Luiz Flávio Gomes, nosso mestre, nosso guia, que constantemente está nos passando lições preciosas sobre direito penal, brilhantemente nos esclarece: ''Nosso Código Penal (de 1940) permite aborto em duas situações: (a) risco concreto para a gestante; (b) gravidez resultante de estupro. O primeiro chama-se aborto necessário; o segundo humanitário. O aborto por anencefalia (feto sem ou com má formação do crânio) não está expressamente previsto na lei penal brasileira. Tampouco outras situações de má formação do feto (aborto eugênico ou eugenésico). Também não se permite no Brasil o chamado abordo a prazo (que ocorre quando a gestante pode abortar o feto até a décima segunda semana, conforme decisão sua) nem o aborto social ou econômico (feito por razões econômicas precárias).'
Os que sustentam (ainda que com muita boa-fé) o respeito à vida do feto devem atentar para o seguinte: em jogo está a vida ou a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas com o feto mal formado. Se até em caso de estupro, em que o feto está bem formado, nosso Direito autoriza o aborto, nada justifica que idêntica regra não seja estendida para o aborto anencefálico. Lógico que a gestante, por suas convicções religiosas, pode não querer o aborto. Mas isso constitui uma decisão eminentemente pessoal (que deve ser respeitada). De qualquer maneira, não pode impedir o exercício do direito ao abortamento para aquelas que não querem padecer tanto sofrimento''.(5)
Em brilhante e esclarecedora obra com o título – ''Aspectos éticos e legais do aborto no Brasil'' – (Elaine Christine Dantas Moisés...(et al) do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, nos relata que o modelo de análise bioética, entre os vários existentes, comumente utilizado na área da saúde e de grande aplicação na prática clínica é o ‘’Principalista’’, introduzido por Beauchamp e Childress, em 1989. Esses autores propõem quatro princípios bioéticos fundamentais: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça''.
E, completa: ''O princípio da autonomia requer que os indivíduos, capacitados de deliberarem sobre suas escolhas pessoais, devam ser tratados com respeito pela sua capacidade de decisão. As pessoas têm o direito de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e a sua vida. Quaisquer atos médicos devem ser autorizados pelo paciente. A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), por meio do seu Cômite para Assuntos Éticos da Reprodução Humana e Saúde da Mulher, divulga, desde 1994, em um dos seus marcos de referência ética para os cuidados ginecológicos e obstétricos: O princípio da autonomia enfatiza o importante papel que a mulher deve adotar na tomada de decisões com respeito aos cuidados de sua saúde. Os médicos deverão observar a vulnerabilidade feminina, solicitando expressamente sua escolha e respeitando suas opiniões.’’(6)
Em brilhante artigo e posicionamento, o magistrado do Estado do Rio de Janeiro – Marcus Henrique Pinto Basílio comenta que: ''O que o Direito tutela é a vida – intra e extrauterina –, nunca a morte nem a mera possibilidade de vida extra-uterina imediatamente seguida de morte. Já se disse que o feto é jurídica e cientificamente uma vida, e, como tal, está sob a proteção do Direito, mas uma proteção que se destina a mantê-la, assegurá-la, preservá-la. (...) Havendo prova insofismável, certa e induvidosa, de que não haverá vida extra-uterina e que o feto morrerá à primeira oxigenação fora do ventre materno, pela irreversibilidade da anencefalia que o acomete, após o parto não haverá vida a proteger pela inevitabilidade da tragédia congênita da morte, razão bastante para que o bom senso prevaleça e poupe a gestante do risco de um parto inócuo quanto à sobrevida do feto. (...) Com maior força, um outro argumento justifica o deferimento da medida. O Código Civil e o Código de Processo Penal não definem o momento da morte. Os antigos sustentavam que a morte ocorria com a parada cardíaca (gregos) ou com o último suspiro, sendo o pulmão o indicador da morte (tradição judaico- cristã) ou quando cessam o coração, pulmão e cérebro (franceses no século XVII). (...) Ora, ausente o cérebro, o que ocorre quando constatada a anencefalia, não há vida juridicamente a proteger, o que evidencia que a conduta pleiteada não agride o bem jurídico protegido, o que a torna atípica.'' (7)
