por Jaciara Santos*
Depois de duas semanas tentando uma entrevista com o secretário Maurício Teles Barbosa, delegado licenciado da Polícia Federal e titular da Secretaria de Segurança Pública do Estado, no final da tarde de segunda-feira (18), recebo uma ligação do assessor de comunicação, o jornalista Erival Guimarães, meu amigo. “Quer dizer que a agenda do secretário está superlotada, né?”, me diz, rindo. “Segundo a assessoria de comunicação!”, emendo no ato. Ele me pergunta se a entrevista poderia ser por telefone e se poderia ser naquele exato momento. Estava de saída e já havia desligado o computador. Estou de calças na mão, pra usar uma expressão bem popular. Mas topo. Peço dez minutos pra me preparar. Acostumada ao estilo bufão de uns e arrogante de outros gestores que já sentaram naquela cadeira, imagino que será uma entrevista difícil, focada em ego inflado, hesitações e evasivas. É na defensiva que me apresento. Comento a dificuldade para chegar até ele, que me diz estar realmente com uma agenda apertada. Tanto que está me atendendo entre duas audiências. Penso: começou o estrelismo e pergunto de quanto tempo disponho para a entrevista. “Dez minutos?”, ele pergunta. Respiro fundo, comento alguma coisa de que não lembro e vou em frente. Mas, logo, logo, surpresa total: pode até ser tipo, mas o secretário com quem conversei (bem mais que dez minutos) não parece ser uma pessoa afetada, não sai pela tangente nas respostas e (ao contrário do que fantasiei) é uma pessoa simpática. Confira abaixo a entrevista. Sem afetação e sem estrelismo. À queima-roupa.
Secretário, que avaliação o senhor faz destes primeiros meses de gestão no que diz respeito aos indicadores da violência?
Tomando por base estes primeiros dias de abril, nós temos uma redução de aproximadamente 15% no índice de homicídios.
Em Salvador ou em todo o estado?
Em Salvador. Os dados do estado ainda estamos computando.
Isso em relação ao mesmo período do ano passado…
Isso. Comparando do início do ano até estes primeiros dias de abril.
A que fatores o senhor atribui essa variação no índice de homicídios, que é um dos principais indicadores da violência urbana? Já seria resultado das mudanças implementadas na sua gestão?
Sem dúvida que tem a ver com as mudanças, com o trabalho articulado entre as instituições policiais, com a mudança de gestão, planejamento das ações. A articulação com a Polícia Militar, com o seu comandante, tem sido decisiva para alcançarmos os resultados esperados.
O fato de o senhor ser um homem de inteligência, de conhecer a criminalidade de forma, digamos, científica tem facilitado sua atuação?
Evidentemente que ajuda o fato de que eu já conhecia a máquina, as pessoas, como funcionam as organizações. Sob esse aspecto, é importante também saber agregar as instituições, manter o respeito ao comando da Polícia Militar e ao delegado-geral, por exemplo.
Vamos falar da menina dos olhos do governo: as Bases Comunitárias de Segurança. Apesar do marketing positivo, temos recebido algumas denúncias, queixas da tropa…
As queixas em qualquer processo de mudança são normais, mas nós estamos apurando todas as denúncias que nos têm chegado.
Não sei se é do seu conhecimento, mas os policiais escalados para trabalhar no Calabar reclamam das condições do alojamento, das refeições…
Nós temos consciência de que as acomodações hoje oferecidas não são as melhores, mas é preciso ter a compreensão de que estamos iniciando um trabalho e alguma situação pode ocorrer. É preciso também lembrar que o policial é treinado para atuar em condições adversas, então essas dificuldades são transitórias e estamos trabalhando para oferecer melhores condições de trabalho.
Outra queixa, e essa vem de alguns comandantes de unidades da PM, é de que o deslocamento de policiais para o Calabar está desfalcando outras áreas da cidade. Descobrindo um santo para cobrir outro…
Não existe isso de descobrir uma área para cobrir outra. Nós estamos utilizando o efetivo da área, com o apoio de unidades operacionais como Rondesp. Estamos aproveitando uma parte dos 700 policiais formados em janeiro deste ano, mas temos a consciência de que é necessário aumentar o efetivo, o que será feito ao longo da gestão.
Quanto à alimentação, o senhor poderia checar se é procedente a denúncia de que as refeições servidas à tropa têm chegado deterioradas?
Claro. Pode ter certeza de que vamos verificar. Agora, a gente sabe que há uma certa resistência de alguns setores a qualquer mudança que se busca implementar. Sempre existem os céticos. Mas o que temos a dizer é que, apesar das pessoas que se mostram céticas, vamos seguir em frente com o projeto de segurança Pacto pela Vida.
