domingo, 29 de junho de 2008

Governo deve modificar Lei de Crimes Ambientais


Karina Merlo

O Brasil apresenta um excesso de leis, porém nada garante o cumprimento dessas normas. A falta de eficácia da Lei 9.605/98 é um exemplo disso.

O não pagamento das multas relativas aos crimes contra o meio-ambiente evidencia o descaso do judiciário aliado à ineficiência dos órgãos governamentais – entidades completamente despreparadas para fazer valer a fiscalização.

Eu me pergunto se um fiscal do Ibama está apto para formular um auto de infração com embasamento jurídico, abarcando toda a legislação ambiental, de forma que venha evitar a ser exterminado por um recurso altamente elaborado por pessoa competente para tanto – o advogado.

Ora, as pessoas jurídicas são as maiores responsáveis pelos crimes ambientais e, claro, com o seu poder econômico, têm o respaldo dos melhores advogados do país. Nesse âmbito, fica evidente que a justiça brasileira não está nas mãos dos nossos juízes e tribunais, mas sim daqueles que detém o capital.

Diante do exposto, parece até haver certa conivência dos três poderes da República:
- o Judiciário e o Executivo, com relação às infrações de grandes empresas, que acabam por não ter suas multas executadas de forma eficaz como preleciona a norma;
- e o Legislativo, que ao elaborar a Lei de Crimes Ambientais, deixou margem para a formulação de valores exorbitantes atinentes às multas, dentre outras brechas.


Óbvia é a relevância dos direitos difusos à sociedade, mas não justifica a falta de parâmetro no cálculo das multas. Os valores aplicados a esse tipo de penalidade chegam a ser, em muitos casos, maior que o patrimônio da empresa infratora. Esse caráter confiscatório termina por inviabilizar o pagamento da multa.

É essa impunidade que vem atormentando o quotidiano do cidadão brasileiro - o maior paciente quando há lesões dos direitos difusos - e parece refletir em todos os outros ramos do Direito.

Há um tempo atrás se dizia ser a criminalidade a grande doença da sociedade. Eu vejo a impunidade como um câncer que contamina cada órgão, alastrando-se lentamente em todo o organismo. Mas Deus é brasileiro, e o cidadão vai resistindo enquanto pode.

Vejam o artigo abaixo da Agência Brasil.





Ibama aplicou R$ 3,4 bi em multas nos últimos dois anos, mas recebeu menos de 10%

Luana Lourenço, Repórter da Agência Brasil

BRASÍLIA - O governo deve modificar nos próximos dias a Lei de Crimes Ambientais para, entre outros objetivos, tentar garantir mais agilidade no pagamento de multas aplicadas a quem comete irregularidades contra a fauna e a flora, polui e degrada. Relatórios de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostram que R$ 3,45 bilhões foram aplicados em multas em 2006 e 2007.

Desse total, menos de 10% chegou efetivamente aos cofres públicos, segundo estimativas do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.

- Hoje em dia é uma vergonha: mais de 90% das multas não são pagas. Isso desmoraliza os órgãos ambientais - afirmou, em entrevista recente.

Procurado pela reportagem, o Ibama informou, por meio de sua assessoria, que não tem levantamento completo sobre o percentual de multas efetivamente pagas e reafirmou as estimativas citadas pelo ministro Minc.

De acordo com os relatórios de fiscalização do Ibama, os nove estados da Amazônia Legal concentraram 34% dos autos de infração aplicados pelo órgão em todo o país, mas acumularam cerca de 80% dos R$ 3,45 bilhões cobrados no período.

Mato Grosso é o estado campeão em infrações e em valores, com total de R$ 1,41 bilhão nos últimos dois anos. A maior parte, R$ 1,3 milhão, por infrações contra a flora, como desmatamento e comércio e transporte irregular de produtos florestais. Em segundo lugar, está o Pará, com R$ 724 milhões, e em terceiro Rondônia, que acumulou R$ 280 milhões em multas do Ibama em 2006 e 2007.

Levantamento das operações de fiscalização do Ibama nos últimos dois anos revela que o órgão ambiental chegou a aplicar multas de até R$ 20 milhões em uma única autuação. Em maio, o produtor de arroz Paulo César Quartiero foi multado em R$ 30,6 milhões por degradação ao meio ambiente na fazenda Depósito, localizada dentro da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.

