quinta-feira, 24 de março de 2011

Aborto: o paradoxo entre o direito à vida e a autonomia da mulher


Perda do feto em razão de acidente, em casos em que se verifica má-formação congênita, clandestinos, causados por medicamento, violência ou de forma espontânea - a verdade é uma só: o aborto existe, e muitas brasileiras sofrem pela falta de amparo nos serviços públicos de saúde. A despeito da falta de assistência governamental, a gestação é interrompida independentemente de leis que as proíbam ou de punição por parte do Judiciário.

Segundo dados da organização não governamental que cuida do direito das mulheres Ipas Brasil, em parceria com o Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), denominada A magnitude do aborto no Brasil: aspectos epidemiológicos e socioculturais, um milhão de abortos são realizados todos os anos. A pesquisa foi realizada em 2007 e esse número é contestado por segmentos contra o aborto. O estudo aponta que a curetagem é o segundo procedimento obstétrico mais realizado na rede pública.

O aborto, contudo, é fato e, geralmente, feito da pior maneira possível. Na Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tramita um habeas corpus em que a Defensoria Pública pede o trancamento de investigação contra centenas de mulheres suspeitas de fazer aborto em uma clínica de planejamento familiar em Mato Grosso do Sul. A defesa alega violação do sigilo médico, já que foram apreendidos os prontuários sem anuência do profissional. A relatora é a ministra Laurita Vaz (HC 140123), que está com o parecer do Ministério Público Federal sobre o caso. Ainda não há data prevista para julgamento.

Além da constatação da prestação do serviço médico inadequado e até mesmo irregular, o tema gera um amplo debate moral, colocando como contraponto o direito absoluto da vida do feto e a autonomia da mulher em relação ao próprio corpo.

Crime contra a pessoa

A legislação penal brasileira só autoriza a prática do aborto em casos de estupro ou nos casos que não há outro meio para salvar a vida da mãe. A matéria está disciplinada pelos artigos 124 a 128 do Código Penal, tipificando seis situações. No Brasil, o ato é classificado como crime contra a pessoa, diferentemente do que ocorre em alguns países que o classificam como crime contra a saúde ou contra a família. A lei brasileira prevê pena de um a dez anos de reclusão para a gestante que recorre a essa solução.

Para o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que compõe a Quinta Turma do STJ, a melhor maneira de evitar uma gravidez indesejada é investir nos contraceptivos, mesmo aqueles de emergência. Sou a favor de todo e qualquer método, principalmente aqueles que evitam a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis, diz ele.

O ministro acredita que a solução da interrupção da gravidez em casos de violência deve ser conduzida pela mulher, mesmo que ela seja casada ou que tenha um parceiro estável. A mulher é a grande responsável pela maternidade, constata, pois é ela quem alimenta o filho durante a fase intrauterina, e quem tem a responsabilidade do cuidado com o filho.

O ministro é contra o aborto e acredita que é um erro tratar a prática como um método contraceptivo. Ele afirma que as autoridades governamentais deveriam incentivar a distribuição de preservativo ou a injeção de pílulas do dia seguinte. É muito menos traumático para a mulher e para a sociedade, conclui.

Violência contra a mulher

Segundo pesquisa da socióloga, Thais de Souza Lapa, na tese Aborto e Religião nos Tribunais Brasileiros, de um universo de 781 acórdãos pesquisados entre 2001 e 2006, 35% envolvem situações de violência contra a mulher. Na seara dessa temática, o STJ analisou o caso em que um morador de São Paulo desferiu, em 2 de abril de 2005, facadas na esposa, que estava no quinto mês de gestação, e em mais duas pessoas, sendo uma maior de 60 anos (HC 139008).

O réu respondeu, entre outros, pelo crime de provocar aborto sem o consentimento da gestante, o que, pela legislação penal, acarreta a pena de três a dez anos de reclusão. A defesa ingressou no STJ contra a inclusão da causa de aumento da pena na pronúncia pela Justiça estadual, sem que houvesse menção a esta quando da denúncia.

Segundo o relator, ministro Jorge Mussi, a qualificadora pode ser incluída na pronúncia, ainda que não apresentada na denúncia, uma vez que não provoca qualquer alteração do fato imputado ao acusado. Pela lei penal, no homicídio doloso, a pena é aumentada de 1/3 se o crime é praticado contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos.

Relações extraconjugais

A violência contra a mulher pode surgir também de uma relação extraconjugal, em que o parceiro se ressente de uma gravidez indesejada. Entre 2008, um morador de Alegrete (RS) teria matado a amante com golpes no crânio e ocultado o cadáver. Ele exigia que ela tomasse medicamentos abortivos, mesmo já estando em fase avançada da gestação.

Seis habeas corpus e um recurso especial foram apresentados em defesa dele, além de um recurso especial interposto pelo Ministério Público gaúcho. No último habeas corpus (HC 191340), apresentado em dezembro de 2010, a defesa buscava a liberdade do acusado, alegando excesso de prazo da prisão.

Mas o relator, ministro Og Fernandes, da Sexta Turma, negou a liminar. Ainda falta a análise do mérito do pedido, o que deve ser feito ainda este ano. Tanto o recurso especial apresentado pelo acusado, quanto o apresentado pelo MP/RS (REsp 1222782 e REsp 1216522, respectivamente) ainda serão analisados. O ministro Og Fernandes também é o relator dos dois casos.

Outro caso de violência contra a mulher resultou na condenação de Jefrei Noronha de Souza à pena de cinco anos de reclusão. Ele respondeu pelas práticas de aborto não consentido e sequestro qualificado (HC 75190). O réu mantinha um relacionamento extraconjugal e, ao saber da gravidez da amante, simulou um sequestro com amigos na cidade de Taubaté (SP) com o fim de eliminar a criança. Consta da denúncia que os sequestradores introduziram medicamentos na vagina da vítima e depois, com a expulsão, jogaram o feto no vaso sanitário e acionaram a descarga.