Secretário, sei que o senhor já falou exaustivamente sobre o assunto, mas eu ainda tenho uma curiosidade: por que começar a pacificação da cidade pelo Calabar? Não existem outras áreas mais violentas?
É, algumas pessoas têm perguntado por que o Calabar. A questão é: eu tinha que dar o start no processo e, dentre as áreas mapeadas, o Calabar era a que se adaptava melhor ao momento. Precisávamos de uma base de treinamento, uma área onde pudéssemos fazer a experiência com todo o controle possível. Por isso não poderia ser uma área muito grande como, por exemplo, a região de Tancredo Neves.
Por causa do tamanho, então…
Por causa do tamanho e por oferecer maiores condições de controle, de logística e por ser uma área que apresenta problemas sérios de narcotráfico.
O senhor falou há pouco que existem pessoas céticas com relação ao projeto. O senhor há de convir que não faltam razões. O finado programa Ronda no Bairro é uma delas…
O Ronda no Bairro não acabou. E um projeto não exclui o outro: o Ronda no Bairro e as Bases Comunitárias de Segurança podem coexistir perfeitamente.
Mudando um pouco de assunto. Como está o saneamento nos quadros da polícia? Para que a política de segurança dê certo é preciso limpar a casa, não? Recentemente, o governador Jaques Wagner disse que a administração estadual não vai conviver com “laranja podre” dentro da polícia…
Sanear não é deflagrar uma caça às bruxas. Nesse sentido, nosso trabalho tem sido constante. Mas é bom que se diga: a maioria dos policiais honra a instituição, é uma minoria que estraga a imagem da polícia. Nosso esforço para afastar os maus policiais tem sido permanente e, de 2007 até os dias atuais, já foram demitidos dos quadros da Secretaria de Segurança Pública 256 policiais.
Só da Polícia Civil?
Não, da Secretaria, compreendendo aí as polícias Civil, Militar e Técnica.
Todos por desvio de conduta?
Exatamente e, somente depois dos devidos procedimentos legais, como o processo administrativo disciplinar (PAD), no caso dos civis, e inquérito policial militar (IPM), no âmbito da PM.
A gente pode dizer que esse estilo proativo é o estilo Maurício Teles?
Não é o meu estilo. A gestão policial em todo o mundo está evoluindo para a gestão profissional, baseada no planejamento de ações, na integração entre as instituições.
Pelo visto, agora é a hora e a vez dos menudos na SSP…
(rindo) Bom, é a hora e a vez de quem interagir com a gestão. Eu procuro atuar com quem tem visão estratégica, quem planeja as ações, quem não desenvolve ações de modo açodado. E são pessoas com esse perfil que estão sendo colocadas em postos de comando.
Mas entre os policiais mais antigos e experientes não tem ninguém com esse perfil?
Claro que sim e a prova é que temos colocado muitos deles em postos de comando.
Hummm… meus dez minutos estão acabando. Tem mais alguma questão que o senhor queira abordar?
Pode falar… Mas eu acho importante falar do Pacto pela Vida (programa de segurança pública, construído de forma conjunta com a sociedade) e da criação das câmaras setoriais, a primeira delas, a Câmara Setorial de Segurança Pública.
E qual é o papel dessa Câmara Setorial de Segurança Pública, secretário?
A Câmara Setorial de Segurança Pública do Estado foi instalada agora em março e tem a função de discutir, planejar e acompanhar as políticas públicas de segurança. O que leva à violência? É possível prevenir com ações de cunho social? Estamos também discutindo com a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos a criação da Câmara Setorial do Sistema Prisional, que tem o mesmo conceito: discutir e desenvolver ações voltadas para a melhoria do sistema prisional.
Pra encerrar, o senhor já conseguiu vencer a resistência interna do pessoal da casa contra gestores que vêm da Policia Federal?
Olha, a resistência existe e é natural, porque há o entendimento de que o gestor deveria ser do quadro da instituição. Mas não é só com quem vem da Polícia Federal, não. Com o general (Edson Sá Rocha, titular da SSP-BA na gestão Paulo Souto) houve também. O importante é que possamos pôr em pratica o programa governamental de segurança.
* Jaciara Santos (jaciara@aqueimaroupa.com.br) é sergipana de Aracaju, mas atua como jornalista profissional em Salvador-BA, já há quase três décadas. Foi repórter, chefe de reportagem, pauteira, editora de Cidade, Política e Economia, colunista e subeditora de Segurança. Premiada duas vezes no extinto concurso de reportagens da Associação Bahiana de Imprensa, em 2003 conquistou também o prêmio Banco do Brasil na categoria reportagem por uma série de matérias sobre a ação dos grupos de extermínio na Bahia.
Fonte: À Queima Roupa