quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Violência não é brincadeira de criança

Campanha contra a pedofilia promovida pelo CERCA (Centro de Referência da Criança e do Adolescente - SP). Saiba mais sobre o trabalho dessa entidade: http://www.cerca.org.br/quem.htm




Lula sanciona lei de combate à pedofilia na internet

O presidente Lula sancionou na terça-feira (25/11) lei que pune com mais rigor a pornografia infantil na internet. A lei, que teve origem na CPI da Pedofilia, deverá ampliar os tipos de situações consideradas criminosas e a pena para quem comete crimes de pedofilia na Internet. A informação é da Agência Brasil.
A lei é resultado do Projeto 3.773/08. Ele foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 11 de novembro. Lula fez o anúncio da sanção da lei ao participar da abertura do 3º Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, no Rio de Janeiro.
Mudanças
Antes da lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente previa pena de 2 a 6 anos de prisão para quem produzisse conteúdo pedófilo. Agora a pena será de 4 a 8 anos. A novidade nessa tipificação é o aumento da pena de 1/3 se o agente comete o crime prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade; de qualquer parentesco até o terceiro grau; ou de autoridade, a qualquer título, sobre a criança; ou ainda com o seu consentimento.
O crime de venda de material contendo pedofilia também teve a pena aumentada de 2 a 6 anos para 4 a 8 anos. A penalização para quem troca esse tipo de conteúdo passou de 2 a 6 anos para 3 a 6 anos de prisão.
Aliciamento na internet
Outra novidade é a tipificação para o aliciamento de crianças e adolescentes por meio de salas de bate-papo. Segundo as autoridades, a prática é bastante comum e considerada a mais perigosa, pois por meio dela o pedófilo tem condições de marcar encontros com as crianças.
Essa prática não era considerada crime porque o ECA foi criado em 1990. Somente depois disso a Internet ganhou espaço e as salas de bate-papo se tornaram cada vez mais comuns.
Comunicação de abusos
A lei estabelece que, quando as autoridades entrarem em contato com o provedor de internet comunicando algum tipo de abuso, o provedor terá que bloquear o acesso do usuário suspeito à internet e armazenar os seus dados cadastrais e de conexão para que a polícia possa identificá-lo e localizá-lo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de novembro de 2008.

sábado, 22 de novembro de 2008

Recebimento da denúncia ou queixa: os arts. 396, caput, e 399, do CPP, com a redação da Lei n. 11.719/2008


