por Karina Merlo
Um dos assuntos mais comentados país afora no ano que encerrou foi o seqüestro cometido pelo jovem Lindembergue Fernandes Alves, de 22 anos, que manteve a jovem Heloá, sua ex-namorada, refém por mais de 48 horas, em um conjunto habitacional em Santo André, no ABC paulista, que terminou com o homicídio da suposta “amada”. A imprensa não ficou de fora do espetáculo, repetindo as fatídicas notícias exaustivamente, fazendo jus ao seu papel de massacrar os seus telespectadores com cenas de horror e pânico. Dificilmente teremos abordagens diferenciadas que se mantenham respeitosas quanto ao inquérito e à dor das vítimas.(1)
Durante o mesmo período do caso do ABC paulista (2), aconteceu outro evento terrível numa cidade do estado de São Paulo, também envolvendo namorados e um desfecho trágico. A adolescente Camila Silva Araújo, de 16 anos, foi morta numa noite de domingo com um tiro na cabeça em Sorocaba, a 99 quilômetros da capital. De acordo com a polícia, ela foi morta pelo ex-namorado Daniel Pereira de Souza, de 22 anos. Souza, que tinha várias passagens pela polícia, chegou a cumprir pena por mais de um ano e foi solto 5 meses antes de executar sua suposta “amada”. Ele e Camila tinham um filho de um ano, que estava com a mãe no momento em que ela foi morta.
Camila tinha rompido o relacionamento com Souza há 4 meses. De acordo com uma amiga, o namoro era bastante conturbado e Camila chegou a ser agredida pelo namorado, mas não contava para a família porque ele ameaçava matá-la.
No dia do assassinato, Souza teria ido até a casa da vítima para tentar uma reconciliação. Ele teria conversado com o pai dela. Cerca de meia hora depois, ele voltou à residência, onde trancou os pais e o irmão de Camila em um quarto e manteve a jovem e o filho reféns na sala até matá-la e fugir em seguida.
A imprensa, com o seu sensacionalismo, novamente noticiou o crime e dessa vez fez uma breve comparação psicológica entre os assassinos de ambos os casos.
E numa sequência fenomenal de casos como esses que podemos citar em todos os estados do Brasil e mundo afora (veja a relação ao final do texto) a imprensa vai prendendo a atenção do brasileiro e nos “educando” de forma a aceitarmos naturalmente o crime passional (=cometido por amor).
Segundo os advogados Bueno e Constanze (3), “o crime passional se perfaz por uma exaltação ou irreflexão, em conseqüência de um desmedido amor à outra pessoa. Assim, entende-se que é derivado de qualquer fato que produza na pessoa emoção intensa e prolongada, ou simplesmente paixão, não aquela de que descrevem os poetas, a paixão pura, mas paixão embebida de ciúme, de posse, embebida pela incapacidade de aceitação do fim de um relacionamento amoroso, que tanto pode vir do amor como do ódio, da ira e da própria mágoa".
Ao presenciar uma palestra de Sociologia do Direito, em que a professora Roseli de Fátima Afonso argumentava em defesa de jovens delinqüentes, veio-me a dúvida: até que ponto podemos considerar tais crimes passionais? Eu explico. Roseli, exímia conhecedora dos problemas sociais, com mestrado em Sociologia, fazia uma bela sustentação sobre como a mídia do capitalismo selvagem nos bombardeava com suas dinamites consumistas. Propagandas dos últimos modelos de tênis, carros, celulares, etc. levariam os “excluídos” financeiramente e, portanto, socialmente, a desejar a sua “igualdade” possuindo tais produtos também. Resumindo, seria muito mais fácil na conjuntura da sociedade atual, furtar e roubar para, de certa forma, sentir-se igualado, do que trabalhar, juntar suas economias para adquirir tais bens, visto que o desemprego assola nossas cidades, que o preconceito racial e educacional ainda segrega muitos cidadãos do “mundo ideal e digno de se viver”.
E quanto mais a minha professora Roseli falava, mais eu divagava em pensamentos consumistas, finalmente me vindo a seguinte indagação: os jovens de hoje, em seus anseios consumistas, não estarão eles desejando a posse de seus amores? É chegado o momento de nos alertarmos à “coisificação” do ser humano?
Diante do desejo de ter, de possuir tantas coisas que nos elevam a seres humanos dignos durante a nossa sobrevivência, que nos dão status e aceitação social, é dura a realidade do jovem em entender que o outro não lhe quer mais. Daí ser tão óbvia a frase do inconformado: “se você não for meu (minha) não será de mais ninguém”.
Jovens inconformados pela rejeição dos pais, ou quando os têm, não estão presentes porque a vida os impedem em compartilhar o tempo com eles, ou ainda pela difícil aceitação social - quando os amigos são quase nenhum - acabam por se apegar à sua cara metade em total dependência como uma química que lhe é extraída quando o relacionamento chega ao fim. Conclusão: a(o) amada(o) é certamente uma droga. E o amor mata.
Os casos escabrosos e mais recentes envolvendo jovens que mataram não incluem triângulos amorosos ou traição. A simples perda foi o estopim para essas mortes. É a famosa sensação de vazio que invade a pessoa quando lhe levam uma parte de si ou os seus pertences...