De acordo com a legislação, as multas por descumprimento da Lei de Crimes Ambientais podem variar entre R$50 e R$50 milhões.


domingo, 15 de junho de 2008

O Poder racionalizador das Súmulas Vinculantes

Fonte: Notícias STF

Nos últimos meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou algumas Súmulas Vinculantes, resumindo em verbetes o entendimento já consolidado pela Corte em temas recorrentes e de grande interesse da sociedade, que tramitam nos tribunais brasileiros, na Administração Pública e também na mais alta instância judicial do país.

Para o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, a Súmula Vinculante é um instituto de caráter racionalizador. A aplicação das súmulas desonera não somente o Supremo de uma série de recursos, mas também as instâncias ordinárias, segundo avalia o ministro.

Os verbetes devem ser seguidos por todas as instâncias do Poder Judiciário no Brasil, bem como pela Administração Pública. De acordo com o artigo 64-B da Lei 9.784/99, com a redação dada pela Lei 11.417/06, as autoridades administrativas devem se adequar ao entendimento do STF, “sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal”.

Confira a íntegra de todas as Súmulas Vinculantes já aprovadas pelo Plenário do STF:

Súmula Vinculante 1
“Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/2001.”
Súmula Vinculante 2
“É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”
Súmula Vinculante 3
“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”
Súmula Vinculante 4
“Salvo os casos previstos na Constituição Federal, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.”
Súmula Vinculante 5
“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”
Súmula Vinculante 6
“Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.”
Súmula Vinculante 7
“A norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.”
Súmula Vinculante 8
“São inconstitucionais os parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.”
Súmula Vinculante 9
“O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/84 foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58.”
Súmula Vinculante 10
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.”
Súmula Vinculante 11
“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”
Súmula Vinculante 12
“A cobrança de taxa de matrícula nas Universidades Públicas viola o disposto no artigo 206, inciso IV, da Constituição Federal.”

Súmula Vinculante 13
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”

ARTIGO ATUALIZADO EM: 22-08-2008.
Fonte: STF

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Deputados entregam vídeo da CPI do Sistema Carcerário ao presidente do STF


Fonte: Notícias STF



O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, recebeu nesta quarta-feira (11) um vídeo com imagens de visitas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário a presídios brasileiros. Os deputados Neucimar Fraga (PR-ES), presidente da CPI, e o relator, Domingos Dutra (PT-MA), entregaram o vídeo e convidaram o ministro para a última audiência da CPI, marcada para o dia 18 de junho.

No encontro, eles conversaram sobre as videoconferências realizadas em presídios. “Elas suavizam o sistema carcerário e dão agilidade aos processos, diminuindo os custos de escoltas de presos”, argumentou Domingos Dutra. Ele acredita que a CPI descortinou uma realidade que o poder público deve conhecer. “O desconhecimento leva à indiferença, a indiferença leva à omissão e a omissão levou ao caos das cadeias brasileiras. As rebeliões são a forma de o preso lembrar à sociedade que ele existe”, destacou o relator.

Neucimar Fraga lembrou que o uso da videoconferência deve estar previsto em lei federal para ser considerado constitucional. Segundo ele, os presos entendem a videoconferência como a presença da Justiça nos presídios. “Os presos têm necessidade não só de estar na presença do juiz, mas na presença da Justiça, seja ela em julgamento presencial ou à distância. O que importa é que ela seja feita”, completou.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Presidente Lula sanciona reforma que altera o CPP