por Renato Marcão

Discussão atual das mais acirradas centra suas energias em definir o exato momento em que ocorre o efetivo recebimento da denúncia ou queixa no processo penal, e isso em razão das disposições trazidas com a Lei n. 11.719/2008 (clique aqui)
Segundo pensamos, oferecida a denúncia ou queixa, caberá ao juiz proceder à análise da inicial acusatória sob o aspecto formal e verificar os elementos de prova que a instruem, e, sendo caso, rejeitá-la liminarmente, a teor do disposto no art. 395 do CPP, assim procedendo quando for manifestamente inepta; faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, ou faltar justa causa para o exercício da ação penal. Para ser viável, é imprescindível que a inicial acusatória esteja formalmente em ordem e substancialmente autorizada.
Não identificando qualquer das causas justificadoras da rejeição liminar e, portanto, entendendo viável a acusação, o juiz deverá proferir despacho de recebimento da peça acusatória e ordenar a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
Apesar da redação do art. 399 do CPP(1), que também fala em recebimento da denúncia ou queixa, não há falar em mero juízo preliminar de admissibilidade da acusação por ocasião do art. 396, caput, do CPP.
A lei é clara ao determinar o efetivo recebimento da denúncia já por ocasião do art. 396 (... o juiz, se não a rejeitar liminarmente, "recebê-la-á" ...), e o curso do procedimento com a citação do acusado de molde a permitir que o processo tenha completada sua formação, como explicita o art. 363 do CPP, havendo harmonia entre estes dispositivos.
Para que se tenha por completa a formação do processo é imprescindível se estabeleça a relação triangular que envolve a acusação (oferecimento da peça acusatória), o juiz (recebimento formal da acusação) e o réu (citação válida). Entender que o recebimento da denúncia só ocorre por ocasião do art. 399 do CPP acarreta negar vigência ao art. 363 do mesmo Codex, e também vigência parcial ao art. 396.
A técnica jurídica está explícita. A lei fala em rejeição da denúncia ou queixa e absolvição sumária, tendo entre elas o recebimento e a citação. Rejeição, como é óbvio, antes do recebimento da inicial acusatória. Absolvição sumária, como também é reluzente, após a efetiva instauração da ação penal, pressupondo recebimento formal da acusação e citação; estando completa a formação do processo, como diz o art. 363 do CPP.
O art. 406 do CPP, com a redação da Lei n. 11.689/2008(2) (clique aqui), bem indica a opção do legislador no sentido de determinar o efetivo recebimento da inicial acusatória antes de mandar citar o acusado para apresentação de resposta escrita.
Não se seguiu, por aqui, a opção antes exposta no art. 81 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais - clique aqui); no art. 38 da Lei n. 10.409/2002 (anterior Lei de Drogas, já revogada - clique aqui), e no art. 55 da Lei n. 11.343/2006 (atual Lei de Drogas - clique aqui), no sentido de permitir resposta à acusação precedente ao recebimento da peça inaugural.
Necessário observar, ainda, que o art. 397 do CPP estabelece hipóteses em que o juiz, analisando o conteúdo da resposta escrita, poderá/deverá decretar a absolvição sumária do acusado, e é sem lógica pensar possa ser proferida sentença absolutória sem que exista processo efetivamente instaurado, e se é certo que processo instaurado pressupõe inicial acusatória formalmente recebida, resulta inviável pretender que o recebimento efetivo só ocorra por ocasião do art. 399 do CPP, cuja redação remete ao passado ("recebida").
Recebida a denúncia ou queixa, e não tendo ocorrido absolvição sumária, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.
Não há qualquer dúvida que o legislador deveria ter pautado por melhor técnica na redação dos arts. 366 e 399 do CPP. Os lamentáveis e evitáveis equívocos a que se tem prestado em matéria penal e processual penal são recorrentes, infelizmente, e bastante sintomáticos.
No sentido de que a inicial acusatória deve ser recebida já por ocasião do art. 396, caput, do CPP, conferir: Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 10ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 640; Guilherme de Souza Nucci, Código de Processo Penal comentado, 8ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 715; Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 338; Rômulo de Andrade Moreira, A reforma do Código de Processo Penal – Procedimentos, Revista Jurídica n. 370, p. 117.
Em sentido contrário Geraldo Prado(3) assim leciona: "(...) oferecida a denúncia ou queixa e se não houver imediata rejeição, por aplicação do disposto no artigo 395 do Código de Processo Penal, o juiz determinará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, em dez dias. Somente depois disso é que o juiz poderá receber a inicial (artigo 399), caso não a rejeite à luz dos novos argumentos ou não absolva o acusado com fundamento em alguma das causas previstas no artigo 397 do mesmo estatuto."
"Sob o ângulo prático esta interpretação/aplicação restitui as coisas aos seus devidos lugares e conforma a atividade da legislação ordinária a critérios constitucionais."
"E, não menos importante, permite que a Reserva de Código opere em uma dupla dimensão garantista: reforçando a idéia do Código como 'instrumento de acesso e interação com uma determinada realidade'(4); e fundando a necessária racionalidade a possibilitar que a norma processual prevista no artigo 394, § 4º, do Código de Processo Penal cumpra a exigência constitucional de validade do sistema (5)."
Nessa mesma linha de pensamento, conferir: Cezar Roberto Bitencourt e Jose Fernando Gonzales, O recebimento da denúncia segundo a Lei 11.719/08. Disponível na Internet: http://www.conjur.com.br.
Antonio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes(6) denominam o primeiro despacho (art. 396, caput) como "recebimento preliminar", e concluem que o recebimento efetivo, sendo caso, somente se dará após o oferecimento da resposta escrita.
As posições doutrinárias estão postas claramente, e todas fundadas em fortes argumentos que reclamam cuidadosa reflexão.
As conseqüências práticas de se adotar uma ou outra não se limitam ao debate ideológico ou acadêmico.
Resta aguardar para ver o entendimento que, enfim, prevalecerá na Suprema Corte.
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1 Recebida a denúncia ou queixa (...).
2 Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
3 Sobre procedimentos e antinonias. Boletim IBCCrim n. 190, setembro de 2008, p. 5.
4 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2002, p. 26.
5 PASTOR, Daniel R. Recodificación Penal y Principio de Reserva de Código. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005, p.11.
6 O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCrim n. 190, setembro de 2008, p. 2.
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Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Olhos da África - muito além de um dia de consciência...

