sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Intervenção mínima, Lei Penal Especial e os Crimes de Informática.

"Não é raro deparar-se o Estado com uma situação nova, criada pelo progresso e pela evolução dos costumes, a exigir uma providência legislativa que ponha fim a um comportamento reprovado pela coletividade". (Manoel Pedro Pimentel - 1972)
Sandro D’Amato Nogueira
O mundo virtual contemporâneo já conta com milhões de pessoas conectadas em toda parte do planeta. O computador constantemente é usado por inúmeras pessoas de todas as classes sociais, pelos setores públicos ou privados. Ou seja: quase tudo o que fazemos hoje passa por um computador. A informática faz parte da nossa vida - um produto da revolução informacional que contribui imensamente para o fenômeno da globalização alcançar o nível em que se encontra.
Os benefícios provenientes dessa espetacular ferramenta chamada Internet compõem uma realidade mundial. No entanto, junto com toda essa inovação tecnológica, surge também uma nova classe de delinqüentes ─ os que fazem do seu computador um instrumento para o cometimento de crimes já conhecidos e outra classe, de novos criminosos, que estão cometendo crimes jamais imaginados dantes. São os chamados – delinqüentes de ocasião. Se não fosse pelas facilidades do mundo virtual, talvez eles jamais cometessem tais crimes.
Observa-se que o uso da Internet cresce de uma maneira assustadora e incoercível. Mauro Marcelo de Lima e Silva, competente delegado do setor de crimes de informática da Policia Civil de São Paulo, tem advertido: "O problema é que a interatividade, o alcance global e o falso sentimento de anonimato da rede estão criando uma nova geração de infratores. O que mais tem atemorizado, desde os sociólogos até os profissionais de polícia, é o crescimento geométrico do uso da Internet e sua absoluta forma dispersa e falta de controle. Estão criando espaços na rede exclusivamente para atividades criminosas, unindo ideais ou interesses de uma minoria, excitando a motivação delitiva, tais como crimes de ódio, terrorismo e parafilias".
Basicamente, há dois tipos de crimes informáticos hoje: os cometidos por meio do computador (o computador como instrumento para viabilizar os crimes) e os contra o computador (objeto material do crime).
O leque é extenso: furto de segredos militares, furto de senhas, racismo, disseminação de vírus, violação de segredo comercial, transação de drogas, lavagem de dinheiro, crimes contra a honra e à imagem, tráfico internacional de armas, destruição de informações, ameaças de violência física e moral, fraudes e invasões em sistemas bancários, contrabando, terrorismo democrático (todas as tribos mandam suas mensagens por e-mail, sem nenhuma distinção), extorsões por todos os lados, crimes de propriedade intelectual, pirataria, pedófilos se satisfazendo na ingenuidade das crianças, entre muitos outros que, delinqüentes ou desequilibrados, fazem da tecnologia um verdadeiro transtorno social. Nisso tudo surgiu até o estranho "salami slicing" (fatias de salame) – ladrão que regularmente faz transferências eletrônicas de pequenas quantias de milhares de contas bancárias para a sua própria. Depois de explicado até que não lhe é tão estranho assim.
Até agora, nenhuma novidade, claro. Afinal, a mídia se encarrega de divulgar tais fatos e acontecimentos. O que o público cibernético não sabe, é que ainda inexiste uma lei especial para punir estes delitos. O sentimento de impunidade na Internet é evidente e a quase absoluta falta de investigação e punição para estes delitos faz aumentar as estatísticas de crimes eletrônicos todos os dias. Simplesmente pela falta de uma lei que regule todo esse mundo digital.
O CYBER-DIREITO PENAL
Flávio Augusto Monteiro de Barros, assim define as funções do Direito Penal: "O Direito Penal tem duas funções básicas: proteção dos bens jurídicos e manutenção da paz social. Bens jurídicos são os valores ou interesses do indivíduo ou coletividade, reconhecidos pelo direito. Paz social é a ordem que deve reinar na vida comunitária. Apenas os bens jurídicos vitais ao desenvolvimento equilibrado da vida comunitária devem merecer a especial tutela do Direito Pena". Logo, a função primordial do Direito Penal é a tutela eficaz de bens jurídicos importantes para o convívio social.
Nesse sentido, Alice Bianchini, explana: "Quando se trata de conduta com elevado grau de reprovabilidade e danosidade social é comum o entendimento de que, só um meio, particularmente vigoroso, no caso a intervenção penal, poderá, a contento, proteger a sociedade".
Num brevíssimo relato podemos constatar que o Direito Penal tem a função de proteger bens jurídicos lesados com seu caráter sancionador, justificando-se a sua intervenção quando tais bens sofrerem essas lesões.
A criminalização de determinada conduta que ofenda bens ou valores fundamentais de forma grave ou que os tenha exposto a perigo idôneo só se justifica se a controvérsia não puder ser resolvida por outros meios de controle social, seja formal ou informal, o que caracteriza o Direito Penal como sendo subsidiário.
