Novas leis para consolidar o Estado de Direito
Como acontece em momentos de crise e de luta contra o crime organizado e a corrupção, enfrentamos o dilema de como combater esses males, sem nos desviar do Estado de Direito, que exige o respeito integral à Constituição e aos direitos e garantias individuais. Essa questão não é única do Brasil. Há inúmeros exemplos no mundo, em países e regimes democráticos, como nos EUA, onde o Ato Patriótico, com o pretexto de combater o terrorismo, na prática, autorizou a suspensão das garantias individuais. De forma indireta, autorizou o uso da tortura e a prisão sem prazo e sem culpa até que a Suprema Corte começasse a derrubar essas barbaridades e impusesse de novo o império das garantias constitucionais.
Nada, nem mesmo o terrorismo, pode justificar que para combater o crime ou o delito, governos rompam com a constituição e suas garantias. No Brasil, não está longe a Ditadura Militar que, a pretexto de combater o que chamavam de corrupção e subversão, criou um Estado que subverteu a ordem legal e constitucional e permitiu, por omissão, leniência e autoritarismo, uma corrupção como o país nunca tinha visto, já que não havia nem a fiscalização do legislativo, nem independência do judiciário e muito menos liberdade de informação.
Faço o apanhado histórico para chamar a atenção sobre os riscos que corremos hoje em nosso país com a escalada de abusos de autoridade e de ilegalidades praticadas por setores do Ministério Público, da Polícia Federal e mesmo da Magistratura, a pretexto do combate à corrupção. A própria mídia não fica isenta de culpa ao tomar partido na disputa política e dar dois pesos e duas medidas às informações sobre denúncias e escândalos, privilegiando e estimulando matérias contra o governo e o PT, fazendo campanhas abertas pela punição sem julgamento de acusados ou apenas suspeitos, mesmo sem provas.
A justificativa agora são os novos tempos que exigiriam leituras flexíveis da Constituição e dos Direitos Individuais, permitindo a delegados e juízes o ilimitado das interceptações telefônicas, buscas e apreensões, prisões provisórias e preventivas, denúncias, ou seja, transformando as investigações e inquéritos num verdadeiro julgamento onde não há segredo de Justiça e nem mesmo sigilo do processo ou das informações protegidas por lei.
Apesar do consenso nacional de que é necessário combater a corrupção, aos poucos se forma no país a convicção de que algo está podre apesar dos fins nobres da cruzada anti-corrupção de alguns delegados e juízes. Os vazamentos estão se tornando regra e as escutas telefônicas passaram a ser, para muitas autoridades, o único meio de investigação.
No momento em que surgem propostas, no Judiciário, no Executivo e no Legislativo – cuja expressão maior foi a tentativa da CPI dos "grampos", rejeitada pelo STF, de acessar os dados que as telefônicas têm dos 409 mil que foram grampeados só em 2007 – ficamos sabendo que um juiz de São Paulo, apesar de seus desmentidos, autorizou um delegado da Polícia Federal a ter acesso a senha para todos os telefones que ligaram para os 409 mil interceptados. É uma violação - mais uma - aberta e frontal à Constituição e à lei que autoriza as interceptações telefônicas. O Brasil já viveu três décadas de sua vida republicana sob ditadura e não pode ter medo da democracia e do Estado de Direito. Deve e precisa de uma nova lei de interceptação telefônica e de uma rigorosa legislação contra o abuso de autoridade para que a luta e o combate necessários e exigidos pela sociedade contra a corrupção e o crime organizado se dêem dentro da lei e da Constituição.
(artigo publicado no Jornal do Brasil, em 07 de agosto de 2008)
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