar sobre valores que interessam a toda a coletividade e, pela aplicação da pena, externar-se pela autoridade do Estado na plenitude de sua força e potencialidade. O Brasil deve despertar ao fato dos cidadãos terem mais facilidade ao acesso de computadores do que a algum posto de saúde ou a uma escola.
Sandro D’Amato Nogueira
Advogado – Professor e Palestrante. Mestrando em Auditoria e Gestão Ambiental pela Universidade de León/Espanha – Especialista em Direito Ambiental pela PUC/SP – Cursou especialização em Engenharia de Controle da Poluição Ambiental pela USP – Colaborador e articulista de diversos sites e revistas jurídicas. Autor de diversas obras, entre elas ‘’Direito Ambiental ’Estudos Direcionados – Ed. Saraiva’’, ‘’Meio Ambiente do Trabalho – Ed. LTR’’, ‘’Resumo de Direito Ambiental’’, Crimes de Informática(EditoraBH) – Vitimologia (Brasília Jurídica).