quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Creches de Segurança Máxima - o outro lado.


por Kleber Luis da Costa Leitão*
Não é de minha autoria a frase que encima o texto. Uso-a, constantemente, nas minhas aulas de Criminologia para ilustrar a “esquizofrenia legislativa” (Damásio de Jesus, penalista de alto coturno) que acomete o Congresso Nacional sempre que a mão da mídia lhe traz horrores cometidos, no mais das vezes, contra a classe média, branca, trabalhadora e pagadora (hum...) de impostos.
A bola da vez é a tragédia que atingiu o menino lá no Rio de Janeiro, arrastado à morte por alguns rapazes e um adolescente. A mãe, saindo de um culto espírita, não poderia, por mais advertida que fosse, prever que o retorno ao lar seria tão funesto. Por certo, o pior dia de sua vida. Sou pai e palidamente avalio essa dor, inominada, porque não há palavras para descrever a surreal cena de um pai enterrando um filho, invertendo a ordem da destinação humana. Nesses momentos as palavras soçobram.
Uma coisa, porém, é a dor que nos converge à solidariedade. Outra é a que nos une em horda primitiva, buscando um Talião tardio, que conduziria a máxima “olho por olho, dente por dente” a uma população de muitos cegos, muitos banguelas e nenhuma justiça, parafraseando, agora, Ghandi.
Os rapazes e o adolescente, muito provavelmente, estavam em estado alterado de consciência, seja pela ingestão alcoólica desmedida (a cachaça, não esqueçamos, é subsidiada pelo Governo), seja pela aspiração de alucinógenos. Não freqüentavam escolas ou, se freqüentavam, bem sabemos dos salários pagos aos professores, das condições psicopedagógicas oferecidas, da quiçá merenda dispensada a esses rapazes e ao adolescente. Foram vis, cruéis e são imperdoáveis. Têm de ser punidos, não há dúvida.
O nó górdio da situação é: como puni-los? E a esse nó se somam outros: como punir as autoridades que fomentam tais desvios em seres humanos que poderiam estar cidadãos, mas que têm a dignidade solapada desde após o peito da mãe, último contato com amor, conforto e proteção? O menino lá do Rio não terá mais conforto nem proteção da mãe, mas o amor se eternizará, o que, se não é consolo, é verdade.
Verdade também é que essa grita que vocifera a favor da redução da maioridade penal vai recuar diante da constatação de que alguns outros adolescentes, com anuência dos pais, pegam seus automóveis e, embriagados, fazem farras e pegas e vítimas, continuando “impunes”, matando um indiozinho queimado aqui, espancando até a morte um garçonzinho ali etc. Ao invés de prisão, internação por até três anos. Muitos pais não gostarão da redução da maioridade penal se a regra se estender aos seus filhos, que bebem álcool em demasia, que cheiram cocaína em demasia, que matam, em estado voluntariamente alterado de consciência, muitas pessoas.
O nó górdio está posto. Vilipendiar o ECA ou ser sério no trato com as leis? Reduzir para 16 até que se pense, mirabolantemente, que aos 14 anos um indivíduo pode ser responsabilizado penalmente? Americanizar a legislação brasileira, como o Cabral do Rio propôs, para fomentar uma colonização até mesmo no Direito tupiniquim? Aliás, bom espelho é uma nação que provou a todos quão letal é uma bomba atômica e quão importante é o respeito aos direitos humanos...
Lutarei para que a “Lei do menino lá do Rio”, cuja paternidade é disputada a preço político altíssimo, inclua, num artigo ao menos, a punição exemplar às autoridades que solapam o acesso de rapazes e adolescentes ao mínimo médio de prazeres que esse grande país capitalista proporciona a tão poucos. Que haja um simples parágrafo, mas que não seja (o) único, que obrigue os detentores de cargos públicos eletivos a matricularem seus filhos em escolas públicas e que renunciem a planos de saúde privados, haja vista o SUS, haja vista o ECA, haja vista (meu Deus!) a Constituição da República.
As algemas não cabem nos bebês. Mudemos as algemas.
* Advogado, professor universitário, mestre em Sociologia (UFBa) e ex-Diretor da Penitenciária Lemos Brito (Salvador – BA).

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordamos plenamente com a postura do referido professor. sabe-se que a população brasileira é de impacto, ou que seja, quando acontece alguma situação, tem-se uma comoção social muito grande, mas basta chegar o carnaval e tudo "fica redondo"...
Mataram o indiuo Pataxó... (filhos de classe média alta), quem está preso...? redução de maior idade só servirá para filho da classe baixa... pelo amor de Deus, será que ainda não se observou que a estão é mais séria do que uma simples lei pode resolver... a questão é de políticas sociais.. colégios públicos de qualidade... saúde pública... profissionalização do jovem etc. Os EUA diminuiram a idade penal... quando o menor se desespera sai matando todo mundo nas esoclas e faculdades (o desespero é fruto da imaturidade). Abraços Professor.