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de junho de 2008.
O presidente Lula sancionou, nesta segunda-feira (9/6), uma série de projetos de lei aprovados em 2007 pelo Congresso que atualizam e agilizam a apreciação de processos penais pela Justiça. As modificações no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3689/41) entram em vigor 60 dias após a publicação no Diário Oficial da União.
Entre as principais mudanças, está a determinação de que a instrução seja feita em uma só audiência. Depoimentos do réu, da vítima e das testemunhas serão tomados no mesmo dia, o que deve reduzir o tempo do processo.
Esse ponto da reforma foi criticado por advogados, que temem o cerceamento de defesa. O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, declarou que se pode estar trocando seis por meia dúzia. Para ele, o tempo despendido por um juiz na audiência única poderia ser revertido para a realização de duas ou três e as outras nos dias subseqüentes, sem prejudicar o direito de defesa.
O criminalista David Rechulski ressalta que a busca por uma celeridade desenfreada "deve redundar no comprometimento da qualidade e finalidade do próprio ato processual". Segundo ele, a concentração da instrução processual em audiência única "pode comprometer a busca da verdade real, que é o próprio escopo do processo penal, o que representa um risco gravíssimo".
Mas as demais mudanças sancionadas pelo presidente Lula foram vistas com bons olhos. A principal delas é a impossibilidade de se aceitar uma prova ilícita, e as decorrentes dela, no processo penal. “A violação dos meios para se atingir um objetivo quebra a segurança jurídica. O devido processo legal deve ser mantido a toda custa”, afirmou Rechulski.
Segundo ele, a lei prevê que o juiz que tiver conhecimento da prova ilícita deve se afastar do processo, para que a formação de sua convicção não fique contaminada. “O interesse coletivo, nessa hipótese, não pode argüido para sobrepujar o interesse individual”, defende.
Cezar Britto entende que essa regra pode ser considerada como “óbvia e ululante”. “Não se pode justificar um erro com outro. A prova ilícita será sempre ilícita e é bom que isso fique bem claro na interpretação que se possa dar a essa legislação”, disse. Para ele, é preciso debater mais a presença dos juízes nas comarcas e na prestação jurisdicional. “Nós não podemos dizer que essa é uma questão secundária. Quanto mais investirmos em Justiça, mais estaremos investindo no Brasil.”
O presidente Lula aprovou ainda, na própria ação penal, a definição de um valor mínimo para a reparação de danos, hoje feita em ação civil separada. Outra medida: o mesmo juiz que ouviu as testemunhas e recebeu as provas deve conceder a sentença.
Com a proposta, se o juiz perceber que o caso é de legítima defesa ou que o réu foi coagido de forma insuportável a cometer o ato, poderá absolvê-lo sumariamente. Hoje, caso o Ministério Público apresente a acusação, o processo tem de cumprir todas as suas etapas para concluir pela absolvição.
O prazo de citação também foi reduzido. Não encontrado o réu, será feita a citação por edital. No entanto, se o réu estiver fugindo da citação, ela será feita por hora certa. Ou seja, o oficial de Justiça avisará que estará no local em determinada hora e entregará a citação a quem estiver no local. Se o acusado não comparecer, será nomeado um defensor e os prazos começarão a correr.
Propostas do Senado
Entre as mudanças propostas pelos senadores, destaca-se a aplicação de pena ao defensor que abandonar a causa sem a devida justificativa, que agora deverá ser comunicada ao juiz até o início da audiência.
A multa foi fixada entre 10 e 100 salários mínimos e a prova de impedimento cabe ao advogado defensor. Em todo caso, os prazos não serão adiados, embora a audiência possa ser adiada a critério do juiz, possibilidade não prevista hoje.
Os senadores também propuseram a supressão dos artigos 537 e 594 do Código de Processo Penal. Pelo artigo 594, para apelar de decisão em processo penal, o réu precisa se recolher à prisão ou pagar fiança. Súmula do Superior Tribunal de Justiça, no entanto, já acaba com essa obrigatoriedade. Ainda assim, o relator considerou importante aperfeiçoar o texto. Já a revogação do artigo 537 põe fim ao prazo de três dias para a defesa prévia, na qual o réu apresenta suas alegações preliminares.

Ministros do STF participam de sanção de leis que alteram o processo penal

Fonte: STF, segunda-feira, 09 de Junho de 2008.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, e a ex-presidente do Tribunal, ministra Ellen Gracie, participaram, nesta segunda-feira (9), no Palácio do Planalto, da solenidade de sanção, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de três leis que alteram dispositivos do Código de Processo Penal (CPP), introduzindo mudanças no Tribunal do Júri, na produção de provas e, ainda, nos procedimentos em matéria processual penal.

Após a solenidade, a ministra Ellen Gracie – que, durante sua gestão à frente do STF criou um grupo de trabalho no âmbito do Tribunal para acompanhar esse processo de reforma –, disse que as atualizações do CPP hoje transformadas em leis “vão permitir aos juízos criminais dar mais agilidade aos processos e, com isso, diminuir a sensação dos cidadãos de impunidade generalizada”.