por Irlene Maria Lima Souza
No Dia da Consciência, o Folha Salvador apresenta aos seus leitores uma reflexão da historiadora Irlene Maria Lima Souza sobre a herança africana preservada e vivenciada em Salvador, bem como as conseqüências ainda decorrentes do período da escravidão.
No dia 20 de Novembro comemoramos o Dia da Consciência Negra, data escolhida estrategicamente por representar uma referência de luta na identidade de um personagem histórico importante, Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares.
Coube ao projeto de lei número 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003, contemplar a importância da história dos negros africanos em nossa sociedade, por necessidade de manter nas mentes das pessoas a memória dos nossos antepassados, sendo o africano, um traço étnico marcante da construção sócio-econômica da sociedade brasileira nos primeiros tempos da colonização.
O Brasil recebeu na época colonial cerca de 37% de todos os escravos africanos que foram trazidos para as Américas. A quantidade total de escravos africanos não temos, em dados definitivos, porém alguns estudiosos citam mais de três milhões de pessoas, outros quatro milhões. Sobre o tráfico de negros da África sabe-se que começou por volta de 1550. No período entre 1837 à 1840, os homens constituíam 73,7% e as mulheres apenas 26,3% da população escrava.
No decorrer dos anos, as condições de sobrevivência dos afro-descendentes no Brasil, não foram das melhores. Estes carregaram ao longo do tempo, no cotidiano de suas vidas, a sombra de um preconceito inserido numa ideologia sustentada pela desigualdade e pelo descaso de uma sociedade de ideais eurocêntricos. A luta atual dos negros no Brasil por um espaço social de prestígio é sem dúvida, uma demonstração ainda da presença dessa desigualdade.
Existe uma dívida histórica com relação à crueldade humana e sofrimento que os negros africanos passaram em nosso país. Tem, o Brasil, um passado devedor à memória de uma história fria, exploradora e desumana.
O olhar do mundo atual para o continente africano precisa estar numa condição de solidariedade e cumplicidade. Nós brasileiros, especificamente baianos, somos um pouco a própria história africana, construímos nossos valores sociais também a partir dessa cultura. Temos também responsabilidade na luta contra o preconceito racial.
Durante a nossa história, conquistamos uma democracia, num Estado de Direito onde, este encontra-se garantido na nossa Constituição, no artigo 5º(Todos são iguais perante a lei). A Igualdade está como parâmetro fundamental para uma conduta mais consciente na convivência social brasileira. Uma sociedade preconceituosa é uma sociedade em atraso na sua mais nobre essência. Vamos efetivar essa igualdade...
Os negro(as) que circulam nos espaços da Bahia, por exemplo, principalmente em Salvador, são heróis individualizados porque convivem com desafios sociais a cada momento, vivem as dificuldades das periferias, sonham com as universidades, deixam suas escolas para ajudar na renda familiar e sofrem o preconceito, apenas por serem negros e, por este fato, estão atrelados à uma camada desfavorecida da sociedade, em que historicamente foram conduzidos a esta posição. Não podemos viver num camuflado Apertheid, somos evoluídos, somos civilizados....
Trago aqui uma breve curiosidade, apenas como reflexão da situação do negro em nossa cidade, lembrando a situação atual da África do Sul:“O país fez a sua revolução, mas o país ainda é dominado por brancos. Os negros são 75% da população mas estão relegados a atividades menos nobres. Os indianos são presença constante e tem uma posição melhor que a dos negros e pior que os brancos. Os brancos dominam economicamente o país. Vivem em Sandton e arredores e nunca vão para o centro da cidade ou a parte sul. São lugares onde a criminalidade é muito mais alta (Soweto fica no extremo Sul, Sandton no Norte). Existem escolas públicas, semi-públicas e privadas. Também escola praticamente exclusiva para brancos, além da questão financeira, ensinam em Afrikans – língua dos brancos na época do Apertheid ”. (February)
Não vamos transformar nossas convicções de justiça numa falsa conduta de harmonia. Somos um povo de lutas, assim como os africanos, conquistamos espaço e não podemos perdê-lo. Curiosamente a África do Sul simboliza aparentemente uma referência de liberdade social para os negros, vamos olhar a Bahia como um lugar que não vive de aparências.
Irlene Maria Lima Souza é estudante de Direito da Faculdade 2 de Julho, em Salvador, e é graduada em História com Habilitação em Patrimônio Cultural pela Universidade Católica do Salvador.
Fonte: http://www.folhasalvador.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=499:olhos-da-africa&catid=134:etnia&Itemid=376