Em sede doutrinária, podemos analisar as colocações do Professor Rene Ariel Dotti comentando que durante a gestação podem surgir complicações mórbidas em face de doença da mulher ou de enfermidade intercorrente, pondo em risco a sua vida. Em tal situação, o médico é quem deve decidir sobre a continuidade ou não da gravidez. A ele incumbe averiguar se a incompatibilidade entre a moléstia e a gestação pode acarretar a morte. Em caso afirmativo, é lícita a intervenção com o sacrifício do feto. Essa é a opinião de cientistas como Nélson Hungria. (...) Com o acento indelével de uma jurisprudência humanitária surge a decisão do ministro Marco Aurélio (vide abaixo), do Supremo Tribunal Federal, autorizando a interrupção de gravidez num caso de anencefalia do feto. Trata-se de malformação congênita, caracterizada pela falta total ou parcial do encéfalo, isto é, do conjunto dos órgãos do sistema nervoso central contidos na cavidade craniana. A anomalia, que não tem cura, é incompatível com a vida extra-uterina.(8)
5. A ANENCEFALIA E A VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Em 19 de dezembro de 1992, o juiz Dr. Miguel Kfouri Neto, de Londrina, autorizou pela primeira vez no Brasil um aborto legal em feto portador de anencefalia, numa gestação de 20 semanas. A equipe do Instituto de Medicina Fetal e Genética de São Paulo entrou com ação judicial, em 4 de novembro de 1993, solicitando a interrupção legal de uma gravidez de 24 semanas com feto portador de acrania e onfalocele, sendo autorizada em 5 de novembro pelo juiz Dr. Geraldo Pinheiro Franco. Baseada nessas duas sentenças, em 3 de dezembro de 1993, o juiz Dr. José Fernando Seifarth de Freitas, de Guarulhos, São Paulo, autorizou a interrupção de uma gestação de 20 semanas comprometida por anencefalia. A partir dessas decisões judiciais, surgiu no Brasil a possibilidade da realização da interrupção da gestação em casos de malformações incompatíveis com a vida extra-uterina, através da alvará judicial.(9)
Julgamos de melhor alvitre, transcrever todo o cronograma da discussão sobre o problema da autorização para a expedição de alvará para permitir a antecipação terapêutica do parto em casos de feto anencefálo, para com base nestas informações o leitor deste trabalho compreender como surgiu o problema, como foi a discussão até o presente momento e, ,principalmente para conferir qual o pensamento dos Ministros do STF acerca deste tema polêmico, relevante e delicado. A discussão é objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), conforme transcrevemos a seguir.
5.1. STF JULGA PREJUDICADO HABEAS CORPUS A FAVOR DE ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO COM ANOMALIA – 04/03/2004
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou hoje (4/03/2004) prejudicado o pedido de Habeas Corpus (HC 84025) impetrado em favor de G.O.C., contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a impediu de interromper a gestação de feto com anencefalia (cabeça fetal com ausência de calota craniana e cérebro rudimentar), uma má-formação que torna inviável a sobrevivência após o parto.
O HC ficou prejudicado por falta de objeto. De acordo com informações apuradas durante o julgamento pelo relator da matéria, ministro Joaquim Barbosa, e o presidente do Supremo, ministro Maurício Corrêa, a criança nasceu no sábado (28/2/2004) e sobreviveu apenas por sete minutos. Segundo o jornal "A Gazeta de Teresópolis", o bebê chegou ser registrado com o nome de Maria Vida.
"O que eu tenho a lamentar é que uma violência dessa natureza tenha sido cometida por força de uma decisão judicial", disse o relator após informar o Plenário sobre o nascimento e a morte da criança. Barbosa frisou que "o Tribunal, por força de procedimentos postergatórios típicos da prática jurisdicional brasileira, perdeu a grande oportunidade de examinar uma questão de profundo impacto na sociedade brasileira". Ele informou ainda que o caso chegou no Supremo na última sexta-feira (27/02/2004) e que tomou todas as providências para levá-lo a julgamento hoje, tendo em vista a urgência da questão.
Ao tecer considerações sobre o caso, o ministro Celso de Mello disse lamentar "que o desfecho trágico, porém previsível, do drama que envolveu uma jovem gestante, tenha impedido que esta pudesse, com o amparo do Poder Judiciário, superar um estado de insuportável pressão psicológica e de desnecessário sofrimento resultante do conhecimento de trazer em seu ventre alguém destituído de qualquer viabilidade, sem possibilidade de sobrevivência após o parto".
