sábado, 27 de dezembro de 2008

Lei de Drogas proíbe liberdade provisória, mas é inconstitucional


por Priscyla Costa
Mesmo com a Lei de Drogas (11.343/06) prevendo o contrário, o acusado de tráfico de entorpecentes tem direito a liberdade provisória. Proibir a concessão da liberdade, como fez o artigo 44 da lei, é ofender os princípios constitucionais da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade. Por isso, o dispositivo é inconstitucional.
A conclusão é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao analisar pedido de liminar em Habeas Corpus ajuizado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que manteve o decreto de prisão contra uma acusada de tráfico de drogas. O STJ afirmou que o inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal estabelece que o tráfico de entorpecentes constitui crime inafiançável e não é possível dar liberdade para alguém acusado de um crime inafiançável.
O STJ também ponderou que tráfico de drogas é considerado crime hediondo, o que justificaria, mais uma vez, o indeferimento da liberdade provisória. Além disso, a Lei 11.343/06 deixa claro que não há liberdade para o acusado de tráfico de entorpecentes.
No Supremo Tribunal Federal, o entendimento foi outro. O ministro Celso de Mello lembrou que a corte já considerou inconstitucional artigo de lei com conteúdo idêntico ao da Lei de Drogas. Trata-se do artigo 21 do Estatuto do Desarmamento, que proibia a liberdade provisória para os acusados de porte ou posse ilegal de arma de fogo, de uso permitido ou restrito, e para o acusado de disparo de arma de fogo. A norma foi declarada inconstitucional na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.112, relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski.
“Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no artigo 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do due process, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República”, ressaltou Celso de Mello.
A mesma situação está registrada no artigo 7º da Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95). O artigo prevê que “não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa”.
Para o ministro Celso de Mello, leis como estas mostram que o poder público, principalmente no processo penal, age “imoderadamente” por não observar o princípio da razoabilidade. “A exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do poder público. Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.”
“O princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do poder público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Isso significa que o Estado não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal”, alertou Celso do Mello.
Segundo o ministro, o Supremo Tribunal Federal tem censurado a validade jurídica de atos estatais “que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos da pessoa”.
Celso de Mello acolheu o pedido de liminar para colocar a acusado em liberdade, de acordo com a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar. A decisão vale até o resultado do julgamento do mérito do pedido de HC.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Comissão da Câmara aprova projeto sobre rastreamento eletrônico de presos

A Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou da Câmara o uso de sistema eletrônico para a monitoração e o rastreamento do preso condenado, quando estiver fora da prisão. O texto aprovado foi o substitutivo do relator, deputado Lincoln Portela (PR/MG), ao Projeto de Lei 3648/08, do deputado Fernando de Fabinho (DEM/BA).
O substitutivo autoriza o uso do equipamento para o preso que estiver em regime aberto, enquanto o projeto original tornava obrigatório o uso do equipamento "sempre que o preso estiver em liberdade". Segundo o relator, essa expressão é tecnicamente incorreta.
Atividade educativa
Outra diferença é que o projeto original permite que o condenado freqüente cursos e atividades educativas durante o período do monitoramento eletrônico, enquanto o substitutivo prevê também as alternativas de o preso sair para o trabalho ou participar de atividades recreativas.
O substitutivo não impõe penalidade no caso de violação ou remoção do dispositivo de monitoramento. No projeto original, o preso que violasse o dispositivo passaria para o regime fechado. O relator decidiu retirar essa medida por considerar que as formas de punição já estão previstas no Projeto de Lei 1288/07, que autoriza a vigilância com equipamento eletrônico do condenado em regime semi-aberto. Esse projeto foi aprovado pela Câmara em maio deste ano e retornou ao Senado.
Tramitação
O Projeto de Lei 3648/08 segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e, depois, deverá ser votado pelo Plenário. A proposta altera a Lei de Execução Penal (7.210/84).
Íntegra da proposta
PROJETO DE LEI No , DE 2008
(Do Sr. FERNANDO DE FABINHO)
Estabelece a utilização de equipamento de rastreamento eletrônico pelo condenado, nos casos que especifica.
O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta lei estabelece a utilização de equipamento de rastreamento eletrônico pelo condenado, nos casos que especifica.

Art. 2º A Lei nº 7.210, de 1984 – Lei de Execução Penal passa a vigorar acrescida do seguinte artigo:

“Art. 115-A. – Sempre que o preso condenado estiver em liberdade é obrigatória a utilização de sistema de monitoramento eletrônico, consistente no uso de dispositivo portátil de rastreamento acoplado ao condenado.

§ 1º A remoção do dispositivo ou a violação do monitoramento implica transferência ao regime fechado.

§ 2º Durante o cumprimento da pena por monitoramento eletrônico, o condenado estará sujeito a freqüentar cursos e a participar de atividades educativas, devendo o juiz estabelecer restrições quanto aos locais por ele freqüentados, inclusive a obrigação de permanecer em sua residência nos dias e horários indicados na sentença.