A defesa alegou que o crime de aborto, por si só, já representava grave sofrimento moral e físico, de modo que o juiz não podia aplicar a qualificadora do parágrafo 2º do artigo 148 do Código Penal. Esse artigo trata da agravante do crime de sequestro e prevê pena de reclusão de dois a oito anos a quem impuser grave sofrimento físico ou moral à vítima. O objetivo da defesa era aplicar ao caso o princípio da consunção, segundo o qual se houver um crime-meio, de sequestro, ocorre absorção pelo crime-fim, aborto.

O Tribunal local entendeu que os delitos de sequestro e aborto visam a proteger bens jurídicos distintos. O primeiro, a liberdade individual, e o segundo, a própria vida. A Sexta Turma não apreciou a tese em virtude de já haver trânsito em julgado da decisão do Júri e de envolver matéria de prova, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.

Fornecimento de medicação

Não só a gestante, mas também a pessoa que instiga ou auxilia no aborto responde judicialmente pelo crime, inclusive quem fornece a droga. É o caso do teor de um agravo em que pesou sobre o réu a acusação de ter praticado o crime sem o consentimento da gestante (Ag 989.744), o que acarreta uma pena de um a quatro anos de reclusão. O aborto clandestino geralmente ocorre em clínicas médicas e com o apoio de conhecidos, e usualmente com a ingestão de medicamentos, o mais comum, o Cytotec.

Um caso de aborto provocado por terceiros foi o relativo a um julgado de São Paulo, em que o réu vendeu esse medicamento sem registro (HC 100.502). O Cytotec foi lançado na década de 70 para o tratamento de úlcera duodenal. No entanto, vem sendo largamente utilizado como abortivo químico. Sua aquisição se faz via mercado negro ou por meio de receita especial. A questão analisada pelo STJ remetia à aquisição irregular.

A defesa buscava anular a sentença de pronúncia com o argumento de que não foi comprovado que o uso do medicamento teria causado o aborto. A Turma entendeu que o crime se configura com a própria venda irregular, de forma que não é necessária a perícia para verificação da qualidade abortiva da droga.

A lei também apena não só o fornecedor, mas os profissionais que auxiliam a prática do aborto, com base no artigo 126 do Código Penal. Um ginecologista foi preso em flagrante em sua clínica no centro de Porto Alegre (RS), em junho de 2008, e respondeu por aborto qualificado por quatro vezes, aborto simples, também por quatro vezes, tentativa de aborto e formação de quadrilha. Ele pedia no STJ o relaxamento da prisão cautelar, mas, segundo a Corte, os reiterados atos justificaram a prisão.

Bebês anencéfalos

Os casos que trazem maior polêmica ao Judiciário são os de anencefalia e má-formação do feto. A anencefalia consiste em uma má-formação rara do tubo neural que ocorre entre o 16° e o 26° dia de gestação e se caracteriza pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana. A causa mais comum é, supostamente, a deficiência de nutrientes, entre eles o ácido fólico. Também diante da falta de vitaminas, há dificuldade na formação do tubo neural.

A ministra Laurita Vaz reconheceu no julgamento do HC 32.159 que o tema é controverso, porque envolve sentimentos diretamente vinculados a convicções religiosas, filosóficas e morais. Contudo, independentemente de convicções subjetivas pessoais, o que cabe ao STJ é o exame da matéria sob o enfoque jurídico, assinalou a ministra. Para ela, não há o que falar em certo ou errado, moral ou imoral.

O habeas corpus discutia a autorização para o aborto que havia sido dada pela Justiça do Rio de Janeiro. Para a ministra Laurita Vaz, o Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizadoras do aborto, previstas no artigo 128 do Código Penal, esse caso. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo legislador.

Segundo o ministro Napoleão Nunes, a vivência religiosa ou filosófica interfere nos julgamentos, pois, em princípio, elas influenciam a conduta humana. O ministro entende que a questão da anencefalia não deve ser entendida sob a perspectiva puramente religiosa, mas sob uma perspectiva médica, e cada caso é único. Não se pode estabelecer uma regra única de solução, ainda mais porque há questões em aberto, diz.

Perda do objeto

Nos tribunais superiores, segundo análise da socióloga Thais de Souza, entre os anos de 2001 e 2006, não havia decisões favoráveis em sua pesquisa para o pedido de interrupção de gravidez no caso de anencefalia, pois ocorria perda de objeto. O bebê já tinha nascido ou a gravidez já estava bastante adiantada, dificultando a análise. A jurisprudência do STJ confirma essa constatação. Em 2006, três acórdãos perderam o objeto pelas razões enumeradas (HC 54317, HC 47371 e HC 56572).

Em um dos habeas corpus, um casal de São Paulo pedia para interromper a gravidez em decorrência de anencefalia. A mulher tinha ultrapassado a 31ª semana de gestação e passados 50 dias da impetração junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ainda não havia uma decisão de mérito. O STJ considerou que, devido ao fato de a gestação estar estágio bastante avançado, deveria ser reconhecida a perda de objeto da impetração.

O relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, no entanto, ponderou que, havendo diagnóstico médico definitivo que ateste a inviabilidade de vida após a gravidez, a indução antecipada do parto não tipifica o crime de aborto, uma vez que a morte do feto é inevitável, em decorrência da própria patologia. A Quinta Turma entendeu que a via do habeas corpus é adequada para pleitear a interrupção da gravidez, tendo em vista a real ameaça de constrição da liberdade da mulher.

Fonte: STJ / Jurisway

STF declara constitucionalidade do artigo 41 da Lei Maria da Penha


Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nesta quinta-feira (24), a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que afastou a aplicação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95 quanto aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a suspensão condicional do processo.

A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus (HC) 106212, em que Cedenir Balbe Bertolini, condenado pela Justiça de Mato Grosso do Sul à pena restritiva de liberdade de 15 dias, convertida em pena alternativa de prestação de serviços à comunidade, contestava essa condenação. Cedenir foi punido com base no artigo 21 da Lei 3.688 (Lei das Contravenções Penais), acusado de ter desferido tapas e empurrões em sua companheira. Antes do STF, a defesa havia apelado, sucessivamente, sem sucesso, ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No HC, que questionava a última dessas decisões (do STJ), a Defensoria Pública da União (DPU), que atuou em favor de Cedenir no julgamento desta tarde, alegou que o artigo 41 da Lei Maria da Penha seria inconstitucional, pois ofenderia o artigo 89 da Lei 9.099/95.

