domingo, 7 de setembro de 2008

Grampo - o verdadeiro Estado Democrático... sem Direito


Karina Merlo
Sinceramente, convenhamos que é mais seguro manifestar-me pelo meu Blog do que ao telefone! Então, por favor, se algo tiver de ser dito e compartilhado com a minha pessoa, é melhor que façamos por escrito aqui nesse espaço.
Talvez você, cidadão, estudante, trabalhador, não tenha se dado conta da gravidade da grampolândia, que de tema sério, passou a ser banalizado na imprensa com a massificação das notícias de alcance do STF. Ora, não é de agora que nos pronunciamos sobre as ilegalidades que circundam o grampo - um instrumento eficaz de investigação, relevante na apuração de fatos criminosos - desde que realizado de forma regular, legal e comedida. O que tem ocorrido atualmente é a aplicação descontrolada desse instrumento no nosso país.
A Polícia Federal grampeia o bandido; o bandido grampeia a Polícia Federal; o empresário grampeia o empresário; o banqueiro grampeia o outro banqueiro; o banqueiro grampeia o cliente; o marido grampeia a mulher; a mulher grampeia o marido; e a amante grampeia os dois! Ou seja, a exceção passou a ser a regra. Estão grampeando Ministros do Supremo, o Palácio do Planalto, etc... Convenhamos que, se grampeiam os maiores, os menores incluem-se por “osmose”. Essa é a "Nova República do Estado Democrático... sem Direito". É a mais pura realidade. E as pessoas não têm se alertado à importância do mau uso do grampo devido à supremacia das circunstâncias em que ele é aplicado - combate à criminalidade, à lavagem de dinheiro, à corrupção no Brasil - oficializando-se o grampo de qualquer modo, sem regras, sem acompanhamento, mesmo havendo ordem judicial para tanto.
Exemplo disso foi a Operação Satiagraha, na qual o delegado solicitou o grampo, o promotor apoiou e o juiz o deferiu. Uma vez grampeado o “determinado” cidadão, todas as pessoas que tiveram alguma comunicação telefônica com o suspeito adquiriram o estigma de serem suspeitas também. O que eu quero dizer com isso: se alguém telefonava para o alvo grampeado terminava por ser grampeado também. A depender não 'do que' fosse falado, mas 'como' o que foi falado fosse (mal) interpretado, o indivíduo já seria passível de ser grampeado oficialmente também. E uma vez oficializado, e tido como suspeito, poder-se-ia dizer adeus ao seu sigilo bancário.
Logo, se você liga pra alguém que está grampeado, conseqüentemente será vítima de grampo também. É o famoso efeito dominó, por tabela ou bola de neve. Não importa o termo. Deve-se atentar ao fato de que você não está seguro na sua privacidade. A sua intimidade está sendo bisbilhotada: ora pela Polícia Federal legalmente, ora ilegalmente pelas pessoas interessadas - as quais conseguiram a adesão de um juiz que despachou além do que deveria, ainda havendo a possibilidade de você ficar a mercê dos bisbilhoteiros de plantão que pretendem levar alguma vantagem nos detalhes da sua vida particular.
Não há segurança jurídica. Fala-se em 400 mil pessoas grampeadas oficialmente no país. Indiretamente podemos estimar cerca de 10 milhões. Isso mesmo. Dez milhões. Pois cada um que liga pra um dos 400 mil grampeados cai no grampo. Nem o efetivo da polícia é capaz de dar conta de tantas degravações. Isso extrapola completamente os limites da normalidade. É o verdadeiro “Estado Policialesco sem Direito”, em que você, um mero cidadão, pode estar submetido, a qualquer momento e a qualquer hora, a estar e ser grampeado: a ter a sua rotina completamente detalhada e devassada. Aliás, o próprio Ministro Tarso Genro disse que “o ideal é não falar nada de importante ao telefone”. E isso, diante do panorama que estamos vendo, não é nenhum exagero. Afinal, fica-se a mercê do entendimento do que se é falado pela interpretação do juiz. Se, por exemplo, ao telefone você falar: “não vou sair hoje porque está chovendo”, isso poderá ser interpretado: “não vou sair hoje porque a polícia está caindo em cima”. Você passa a ser mais um da máfia. É evidente a importância do grampo como instrumento de investigação, repito. Mas devemos nos atentar para a proteção dos direitos individuais que devem ser respeitados e, enfim, nos perguntar onde fica a imparcialidade do juiz, pois é ele quem determina o grampo assegurado pelo fumus boni iuris, sendo ainda considerado o titular do inquérito. E eu pergunto: como é que esse juiz que determinou o grampo pode ser o mesmo juiz que irá julgar a causa? Deve-se avançar nesse aspecto. Deveria ser assegurado que o juiz que determinou o grampo não ficasse fadado a julgar o processo cujo inquérito ele deferiu o uso desse instrumento de investigação. Daí a frustração de tantos inquéritos e processos. O fato de querer-se utilizar do grampo para chegar mais rápido a alguma conclusão de indícios de autoria e materialidade de algum crime acaba por determinar a invalidação de provas contundentes na conhecida "Árvore dos Frutos Envenenados". É mais uma evidência do dito popular: “a pressa é inimiga da perfeição”.
Portanto, precisando entrar em contato comigo, por mais importante que seja, envie-me um e-mail, de preferênia, bem detalhado. Mas, por favor, não me telefone!
Veja também: http://www.youtube.com/watch?v=WIl078IUHjI