§ 3º O condenado poderá optar por recolher-se em casa de albergado ou estabelecimento adequado, em lugar de submeter-se ao monitoramento eletrônico.”
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O projeto de lei que ora submetemos à apreciação da Câmara dos Deputados visa a alterar a Lei de Execução Penal, estabelecendo, como pena restritiva de direito, a sujeição ao monitoramento eletrônico.

Tal monitoramento é uma alternativa ao encarceramento.

Além de facilitar a reintegração do preso à sociedade, a adoção deste método de vigilância certamente acarretará gastos menores ao Estado, quando comparados aos da manutenção do condenado em albergues.

Assim, contamos com o apoio dos membros desta Casa, no sentido da aprovação desta proposição.

Sala das Sessões, em de de 2008.
Deputado FERNANDO DE FABINHO
Fonte: http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=75721

sábado, 20 de dezembro de 2008

STF publica íntegra da decisão que confirmou HC a Dantas

Revista Consultor Jurídico, 20 de dezembro de 2008.

Supremo Tribunal Federal publicou, nessa sexta-feira (19/12), a íntegra dos votos dos ministros que confirmaram a decisão do presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, que concedeu liberdade ao dono do Banco Opportunity, Daniel Dantas. O documento, de 208 páginas, pode ser lido na página do STF. Para ter acesso em inteiro teor, clique aqui .

Os ministros consideraram que a decisão do juiz da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Fausto De Sanctis, de mandar prender o banqueiro acusado de crimes financeiros pela segunda vez, foi um desrespeito e uma tentativa de driblar a decisão do STF.

No dia 10 de julho passado, o juiz de primeira instância determinou a prisão preventiva de Dantas horas depois de o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, revogar a prisão temporária. Em seguida, Mendes mandou soltar Daniel Dantas pela segunda vez. A decisão foi confirmada em julgamento no dia 6 de novembro, por nove votos a um. O único a divergir foi o ministro Marco Aurélio.

Em seu voto, o relator do caso, ministro Eros Grau lembrou que o juiz “autorizou medidas cautelares — quebra de sigilos telefônicos e trinta e duas buscas e apreensões — com o intuito de viabilizar a eventual instauração de ação penal. Essas medidas lograram êxito, cumpriram seu desígnio”. O ministro considerou “desnecessária a prisão preventiva por conveniência da instrução criminal sem que o magistrado aponte a necessidade da produção de outras provas”.

Eros Grau também criticou o clamor social pelo fim de garantias democráticas: “A regra do Estado de direito tem sido, no entanto, reiteradamente excepcionada entre nós. A classe média, sobretudo a classe média, já não a deseja senão para o irmão, o amigo, o parente de cada um. O individualismo que domina, o egoísmo que preside as nossas relações com o outro não quer mais saber da lei e da Justiça, que ‘só servem para soltar quem a polícia prende...’.”

O ministro Menezes Direito, por sua vez, afirmou que o caso em julgamento era paradigmático pois se tratava de um claro “desrespeito à autoridade da Suprema Corte do Brasil”. As ministras Cármen Lúcia e Ellen Gracie, e os ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Britto também ressaltaram que a segunda decisão do juiz afrontou a autoridade do Supremo.

Na ocasião do julgamento, os ministros Cezar Peluso e Celso de Mello se mostraram os mais inconformados. Peluso criticou o argumento de que havia fatos novos que justificaram a decretação da prisão preventiva de Dantas: “uma coisa é fato novo; outra é prova nova de fato velho”. E disse que mais do que uma ilegalidade, a decisão do juiz de primeira instância constituiu uma “ilegalidade encorpada”.

O ministro Marco Aurélio foi vencido. Para ele, a decretação da prisão preventiva estava realmente baseada em fatos novos. Ou seja, ao mandar prender Dantas pela segunda vez o juiz De Sanctis não desrespeitou a ordem do presidente do Supremo. “É mais saudável ser justo parecendo injusto, do que ser injusto para salvaguardar as aparências de Justiça”, disse.