Esse dispositivo permite ao Ministério Público pedir a suspensão do processo, por dois a quatro anos, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime.

A DPU alegou, também, incompetência do juízo que condenou Cedenir, pois, em se tratando de infração de menor poder ofensivo, a competência para seu julgamento caberia a um juizado criminal especial, conforme previsto no artigo 98 da Constituição Federal (CF), e não a juizado especial da mulher.

Decisão

Todos os ministros presentes à sessão de hoje do Plenário - à qual esteve presente, também, a titular da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes - acompanharam o voto do relator, ministro Marco Aurélio, pela denegação do HC.

Segundo o ministro Marco Aurélio, a constitucionalidade do artigo 41 dá concretude, entre outros, ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal (CF), que dispõe que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

O ministro disse que o dispositivo se coaduna com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Isto porque a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem.

Ele descartou, também, o argumento de que o juízo competente para julgar Cedenir seria um juizado criminal especial, em virtude da baixa ofensividade do delito. Os ministros apontaram que a violência contra a mulher é grave, pois não se limita apenas ao aspecto físico, mas também ao seu estado psíquico e emocional, que ficam gravemente abalados quando ela é vítima de violência, com consequências muitas vezes indeléveis.

Votos

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Luiz Fux disse que os juizados especiais da mulher têm maior agilidade nos julgamentos e permitem aprofundar as investigações dos agressores domésticos, valendo-se, inclusive, da oitiva de testemunhas.

Por seu turno, o ministro Dias Toffoli lembrou da desigualdade histórica que a mulher vem sofrendo em relação ao homem. Tanto que, até 1830, o direito penal brasileiro chegava a permitir ao marido matar a mulher, quando a encontrasse em flagrante adultério. Entretanto, conforme lembrou, o direito brasileiro vem evoluindo e encontrou seu ápice na Constituição de 1988, que assegurou em seu texto a igualdade entre homem e mulher.

Entretanto, segundo ele, é preciso que haja ações afirmativas para que a lei formal se transforme em lei material. Por isso, ele defendeu a inserção diária, nos meios de comunicação, de mensagens afirmativas contra a violência da mulher e de fortalecimento da família.

No mesmo sentido votou também a ministra Cármen Lúcia, lembrando que a violência que a mulher sofre em casa afeta sua psique (autoestima) e sua dignidade. Direito não combate preconceito, mas sua manifestação, disse ela. Mesmo contra nós há preconceito, observou ela, referindo-se, além dela, à ministra Ellen Gracie e à vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. E esse preconceito, segundo ela, se manifesta, por exemplo, quando um carro dirigido por um homem emparelha com o carro oficial em que elas se encontrem, quando um espantado olhar descobre que a passageira do carro oficial é mulher.

A vergonha e o medo são a maior afronta aos princípios da dignidade humana, porque nós temos que nos reconstruir cotidianamente em face disto, concluiu ela.

Também com o relator votaram os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Todos eles endossaram o princípio do tratamento desigual às mulheres, em face de sua histórica desigualdade perante os homens dentro do lar.

O ministro Ricardo Lewandowski disse que o legislador, ao votar o artigo 41 da Lei Maria da Penha, disse claramente que o crime de violência doméstica contra a mulher é de maior poder ofensivo. Por seu turno, o ministro Joaquim Barbosa concordou com o argumento de que a Lei Maria da Penha buscou proteger e fomentar o desenvolvimento do núcleo familiar sem violência, sem submissão da mulher, contribuindo para restituir sua liberdade, assim acabando com o poder patriarcal do homem em casa.

O ministro Ayres Britto definiu como constitucionalismo fraterno a filosofia de remoção de preconceitos contida na Constituição Federal de 1988, citando os artigos 3º e 5º da CF. E o ministro Gilmar Mendes, ao também votar com o relator, considerou legítimo este experimento institucional, representado pela Lei Maria da Penha. Segundo ele, a violência doméstica contra a mulher decorre de deplorável situação de domínio, provocada, geralmente, pela dependência econômica da mulher.

A ministra Ellen Gracie lembrou que a Lei Maria da Penha foi editada quando ela presidia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ensejou um impulso ao estabelecimento de juizados especiais da mulher.

Em seu voto, o ministro Cezar Peluso disse que o artigo 98 da Constituição, ao definir a competência dos juizados especiais, não definiu o que sejam infrações penais com menor poder ofensivo. Portanto, segundo ele, lei infraconstitucional está autorizada a definir o que seja tal infração.

Fonte: STF / Jurisway

Câmara aprova redução de pena para preso que estuda


O Plenário aprovou simbolicamente, ontem, substitutivo ao Projeto de Lei 7824/10, do Senado, que muda a Lei de Execução Penal (7.210/84) para permitir a redução de um dia de pena do presidiário para cada 12 horas de atividades de ensino. Como foi alterada, a matéria retorna para análise do Senado.

Segundo o texto aprovado, do deputado Amauri Teixeira (PT-BA), os condenados em regime aberto ou semiaberto e aqueles em liberdade condicional poderão frequentar cursos presenciais ou a distância. Já o condenado que cumpre pena em regime fechado, conforme emenda do deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), terá direito à redução da pena pelo trabalho ou pelo estudo apenas se essas atividades forem restritas ao presídio, permitindo-se também o ensino a distância.

Serão admitidas as atividades de ensino fundamental, médio – inclusive profissionalizante – e superior ou de requalificação profissional. Elas deverão estar divididas em, pelo menos, três dias.

"É um benefício para aquelas pessoas que podem ter cometido um crime fortuito. Alguns pensam que há no presídio apenas pessoas ligadas ao crime organizado. Pai de família também comete crime", argumentou o relator ao defender a aprovação do projeto.