E são inúmeras as vezes que nos sentimos como coisas: no trabalho somos usados para a empresa alcançar os seus objetivos; nas propagandas e campanhas comerciais, atores e modelos viram imagens de coisas a serem consumidas; nas relações sociais, somos muitas vezes uma ponte ou degrau para cargos de maior prestígio; e finalmente, nos relacionamentos: uma “bóia de salvação”. “O ser humano vivo jamais poderá se amoldar ao conceito de coisa, razão pela qual qualquer remoção forçada poderá se configurar crime de sequestro ou cárcere privado, constrangimento ilegal ou outra infração penal que lhe seja pertinente”(4). Logo, não poderemos, nem se quisermos, enquadrar tais crimes como "de patrimônio".
O ser humano tem os seus desejos, suas aspirações, mas não precisa do melhor carro, da melhor roupa, do melhor tênis para ser feliz. As aparências podem enganar em muitos casos, mas não lhe trazem a satisfação em sua plenitude. Infelizmente, as lições que a mídia impõe aos nossos jovens dizem o contrário e teremos que conviver com as suas tristes conseqüências enquanto a era da informação imperar.
1. Bibliografia auxiliar:
(1)http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2008/10/15/sequestro_em_santo_andre_ja_dura_40_horas_2047992.html (4) Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói, RJ, pg 609. Ed Impetus, 2008. 2. Mais casos:
1. SP: Ex-namorado mata garota e joga seu corpo em rio:2. Ex-namorado mata jovem e fere pais no RJ:
http://www.meionorte.com/noticias,Ex-namorado-mata-jovem-e-fere-pais-no-RJ-----,12183.html
3. Câmera flagra momento em que ex-namorado mata garçonete em Curitiba:
3. Câmera flagra momento em que ex-namorado mata garçonete em Curitiba:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u132770.shtml
4. Ex-namorado mata universitária a facadas no ES:
4. Ex-namorado mata universitária a facadas no ES:
5. Ex-namorado mata jovem com 5 tiros dentro de casa:
6. Polícia investiga se atual namorado foi estopim para rapaz matar ex em academia: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/558331/policia-investiga-se-atual-namorado-foi-estopim-para-rapaz-matar-ex-em-academia
4 comentários:
OI Karina, Que 2009 seja um ano de realizações para voce.
Excelente artigo.Parabéns.
Olá minha linda, querida e mais nova amiguinha virtual - Feliz 2009 pra você, e obrigado por sua lembrança. Certamente essa sua matéria não poderia ser diferente, muito bem colocada, dita como o povo gosta de ver, ler, entender, com sua própria opinião dentre alguns estrofes.
Você bem disse que tudo é consequencia, ou sequência, o direito ainda precisa percorrer muito para se chamar "direito", pois o certo e o errado caminham juntos, lado a lado, e o ser humano, passivo de erros e acertos, com o livre arbítrio que Deus nos deu, comete as mais diversas atrocidades confiantes na impunidade, pois esse mesmo "direito" que deveria ser dos "direitos", acaba por beneficiar aquelas pessoas que andam as margens da lei.
vi e li as palavras de Rogério Greco no final de seu blog, e sempre que posso estou vendo e lendo suas matérias em seu blog, pois sou um eterno estudioso em "direito", e vejo a cada minuto esse "direito" ser desrespeitado por pessoa que usam dessa filosofia para obter vantagens próprias, particulares, satisfazer seu próprio égo, sem pensar no verdadeiro sentido do "direito".
Certamente eu não verei isso mudar, mas espero que um dia as pessoas pensem mais em Deus, ai sim é que poderemos ter, e ver respeitados, os nossos "direitos".
Enquanto vivermos nesse mundo massificado, onde cada pessoa pensa apenas em obter sua própria satisfação, seja ela pessoal ou profissional, esquecendo-se das eternas palavras divina...amaivos os outros como a si mesmo, certamente não teremos nem veremos nossos direitos por direito.
Grande abraço minha linda, fique com Deus, que ele continue te iluminando, mantendo você sempre assim como você é...autêntica.
Valdecy Martins (Vavá do IBEMA)
presidente
www.ibema.org.br - http://institutoecologico.blogspot.com/
msn: institutoecologico@hotmail.com
skype: valdecy.martins
55.+.11.7187.4489
Kari, feliz 2009. Ainda não li o seu artigo na inteireza, mas, olhando-o brevemente, já vi que o tema é apaixonante - com o perdão pelo trocadilho... Quando retornar à Terra (planeta), vou logo comentá-lo.
Beijos, felicidades e sucesso!
Khell
Ola Karina,
Achei a sua idéia de fazer um blog muito interessante, penso que a internet é um espaço de formação e diálogo cada vez mais importante.
Quanto as minhas colocações gostaria de salientar que a realidade é mais complexa do que a simples divisão entre o bem e o mal. Ou seja, o crime, passional ou não, tem influência do meio social ao qual o indivíduo que cometeu o delito está imerso. Portanto, não se trata de defender o criminoso (embora ele tenha amplo direito de defesa), trata-se apenas de não analisá-lo/julgá-lo de forma maniqueista.
Os casos utilizados por você, no artigo, são emblemáticos do que afirmo, ou seja, só uma sociedade machista como a nossa pode desenvolver nos homens (nem todos, claro !!!!!!!!) a idéia de que as mulheres lhes pertencem, a idéia de que são suas propriedades, a idéia de que não podem decidir sobre suas vidas, a idéia de que não podem exercer a sua sexualidade livremente.
Com isso, não quero dizer que os pobres tem maior probabilidade de cometer delitos. Mas os valores construídos socialmente são, sem dúvida, um componente importante do ato criminoso. Veja o caso que sacudiu o Brasil, daquela menina rica que matou os pais em São Paulo. É um problema social também, só que não de carência de acesso à bens, mas de carência de acesso a valores, valores humanos.
Beijos,
Roseli Afonso
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