HC 95.009

Fonte: http://www.conjur.com.br/static/text/72881,1

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A Lei e o Outro


por Sérgio Salomão Shecaira *
O tamanho da população carcerária é conseqüência de decisões. Temos liberdade de escolha (se pensarmos sobre o que escolhemos).
Segundo o censo penitenciário nacional de 1994, 39% dos encarcerados no país eram presos provisórios. O controle do crime é uma máquina que produz dor para muitos e riqueza para alguns.
Muitas são as críticas apontadas contra o sistema punitivo. Uma delas é a de que ele é burocrata e insensível. O processo de compartimentalização de funções subjacentes ao sistema punitivo faz dele um mecanismo sem alma.
Não faz muito tempo um lavrador foi preso em Brasília. Estava desempregado e raspava a casca de uma árvore para fazer um chá para sua esposa que padecia de mal de chagas. Ela estava na cama e ele em uma área de proteção ambiental. Foi preso em flagrante por crime contra o meio ambiente. O policial florestal afirmou não poder fazer nada, senão prendê-lo (afinal ele cometia um crime previsto no ordenamento). O inquérito policial foi aberto pelo delegado (afinal ele cometia um crime previsto no ordenamento). A denúncia veio a lume (afinal ele cometia um crime previsto no ordenamento). Não duvido que seja condenado (afinal...).
Cada instituição que forma o sistema punitivo (polícia, ministério público, magistratura) tem os olhos voltados para si, cônscia de um dever a ser cumprido, e convicta de que “faz justiça” combatendo a criminalidade. Assim, ninguém se sente responsável pelo que acontece ou acontecerá com o acusado pois, no frigir dos ovos, os contatos psicológicos com os acusados - que irão sofrer as conseqüências do crime - são absolutamente efêmeros.
Nils Christie nos diz que a “distância social tem uma importância particular. A distância aumenta a tendência de atribuir a certos atos o significado de crimes, e às pessoas o simples atributo de criminosas”. Imaginemos alguns exemplos. Uma criança bateu no irmão (art. 129 do CP). Ou subtraiu balas que estavam guardadas para um visitante (art. 155). Inquirido sobre o sumiço, não diz a verdade, ou pelo menos toda a verdade. Não pensamos em aplicar as categorias do direito penal. Não chamamos "nosso" filho de criminoso e nem seus atos de crime. Alguém rabisca o elevador do edifício que moramos (art. 163). Apuradas as responsabilidades constata-se que o engraçadinho era um menino do prédio. Filho do "outro". Logo dizemos: algo tem que ser feito; não podemos deixar barato, pois este moleque é muito levado. Seu ato não é propriamente um crime, mas ele merece uma punição. Passamos a exigir do zelador mais vigilância e do síndico uma “providência”. Um menor desconhecido, maltrapilho e sujo, em uma rua do centro de uma capital brasileira, nos aborda. Tenta subtrair alguns trocados para o almoço (art. 155). O que fazemos? Chamamos as autoridades e pedimos sua prisão. Afinal não é conhecido, é filho da "rua", logo não é filho de "alguém".
Por que não punimos nosso filho com o mesmo rigor do menino que anda vagando pela cidade? Porque sabemos demasiado. Conhecemos o contexto e o nosso filho. Ele pegou dinheiro para comprar um brinquedo novo, mas sempre dividiu com o irmão e com os amigos as suas coisas. Bateu no irmão, mas muitas vezes o consolou, compartilhando as angústias comuns à idade. Mentiu, mas continua sendo um garoto em que se pode confiar, pois em inúmeras oportunidades foi sincero.
Tudo isso é verdade, mas não se aplica ao menino do prédio e, menos ainda, ao garoto da rua.
Crimes não são quaisquer atos. São atos mediados pela distância. O crime é criado. Primeiro surgem os atos. Depois há um longo processo cultural para atribuir a alguns atos o significado de crimes. E a distância tem imperiosa importância nesse contexto. O atributo de criminosos deve-se, em grande medida, à avaliação que fazemos dos atos. Nós criamos os crimes.
Pouco tempo faz, defendi um garoto - como muitos do foro - que praticara um crime patrimonial - como quase todos da rua: 19 anos, réu primário, sem passagens anteriores pela Febem, residência fixa, trabalhando, família estruturada. Pobre como muitos. Preso em flagrante, vai para um distrito policial - como muitos da cidade. Projetado para acolher 30 pessoas, por tempo efêmero, tinha 130 por tempo indeterminado. Colhi sua assinatura na procuração e comecei o trabalho. Cinco dias depois, indeferida a liberdade provisória, voltei para comunicar-lhe o ocorrido. Já não eram 130, mas 165. Os presos dormiam de valetes (cabeça de uns contra pés dos outros). Algumas celas não tinham espaço físico para que todos dormissem durante a noite. Resolvia-se o problema com revezamento. Banho só de canequinha e em algumas partes do corpo, especialmente os pés, pois estes ficariam contra a cabeça dos colegas de cela. Muitos tinham doenças de pele e alguns estavam tuberculosos e sem assistência médica. Audiência reservada com advogado era impossível. Afinal, algum companheiro de presídio poderia supor ser aquele preso o responsável por ter frustrado a última fuga do distrito, pondo em risco sua integridade. Na audiência de interrogatório do réu, alguns dias e algumas petições depois, reiterei o pedido de liberdade verbalmente. Aludi às razões jurídicas (não estavam preenchidos os requisitos que autorizavam a prisão cautelar). Aludi às razões pragmáticas (ainda que condenado à pena máxima, ele teria direito a substitutivos penais previstos em lei). Aludi às razões humanas (ponderei as circunstâncias existenciais que o acusado vivenciava, a situação de desespero da mãe). A magistrada ignorou todas as razões, principalmente as últimas, sob a argumentação de que era essa a realidade carcerária do país; e que isso acontecia com todos os filhos de pessoas presas em nossa cidade.
Pensei eu: quase todos... Pensei ainda: será que se “o” filho fosse dela, a indiferença burocrática e a distância seriam as mesmas?
Nas sociedades primitivas os atos eram avaliados somente por Deus. Com o surgimento dos agrupamentos sociais, homens, famílias, clãs e tribos substituíram "Aquele" olhar. Hoje, Deus e os homens foram substituídos pela moderna (?) e mecânica (!) eficiência (?!) de outras formas de vigilância. A vigilância indiferente e eqüidistante da lei e de seus operadores burocratas.(1) O crime, como expressão de um conflito, na maior parte das vezes, não é mais compreendido pelos juristas. Seu encastelamento em torno das normas impede o questionamento da lei e a busca do fundamento doutrinário da pena. Os conceitos, com puro esteio na norma, neutralizaram a discussão sobre as determinações sociais do delito, sobre qualificação política da transgressão ou sobre as razões existenciais, estruturais e conjunturais que condicionam a pena. A dogmática estrita cobre com um manto supostamente neutro as decisões cotidianas da justiça que são (ou deveriam ser), antes de tudo, humanas. O referencial de sensibilidade foi substituído pelo paradigma da lei.
Muitos perderam a liberdade de escolha como se o tamanho do problema carcerário não fosse fruto das nossas decisões. Acredito que ainda está por ser elaborado o manifesto da sensibilidade jurídica que possa fazer com que os operadores do direito pensem sobre o papel que desempenham socialmente e sobre os papéis que estão sobre a mesa diante de si.
(1) O vocábulo burocracia significa “poder do escritório”. Bureau, em francês, é escritório e Kratein, do grego, governo ou poder.
* Sérgio Salomão Shecaira é Professor Titular de Direito Penal da Universidade de São Paulo - USP. Livre-docente em Criminologia. Doutor e mestre em Direito Penal. Ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM. Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP. Membro da Academia Brasileira de Ciências Criminais. Advogado em São Paulo.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Deputados aprovam interrogatório de preso por videoconferência