Jurisprudência

A remissão da pena com o estudo é aplicada pela Justiça com base em jurisprudência, mas os juízes divergem sobre quantas horas de estudo são necessárias para diminuir um dia de pena. O projeto disciplina essa questão e também permite a contagem desse tempo de estudo e de trabalho para todos os efeitos, como progressão de regime.

A redução da pena depende de certificado de frequência expedido pelas autoridades educacionais competentes e, se o condenado trabalhar e estudar, deverá haver compatibilidade dessa carga horária diária.

Crime hediondo

Teixeira incorporou ao texto aprovado emenda do deputado Mandetta (DEM-MS) que proíbe a remissão de pena pelo trabalho ou pelo estudo aos condenados por crimes hediondos ou equiparados.

Na discussão do tema, entretanto, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) alertou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já considerou inconstitucional matéria semelhante. "Votei a favor dessa proibição junto com toda nossa bancada, mas infelizmente o STF vai se manifestar contra", ressaltou.

Falta grave

Se o presidiário que trabalha ou estuda cometer falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 do tempo a ser descontado da pena estipulada. A partir da data dessa infração, começará a contagem de novo período. Atualmente, a lei prevê a perda do tempo total obtido, regra mantida caso houver reincidência na falta grave.

Estudo fora

A diretoria do presídio deverá encaminhar mensalmente ao juízo da execução penal um registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando e dos dias de trabalho ou de frequência em atividade de ensino de cada um deles.

O condenado autorizado a estudar fora do presídio deverá comprovar todo mês a freqüência e o aproveitamento escolar por meio de declaração da unidade de ensino.

Bolsa de estudo

O texto aprovado pela Câmara excluiu dois pontos do projeto do Senado. Um deles permitia ao condenado pleitear bolsa no Programa Universidade para Todos (Prouni) e o outro concedia aumento de 1/3 do tempo conseguido no caso de conclusão dos níveis de ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena.

Fonte: Agência Câmara

Quantidade de droga não impede redução de pena



Tamanho da pena para condenado por tráfico não está diretamente relacionado com a quantidade de droga que ele portava. A decisão é da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que determinou ao juízo de primeiro grau que proceda nova individualização da pena de dois homens presos por tráfico de drogas.

A dupla, condenada a cinco anos e seis meses de reclusão, tenta reduzir a pena em dois terços, o máximo previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006). O pedido, porém, foi rejeitado em todas as instâncias com base na quantidade da droga apreendida: 98 pedras de crack.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, destacou que a quantidade de droga deve ser considerada na primeira fase da individualização da pena, sendo impróprio invocá-la devido a escolha do fator de redução prevista na Lei de Drogas, sob pena de “bis in idem” – duas penas sobre um mesmo fato gerador.

Ele citou que o parágrafo 4º do artigo 33 da lei permite a redução da pena de um sexto a dois terços, desde que o réu seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. De acordo com os autos, os dois réus preenchem esses requisitos, pois, de acordo com a sentença, além de serem primários e terem bons antecedentes, havia “indícios de que se trata de usuários que comercializam a droga para manter o próprio vício”, circunstâncias extrapenais consideradas favoráveis aos réus.

Mesmo assim, o juiz de primeiro grau aplicou a redução em patamar intermediário, e não máximo. O entendimento foi mantido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e pelo Superior Tribunal de Justiça. O STJ chegou a destacar, em sua decisão, que “na fundamentação de primeiro grau já se percebe que os pacientes merecem a redução máxima”, porém, por considerar “significativa” a quantidade de droga apreendida, denegou a ordem.

Em defesa dos réus, a Defensoria Pública de Minas Gerais recorreu ao Supremo, alegando que o STJ contrariou sua própria jurisprudência, segundo a qual a redução da pena, uma vez preenchidos os requisitos legais, deve ser aplicada sem considerar a quantidade de droga apreendida.

Gilmar Mendes acolheu a argumentação da defesa e seu voto foi no sentido de determinar nova individualização da pena, na medida em que a causa da redução não foi devidamente fundamentada. “O magistrado não deve utilizar a quantidade de droga apreendida para efeitos de motivar a redução a menor”, afirmou. A decisão foi unânime. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Fonte: Conjur

quarta-feira, 23 de março de 2011

Mudanças pontuais no Código de Processo Penal geram divergências


Jurista defende reforma completa do CPP; projeto na pauta do Plenário cria alternativas à prisão preventiva e reduz número de presos provisórios, entre outras medidas.

Ao criar alternativas à prisão preventiva, o Projeto de Lei 4208/01, se for aprovado, levará à diminuição no número de presos provisórios, que já somam 44% da população carcerária. A avaliação é do secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira. e da juíza criminal Renata Gil, vice-presidente da Secretaria de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O projeto está na pauta de hoje do Plenário.

No entanto, a proposta é contestada pelo advogado Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, processualista que participou da Comissão de Juristas responsável pela elaboração da proposta de novo Código de Processo Penal (PL 8045/10, do Senado). Ele avalia que seria mais eficaz o esforço conjunto pela aprovação do novo código, em vez de investir em reformas pontuais que são “paliativas”.

Medidas cautelares

O PL 4208/01 cria nove medidas cautelares que poderão substituir a prisão preventiva. Atualmente, para garantir a ordem pública ou o andamento processual, o juiz recorre à prisão do acusado.

Se aprovado o projeto, o magistrado poderá colocar o acusado sob monitoramento eletrônico, limitar a sua comunicação com determinadas pessoas-chave da investigação e impedi-lo de frequentar determinados lugares, entre outras medidas cautelares. A restrição à liberdade do acusado passará a ser a exceção, cabível apenas quando nenhuma outra cautelar for eficaz ou em casos graves.

“A proposta vai ao encontro do princípio de não culpabilidade e da necessidade de esvaziamento de um sistema carcerário sobrecarregado. Há uma mudança de paradigma em que a prisão se torna uma medida extrema adotada apenas para aqueles casos que exijam o isolamento do indivíduo”, analisou a juíza Renata Gil.

