quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Princípio do promotor natural

" A Turma indeferiu habeas corpus em que denunciado? A partir de investigações procedidas na denominada "Operação Anaconda" ?
Luiz Flávio Gomes
Pela suposta prática do crime de corrupção ativa (CP, art. 333) pleiteava a nulidade de procedimento que tramitara perante o TRF da 3ª Região, sob o argumento de ofensa ao princípio do promotor natural (CF, artigos 5º, LIII; 127, § 1º e 128, § 5º, b), bem como de violação a regras contidas no Código de Processo Penal e em portarias da Procuradoria Regional da República da respectiva região. Inicialmente, asseverou-se que, conforme a doutrina, o princípio do promotor natural representa a impossibilidade de alguém ser processado senão pelo órgão de atuação do Ministério Público dotado de amplas garantias pessoais e institucionais, de absoluta independência e liberdade de convicção, com atribuições previamente fixadas e conhecidas. (1-2) Entretanto, enfatizou-se que o STF, por maioria de votos, refutara a tese de sua existência (HC 67759/RJ, DJU de 1º.7.93) no ordenamento jurídico brasileiro, orientação essa confirmada, posteriormente, na apreciação do HC 84468/ES (DJU de 20.2.2006). (3-4) Considerou-se que, mesmo que eventualmente acolhido o mencionado princípio, no presente caso não teria ocorrido sua transgressão."

"Entendeu-se que todo o procedimento, desde sua origem até a instauração da ação penal perante o STJ observara os critérios previamente impostos de distribuição de processos na Procuradoria Regional da República da 3ª Região, sem que houvesse designação casuística ou criação de "acusador de exceção". Aduziu-se que, na espécie, deixara-se de adotar, relativamente aos procedimentos em tramitação perante o Órgão Especial do TRF daquela região, o critério numérico (referente ao final dos algarismos lançados segundo a ordem de entrada dos feitos naquela Procuradoria) para se assumir a ordem de entrada das representações junto ao Núcleo do Órgão Especial (NOE) em correspondência à ordem de ingresso dos procuradores no aludido núcleo. Ademais, salientou-se que, na estreita via do writ, a impetração não conseguira demonstrar a ocorrência de vício ou mácula na atribuição do procedimento inquisitorial que tramitara perante o TRF da 3ª Região às procuradoras regionais da república designadas pelo Procurador-Chefe do parquet. Aduziu-se, ainda, que por uma das portarias reputadas violadas, dera-se apenas a formalização de requerimento para que as mencionadas procuradoras atuassem em conjunto ou separadamente no procedimento. Dessa forma, concluiu-se que as portarias em vigor na ocasião em que o inquérito passara a transitar perante o TRF da 3ª Região respaldaram a estrita transparência e respeito às normas existentes quanto aos critérios objetivos de atribuição dos procedimentos aos órgãos de atuação do Ministério Público Federal perante aquela Corte. (5) HC 90.277-DF, rel. Min. Ellen Gracie, 17.6.2008".

Comentários: o julgado ora analisado adotou uma polêmica linha conservadora (no sentido da inexistência do princípio do promotor natural), com a qual (com a devida vênia) não concordamos.

(1) Em que consiste o princípio do promotor natural? O membro do Ministério Público que deve atuar em cada processo é o que conta, pela Constituição e leis vigentes, com atribuição para desempenhar sua função no caso concreto. Se uma determinada investigação foi distribuída para a Vara "x", promotor natural do caso é o que desempenha suas tarefas junto a essa Vara "x".

(2) O que se pretende alcançar com o princípio do promotor natural? O que se pretende com ele é que o exercício dessa nobre função não seja distorcido ou manipulado (sobretudo por interesses políticos ou escusos). Ele "representa a impossibilidade de alguém ser processado senão pelo órgão de atuação do Ministério Público dotado de amplas garantias pessoais e institucionais, de absoluta independência e liberdade de convicção, com atribuições previamente fixadas e conhecidas".

(3) Existe o princípio do promotor natural no ordenamento jurídico brasileiro? A posição tradicional (e conservadora) do STF é no sentido negativo: "o STF, por maioria de votos, refutara a tese de sua existência (HC 67759/RJ, DJU de 1º.7.93) no ordenamento jurídico brasileiro, orientação essa confirmada, posteriormente, na apreciação do HC 84468/ES (DJU de 20.2.2006)". Com a devida vênia, não pensamos dessa maneira. Depois da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei 8.625/93) já não se pode discutir a existência no direito brasileiro do princípio do promotor natural (cf. STF, HC 67.759 e RT 726, p. 588).

(4) O princípio do promotor natural impede a designação de membro do Ministério Público para atuar em casos específicos? Não. É válida a designação de promotor feita pelo Chefe da Instituição, quando dentro da lei (concordância do promotor natural com a designação e que esta não conduza à criação de um promotor de exceção). Não é possível designar promotor por critérios políticos ou pouco recomendáveis (RT 755, p. 566). O que se deve evitar é a designação casuística ou manipulações casuísticas ou designações seletivas, fora dos critérios legais (RT 724, p. 551). Fora disso, a designação de promotor é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.

(5) O princípio do promotor natural foi objeto de discussão no HC 90.277-DF (Segunda Turma do STF, j. 17.06.08), onde se discutiu a lisura do procedimento de seleção dos membros do MP que atuaram no famoso caso "anaconda". De acordo com a decisão, "Entendeu-se que todo o procedimento, desde sua origem até a instauração da ação penal perante o STJ observara os critérios previamente impostos de distribuição de processos na Procuradoria Regional da República da 3ª Região, sem que houvesse designação casuística ou criação de "acusador de exceção".

A troca do critério numérico por outro não é suficiente para macular a essência da garantia do promotor natural, que é a atuação independente e não política. "Aduziu-se que, na espécie, deixara-se de adotar, relativamente aos procedimentos em tramitação perante o Órgão Especial do TRF daquela região, o critério numérico (referente ao final dos algarismos lançados segundo a ordem de entrada dos feitos naquela Procuradoria) para se assumir a ordem de entrada das representações junto ao Núcleo do Órgão Especial (NOE) em correspondência à ordem de ingresso dos procuradores no aludido núcleo".

O fundamental é a adoção de critérios objetivos, que não dêem margem a uma seleção viciada.

Fonte: GOMES, Luiz Flávio. Princípio do promotor natural. Disponível em http://www.lfg.com.br. 06 agosto. 2008.

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