O Plenário aprovou, no dia 9 de dezembro de 2008, a possibilidade de realização de interrogatórios de presos por videoconferência. A medida está prevista no PL 4361/08 (v.abaixo), do Senado, que será enviado para sanção presidencial.
Segundo o projeto, o interrogatório por videoconferência poderá ser determinado pelo juiz em quatro situações: quando existir suspeita de fuga durante o deslocamento do preso ao fórum; para viabilizar sua participação se houver dificuldade para comparecer em juízo ou se estiver doente; para impedir a influência do réu sobre testemunha ou vítima; e devido a grave problema de ordem pública.
Outros atos que dependam da participação da pessoa presa também poderão ser feitos com o uso desses dispositivos tecnológicos, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas e entrevista de testemunha ou tomada de declarações do ofendido.
PROJETO DE LEI N° 4.361/2008
  • Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, para prever a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência, e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Os arts. 185 e 222 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art.185................................................................

§ 1º O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares, bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.

§ 2º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;

III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;

IV – responder a gravíssima questão de ordem pública.

§ 3º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência.

§ 4º Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531, deste Código.

§ 5º Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

§ 6º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 7º Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo, nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1º e 2º deste artigo.

§ 8º Aplica-se o disposto nos §§ 2º, 3º, 4º e 5º deste artigo, no que couber, à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido.

§ 9º Na hipótese do § 8º deste artigo, fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor.”(NR)

“Art.222...............................................................

§ 1º A carta precatória deve ser devolvida antes da realização da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531, deste Código. Todavia, não sendo devolvida a tempo, a realização da referida audiência não será suspensa, salvo mediante requerimento de uma das partes comprovando prejuízo.

§ 2º A todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será juntada aos autos.

§ 3º Na hipótese prevista no caput, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. ”(NR)

Art. 2º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 222-A:

Art. 222-A. As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio.

Parágrafo único. Aplica-se às cartas rogatórias o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo anterior.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Senado Federal, em 25 de novembro de 2008.
Senador Garibaldi Alves Filho - Presidente do Senado Federal

Fonte: http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=75126

ONU comemora os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos


GENEBRA (AFP) — O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, dedicou nesta sexta-feira - ante os representantes dos Estados membros da ONU reunidos no Palácio das Nações, em Genebra, para uma sessão extraordinária do Conselho dos Direitos Humanos - o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem a todos aqueles que lutaram por sua defesa e aplicação.
"É um dia para prestar tributo a todos aqueles militantes que se recusaramm a ser silenciados por seus verdugos, aos que sabiam que a razão deve sempre prevalecer sobre a força", acrescentou. São estes ativistas os "que estão na primeira linha da luta contra as violações e que arriscaram a própria vida para garantir a proteção de outros", declarou. "São os portadores de deficiência que elaboraram e dirigiram o projeto de tratado de seus direitos; são as vítimas de torturas que se sublevaram contra as atrocidades; são as mulheres que lutaram contra a discriminação sexual", destacou.
Ban Ki-moon também homenageou os especialistas da ONU e das Organizações Não Governamentais (ONG) que "levam o estandarte" dos direitos humanos e defendeu, também, "a necessidade de liberdade para os meios de comunicação, que não devem ser intimidados nunca".
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos básicos das Nações Unidas e foi assinada em 1948. Nela, são enumerados os direitos que todos os seres humanos possuem:
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, agora portanto,
A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos
como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Artigo I. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo II. 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo III. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IV. Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo V. Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo VI. Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo VIII. Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo IX. Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X. Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo XI. 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII. Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo XIII. 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV. 1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XV. 1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI. 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo XVII. 1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII. Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.
Artigo XIX. Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo XX. 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI. 1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII. Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII. 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV. Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo XXV. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI. 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII. 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XXVIII. Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo XXIX. 1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX. Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Fonte:

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Creches de Segurança Máxima - o outro lado.


por Kleber Luis da Costa Leitão*
Não é de minha autoria a frase que encima o texto. Uso-a, constantemente, nas minhas aulas de Criminologia para ilustrar a “esquizofrenia legislativa” (Damásio de Jesus, penalista de alto coturno) que acomete o Congresso Nacional sempre que a mão da mídia lhe traz horrores cometidos, no mais das vezes, contra a classe média, branca, trabalhadora e pagadora (hum...) de impostos.
A bola da vez é a tragédia que atingiu o menino lá no Rio de Janeiro, arrastado à morte por alguns rapazes e um adolescente. A mãe, saindo de um culto espírita, não poderia, por mais advertida que fosse, prever que o retorno ao lar seria tão funesto. Por certo, o pior dia de sua vida. Sou pai e palidamente avalio essa dor, inominada, porque não há palavras para descrever a surreal cena de um pai enterrando um filho, invertendo a ordem da destinação humana. Nesses momentos as palavras soçobram.
Uma coisa, porém, é a dor que nos converge à solidariedade. Outra é a que nos une em horda primitiva, buscando um Talião tardio, que conduziria a máxima “olho por olho, dente por dente” a uma população de muitos cegos, muitos banguelas e nenhuma justiça, parafraseando, agora, Ghandi.
Os rapazes e o adolescente, muito provavelmente, estavam em estado alterado de consciência, seja pela ingestão alcoólica desmedida (a cachaça, não esqueçamos, é subsidiada pelo Governo), seja pela aspiração de alucinógenos. Não freqüentavam escolas ou, se freqüentavam, bem sabemos dos salários pagos aos professores, das condições psicopedagógicas oferecidas, da quiçá merenda dispensada a esses rapazes e ao adolescente. Foram vis, cruéis e são imperdoáveis. Têm de ser punidos, não há dúvida.
O nó górdio da situação é: como puni-los? E a esse nó se somam outros: como punir as autoridades que fomentam tais desvios em seres humanos que poderiam estar cidadãos, mas que têm a dignidade solapada desde após o peito da mãe, último contato com amor, conforto e proteção? O menino lá do Rio não terá mais conforto nem proteção da mãe, mas o amor se eternizará, o que, se não é consolo, é verdade.
Verdade também é que essa grita que vocifera a favor da redução da maioridade penal vai recuar diante da constatação de que alguns outros adolescentes, com anuência dos pais, pegam seus automóveis e, embriagados, fazem farras e pegas e vítimas, continuando “impunes”, matando um indiozinho queimado aqui, espancando até a morte um garçonzinho ali etc. Ao invés de prisão, internação por até três anos. Muitos pais não gostarão da redução da maioridade penal se a regra se estender aos seus filhos, que bebem álcool em demasia, que cheiram cocaína em demasia, que matam, em estado voluntariamente alterado de consciência, muitas pessoas.
O nó górdio está posto. Vilipendiar o ECA ou ser sério no trato com as leis? Reduzir para 16 até que se pense, mirabolantemente, que aos 14 anos um indivíduo pode ser responsabilizado penalmente? Americanizar a legislação brasileira, como o Cabral do Rio propôs, para fomentar uma colonização até mesmo no Direito tupiniquim? Aliás, bom espelho é uma nação que provou a todos quão letal é uma bomba atômica e quão importante é o respeito aos direitos humanos...
Lutarei para que a “Lei do menino lá do Rio”, cuja paternidade é disputada a preço político altíssimo, inclua, num artigo ao menos, a punição exemplar às autoridades que solapam o acesso de rapazes e adolescentes ao mínimo médio de prazeres que esse grande país capitalista proporciona a tão poucos. Que haja um simples parágrafo, mas que não seja (o) único, que obrigue os detentores de cargos públicos eletivos a matricularem seus filhos em escolas públicas e que renunciem a planos de saúde privados, haja vista o SUS, haja vista o ECA, haja vista (meu Deus!) a Constituição da República.
As algemas não cabem nos bebês. Mudemos as algemas.
* Advogado, professor universitário, mestre em Sociologia (UFBa) e ex-Diretor da Penitenciária Lemos Brito (Salvador – BA).

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Discriminação imposta pela lei e autoridades


por Ives Gandra da Silva Martins*
Reza o inciso IV do artigo 3º da Constituição Federal que: "Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ... IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
"Hoje, tenho eu a impressão de que o 'cidadão comum e branco' é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afrodescendentes, homossexuais ou se auto-declarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos.Assim é que, se um branco, um índio ou um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles. Em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior.
Os índios, que pela Constituição (art. 231) só deveriam ter direito às terras que ocupassem em 5 de outubro de 1988, por lei infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam no passado. Menos de meio milhão de índios brasileiros - não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também - passaram a ser donos de 15% do território nacional, enquanto os outros 183 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% dele. Nesta exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não índios foram discriminados.
Aos 'quilombolas', que deveriam ser apenas os descendentes dos participantes de quilombos, e não os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do que a Constituição permite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito.
Os homossexuais obtiveram, do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef, o direito de ter um congresso financiado por dinheiro público, para realçar as suas tendências, algo que um cidadão comum jamais conseguiria.
Os invasores de terras, que violentam, diariamente, a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento explícito de que o governo considera, mais que legítima, meritória a conduta consistente em agredir o direito. Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum, desempregado, que não tem este 'privilégio', porque cumpre a lei.
Desertores e assassinos, que, no passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Está, hoje, em torno de 4 bilhões de reais o que é retirado dos pagadores de tributos para 'ressarcir' àqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos.
E são tantas as discriminações, que é de se perguntar: de que vale o inciso IV do art. 3º da Lei Suprema?
"Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios. "
(*Ives Gandra da Silva Martins é renomado professor emérito das universidades Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado do Exército e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo*).
Fonte: Gazeta Mercantil (06/02/2008)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A redução da maioridade penal no Brasil