"Suscitou-se, nesse julgamento, e essa é a outra razão para lamentar-se a impossibilidade de conhecimento da presente ação de Habeas Corpus, uma questão impregnada de graves implicações éticas, filosóficas e jurídicas, motivadas pelo conflito dramático entre situações e valores que devem merecer agora, e em outra oportunidade, profunda reflexão por parte dos juízes dessa Suprema Corte" registrou Celso de Mello.
"O dogmatismo religioso, e digo isso porque a decisão que motivou esse Habeas Corpus foi provocada - e não questiono as razões do impetrante - mas foi provocada por um sacerdote católico, que postulou a adoção de medida diametralmente oposta àquela perseguida por essa jovem gestante. O dogmatismo religioso revela-se tão opressivo à liberdade das pessoas quanto a intolerância do Estado, pois ambos constituem meio de autoritária restrição à esfera de livre arbítrio e de auto-determinação das pessoas, que hão de ser essencialmente livres na avaliação de questões pertinentes ao âmbito de seu foro íntimo, notadamente em temas do direito que assiste à mulher, seja ao controle da sua própria sexualidade, e aí surge o tema dos direitos reprodutivos, seja sobre a matéria que confere o controle sobre a sua própria fecundidade", apontou Mello .
5.2 HISTÓRICO
G.O.C, residente em Teresópolis (RJ), ingressou na Justiça, por meio da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, com ação para obter autorização para interromper sua gestação após constatar com exames médicos que o feto que carregava padecia de uma grave má-formação incompatível com a vida (anencefalia).
O pedido foi indeferido em 1ª instância sob o argumento de falta de previsão legal para a antecipação do parto mas, ao recorrer ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), Gabriela obteve, em 19 de novembro de 2003, a concessão judicial para interromper sua gestação.
Inconformado, o padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, presidente da Associação Pró-Vida, em Anápolis (GO), impetrou Habeas Corpus no STJ para desconstituir a decisão do TJ/RJ. Em 25 de novembro de 2003, a ministra Laurita Vaz, relatora da ação, concedeu liminar para sustar a decisão que autorizou a antecipação terapêutica do parto até a apreciação do mérito do Habeas.
No julgamento de hoje, o ministro Joaquim Barbosa disse que "o Superior Tribunal de Justiça, em vez de julgar imediatamente o feito, em face da manifesta urgência que o caso requer, resolveu, às vésperas do recesso do Judiciário, requerer diligência ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em 18 de fevereiro de 2004, foi finalmente julgado o Habeas Corpus".
A decisão foi pela concessão do pedido para impedir a antecipação do parto concedido pelo TJ/RJ. Segundo o STJ, "a eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não se há falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro".
Contra a decisão do STJ, Fabiana Paranhos, diretora do Instituto de Bioética, Direito Humanos e Gênero (ANIS), impetrou Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal alegando a coação da liberdade da gestante por proibição de antecipação do parto.
O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, manifestou-se pelo não conhecimento do pedido feito no Habeas Corpus sob o argumento de que a impetrante não representa o interesse real de G.O.C, mas desenvolve tese pessoal por via processual inadequada. Ele disse "que não é fato que o jovem casal está em quadro de profunda angústia". Alegou a existência de matéria jornalística que deixa claro que a mãe havia desistido de realizar a antecipação terapêutica do parto.
"Há entidades dos mais vários credos que se dedicam exatamente, nessas situações, a buscar casais e conversar sobre a valia, num certo sentido, de uma sociedade que não quer se sacrificar, que é hedonista e profundamente materialista, mas a valia de um sacrifício", acrescentou Fonteles. (fonte: www.stf.gov.br)
CNTS PEDE AO STF QUE ANTECIPAÇÃO DO PARTO DE FETO SEM CÉREBRO NÃO SEJA CARACTERIZADA COMO ABORTO – 18/06/2004
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) quer que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixe entendimento de que antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico (ausência de cérebro) não é aborto e permita que gestantes em tal situação tenham o direito de interromper a gravidez sem a necessidade de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado. Na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54 ) ajuizada na Corte, com pedido de liminar, a entidade sustenta que "o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal tornou-se indispensável na matéria".
