Conseguiu o legislador do projeto do Novo Código de Processo Civil atingir a vontade geral da sociedade brasileira?
por Eduardo Borges Leal da Silva*
O legislador é fundamental no pensamento de Jean Jacques Rousseau. Para ele, o legislador, sob todos os aspectos, é um homem extraordinário no Estado1 porque a lei é a expressão da vontade geral. A vontade geral é a vontade do corpo político, da sociedade. O legislador é aquele que deve ser o interprete da vontade do povo. Cada um de nós pode ter a sua vontade, mas ao entrar na sociedade política a vontade deve ser única. Rousseau exaltou a vontade geral para deixar bem claro que na sua ausência não há lei e nem governo legítimo. Se a lei expressa a vontade geral e o governo segue a lei, o governo expressa a vontade geral. Assim, para Rousseau, jamais o interesse particular deve prevalecer sobre a vontade geral.
Para Rousseau, a vontade geral pode ser reconhecida pela opinião pública. Porém, a opinião pública tanto é capaz de designar o interesse comum como um interesse particular de apenas um grupo de pessoas. O verdadeiro legislador afasta opiniões particulares para que não haja leis arbitrárias; alcança a vontade geral pela opinião pública e mantém, com as leis do interesse comum, todo o corpo social2. O legislador, portanto, é o verdadeiro fundador do Estado, ajudando o homem na compreensão da vontade geral.
Rousseau, nas Considerações sobre o governo da Polônia3, apontou outro aspecto que define o legislador: o futuro. O legislador bem-sucedido acerta no diagnóstico e também no prognóstico, isto é, se o povo não aceitar suas proposições, elas se invalidam e se tornam inúteis. Em outras palavras, se a lei não expressar a vontade coletiva, a vontade de todos, ela não terá eficácia nenhuma. E Rousseau, na mesma obra, não observa nas nações modernas a prioridade da vontade geral sobre a vontade particular: "Olho nas nações modernas, nelas vejo muitos fazedores de lei e nenhum legislador"4.
Rousseau não conseguia ver nas nações modernas ninguém que pudesse assumir a condição de verdadeiro legislador, que fosse capaz de captar a vontade geral da sociedade.
A pergunta que se coloca é: conseguiu o legislador do projeto Novo Código de Processo Civil interpretar e expressar a vontade geral da sociedade brasileira?
Pelo grande número de críticas que o projeto recebeu parece que a missão não foi cumprida. A vontade geral dos cidadãos brasileiros é a prestação jurisdicional rápida e efetiva, acabando com a morosidade da Justiça. Mas para atingir esse interesse comum, seria necessária a alteração da legislação processual nessa amplitude? E de que maneira ela deveria ser? Não restava alternativa ao legislador brasileiro a não ser ir buscar o interesse comum da sociedade na opinião pública de todos. E não fazê-lo pode ser seu maior erro.
Como de costume no Brasil, não houve um amplo debate na sociedade sobre a criação de um novo projeto legislativo. Além dos cidadãos comuns, estudantes, advogados, funcionários, juristas e professores não foram ouvidos. Talvez uma discussão maior sobre o projeto, que foi finalizado muito rapidamente, pudesse chegar à conclusão de que a modernização e melhoria da gestão no Poder Judiciário evitariam as mudanças na lei. Investimentos de recursos para aparelhar a máquina estatal, para a informatização, para a capacitação e motivação dos funcionários, etc. pudesse criar um Poder Judiciário mais eficiente com a legislação que hoje está em vigor5.
O debate foi restrito e permite que prevaleça a vontade particular. Assim, a verdadeira opinião pública não foi consultada e o legislador brasileiro não será capaz de diferenciar o interesse comum do interesse particular. Ao escutar apenas alguns grupos de pessoas, por melhores que sejam, haverá apenas a vontade particular que não representa a vontade comum. E jamais a vontade particular deve prevalecer sobre a vontade do povo. Ao não conseguir captar a vontade coletiva, o legislador brasileiro não desempenhou o papel que Rousseau entende ser do verdadeiro legislador.
Desta maneira, o Novo Código de Processo Civil não expressará a vontade geral do fim da morosidade da Justiça e será arbitrário, vigorando sem ser respeitado. Todo o edifício de leis corre o risco de perder a vinculação com a vontade coletiva e, por consequência, perderá também a sua legitimidade.
Além disto, o legislador brasileiro também não será bem sucedido, porque não acertará no prognóstico e tampouco no diagnóstico. O prognóstico tomou como base grupos e não a sociedade toda. O diagnóstico, desta forma, não resolverá o problema da morosidade. O futuro mostrará o legislador brasileiro não como Rousseau apresenta, mas como apenas um "fazedor de leis".
E as últimas décadas provam que o legislador brasileiro, no tocante a leis processuais, foi um mero fazedor de leis. Inúmeras alterações ocorreram no processo civil para acabar com a morosidade. Muitas amenizaram o problema, mas não acabaram com ele. Fato é que elas não expressaram a vontade geral, coletiva e serviram ainda mais para aumentar o descrédito na Justiça Brasileira.
Portanto, a missão do legislador do projeto do Novo Código de Processo Civil não foi atingida: ele não poderá expressar a vontade geral da sociedade brasileira porque a verdadeira opinião publica não foi ouvida.
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1 ROSSEAU, J.J. O contrato social. Livro Segundo. Cap. VII. Os pensadores. Abril Cultural: 1ª ed.1973. p. 62
2 Ob. Cit. p. 62
3 In MONTEAGUDO, Ricardo. A Concepção do Legislador em Rousseau. Ed. Unesp: 2006. p.1041.
4 Ob. Cit. p. 1041.
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*Eduardo Borges Leal da Silva é advogado do escritório Dinamarco e Rossi Advocacia
Fonte: Migalhas
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