A fim de se criminalizar determinada conduta não basta que o bem jurídico tutelado possua dignidade penal. Deve-se verificar se a conduta que se está criminalizando (e, por decorrência, protegendo), efetivamente, é danosa para a sociedade – tanto que justifique a sua inscrição em um tipo penal.
Conforme assevera Claus Roxin, o Direito Penal é de natureza subsidiária. "Ou seja: somente se podem punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência social, se tais forem indispensáveis para a vida em comum ordenada. Onde bastem os meios do Direito Civil ou do Direito Público, o Direito Penal deve retirar-se". Estabeleceu-se, nessa ordem de idéias, que o Direito Penal deve ser considerado a ultima ratio da política social, demonstrando a natureza fragmentária ou subsidiária da tutela penal. Só deve interessar ao Direito Penal e, portanto, ingressar no âmbito de sua regulamentação, aquilo que não for pertinente a outros ramos do direito.
Também há uma desigualdade ínsita ao funcionamento do Direito Penal que o tem desviado de seu objetivo principal, que é o de proteger os direitos fundamentais do ser humano. A maneira pela qual estão organizadas as suas normas e ele é aplicado, demonstra a sua seletividade.
Além do problema de uma legislação específica, a polícia em geral, mesmo a Interpol, tem muita dificuldade para se chegar aos criminosos. Existe ainda o problema da territorialidade para saber de onde vem o crime. Qual o provedor? Qual a real data do delito?
É imprescindível um trabalho investigativo rigoroso, que exige uma estrutura grande, composta de policiais treinados e com conhecimento em informática, além de computadores de última geração - tudo o necessário para fazer o rastreamento e a localização de forma rápida. Isso requer pessoal treinado, tempo e recursos financeiros. Sabe-se que os recursos no nosso país têm outras prioridades, o que torna mais difícil, e principalmente relevante, o trabalho feito pelas autoridades brasileiras. No Brasil, os crimes de informática crescem cada vez mais e, apenas para ilustrar, vale ressaltar que 10% dos ataques de hackers no mundo partem do nosso país tropical.
Nada, porém, tende a melhorar se isso for adiante sem uma lei que possa punir todos esses delitos apurados. Grande parte das denúncias ocorre no improviso da legislação atualmente em vigor no país.
Luiz Flávio Gomes, sempre nos passando lições preciosas, assevera: "o controle da criminalidade informática é altamente "seletivo" ("teoria do labelling approach"). Pouquíssimos casos entram no sistema legal (altíssima taxa de cifra negra). A descoberta do delito e a produção da prova é muito difícil (= impunidade).
A Lei Penal Especial.
Manoel Pedro Pimentel, em sua preciosa obra "Legislação Penal Especial" (Revista dos Tribunais, 1972, pgs.18-19) discorre: "sentida a necessidade da lei, no torvelinho da mutação constante que se processa nas relações entre homens, cumpre proteger os bens ou interesses individuais ou sociais que se encontrem ameaçados por formas novas de agressão, ainda não perfilhadas pelos códigos penais ou leis anteriores".
Editam-se, então, novas leis criadoras de modelos jurídicos que cominem sanções tendentes a impedir os comportamentos reprovados. Os novos éditos não se incorporam ao Código Penal, convindo mesmo que permaneçam como adjuntos de normas autônomas, suscetíveis de alterações ágeis, na conformidade de previsíveis modificações. Assim é que certo número de leis penais existem - para o fim de regulamentar relações específicas, situadas fora da previsão geral contida no Código Penal. Ao conjunto dessas normas, aglutinadas em diplomas legais próprios, dá-se o nome de Legislação Penal Especial.
Cabe ao Estado cumprir a diversificação por meio da lei, adotando diretrizes consentâneas à tradição e costumes, considerando as condições particulares dos lugares e dos povos. Logo, se determinada conduta (ação ou omissão) viola algum bem jurídico que indica dever ser tutelado penalmente, cumpre ao legislador, como resultado dessa apreciação valorativa, catalogar tal conduta dentre aquelas que praticadas dão origem à aplicação da pena como sanctio juris.
A tutela penal deve reinar sobre valores que interessam a toda a coletividade e, pela aplicação da pena, externar-se pela autoridade do Estado na plenitude de sua força e potencialidade. O Brasil deve despertar ao fato dos cidadãos terem mais facilidade ao acesso de computadores do que a algum posto de saúde ou a uma escola.
Sandro D’Amato Nogueira
Advogado – Professor e Palestrante. Mestrando em Auditoria e Gestão Ambiental pela Universidade de León/Espanha – Especialista em Direito Ambiental pela PUC/SP – Cursou especialização em Engenharia de Controle da Poluição Ambiental pela USP – Colaborador e articulista de diversos sites e revistas jurídicas. Autor de diversas obras, entre elas ‘’Direito Ambiental ’Estudos Direcionados – Ed. Saraiva’’, ‘’Meio Ambiente do Trabalho – Ed. LTR’’, ‘’Resumo de Direito Ambiental’’, Crimes de Informática(EditoraBH) – Vitimologia (Brasília Jurídica).

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