sábado, 27 de dezembro de 2008

Lei de Drogas proíbe liberdade provisória, mas é inconstitucional


por Priscyla Costa
Mesmo com a Lei de Drogas (11.343/06) prevendo o contrário, o acusado de tráfico de entorpecentes tem direito a liberdade provisória. Proibir a concessão da liberdade, como fez o artigo 44 da lei, é ofender os princípios constitucionais da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade. Por isso, o dispositivo é inconstitucional.
A conclusão é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao analisar pedido de liminar em Habeas Corpus ajuizado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que manteve o decreto de prisão contra uma acusada de tráfico de drogas. O STJ afirmou que o inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal estabelece que o tráfico de entorpecentes constitui crime inafiançável e não é possível dar liberdade para alguém acusado de um crime inafiançável.
O STJ também ponderou que tráfico de drogas é considerado crime hediondo, o que justificaria, mais uma vez, o indeferimento da liberdade provisória. Além disso, a Lei 11.343/06 deixa claro que não há liberdade para o acusado de tráfico de entorpecentes.
No Supremo Tribunal Federal, o entendimento foi outro. O ministro Celso de Mello lembrou que a corte já considerou inconstitucional artigo de lei com conteúdo idêntico ao da Lei de Drogas. Trata-se do artigo 21 do Estatuto do Desarmamento, que proibia a liberdade provisória para os acusados de porte ou posse ilegal de arma de fogo, de uso permitido ou restrito, e para o acusado de disparo de arma de fogo. A norma foi declarada inconstitucional na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.112, relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski.
“Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no artigo 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do due process, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República”, ressaltou Celso de Mello.
A mesma situação está registrada no artigo 7º da Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95). O artigo prevê que “não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa”.
Para o ministro Celso de Mello, leis como estas mostram que o poder público, principalmente no processo penal, age “imoderadamente” por não observar o princípio da razoabilidade. “A exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do poder público. Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.”
“O princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do poder público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Isso significa que o Estado não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal”, alertou Celso do Mello.
Segundo o ministro, o Supremo Tribunal Federal tem censurado a validade jurídica de atos estatais “que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos da pessoa”.
Celso de Mello acolheu o pedido de liminar para colocar a acusado em liberdade, de acordo com a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar. A decisão vale até o resultado do julgamento do mérito do pedido de HC.

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