A entidade registra que o Judiciário vinha firmando jurisprudência, por meio de decisões proferidas em todo o país, reconhecendo o direito das gestantes de se submeterem à antecipação terapêutica do parto nesses casos, mas que decisões em sentido inverso desequilibraram essa jurisprudência.
Segundo a CNTS, a anencefalia é uma má formação fetal congênita incompatível com a vida intra-uterina e fatal em 100% dos casos. A entidade sustenta que um exame de ecografia detecta a anomalia com índice de erro praticamente nulo e que não existe possibilidade de tratamento ou reversão do problema. Afirma que não há controvérsia sobre o tema na literatura científica ou na experiência médica.
Por outro lado, diz a CNTS, "a permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-uterinos desses fetos". A entidade alega que "a antecipação do parto nessa hipótese constitui indicação terapêutica médica: a única possível e eficaz para o tratamento da gestante, já que para reverter a inviabilidade do feto não há solução". Com esses argumentos, a CNTS sustenta que a antecipação desses partos não caracteriza o crime de aborto tipificado no Código Penal. Isso porque, diz a entidade, no caso de aborto, "a morte do feto deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade de vida extra-uterina do feto", o que inexiste nos casos de fetos com anencefalia. "Não há potencial de vida a ser protegido, de modo que falta à hipótese o suporte fático exigido pela norma. Apenas o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser passivo de aborto", sustenta.
Para a CNTS, nessas situações, "o foco da atenção há de voltar-se para o estado da gestante" e o reconhecimento desses direitos não causam lesão a bem ou ao direito à vida do feto. "A gestante portadora de feto anencefálico que opte pela antecipação terapêutica do parto está protegida por direitos constitucionais que imunizam a sua conduta da incidência da legislação ordinária repressiva", alega a entidade, que aponta a violação de três direitos básicos da mulher impedida de interromper esse tipo gravidez. O direito da dignidade da pessoa humana, da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, e do direito à saúde.
A CNTS pede que o Supremo reconheça o descumprimento desses preceitos fundamentais em relação à mulher, nos casos em que as normas penais são interpretadas de forma a impedir a antecipação terapêutica de partos de fetos anencefálicos. E que seja dada interpretação conforme a Constituição dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, para declarar inconstitucional, com eficácia erga omnes (para todos) e efeito vinculante, a aplicação desses dispositivos para impedir a intervenção nos casos em que a anomalia é diagnosticada por médico habilitado.
Requer, também, a concessão de liminar para suspender o andamento de processos ou anular os efeitos de decisões judiciais que pretendam aplicar ou tenham aplicado os dispositivos do Código Penal para caracterizar como aborto a interrupção desses tipos de gravidez. O relator da ação é o ministro Marco Aurélio. (fonte: www.stf.gov.br)
5.3. STF INDEFERE INGRESSO DA CNBB NA AÇÃO QUE DISCUTE ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DE PARTO DE FETO ANENCEFÁLICO - 24/06/2004
O ministro Marco Aurélio indeferiu o pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de ser incluída como parte interessada na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) juizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
A CNTS quer que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixe entendimento de que antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico (ausência de cérebro) não é aborto. A entidade espera que o STF permita que as gestantes em tal situação tenham o direito de interromper a gravidez sem a necessidade de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado.
A CNBB requeria sua inclusão no processo na condição de amicus curiae, para poder se manifestar sobre a matéria, com base no parágrafo 1º do artigo 6º da Lei 9.882/99. No despacho em que negou a pretensão, o ministro Marco Aurélio disse que "o pedido não se enquadra no texto legal evocado pela requerente". (fonte: www.stf.gov.br)
MINISTRO DO STF PERMITE ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO SEM CÉREBRO - 01/07/2004
O ministro Marco Aurélio concedeu liminar à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) para reconhecer o direito constitucional de gestantes que decidam realizar operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos (sem cérebros). A identificação da deformidade deve ser feita por meio de laudo médico. A liminar também determina a paralisação de processos que discutem a possibilidade da gestante fazer a operação terapêutica e que ainda não tenham decisão final, ou seja, não tenham transitado em julgado.