O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, destacou que as medidas cautelares podem resultar em economia para os cofres públicos. “Em vez de decretar a prisão preventiva em situações em que ela não é necessária, o juiz poderia colocar a pessoa em monitoramento eletrônico a um custo muito menor do que o do preso”, argumentou.

Fiscalização

Renata Gil ressalta que o sucesso das medidas cautelares depende da vigilância das autoridades sobre o cumprimento dessas ordens. “Essas medidas são eficientes desde que efetivamente fiscalizadas. As autoridades policiais e os juizes terão de lançar mão de novos mecanismos para se adequar a esse quadro”, alertou.

Para o secretário do Ministério da Justiça, a sanção para o descumprimento da cautelar será suficiente para garantir que elas sejam cumpridas. “Se a pessoa que estiver com a limitação de frequentar algum lugar se arriscar e desobedecer à ordem será presa”, disse.

Limite

Ao mesmo tempo em que cria novos mecanismos, a proposta impõe regras mais rígidas sobre a prisão preventiva. Atualmente, ela pode ser decretada nos casos de crimes dolosos punidos com reclusão. Pela proposta, passará a ser restrita aos crimes mais graves, que tenham pena máxima superior a quatro anos de privação de liberdade, ou se houver reincidência.

O texto exclui a previsão de prisão preventiva do réu vadio, presente na lei atual, e inova ao permitir a prisão preventiva nos casos de violência doméstica contra crianças, adolescentes, idosos, enfermos ou pessoas com deficiência. A lei atual trata apenas da violência doméstica contra a mulher.

Reforma

O Projeto de Lei 4208/01, do Executivo, foi elaborado por uma comissão de juristas em 2001 e encaminhado ao Congresso com outras propostas que fizeram parte de um pacote de reforma do Código de Processo Penal. A norma foi incluída no 2º Pacto Republicano, assinado entre os três Poderes, que destacou as prioridades legislativas com vistas a tornar a justiça mais célere.

Íntegra da proposta: PL-4208/2001, PL-8045/2010

Fonte: Agência Câmara

Advogado diz que foi desrespeitado por juíza


Bruno Pinho Gomes, advogado do réu em um processo que corria na 11ª Vara do Rio de Janeiro, diz que foi desrespeitado pela juíza do caso, Lindalva Soares da Silva, na última quarta-feira (16/3), durante a audiência. “Ela reiteradamente falava que os advogados não conheciam o Código de Processo Civil e dizia que eles faziam perguntas impertinentes e que não sabiam falar português”.

Eis o diálogo que o advogado diz ter travado com a juíza:

“O senhor não conhece o Código. Quem conhece o CPC sou eu que sou juíza.”

“Conheço tanto quanto a senhora.”

“Se conhecesse, seria juiz e não advogado.”

“Não tenho a menor pretensão de ser juiz, apesar de muito louvar a sua função.”

“Coitado.”

Pinho Gomes é pós graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e professor da disciplina. Ele fez requerimento na Ordem dos Advogados do Brasil “para dar seguimento a representação contra a juíza objetivando desagravo e abertura de processo administrativo junto aos órgão de controle da atividade do juiz”.

Procurada pela revista ConJur, a juíza disse que "nada disso aconteceu". A delegada da Ordem dos Advogados do Brasil, Rosa Maria da Silva Cunha Estevez, que presenciou os fatos, não quis comentar o assunto.

Fonte: Conjur

domingo, 20 de março de 2011

Discurso do presidente Obama, na íntegra, pronunciado no Rio de Janeiro


O presidente americano, Barack Obama, afirmou neste domingo em discurso no Theatro Municipal, no Rio, que a transição feita pelo Brasil da ditadura para a democracia é um modelo para o mundo árabe, governado há décadas por líderes fortes mas que passa por um momento em que o povo exige mais liberdades. O líder americano disse ainda que deseja 'Fortalecer a amizade' dos EUA com o país.

Leia a íntegra do discurso em português:

"Oi, Rio de Janeiro. Alô, Cidade Maravilhosa!
Boa Tarde, todo o povo brasileiro.

Desde o momento em que chegamos, o povo desta nação tem graciosamente mostrado à minha família o calor e a generosidade do espírito brasileiro.

Obrigado! E um agradecimento especial por vocês estarem aqui mesmo tendo um jogo entre Vasco e Botafogo daqui a algumas horas. Eu sei que os brasileiros não desistem facilmente de seu futebol.

Uma das primeiras referências que eu tive do Brasil foi um filme que eu vi com a minha mãe quando eu era criança, um filme chamado "Orfeu Negro", rodado em favelas do Rio durante o Carnaval. Minha mãe amou esse filme, com suas canções e danças que tinham lindos morros verdes como fundo, ele estreou em forma de uma peça bem aqui, no Teatro Municipal.

Minha mãe já se foi agora, mas ela nunca iria imaginar que a primeira viagem do filho dela ao Brasil iria ser como presidente dos Estados Unidos. E eu nunca imaginei que esse país seria ainda mais deslumbrante do que naquele filme. Vocês são, como diz a canção de Jorge Ben Jor, 'Um país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza'. Eu estou vendo essa beleza nas encostas, nas infinitas extensões de areia e oceano, e na vibrante diversidade de brasileiros que estão aqui hoje.

Nós temos cariocas e paulistas. Nós temos baianas e mineiros. Nós temos homens e mulheres de cidades do interior; e tantos jovens, que são o futuro dessa grande nação.

Ontem, eu encontrei com sua maravilhosa nova presidente, Dilma Rousseff, e conversei sobre como nós podemos estreitar a parceria entre nossos governos. Mas hoje, eu quero falar diretamente ao povo brasileiro sobre como nós podemos estreitar a amizade entre nossas nações. Eu vim para falar dos valores que nós compartilhamos, as esperanças que nós temos em comum, e as diferenças que nós podemos fazer juntos.