Ela lembrou que, “os juízes estão presos às regras processuais, não podem agir fora das regras processuais”. No entanto, segundo ela, com as medidas adotadas hoje e outras que já foram anunciadas pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, “o que vai acontecer é que o processo penal vai poder caminhar mais celeremente”.

Júri

Ellen Gracie ressaltou as mudanças no tocante ao Tribunal do Júri. Até agora, quando um réu era condenado a pena superior a 20 anos de reclusão, era-lhe dado, automaticamente, o direito a um novo júri. “O acontecido recentemente, num caso de grande repercussão internacional, elucida isso muito bem”, observou ela. “É o caso dos mandantes do assassinato da missionária Dorothy Stang. Terminamos então, com essa nova legislação, com esse processo de novo júri”.
Uma das leis sancionadas hoje só abre a possibilidade de novo júri no caso de o próprio juiz do caso admitir falha no primeiro júri ou de um juiz de instância superior entender que houve falha. Mas isso valerá para qualquer tempo de pena.

Videoconferência

Outro aspecto ressaltado pela ministra nos três projetos sancionados hoje pelo Presidente da República é o fato de que se poderão utilizar videoconferências para ouvir testemunhas. “Eu acho que isso agiliza sobremodo a justiça e elimina aquelas resistências que, aqui e ali, ainda existiam contra a utilização dessa metodologia mais moderna”, disse Ellen Gracie.

Questionada se já tinha uma previsão sobre o tempo em que o julgamento dos processos poderá ser encurtado com as novas regras, ela disse que, de imediato, isso não é possível, mas que deverá haver um trabalho acadêmico de mensuração do tempo que se gastava antes e do que se passará a gastar.

Desde já, no entanto, para ilustrar as perspectivas, ela apontou o caso de um dos processos-crime mais antigos que tramitaram no Tribunal. Segundo Ellen Gracie, o processo tinha quatro anos de tramitação e, desses quatro, três anos tinham sido gastos com a inquirição de testemunhas de defesa. “Se essas testemunhas pudessem ter sido ouvidas, ao invés de cartas rogatórias, por videoconferência em seus estados de origem, naturalmente que esse tempo poderia ter sido muito encurtado”, afirmou ela.

Cinco passos em um

No mesmo sentido se pronunciou o relator dos projetos de alteração do CPP na Câmara, deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), também presente à solenidade no Palácio do Planalto. Ele destacou a nova regra que passa a vigorar para o Tribunal do Júri, prevendo uma única audiência para produção de provas. Segundo ele, nessa audiência serão ouvidos o acusado, a vítima, as testemunhas e os peritos, se for o caso, e produzidas as alegações finais. “Portanto, nós temos cinco passos transformados em um único momento”, afirmou. “Será uma economia, seguramente, de 50% de tempo até que chegue o momento do julgamento”.

Ele disse que o novo rito se aplicará tanto para o caso da menina Isabella Nardoni, assassinada recentemente em São Paulo, “como para outros milhões de casos que tramitam na Justiça criminal, que passam a ser regidos pela lei nova”. Isso porque “todos os processos pendentes no Brasil serão regidos por essas novas leis que hoje são sancionadas”.

Segundo o deputado, as três leis nasceram de um amadurecimento de sete anos de tramitação no Congresso. Portanto, segundo ele, “é falsa a idéia de que foram leis votadas sem qualidade. Pelo contrário. Houve muita preocupação em fazer uma lei que possa agilizar os julgamentos, manter o direito de defesa, com segurança, atendendo ao clamor da sociedade, que deseja mais segurança pública, mas preservando os direitos individuais”.

Flávio Dino lembrou que o Código de Processo Penal em vigor data de 1941 e que, portanto, essa reforma ocorre após transcorrerem quase 70 anos sem que esse diploma legal fosse modernizado. “É evidente que muito ainda resta por fazer. A lentidão, a morosidade não serão extintas amanhã, por um passe de mágica, infelizmente”, ponderou o parlamentar. “Mas demos um passo bastante grande, dando esperanças às vítimas e suas famílias de que a resposta do Estado às condutas ilícitas não demorará tanto tempo quanto demora hoje”.