A decisão foi concedida nos autos da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) e será submetida ao Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Na ação, a CNTS sustenta que a antecipação desses partos não caracteriza o crime de aborto tipificado no Código Penal.
Para Marco Aurélio, "diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar". O ministro afirma que "no caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos".
Ele concorda com o argumento de que a antecipação desses tipos de partos não caracteriza aborto. "Como registrado na inicial, a gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa contestar -, trata-se de situação concreta que foge à glosa própria ao aborto - que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade", disse o ministro.
Marco Aurélio conclui que manter esse tipo de gestação "resulta em impor à mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina". (fonte: www.stf.gov.br)
5.5. AÇÃO DA CNTS SOBRE ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO SEM CÉREBRO SERÁ JULGADA DEFINITIVAMENTE PELO PLENÁRIO DO SUPREMO - 02/08/2004
O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta segunda-feira (2/8), que a questão discutida na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) será julgada no mérito, sem o referendo da liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio no dia 1º de julho. A ação pede que a Corte reconheça o direito constitucional de gestantes que decidam realizar operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos (sem cérebros), sem necessidade de decisão judicial favorável.
Ao analisar o pedido do relator quanto ao referendo da liminar, o ministro Nelson Jobim disse que seria conveniente que a matéria fosse decidida definitivamente. Ele propôs abrir vista para que o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, emita parecer sobre a questão e que, após isso, o Supremo julgue o mérito do pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), autora da ação. A proposta do presidente foi acolhida por todos os ministros.(fonte: www.stf.gov.br)
5.6. STF PROPÕE AUDIÊNCIA PÚBLICA PARA ENTIDADES MANIFESTAREM-SE EM PROCESSO SOBRE ABORTO DE FETO ANENCÉFALO - 30/09/2004
O ministro Marco Aurélio, do STF, decidiu convocar audiência pública para ouvir diversas entidades no caso que discute a viabilidade jurídica da interrupção de gravidez em caso de feto anecéfalo (sem cérebro). O tema é objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
Na ação, que teve pedido de liminar deferido em julho pelo relator, a CNTS pede que seja dada interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal, que tratam do crime de aborto, a fim de permitir a interrupção de gravidez de filhos anencéfalos. A Confederação justifica o pedido com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, bem como o direito à saúde.
A realização da audiência pública depende da análise, pelo Plenário, de questão de ordem proposta pela Procuradoria Geral da República quanto à pertinência da ADPF para tratar do assunto. A apreciação do tema, ou seja, a questão de ordem, ocorre antes do julgamento de mérito e está prevista para outubro. Caso o Plenário entenda que esse tipo de ação não é o instrumento jurídico adequado, o processo deverá ser arquivado.
5.7. STF CASSA LIMINAR QUE PERMITIA ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO ANENCEFÁLICO - 20/10/2004
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, hoje (20/10), a discussão sobre a legitimidade constitucional da antecipação de parto de feto anencefálico (sem cérebro), com o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Os ministros, por maioria, decidiram revogar a liminar deferida pelo relator, ministro Marco Aurélio, em 1º de julho passado.
A pauta de hoje previa apenas a análise de Questão de Ordem no processo, suscitada pelo procurador-geral da República, Claudio Fonteles. Ele questionou, de forma preliminar - ou seja, antes da análise do mérito - a adequação da ADPF para analisar o pedido da CNTS, cabendo ao Plenário decidir pela admissibilidade ou não da ação.
Nesse ponto, após a manifestação do relator, que votou pela continuidade da tramitação da matéria no Supremo, o ministro Carlos Ayres Britto pediu vista dos autos. Assim, a discussão da Questão de Ordem foi suspensa.
Em seguida, o ministro Eros Grau sugeriu ao Plenário apreciar a pertinência de se manter a liminar, uma vez que não foi concluída a discussão quanto à admissibilidade do processo. Na votação, por maioria, o Plenário decidiu não referendar a liminar, com efeitos ex nunc. Foi mantida, no entanto, a suspensão de processos e decisões não transitadas em julgado, relacionadas ao caso.