Nossas jornadas iniciaram de forma similar. Nossas terras são ricas por criação divina, lar de povos antigos e indígenas. Desde o além-mar, as Américas foram descobertas pelos homens que procuravam um Novo Mundo, e colonizadas por pioneiros que foram empurrados para o oeste, ao longo de vastas fronteiras. Nós nos tornamos colônias reivindicadas por coroas distantes, mas cedo declaramos nossa independência. Nós demos as boas-vindas às ondas de imigrantes em nossos países, e finalmente limpamos a mancha de escravidão de nossas terras.

Os Estados Unidos foram a primeira nação a reconhecer a independência do Brasil, e a instalar uma representação diplomática nesse país. O primeiro chefe de Estado a visitar os Estados Unidos foi o líder do Brasil, Dom Pedro 2º. Na Segunda Guerra, nossos bravos homens e mulheres lutaram lado a lado pela liberdade.

Depois da Guerra, nossas nações também lutaram para alcançar plenamente a benção da liberdade. Nas ruas dos EUA, homens e mulheres marcharam e sangraram para que cada cidadão pudesse desfrutar da mesma liberdade e das mesmas oportunidades --não importando sua aparência ou origem. No Brasil, vocês lutaram por duas décadas contra ditadores pelo mesmo direito, de serem ouvidos --pelo direito de serem livres do medo e livres para querer. E ainda, durante anos, a democracia e o desenvolvimento só tomaram lugar lentamente, e milhões sofreram por isso.

Aqueles dias já passaram. O Brasil hoje é uma democracia que floresce --um lugar onde as pessoas são livres para dizer o que pensam e para escolher seus líderes; onde uma criança pobre de Pernambuco pode escalar do chão de uma siderúrgica para o cargo mais importante do Brasil.

Durante a última década, o progresso alcançado pelo povo brasileiro tem inspirado o mundo. Mais da metade dessa nação é hoje considerada classe média. Milhões vêm sendo retirados da pobreza. Pela primeira vez, a esperança está retornando a lugares onde o medo prevaleceu por muito tempo. Eu vi isso hoje, quando visitei a Cidade de Deus. Não são apenas os novos programas sociais e esforços da segurança pública que estão transformando as favelas; trata-se de uma mudança de atitude. Como disse um jovem morador, 'as pessoas não têm de olhar para as favelas com pena, mas como uma fonte de presidentes, advogados, doutores, artistas, [e] pessoas com soluções'.

A cada dia que passa, o Brasil é um país com mais soluções. Na comunidade global, vocês confiaram em outras nações para ajudar a combater a pobreza e as doenças, onde quer que elas existam.

Vocês desempenham um importante papel nas instituições globais que protegem nossa segurança comum e promovem nossa prosperidade comum. E vocês irão receber o mundo em seu litoral quando a Copa do Mundo e as Olimpíadas vierem para o Rio de Janeiro.

Você deve ter ouvido que esta cidade não era exatamente a minha primeira escolha para as Olimpíadas. Mas se os Jogos não pudessem ser realizados em minha cidade natal Chicago, não haveria lugar que gostaria de vê-lo do que aqui, na cidade do Rio de Janeiro. E pretendo voltar em 2016 para assistir.

Por muito tempo, o Brasil foi uma nação com muito potencial, mas prejudicada pela política, tanto interna quanto externa. Por muito tempo, vocês foram chamados de um país do futuro, e diziam para que esperassem por um dia melhor que estava sempre muito próximo. Meus amigos, esse dia finalmente chegou. E o Brasil não é mais o país do futuro. Para o povo brasileiro, o futuro chegou.

Nossos países nunca concordaram em todos os assuntos. E, como muitas nações, nós teremos divergências de opinião no futuro. Mas estou aqui para dizer a vocês que os americanos não apenas reconhecem o sucesso brasileiro -- nós torcemos por isso. Enquanto vocês enfrentam os muitos desafios que ainda têm pela frente em casa e fora dos seus domínios, permitam que os EUA estejam juntos - não como uma relação de parceiro experiente e iniciante, mas como parceiros em condições de igualdade, parceiros por causa de um espírito de interesse e respeito comuns, voltado para o progresso que podemos alcançar juntos.

Juntos, podemos obter avanços na nossa prosperidade comum. Como duas das maiores economias do mundo, nós trabalhamos lado a lado durante a crise financeira para restaurar o crescimento e a confiança. E para manter nossas economias crescendo, nós sabemos o que é necessários em nossas duas nações.

Nós precisamos de uma mão de obra qualificada, educada, é por isso que empresas americanas e brasileiras têm se comprometido a ajudar aumentar os intercâmbios de estudantes entre nossas nações. Nós precisamos de um compromisso com inovação e tecnologia, é por isso que concordamos em expandir a cooperação entre nossos cientistas, pesquisadores, e engenheiros. Nós precisamos de infraestrutura de primeiro nível, é por isso que empresas americanas querem ajudar vocês a construírem e prepararem esta cidade para um sucesso Olímpico.

Em uma economia global, os EUA e o Brasil deveriam expandir o comércio e o investimento de forma a criar novos empregos e oportunidades em ambas nossas nações. É por isso que estamos trabalhando para romper barreiras à realização de negócios, e é por isso que estamos construindo relações mais próximas entre nossos trabalhadores e empreendedores.

Juntos, nós podemos promover segurança em energia e proteger nosso bonito planeta. Como duas nações comprometidas com economias mais verdes, nós sabemos que a solução definitiva para nosso desafio energético está em fontes limpas, renováveis. É por isso que metade dos veículos desse país consegue rodar com biocombustíveis, e a maior parte da nossa eletricidade vem de hidrelétricas. É por isso que nós impulsionamos uma indústria de energia limpa nos EUA. E é por isso que os EUA e o Brasil estão criando novas parcerias na área de energia --para compartilhar tecnologias, criar novos empregos, e deixar para nossas crianças um mundo mais limpo e seguro do que encontramos.

Juntas, nossas duas nações podem ajudar a defender a segurança de nossos cidadãos.