por Karina Merlo
Questões que caíram no esquecimento: redução da maioridade penal, liberação do aborto ou apenas para fetos anencefálicos, aumento de penas para crimes hediondos... tanta discussão e pouca decisão.
Vamos com calma. Iniciemos a nossa extensa pauta com um tema que, além de polêmico, cada vez se torna uma grande necessidade de ser repensado: a redução da maioridade penal.
Em pleno tiroteio de opiniões, há até pouco tempo atrás eu dizia ser contra a redução da maioridade penal no Brasil e os meus argumentos eram os mesmos dos inúmeros defensores dos direitos fundamentais: a criminalidade é um problema social. Como punir nossas crianças e adolescentes pela falta de chances no transcorrer da sua vida? Afinal, esses inimputáveis deveriam estar estudando, brincando, seguros entre os seus familiares, e assim, garantindo um futuro melhor para eles e para a sociedade.
Pura ficção. O próprio Presidente Lula em um dos seus discursos pregou essa velha ladainha, e o que fez para dar melhores condições à “galera”? Nada. A educação no Brasil é considerada da pior qualidade: professores ganhando uma miséria, escolas sem infra-estrutura e com as suas diretorias corrompidas pelos cargos em comissão pressionando os professores a passar seus alunos de ano e empurrar o problema para frente! Aliás, com o sistema de cotas, que agora é estendido aos alunos da rede pública, o problema nem é tão grande assim. Quem sabe os professores universitários consigam ter paciência e, finalmente, ensinem aos seus alunos a ler e escrever.
A maior e dura questão de encarar é: o que dá mais lucro ao adolescente? O bolsa-escola ou o mundo do crime? Para aqueles que ainda não tem idéia de suas responsabilidades como cidadão – ele nem sabe o que significa isso – claro que o mundo do crime vem cheio de emoções e compensações.
Aprofundando meus estudos sobre os crimes de furto e roubo - categoria mais comum entre esses jovens - deparei-me com várias jurisprudências interessantes sobre concurso de agentes. Vale destacar uma do STJ: “O Código Penal é o código das pessoas maiores de idade. Por isso, entende o Relator , a qualificadora do concurso de duas ou mais pessoas pressupõe, nos crimes de furto e roubo, por exemplo, concurso de pessoas imputáveis. Não é, portanto, qualificado o furto por pessoa imputável e pessoa inimputável (menor de 18 anos)”. (STJ, HC 38097/SP, Rel. Min. Nilson Naves, 6ª T., DJ 04/12/2006, p. 379).
É notório se deduzir o porquê dos bandidos em atuarem sempre com os inimputáveis jovens. Caso sejam pegos, não incidirá a qualificadora sobre eles, e quanto ao menor será aplicada medida sócio-educativa. Simples. É com esses incentivos que jovens são introduzidos à delinqüência e, principalmente, ao crime organizado (que de tão “organizado” deixa qualquer instituição de segurança pública desarticulada e, ainda, com inveja da sua estrutura e preparo).

Somente três países no mundo mantêm essa velharia de maioridade penal aos dezoito anos: Brasil, Colômbia e Peru. O resto do universo fixou a responsabilidade penal abaixo dos dezesseis anos, a maioria aos dez. E o fizeram racionalmente, sem emoção, isto é, diante da realidade atual cientificamente comprovada: o jovem acima de dez anos distingue perfeitamente entre o bem e o mal. O cumprimento da pena, sim, é diferenciado. Enquanto menor, em instituições educacionais. Ao atingir a maioridade é transferido para a penitenciária. Transforma-se em preso alfabetizado, mas fica longe das ruas até o final da pena.

A maior contradição é o jovem a partir dos seus dezesseis anos poder decidir o futuro político de toda a sociedade, mas não ser capaz de responder criminalmente pelos seus atos. É uma discrepância incomum.

A verdade é que o governo brasileiro não está preparado para lidar com o aumento do índice de criminalidade. Os interesses políticos são outros: o desemprego, o reflexo da crise econômica externa, a falência da previdência, e os inusitados meios de desviar a arrecadação do contribuinte através de contas fantasmas, maletas e até cuecas!