Contra o referendo, cassando a liminar, votaram os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Nelson Jobim. Além do relator, votaram pelo referendo da liminar os ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence. Apenas o ministro Cezar Peluso votou no sentido de cassar a íntegra da liminar, inclusive no que se refere à suspensão dos processos e decisões relativas ao assunto. A liminar esteve em vigor de 1º de julho deste ano até hoje (20/10/2004).(fonte: www.stf.gov.br)
5.8. SUPREMO CONSIDERA CABÍVEL ADPF PARA DISCUSSÃO DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ DE FETO ANENCÉFALO – 27/04/2005
Na retomada do julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF 54), os ministros do Supremo Tribunal Federal analisaram, nesta quarta-feira (27/4),o cabimento da ADP proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
Por sete a quatro, os ministros resolveram dar seqüência à tramitação do processo no Supremo, para posterior decisão quanto à legalidade da interrupção de gravidez de fetos anencefálicos (ausência de formação cerebral).
Votaram a favor os ministros Marco Aurélio (relator), Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim (presidente).Negaram seguimento à ação os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Carlos Velloso. (grifei)
O julgamento recomeçou com o voto do ministro Carlos Ayres Britto, após pedido vista dos autos, no sentido da adequação da ação proposta. Ele seguiu o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, que havia se pronunciado anteriormente pelo cabimento da ADPF.
Também favorável, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que "milhares de autorizações judiciais de interrupção de gravidez em caso de anencefalia já foram concedidas no país nesses últimos anos, mas para cada autorização concedida várias outras são negadas, criando assim uma insegurança jurídica inadmissível".
Ao analisar se a ADPF pode ser utilizada como instrumento para questionar a falta de previsão na lei para os casos de interrupção da gestação de feto anencefálico, o ministro Gilmar Mendes considerou que, para a segurança jurídica, o Supremo deveria dar uma interpretação ampla, geral e imediata sobre o tema, para evitar decisões contraditórias em outras instâncias.
Gilmar Mendes argumentou que a própria insegurança jurídica pode ser vista como descumprimento de preceito fundamental. Para ele, o que a CNTS questiona é a necessidade de se respeitar um preceito fundamental da Constituição brasileira, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, da liberdade e do direito à saúde. "A existência ou não da violação de tais preceitos será objeto de exame quando do julgamento de mérito. Mas cabe enfatizar ,nesse ponto, que este requisito legal para a admissibilidade da ADPF me parece completamente cumprido", observou Mendes.
O ministro Celso de Mello votou pelo cabimento da ADPF entendendo que "esse instrumento está vocacionado a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no texto da República". Dessa forma, o ministro considerou haver, no caso, plena adequação formal da ação do instrumento utilizado pela confederação.
Também favorável à ADPF, o ministro Sepúlveda Pertence afirmou que, no caso, o que se questiona não é a exclusão de punibilidade que dispõe o Código Penal em relação ao assunto, mas a atipicidade do fato. "Na lógica da petição, não se segue que se queira aditar-lhe uma nova cláusula de exclusão da punibilidade. Ao contrário, se pretende excluir para dar prevalência aos valores constitucionais invocados", afirmou.
Último a votar, o presidente Nelson Jobim também acompanhou o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, e julgou admissível a ADPF. Ele acredita ser fundamental, diante da existência de várias decisões contraditórias em todo o país a respeito do assunto, que o Supremo possa dar ao caso uma solução definitiva.
Ao proclamar o resultado da questão de ordem, o ministro-presidente determinou a devolução dos autos do processo ao relator, para que ele decida sobre o procedimento a ser seguido na instrução processual. Nelson Jobim levantou a hipótese de se aplicar o parágrafo 1º do artigo 6º da Lei 9.882/99 - que dispõe sobre o processo e julgamento de ADPF.
O dispositivo diz que o relator poderá ouvir as partes no processo, requisitar informações adicionais, designar perito para emissão de parecer ou ainda fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Jobim entende ser necessário, para o julgamento de mérito, o esclarecimento, do ponto de vista médico, da situação de um feto anencéfalo.
Votos contrários
Divergindo do relator, o ministro Eros Grau entendeu ser inadequada a ação proposta, pois, segundo ele, a CNTS pede que o Supremo crie, por via oblíqua, nova hipótese de não-punibilidade do aborto, ferindo o princípio da reserva de lei e transformando a Corte em legislador positivo. "O que a autora pretende é lançar mão da ADPF como instrumento de interpretação extensiva de normas do Direito Penal, e as excludentes de punibilidade previstas no artigo 128 não admitem a interpretação conforme a Constituição", disse.