Outras mudanças

Em relação às provas, está entre as novidades a proibição de provas ilícitas (obtidas com violação de normas constitucionais) fazerem parte dos autos. No CPP até agora em vigor, não há disposições expressas sobre provas inadmissíveis. E outra inovação é que, ao contrário da regra até agora vigente, segundo a qual, durante o julgamento, as perguntas tinham que ser encaminhadas ao juiz, que as formulava à testemunha ou ao réu, daqui para frente tanto a acusação quanto a defesa poderão fazer perguntas diretamente.

Quanto aos procedimentos, a nova regra atualiza os casos de rejeição da denúncia ou queixa pelo juiz. Outra modificação é quanto à reparação de danos que, pela legislação até agora vigente, deveria ser pleiteada em ação cível autônoma, após trânsito em julgado da ação penal. A partir de agora, o juiz deve, na sentença condenatória, fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pelo crime.

sábado, 7 de junho de 2008

Nem ciência, nem religião

No julgamento sobre o uso de células-tronco de embriões humanos nos laboratórios, o Supremo se ateve ao direito – e fez história

Carlos Graieb

Na quinta-feira passada, o Supremo Tribunal Federal concluiu um julgamento histórico e liberou o uso de células-tronco de embriões humanos em pesquisas científicas. O processo havia chegado ao Supremo em 2005, suscitando uma questão mais que espinhosa: quando começa a vida? Numa iniciativa inédita, o tribunal convocou uma audiência pública em que consultou 22 estudiosos com treino em genética e neurociência. Mas havia outra visão em jogo – a da religião. Nos três anos pelos quais se estendeu a discussão em torno do caso, foi exatamente isto o que mais sobressaiu: a disputa entre ciência e fé. Seria um erro, contudo, supor que a discussão no Supremo seguiu esse mesmo script. Foi isso que a tornou memorável. Os ministros não tentaram resolver o enigma milenar da gênese da vida, quer com uma tese metafísica, quer adotando um ponto de vista científico, num assunto sobre o qual a própria ciência não tem uma palavra final. Transformaram o enigma numa questão técnica (o direito brasileiro protege a vida humana com a mesma intensidade em suas várias etapas de desenvolvimento, ou há gradações?), fizeram apenas o que deviam fazer – interpretar as leis e a Constituição – e deram uma decisão à sociedade. "Agora, pode-se é voltar ao laboratório", diz a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, da Universidade de São Paulo. "Estamos muito atrasados em relação ao Primeiro Mundo. Precisamos trabalhar para recuperar esse atraso."

Em maio de 2005, o então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, propôs uma ação de inconstitucionalidade alegando que o artigo 5º da Lei de Biossegurança, editada dois meses antes, não poderia valer. O artigo autorizava a pesquisa com células-tronco de embriões humanos, dadas certas condições.


Fonteles afirmou que "a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação". Assim, qualquer ato que impedisse o desenvolvimento do embrião deveria ser interpretado como um atentado à vida e à dignidade da pessoa humana, dois direitos fundamentais. Quase sempre que células-tronco são retiradas de um embrião humano ele é destruído. Logo, a norma tinha de ser derrubada. No plenário do STF, Carlos Alberto Direito seguiu essa mesma lógica. Na verdade, com um pequeno passo lateral. Observando que o pesquisador americano Robert Lanza anunciara ter obtido células-tronco de embriões sem destruí-los, Direito disse que pesquisas realizadas com essa técnica seriam, sim, constitucionais. Ou seja, tentou restringir as pesquisas, mas não bani-las totalmente. (Na prática, contudo, a experimentação ficaria emperrada, porque, além de ser controvertida, a técnica de Lanza nunca foi replicada por outros.)

Direito e Fonteles são notoriamente católicos. No curso do processo, foram acusados de obscurantismo, de tentar sobrepor preconceitos religiosos à razão. São acusações injustas. Primeiro, porque o argumento da Igreja – o de que a vida é um bem sagrado, um valor absoluto e inviolável do primeiro instante até o suspiro final – não tem nada de absurdo do ponto de vista da ética. Ao longo dos séculos, inúmeras conquistas da civilização se deram graças a esse raciocínio. Em segundo lugar, porque ambos sabem que ética e direito são reinos vizinhos, mas não coincidentes. Eles não trouxeram a fé para o debate e raciocinaram de acordo com princípios do direito brasileiro. Não conseguiram, contudo, que o tribunal se alinhasse com eles.