E onde ficam os direitos fundamentais desses jovens? Encontram-se positivados na Constituição de forma genérica, e mais formalmente no Estatuto da Criança e do Adolescente. Leis. Leis e mais leis para uma sociedade doente onde o crime é o câncer que vitimiza cada vez mais aqueles que tentam se manter saudáveis – os bons cidadãos. Para cada problema uma lei, e não uma solução. Se fossem leis consistentes, sem brechas, não seria preciso criar mais leis. Leis para sanar outras leis. E a realidade vai se distanciando cada vez mais do papel...

domingo, 7 de dezembro de 2008

Levantamento mostra que muitas empresas não se adequaram a regras de atendimento ao consumidor


Sabrina Craide
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Na primeira semana de funcionamento das novas regras para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), muitas empresas ainda apresentam problemas no atendimento à legislação. De acordo com um monitoramento realizado pelo Procon de São Paulo, o setor que mais apresentou irregularidades foi o financeiro.
Os principais problemas encontrados nos call centers foram relacionados ao tempo de espera, com 17 registros de irregularidades; a falta de serviços especiais para pessoas com deficiência, com 13; e a indisponibilidade do serviço, com dez ocorrências. Outras nove empresas não garantiram a opção de contato com o atendente no primeiro menu eletrônico, como prevê o decreto.
O diretor de Fiscalização do Procon-SP, Paulo Arthur Goés, disse que as empresas já deveriam estar adaptadas às novas regras, e garante que o Procon vai exigir a adequação “para ontem”.
“Essas normas deveriam ser o manual de procedimento de qualquer empresa séria, como, por exemplo, não desligar o telefone na cara do consumidor quando ele está sendo atendido. É algo que, ao meu ver, não precisaria de um decreto para dizer isso para um fornecedor de produtos e serviços”, destacou.
Para Goés, a participação do consumidor é fundamental para que as empresas se sintam obrigadas a cumprir as normas. “É muito importante que o consumidor seja o protagonista dessa relação. O decreto traz uma mudança de paradigma, porque se antes nos sentíamos impotentes diante de uma má prestação de serviços, hoje o consumidor pode exigir a gravação com os dados da conversa, e a partir daí tomar medidas, como, por exemplo, uma denúncia no órgão de defesa do consumidor”.
O Procon-SP fiscalizou 68 empresas dos segmentos de planos de saúde, bancos, financeiras, cartão de crédito, telefonia fixa e móvel, companhias aéreas, energia elétrica e televisão por assinatura. Os fiscais acessaram o site das empresas e fizeram ligações telefônicas para constatar o cumprimento das novas regras.
O Ministério da Justiça também realizou um monitoramento , em parceria com Procons, ministérios públicos, defensorias públicas e entidades civis. Segundo a avaliação, os setores de transporte terrestre e telefonia são os que apresentam maior dificuldade na adequação às novas regras.
A avaliação foi feita a partir de dados fornecidos pelas próprias empresas, por meio de um formulário enviado pelos Procons. O monitoramento do ministério também mostra que a maioria das empresas, principalmente do setor financeiro e de cartões de crédito, já está devidamente preparada para atender os clientes ao telefone, conforme as novas regras.
O Ministério da Justiça também disponibilizou um site para que a sociedade acompanhe as novas regras, tire dúvidas, além de conhecer os resultados da pesquisa realizada com as empresas.
As empresas que não se adequarem ao decreto poderão ser autuadas pelo Procon e responderão a processo administrativo com aplicação de multa. As multas variam entre R$ 212 a R$ 3,1 milhões de acordo com a gravidade e quantidade de infrações cometidas.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