Da mesma forma, o ministro Cezar Peluso negou o pedido, ao afirmar que, no caso, não há controvérsia constitucional. Para ele, o caso envolve " pura e simples interpretação do artigo 124 do Código Penal". No fundo, disse Peluso, "o que se trata é de criar mais uma excludente de ilicitude", o que seria tarefa própria do Poder Legislativo. "O foro adequado para a questão é do Legislativo, que deve ser o intérprete dos valores culturais da sociedade e decidir quais desses valores podem ser diretrizes determinantes da edição de normas jurídicas", afirmou.
A ministra Ellen Gracie votou pelo não-conhecimento da ADPF. Ela afirmou que, além da necessidade de análise do controle de constitucionalidade, era preciso haver, também, o controle da passionalidade devido ao caráter controverso do tema. A ministra reconheceu o problema social e a polêmica em torno da autorização legal para a interrrupção da gravidez nos casos de anencefalia. No entanto, ressaltou que a intenção da CNTS ao propor a ação seria, através de mecanismos artificiosos, fazer com que o Supremo suprisse a lacuna deixada pelo Congresso Nacional, que não apreciou os projetos sobre aborto que lá tramitam.
"Parece-me profundamente antidemocrático pretender obter, por essa via tão tortuosa da ADPF, manifestação a respeito de um tema que, por ser controverso na sociedade brasileira, ainda não logrou apreciação no Congresso Nacional, inobstante às tantas iniciativas legislativas registradas em ambas as Casas", sustentou a ministra.
Ellen Gracie ressaltou que mesmo nos casos em que o Tribunal julga ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, a Corte se reserva a apontar ao legislador as lacunas existentes na lei, "mas não a preenchê-las", ponderando que tal intenção poderia acarretar na ruptura de princípios constitucionais como o da separação dos Poderes e repartição de competências entre eles.
Carlos Velloso também defendeu o não-cabimento da ADPF. Para ele, os dispositivos da lei penal utilizados pela confederação constituem direito pré-constitucional. "A pretensão do autor resulta, em última análise, na declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, de normas infraconstitucionais às normas penais mencionadas anteriores à Constituição vigente", declarou o ministro durante o seu voto. Ele lembrou que a jurisprudência do Supremo, a partir da ADI 02, não admite ação direta de inconstitucionalidade de direito pré-constitucional.(fonte: www.stf.gov.br)
6. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LEGALIDADE E DA AUTONOMIA DE VONTADE - EM FACE DO PROBLEMA DA GESTAÇÃO DO FETO COM ANENCEFALIA
DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIOS
Segundo alguns autores os princípios poderiam ser distinguidos das regras pelo caráter hipotético-condicional, pois, para eles, as regras possuem uma hipótese e uma conseqüências que predeterminan a decisão, sendo aplicadas ao modo se, então; os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para, futuramente, encontrar a regra aplicável ao caso concreto. Esser definiu como normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado, enquanto as regras determinam a própria decisão. Larenz definiu os princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direita ou indiretamente, normas de comportamento.(10)
6.1. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O professor Rizzato Nunes, assim define o princípio da dignidade da pessoa humana: ''É ela a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarda dos direitos individuais. A isonomia serve, é verdade, para equilíbrio real, porém visando concretizar o direito à dignidade. É a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intéprete. Coloque-se, então, desde já que, após a soberania, aparece no Texto Constitucional a dignidade como fundamento da República brasileira. Leia-mos o art. 1.º:
''Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e temo como fundamentos:
I – a soberania
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana'' (11)
A dignidade da pessoa humana (12) foi alçada ao centro dos sistemas jurídicos contemporâneos. A Constituição de 1988 se integra ao movimento doutrinário pós-positivista, caracterizado pela reaproximação entre o direito e a ética, pelo resgate dos valores civilizatórios e pela primazia dos direitos fundamentais. Pois bem: obrigar uma mulher a conservar no ventre, por longos meses, o filho que não poderá ter impõe a ela sofrimento inútil e cruel. Adiar o parto, que não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte, viola a integridade física e psicológica da gestante, em situação análoga à da tortura.