Direitos violados
Na Grampolândia, quem grampeará o grampeador?
por Walter Ceneviva
A idéia para o título [quem grampeará o grampeador?] não é minha. É de Juvenal. Escritor e poeta satírico em Roma, Juvenal, que viveu na segunda metade do século 1º até o século 2º depois de Cristo, perguntou: “Quis custodiet custode?”. Ou seja, em transposição atualizada do latim: “Quem nos guardará daquele que nos deve guardar?” É a pergunta óbvia para quem se preocupe com o escandaloso abuso dos grampos telefônicos, quando o poder oficial não tenha quem o restrinja e impeça o excesso.
Tem sido freqüente, em especial na televisão, ver e ouvir pessoas a defender um estado policial mais enérgico como meio de enfrentar a criminalidade. Ignoram ou fingem ignorar que a orientação dos tribunais, liberando acusados, só é possível com base na Constituição, ao afirmar a presunção de inocência até que reconhecida a responsabilidade penal em sentença não sujeita a novos recursos. Entre nós, talvez pelo aumento da violência urbana (que não é problema exclusivo do Brasil), há a tendência de pretender que a prisão seja mantida, mesmo para uma acusação apenas policial ou, ainda pior, dominante nos meios de comunicação.
Também já ouvi gente dizendo que os juízes não devem ficar excluídos do grampo, para verificação de eventuais irregularidades. A violação da intimidade do magistrado é mais grave. Ofende o direito e o dever de preservar o sigilo de suas opiniões nos casos em que vai julgar.
Há métodos legais para verificar se o juiz é autor de alguma ação contrária à nobreza de sua profissão. A dificuldade de punir o magistrado, ainda que acusado de delitos graves, não é desculpa para a violação de seus direitos.
De quanto se tem visto, os grampos noticiados não parecem feitos apenas para constatar se o magistrado cometeu algum delito. Aliás, a admissão do grampo sem controle levará ao abuso contra suas vítimas. Nos sistemas ditatoriais, é constante a violação dos direitos individuais em benefício do poder dominante. O mau uso da força, em face de não integrantes do poder, passa despercebido, porque a censura veda a informação ao grande público. A ingenuidade de quem queira a ditadura é de ser repelida.
Grampear o telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal é o absurdo dos absurdos, no Estado de Direito. Leva à conseqüência óbvia: daqui a pouco os organismos policiais, ajudados por juízes desatentos, estarão grampeando os telefones dos presidentes das casas legislativas, dos tribunais federais e estaduais, dos promotores e governadores. Só escaparão dessas violações os próprios autores do grampo, cujo poder crescerá com a impunidade. Quando se houver percorrido todo o caminho das iniqüidades, haverá o choro das lamentações dos injustiçados a perguntarem: “Quem, afinal, vai grampear os grampeadores?”
A atitude, compatível com o interesse geral, na democracia, é muito clara: não se há de permitir a violação dos direitos e garantias constitucionais. Haverá exceções, por certo, quando a investigação de delitos o exija. Estas, porém, devem ser claramente delimitadas, sobretudo para os encarregados de diligências ou das providências investigatórias necessárias. O fio da navalha entre o lícito e o ilícito se resolve com a preservação dos inocentes.
Walter Ceneviva: é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.
Fonte: Conjur, 06/09/2008;
http://www.conjur.com.br/static/text/69617,1

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