STF restringe a prisão civil por dívida a inadimplente de pensão alimentícia


Por maioria, o Plenário do STF arquivou, ontem, 3/12, o RE 349703 e, por unanimidade, negou provimento ao RE 466343, que ambos discutiam a prisão civil de alienante fiduciário infiel.
O Plenário estendeu a proibição de prisão civil por dívida, prevista no artigo 5º, inciso LXVII, da CF/88 (clique aqui), à hipótese de infidelidade no depósito de bens e, por analogia, também à alienação fiduciária, tratada nos dois recursos.
Assim, a jurisprudência da Corte evoluiu no sentido de que a prisão civil por dívida é aplicável apenas ao responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.
O Tribunal entendeu que a segunda parte do dispositivo constitucional que versa sobre o assunto é de aplicação facultativa quanto ao devedor – excetuado o inadimplente com alimentos – e, também, ainda carente de lei que defina rito processual e prazos.
Súmula revogada
Também por maioria, o STF decidiu no mesmo sentido um terceiro processo versando sobre o mesmo assunto, o HC 87585. Para dar conseqüência a esta decisão, revogou a Súmula 619, do STF, segundo a qual "a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito".
Ao trazer o assunto de volta a julgamento, depois de pedir vista em março deste ano, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito defendeu a prisão do depositário judicial infiel. Entretanto, como foi voto vencido, advertiu que, neste caso, o Tribunal teria de revogar a Súmula 619, o que acabou ocorrendo.
As ações
Nos REs, em processos contra clientes, os bancos Itaú e Bradesco questionavam decisões que entenderam que o contrato de alienação fiduciária em garantia é insuscetível de ser equiparado ao contrato de depósito de bem alheio (depositário infiel) para efeito de prisão civil.
O mesmo tema estava em discussão no HC 87585, em que Alberto de Ribamar Costa questiona acórdão do STJ. Ele sustenta que, se for mantida a decisão que decretou sua prisão, "estará respondendo pela dívida através de sua liberdade, o que não pode ser aceito no moderno Estado Democrático de Direito, não havendo razoabilidade e utilidade da pena de prisão para os fins do processo".
Ele fundamentou seu pleito na impossibilidade de decretação da prisão de depositário infiel, à luz da redação trazida pela EC 45, de 31 de dezembro de 2004 (clique aqui), que tornou os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos equivalentes à norma constitucional, a qual tem aplicação imediata, referindo-se ao pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.
Direitos humanos e gradação dos tratados internacionais
Em toda a discussão sobre o assunto prevaleceu o entendimento de que o direito à liberdade é um dos direitos humanos fundamentais priorizados pela CF/88 e que sua privação somente pode ocorrer em casos excepcionalíssimos. E, no entendimento de todos os ministros presentes à sessão, neste caso não se enquadra a prisão civil por dívida.
"A CF/88 não deve ter receio quanto aos direitos fundamentais", disse o ministro Cezar Peluso, ao lembrar que os direitos humanos são direitos fundamentais com primazia na Constituição.
"O corpo humano, em qualquer hipótese (de dívida) é o mesmo. O valor e a tutela jurídica que ele merece são os mesmos. A modalidade do depósito é irrelevante. A estratégia jurídica para cobrar dívida sobre o corpo humano é um retrocesso ao tempo em que o corpo humano era o 'corpus vilis' (corpo vil), sujeito a qualquer coisa".
Ao proferir seu voto, a ministra Ellen Gracie afirmou que "o respeito aos direitos humanos é virtuoso, no mundo globalizado".
Só temos a lucrar com sua difusão e seu respeito por todas as nações", acrescentou ela.
No mesmo sentido, o ministro Menezes Direito afirmou que "há uma força teórica para legitimar-se como fonte protetora dos direitos humanos, inspirada na ética, de convivência entre os Estados com respeito aos direitos humanos".
Tratados e convenções proíbem a prisão por dívida
Menezes Direito filiou-se à tese hoje majoritária, no Plenário, que dá status supralegal a esses tratados, situando-os, no entanto, em nível abaixo da Constituição.
Essa corrente, no entanto, admite dar a eles status de constitucionalidade, se votados pela mesma sistemática das ECs pelo Congresso Nacional, ou seja: maioria de dois terços, em dois turnos de votação, conforme previsto no parágrafo 3º, acrescido pela EC nº 45/2004 ao artigo 5º da CF/88.
No voto que proferiu em 12 de março, quando o julgamento foi interrompido por pedido de vista de Menezes Direito, o ministro Celso de Mello lembrou que o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, proíbe, em seu artigo 7º, parágrafo 7º, a prisão civil por dívida, excetuado o devedor voluntário de pensão alimentícia.
O mesmo, segundo ele, ocorre com o artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, patrocinado em 1966 pela ONU, ao qual o Brasil aderiu em 1990.Até a Declaração Americana dos Direitos da Pessoa Humana, firmada em 1948, em Bogotá - Colômbia, com a participação do Brasil, já previa esta proibição, enquanto a CF/88 ainda recepcionou legislação antiga sobre o assunto.
Também a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena - Áustria, em 1993, com participação ativa da delegação brasileira, então chefiada pelo ex-ministro da Justiça e ministro aposentado do STF Maurício Corrêa, preconizou o fim da prisão civil por dívida.
O ministro lembrou que, naquele evento, ficou bem marcada a interdependência entre democracia e o respeito dos direitos da pessoa humana, tendência que se vem consolidando em todo o mundo.
O ministro invocou o disposto no artigo 4º, inciso II, da Constituição, que preconiza a prevalência dos direitos humanos como princípio nas suas relações internacionais, para defender a tese de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, mesmo os firmados antes do advento da CF/88, devem ter o mesmo status dos dispositivos inscritos na CF.
Ele ponderou, no entanto, que tais tratados e convenções não podem contrariar o disposto na Constituição, somente complementá-la.
A CF já dispõe, no parágrafo 2º do artigo 5º, que os direitos e garantias nela expressos "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Duas teses
O ministro Menezes Direito filiou-se à tese defendida pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, que concede aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos a que o Brasil aderiu um status supralegal, porém admitindo a hipótese do nível constitucional delas, quando ratificados pelo Congersso de acordo com a EC 45 (parágrafo 3º do artigo 5º da CF).
Neste contexto, o ministro Gilmar Mendes advertiu para o que considerou um "risco para a segurança jurídica" a equiparação dos textos dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil é signatário ao texto constitucional. Segundo ele, o constituinte agiu com maturidade ao acrescentar o parágrafo 3º ao artigo 5º da CF.
No mesmo sentido se manifestaram os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, além de Menezes Direito. Foram votos vencidos parcialmente - defendendo o status constitucional dos tratados sobre direitos humanos os ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie.
Processos Relacionados :
HC 87585 -
clique aqui
RE 349703 -
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RE 466343 -
clique aqui