Estamos trabalhando juntos para parar o tráfico de drogas que tem destruído muitas vidas neste hemisfério. Nós perseguimos o objetivo de um mundo sem armas nucleares, and estamos trabalhando juntos para aumentar a segurança nuclear em nosso hemisfério. Da África ao Haiti, estamos trabalhando lado a lado para combater a fome,a doença e a corrupção que pode estragar uma sociedade e privar seres humanos de dignidade e oportunidade. E hoje, nós estamos oferecendo assistência a apoio ao povo japonês em seu momento de maior necessidade.

Os vínculos que unem nossas nações ao Japão são fortes. No Brasil vocês abrigam a maior população japonesa fora do Japão. Nos EUA, nós formamos uma aliança de mais de 60 anos. O povo do Japão é um dos nossos amigos mais próximos, e nós vamos rezar com eles, estar ao lado deles, e reconstruir com eles até que esta crise tenha passado.
Nesse e em outros esforços para promover paz e prosperidade pelo mundo, os EUA e o Brasil são parceiros não apenas porque compartilhamos uma história e um continente; não apenas porque compartilhamos laços comerciais e culturais; mas porque compartilhamos determinados valores e ideais duradouros.

Nós acreditamos no poder e na promessa de democracia. Nós acreditamos que nenhuma outra forma de governo é mais efetiva na promoção do crescimento e da prosperidade que atinja todo ser humano. E aqueles que creem no contrário - que acreditam que a democracia impede o progresso econômico - deve se confrontar com o exemplo do Brasil.

Os milhões neste país que saíram da pobreza para a classe média não o fizeram em uma economia fechada controlada pelo estado. Vocês estão prosperando como um povo livre com mercados abertos e um governo que atende aos seus cidadãos. Vocês estão provando que o objetivo de justiça social pode ser melhor atingido por meio da liberdade, que a democracia é o melhor parceiro do progresso humano.

Nós acreditamos também que em nações tão grandes e com tanta diversidade como as nossas, modeladas por gerações de imigrantes de todas as raças e crenças e origens, a democracia oferece a melhor esperança de que todo cidadão seja tratado com dignidade e respeito; que nós podemos resolver nossas diferenças pacificamente e encontrar forças em nossas adversidades.

Nós sabemos por experiência que nossa forma escolhida de governo pode ser lenta e desordenada; que a democracia deve ser constantemente fortalecida e aperfeiçoada ao longo do tempo. Nós sabemos que nações diferentes tomam caminhos diferentes para realizar suas promessas, e que nenhuma outra nação deve impor seu desejo a outra.

Mas nós também sabemos que existem certas aspirações compartilhadas por todos os seres humanos: Nós queremos ser livres e ouvidos. Nós ansiamos por viver sem medo ou discriminação; por escolher como somos governados e por moldar nosso próprio destino. Essas não são ideias Americanas ou Brasileiras. Não são ideias ocidentais. São direitos universais, e nós devemos apoiá-los em todos os lugares.

Hoje, nós temos visto a luta por esses direitos se desdobrar pelo Oriente Médio e o Norte da África. Nós temos visto uma revolução nascer de um anseio por dignidade humana básica na Tunísia. Nós temos visto protestos pacíficos na praça Tahir --homens e mulheres, jovens e idosos, cristãos e muçulmanos. Nós temos visto o povo da Líbia ter a coragem de se levantar contra um regime determinado a brutalizar seu próprio povo. Em toda a região, nós vimos jovens se levantando - uma nova geração exigindo o direito de definir seu próprio futuro.

Desde o começo, nós deixamos claro que as mudanças que buscavam precisavam nascer do seu próprio povo. Mas, como duas nações que vêm perseguindo a perfeição em nossas democracias ao longo das gerações, os EUA e o Brasil sabem que o futuro do Mundo Árabe será determinado por seu povo.

Ninguém pode dizer ao certo como esse levante vai terminar, mas eu sei que a mudança não é algo que devemos temer. Quando jovens insistem que a história está em movimento, o peso do passado é levado pela água. Quando homens e mulheres pacificamente pedem direitos humanos, nossa humanidade em comum sai fortalecida. Onde quer que a luz da liberdade apareça, o mundo se torna um lugar mais brilhante, mais vivo.

Esse é o exemplo do Brasil. Brasil --um país que mostra que uma ditadura pode virar uma democracia próspera. Brasil --um país que mostra que a democracia oferece liberdade e oportunidade para seu povo. Brasil --um país que mostra como um chamado por mudança que começa nas ruas pode transformar a cidade, o país e o mundo.

Décadas atrás, fora desse teatro em região próxima daqui, na Cinelândia, onde o chamado para a mudança foi ouvido no Brasil. Estudantes e artistas e líderes políticos de todos os tipos se reuniram com cartazes que diziam: 'Abaixo a ditadura. O povo no poder'. Suas aspirações democráticas não se tornaram realidade nos anos que se seguiram, mas uma das jovens brasileiras do movimento daquela geração persistiu para mudar para sempre a história desta nação.

Uma criança filha de imigrantes, sua participação no movimento a levou à cadeia, presa e torturada nas mãos do seu próprio governo. E soube o que significa viver sem os direitos humanos mais básicos, direitos pelos quais muitos estão lutando hoje em dia. Mas ela também sabe o que é perseverar. Ela sabe o que é se superar. Porque, hoje em dia, essa mulher é Dilma Rousseff, a presidente da nação.

Nossas duas nações enfrentam muitos desafios. Na estrada à frente, haverá muitos obstáculos. Mas, no final, é a nossa história que concede a esperança de um amanhã melhor. É o conhecimento de que homens e mulheres que vieram antes de nós obtiveram sucesso em desafios maiores que os de hoje --que nós vivemos em um lugar que pessoas comuns fizeram coisas extraordinárias.

É esse senso de possibilidade e otimismo que fez parte dos desbravadores do Novo Mundo. É o que faz com que nossas nações sejam parceiras no novo século. E é a razão de acreditarmos, nas palavras de Paulo Coelho, um dos seus mais famosos escritores, 'com a força do seu amor e da sua vontade, nós podemos mudar nosso destino, assim como o destino de muitos outros'.

