Fabricio Fazolli Antes de discutir a legalidade do aborto em casos de anencefalia, faz-se necessário expor o significado de tal anomalia, e do próprio termo aborto. A anencefalia trata-se de uma anomalia diagnosticável, porém, não possui nenhuma explicação plausível para justificar sua origem, sabendo-se, apenas, que o feto não apresenta abóbada craniana e os hemisférios cerebrais ou não existem, ou se apresentam como pequenas formações aderidas à base do crânio. E expõe o óbvio, a médica geneticista Dafne Horovits, em entrevista dada à revista Época na edição de 15 de março de 2004, quando afirma que: "A anencefalia é fatal em 100% dos casos".
O aborto consiste na destruição da vida antes do início do parto, ou então, é o período que compreende desde de a concepção até o início do parto, que é o fim da vida intra-uterina. Assim, pode-se dizer que, o aborto ocorre quando por algum motivo a vida intra-uterina é interrompida, e que a causa desta interrupção não seja o nascimento da criança. Aborda-se agora, questão polêmica que é, a impossibilidade de aborto em casos de feto anencefálico na legislação brasileira. A lei é bem clara quando exclui a possibilidade de aborto eugenésico, ou seja, feto com deformidade ou enfermidade incurável. É fato que tal discussão gera controvérsia em diversos aspectos tanto éticos, como religiosos, jurídicos, etc. Porém, não cabe neste momento analisar outros aspectos senão o jurídico. E com clareza coloca o jurista Cezar Roberto Bitencourt, quando afirma que, "modernamente, não se distingue mais entre vida biológica e vida autônoma ou extra-uterina. É indiferente a capacidade de vida autônoma, sendo suficiente a presença de vida biológica".(1) Sendo assim, se tal afirmação for considerada verdadeira, como conseqüência, o abortamento de feto anencefálico enquadra-se como crime contra vida. Ora, o feto possui batimentos cardíacos, circulação sanguínea, e isto, já caracterizaria vida biológica. Porém, cabe lembrar que o produto desta gestação só possui "vida" devido ao metabolismo da mãe, que a criança, ao nascer, conseguiria "sobreviver" apenas alguns instantes e viria a óbito logo em seguida. Assim, a ausência de cérebro não daria a este ser nenhuma expectativa de vida. E, mesmo com a afirmação acima de que, a capacidade de vida autônoma torna-se irrelevante à questão do aborto, torna-se indispensável expor aqui a desnecessidade de uma mãe carregar em seu ventre um filho que não tenha possibilidade de ter uma vida extra-uterina, e que ela, além da dor física que terá durante nove meses de gravidez, que neste caso tornar-se-ia a menor das dores, sofrerá de forma que só uma mãe possa sofrer ao imaginar seu filho "nascendo" e "morrendo", em seguida. Interessante é analisar a legislação brasileira, que, senão redundante, muitas vezes torna-se "curiosa". Nota-se na Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997, que é a lei de Transplante de Órgãos, em seu art. 3º, que prevê a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinadas a transplante, somente se e quando for diagnosticada a morte encefálica do paciente, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção de transplantes. Ora, neste caso a lei é bem clara, que quando constatada a morte encefálica é permitido a remoção de órgãos, e conseqüentemente, devido a isto, se obteria a morte biológica do paciente. Então, o que leva o legislador a aceitar a morte encefálica do paciente como prioridade para o transplante, e a não consenti-la no caso do feto anencefálico? Note, que propositadamente há redundância na pergunta, visto que, não é possível que um organismo venha sofrer disfunção em um órgão que não possua. Outro motivo que leva a crer que a proibição do aborto eugênico é ultrapassada. Cabe-se ressaltar que, o Código Penal de 40 foi publicado com costumes de décadas anteriores, e conseqüentemente não podemos esperar que tais hábitos permaneçam pétreos. Na atual conjuntura, não só na cultura como também na ciência, houve uma grande evolução, permitindo dessa forma, a indiscutível necessidade de um Anteprojeto de Reforma do Código Penal, quando que em 1992 foi criada uma Comissão para Reformulação do Código Penal, sendo que a parte específica dos crimes contra a vida foi orientada por uma subcomissão, presidida pelo desembargador Dr. Alberto Franco. E ressalta-se que, dentre outras reformas, autorizaria o aborto nos casos em que o nascituro apresentasse graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais. E a redação proposta pela Comissão é a seguinte: "Não constitui crime o aborto praticado por médico: Se se comprova, através de diagnóstico pré-natal, que o nascituro venha a nascer com graves e irreversíveis malformações físicas ou psíquicas, desde que a interrupção da gravidez ocorra até a vigésimo semana e seja precedida de parecer de dois médicos diversos daquele que, ou sob cuja direção, o aborto é realizado". Porém, é fato que uma reforma legislativa não acontece de forma célere, e obviamente, o ser humano muitas vezes se abstém de tempo para aguardar tal reforma, cabendo ao Judiciário sanar tais necessidades, que, mesmo contra legem está transformando os moldes desta realidade. Como dito acima, os fatos sociais, via de regra, precedem as leis. Assim, faz-se necessário citar a decisão do ilustre desembargador Dr. Miguel Kfouri Neto, então juiz na cidade e Comarca de Londrina, que em 19 de dezembro de 1992, pela primeira vez na história do Direito Penal brasileiro, autorizou um aborto legal em feto portador de anencefalia numa gestação de 20 semanas. Ressalte-se ainda, que no dia 18 de junho de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTS), emitiu nota ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que fixe entendimento de que a gestação de feto anencefálico é desnecessária, visto que, tal prática, além de não trazer em hipótese alguma possibilidade de vida ao feto, gera danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbito intra-uterino desses fetos. A CNTS afirma que, mesmo com a regularidade de sentenças que o Judiciário vinha firmando em todo o país, reconhecendo o direito da antecipação terapêutica do parto, as decisões em sentido inverso desequilibram essas jurisprudências. Por isso, faz-se necessário o reconhecimento do Supremo em relação a inutilidade de levar-se adiante uma gravidez que não apresente possibilidade de vida extra-uterina. Busca-se como objetivo deste breve discurso, mesmo que de forma prematura, tentar esclarecer alguns pontos, como por exemplo, a posição do nosso atual Código Penal diante do aborto, e de que forma prossegue sua reformulação, bem como mostrar que muitas vezes a lei nos parece obscura, confusa, tornando-se necessário a função de analisá-la com cautela. Que a solução dos problemas sociais nem sempre estará nas normas de direito, pois o fato gera a norma, e quem cria a norma é a sociedade, que por fim, é a causadora do fato. E o mais importante, que é tentar fazer com que o leitor crie questionamentos sobre tal tema, que como já mencionado acima, não sempre, mas por muito tempo irá gerar polêmica. Notas:
1 BITENCOURT, Cezar Roberto, Código Penal Comentado, editora Saraiva: São Paulo, 2002, p. 123.
Fonte: http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/Anencefalia%20e%20aborto%20por%20Fabricio%20Fazolli%20em%2002-08.htm
1 BITENCOURT, Cezar Roberto, Código Penal Comentado, editora Saraiva: São Paulo, 2002, p. 123.
Fonte: http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/Anencefalia%20e%20aborto%20por%20Fabricio%20Fazolli%20em%2002-08.htm
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