Sobre esse princípio a Doutora em Antropologia e Pós-Doutora em Bioética – Débora Diniz, e que no nosso entendimento é a mais competente, atualizada e séria pesquisadora sobre o tema no Brasil, discorre que: ''...o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado fundamental para a ética da antecipação terapêutica. O diagnóstico da má formação fetal incompatível coma vida é uma situação de extremo sofrimento para as mulheres e os futuros pais. São situações em que todos os recursos científicos disponíveis para reverter o quadro da má formação são nulos.(13)
Luiz Augusto Coutinho, comenta que o Direito é complexo e axiológico. Não se restringe à redação das normas, também é inegável que no caso em comento, normas de conteúdo ético, religioso e culturais, estarão sempre sendo questionadas, contudo o mais importante é saber adequar estes padrões pré-estabelecidos com o princípio da dignidade da pessoa humana (Art 1º, III, da Constituição Federal). Também é cediço que a dignidade humana foi alçada ao centro dos sistemas jurídicos contemporâneos, podendo-se afirmar que a Carta Política de 1988, se integra ao movimento político pós-positivista que busca a reaproximação entre o direito e a ética, afastando-o por conseqüência da religião(secularização), afinal Direito é Direito, Religião é Religião e Dogma é Dogma. A propósito a abalizada opinião de Luiz Roberto Barroso: "Obrigar uma mulher a conservar no ventre, por longos meses, o filho que não poderá ter impõe a ela sofrimento inútil e cruel. Adiar o parto, que não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte, viola a integridade física e psicológica da gestante, em situação análoga à da tortura. (Aborto em casos de anencefalia: crime ou inexigibilidade de conduta diversa? Disponível em: www1.jus.com.br, 2005).
6.2. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade, positivado no inciso II do art. 5° da Constituição, na dicção de que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", flui por vertentes distintas em sua aplicação ao Poder Público e aos particulares.
Para o Poder Público, somente é facultado agir por imposição ou autorização legal. Em relação aos particulares, esta é a cláusula constitucional genérica da liberdade no direito brasileiro: se a lei não proíbe determinado comportamento ou se a lei não o impõe, têm as pessoas a auto-determinação de adotá-lo ou não.
A liberdade consiste em ninguém ter de submeter-se a qualquer vontade que não a da lei, e, mesmo assim, desde que seja ela formal e materialmente constitucional. Reverencia-se, dessa forma, a autonomia da vontade individual, cuja atuação somente deverá ceder ante os limites impostos pela legalidade. De tal formulação se extrai a ilação óbvia de que tudo aquilo que não está proibido por lei é juridicamente permitido.
Pois bem. A antecipação terapêutica do parto em hipóteses de gravidez de feto anencefálico não está vedada no ordenamento jurídico. O fundamento das decisões judiciais que têm proibido sua realização, data venia de seus ilustres prolatores, não é a ordem jurídica vigente no Brasil, mas sim outro tipo de consideração. A restrição à liberdade de escolha e à autonomia da vontade da gestante, nesse caso, não se justifica, quer sob o aspecto do direito positivo, quer sob o prisma da ponderação de valores: como já referido, não há bem jurídico em conflito com os direitos aqui descritos.(ADPF 54)
6.3. O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE
Sobre esse princípio, o Prof. Daury Cesar Fabriz, em sua magnífica obra Bioética e Direitos Fundamentais explana: '' Identificado como respeito à pessoa, o princípio da auto (autos, eu; nomos, lei) denota que todos devem ser responsáveis por seus atos. A responsabilidade, nesse sentido, implica atos de escolha. Devem-se respeitar a vontade, os valores morais e as crenças de cada pessoa. Ressalta Leo Pessini e Paul de Barchifontaine que mencionado princípio diz respeito à capacidade de a pessoa governar-se a si mesma, ou a capacidade de se autogovernar, escolher, dividir, avaliar, sem restrições internas ou externas''. Em outro trecho da obra, completa o Fabriz - ''O princípio da autonomia justifica-se como princípio democrático, no qual a vontade e o consentimento livres do indivíduo devem constar como fatores preponderantes, visto que tais elementos ligam-se diretamente com o princípio da dignidade da pessoa humana.(14)