Muito obrigado. Obrigado, e que Deus abençoe nossas nações."

Fonte: Folha.com

O legislador deve expressar a vontade geral ao estabelecer a lei



Conseguiu o legislador do projeto do Novo Código de Processo Civil atingir a vontade geral da sociedade brasileira?

por Eduardo Borges Leal da Silva*

O legislador é fundamental no pensamento de Jean Jacques Rousseau. Para ele, o legislador, sob todos os aspectos, é um homem extraordinário no Estado1 porque a lei é a expressão da vontade geral. A vontade geral é a vontade do corpo político, da sociedade. O legislador é aquele que deve ser o interprete da vontade do povo. Cada um de nós pode ter a sua vontade, mas ao entrar na sociedade política a vontade deve ser única. Rousseau exaltou a vontade geral para deixar bem claro que na sua ausência não há lei e nem governo legítimo. Se a lei expressa a vontade geral e o governo segue a lei, o governo expressa a vontade geral. Assim, para Rousseau, jamais o interesse particular deve prevalecer sobre a vontade geral.

Para Rousseau, a vontade geral pode ser reconhecida pela opinião pública. Porém, a opinião pública tanto é capaz de designar o interesse comum como um interesse particular de apenas um grupo de pessoas. O verdadeiro legislador afasta opiniões particulares para que não haja leis arbitrárias; alcança a vontade geral pela opinião pública e mantém, com as leis do interesse comum, todo o corpo social2. O legislador, portanto, é o verdadeiro fundador do Estado, ajudando o homem na compreensão da vontade geral.

Rousseau, nas Considerações sobre o governo da Polônia3, apontou outro aspecto que define o legislador: o futuro. O legislador bem-sucedido acerta no diagnóstico e também no prognóstico, isto é, se o povo não aceitar suas proposições, elas se invalidam e se tornam inúteis. Em outras palavras, se a lei não expressar a vontade coletiva, a vontade de todos, ela não terá eficácia nenhuma. E Rousseau, na mesma obra, não observa nas nações modernas a prioridade da vontade geral sobre a vontade particular: "Olho nas nações modernas, nelas vejo muitos fazedores de lei e nenhum legislador"4.

Rousseau não conseguia ver nas nações modernas ninguém que pudesse assumir a condição de verdadeiro legislador, que fosse capaz de captar a vontade geral da sociedade.

A pergunta que se coloca é: conseguiu o legislador do projeto Novo Código de Processo Civil interpretar e expressar a vontade geral da sociedade brasileira?

Pelo grande número de críticas que o projeto recebeu parece que a missão não foi cumprida. A vontade geral dos cidadãos brasileiros é a prestação jurisdicional rápida e efetiva, acabando com a morosidade da Justiça. Mas para atingir esse interesse comum, seria necessária a alteração da legislação processual nessa amplitude? E de que maneira ela deveria ser? Não restava alternativa ao legislador brasileiro a não ser ir buscar o interesse comum da sociedade na opinião pública de todos. E não fazê-lo pode ser seu maior erro.

Como de costume no Brasil, não houve um amplo debate na sociedade sobre a criação de um novo projeto legislativo. Além dos cidadãos comuns, estudantes, advogados, funcionários, juristas e professores não foram ouvidos. Talvez uma discussão maior sobre o projeto, que foi finalizado muito rapidamente, pudesse chegar à conclusão de que a modernização e melhoria da gestão no Poder Judiciário evitariam as mudanças na lei. Investimentos de recursos para aparelhar a máquina estatal, para a informatização, para a capacitação e motivação dos funcionários, etc. pudesse criar um Poder Judiciário mais eficiente com a legislação que hoje está em vigor5.

O debate foi restrito e permite que prevaleça a vontade particular. Assim, a verdadeira opinião pública não foi consultada e o legislador brasileiro não será capaz de diferenciar o interesse comum do interesse particular. Ao escutar apenas alguns grupos de pessoas, por melhores que sejam, haverá apenas a vontade particular que não representa a vontade comum. E jamais a vontade particular deve prevalecer sobre a vontade do povo. Ao não conseguir captar a vontade coletiva, o legislador brasileiro não desempenhou o papel que Rousseau entende ser do verdadeiro legislador.

Desta maneira, o Novo Código de Processo Civil não expressará a vontade geral do fim da morosidade da Justiça e será arbitrário, vigorando sem ser respeitado. Todo o edifício de leis corre o risco de perder a vinculação com a vontade coletiva e, por consequência, perderá também a sua legitimidade.

Além disto, o legislador brasileiro também não será bem sucedido, porque não acertará no prognóstico e tampouco no diagnóstico. O prognóstico tomou como base grupos e não a sociedade toda. O diagnóstico, desta forma, não resolverá o problema da morosidade. O futuro mostrará o legislador brasileiro não como Rousseau apresenta, mas como apenas um "fazedor de leis".

E as últimas décadas provam que o legislador brasileiro, no tocante a leis processuais, foi um mero fazedor de leis. Inúmeras alterações ocorreram no processo civil para acabar com a morosidade. Muitas amenizaram o problema, mas não acabaram com ele. Fato é que elas não expressaram a vontade geral, coletiva e serviram ainda mais para aumentar o descrédito na Justiça Brasileira.

Portanto, a missão do legislador do projeto do Novo Código de Processo Civil não foi atingida: ele não poderá expressar a vontade geral da sociedade brasileira porque a verdadeira opinião publica não foi ouvida.
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1 ROSSEAU, J.J. O contrato social. Livro Segundo. Cap. VII. Os pensadores. Abril Cultural: 1ª ed.1973. p. 62
2 Ob. Cit. p. 62
3 In MONTEAGUDO, Ricardo. A Concepção do Legislador em Rousseau. Ed. Unesp: 2006. p.1041.
4 Ob. Cit. p. 1041.

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*Eduardo Borges Leal da Silva é advogado do escritório Dinamarco e Rossi Advocacia

Fonte: Migalhas