Um dos argumentos contra a tese de Claudio Fonteles, repetido algumas vezes no julgamento, foi o de que durante a Constituinte, na década de 80, deputados tentaram incluir no texto final da Constituição uma cláusula de "proteção à vida desde a concepção", mas o projeto não vingou. Preferiu-se manter silêncio quanto ao início da vida. Com isso, a questão jurídica não seria determinar um ponto de partida para a existência, mas saber "que aspectos ou momentos da vida estão validamente protegidos pelo direito, e em que medida". Essa frase do ministro Carlos Britto, que foi relator do processo, indica a linha de raciocínio seguida pelos seis juízes que votaram pela liberação das pesquisas. Grosso modo, eles afirmaram que as leis nacionais tratam de maneira diferenciada o ser humano em suas várias etapas de desenvolvimento – embrião, feto, pessoa – e que pode haver uma gradação na maneira como se aplicam, em cada caso, os princípios da dignidade e do respeito à vida. Em razão dessa lógica implícita, o aborto quando há risco de morte para a mãe, por exemplo, já seria admitido no ordenamento jurídico brasileiro. Pelo mesmo motivo, a destruição de embriões seria justificável quando feita nos termos da Lei de Biossegurança, e tendo em vista o bem-estar e a dignidade da espécie humana como um todo. As duas ministras da Corte, Ellen Gracie e Carmen Lúcia, esgrimiram argumentos pragmáticos. Carmen Lúcia afirmou que, se não fossem empregados em pesquisas que talvez possam, no futuro, beneficiar doentes, os embriões inviáveis ou congelados de que fala a lei teriam como destino o lixo: "Lixo humano. Em vez disso, podem ser matéria utilizada em proveito da vida".

O julgamento também teve muito a ver com a defesa da liberdade de pensamento e de trabalho científico. Quase todos os ministros ressaltaram que é preciso vigiar para que as pesquisas não enveredem por caminhos bisonhos ou perigosos – como a eugenia, a mistura de células de homens e animais e a clonagem reprodutiva. Também foi comum uma certa crítica à arrogância científica. "Será razoável acreditar que a ciência tudo pode?", perguntou o ministro Direito. Eros Grau foi mais incisivo: "Este debate não opõe ciência e religião, porém religião e religião. Alguns dos que falam pela ciência são portadores de mais certezas do que os líderes religiosos mais conspícuos. Portam-se com arrogância que nega a própria ciência". O pior, segundo Grau, é que muitas dessas certezas seriam um véu para acobertar os interesses do mercado. Por trás desse tipo de discurso há um certo pensamento teórico que ficou mais claro no voto do ministro Lewandow-ski, que citou os filósofos Marx, Gramsci e Lukács para dizer que a ciência é "uma ideologia que encobre valores e interesses" e que muitas vezes "faz das pessoas mercadorias". Uma veia de pensamento obstruída pelo pior tipo de colesterol esquerdista. Embora mais brandos, Gilmar Mendes e Cezar Peluso também acharam que a Lei de Biossegurança deveria instituir um controle mais firme sobre o trabalho dos cientistas, fazendo menção a uma Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Todos os cinco propuseram acréscimos à lei – ou, dito de outra maneira, pretenderam legislar por meio de suas sentenças, adicionando cláusulas ao texto em vez de apenas interpretá-lo. Gilmar Mendes fez uma longa e enfática defesa dessa possibilidade. "Já nos livramos do dogma da atuação restritiva. Uma atuação criativa vai nos permitir suprir muitas lacunas da lei", disse ele. No julgamento das células-tronco, o STF não fez nem falsa ciência nem falsa metafísica. Mas as atribuições do Legislativo, ele pensou em usurpar. No fim, fez-se verdadeira justiça.




COMO VOTARAM OS MINISTROS DO SUPREMO

A minoria, no placar de 6 a 5, tentou criar novas condições para as pesquisas sobre células-tronco com suas sentenças

Pela liberação das pesquisas



















Com restrições às pesquisas




















Fonte: http://vejaonline.abril.ig.com.br/040608/p_064.shtml