A Inconstitucionalidade da agravante na reincidência

por Adriano Pagotto

A reincidência é um instituto do Direito Penal tratado em todos os livros e manuais referente à matéria, porém, quase sempre, é tratado de forma superficial. O objetivo do presente trabalho é apontar a inconstitucionalidade da agravante na reincidência por violar diversos princípios jurídicos, além de registrar que o discurso tradicional da ressocialização pelo cumprimento de pena privativa de liberdade não se concretiza na prática. Dessa forma, diante de tantos pontos problemáticos com relação ao instituto da reincidência e ainda que existam outras sugestões de diversos autores, concluiu-se pela inconstitucionalidade da reincidência e conseqüentemente pela sua supressão do Direito Penal Brasileiro.
É de extrema importância a diferenciação entre direito penal de ato e direito penal de autor, especialmente no tocante ao estudo da reincidência. O crime, para o direito penal de ato ou de fato, traduz-se em um dado objetivo, enquanto que para o direito penal de autor, o crime passa a ser a manifestação de uma personalidade perigosa, ou seja, ocorre a subjetivação do delito.
O crime é, na realidade, um fato causado por um ser humano. Dessa forma, há dois fatores distintos: o fato e o seu autor. O sistema punitivo pode ser construído levando em consideração apenas o fato, em que se estará diante de um direito penal de fato. Ou pode tomar como base o agente, quando poderá se falar em direito penal de autor. Pode, ainda, haver uma terceira opção, em que há a presença de ambos os fatores: são os sistemas moderados em prol de um direito penal de fato, mas que considera também o seu autor. Essa terceira opção é o que ocorre na maioria dos países. Um exemplo é o ordenamento jurídico brasileiro, pois o tipo penal incrimina a conduta (direito penal de fato), contudo, há vários dispositivos que fazem referência ao autor desta conduta (direito penal de autor), como o que se refere à personalidade e aos antecedentes no art. 59 do Código Penal.
Além de não se adequar a um sistema garantista, o direito penal de autor diferencia os indivíduos em perigosos e não-perigosos, delinqüentes e não-delinqüentes, bons e maus. Dentro dessa classificação, os criminosos sempre carregariam o estigma do “mau”, do diferente, do inimigo. É o que acontece, também, com o sujeito considerado reincidente, que passa a ser etiquetado, recebendo o rótulo de perverso, inadaptado, perigoso.
Quando se disserta sobre a reincidência, um assunto que sempre deve ser analisado refere-se à função da pena. Segundo disposto no art. 59 do Código Penal, a pena será fixada conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Assim, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria unitária ou eclética, que concilia as teorias absolutas (retribuição) e relativas (prevenção).
Ocorre, entretanto, que tal instituto deve ser banido da ordem jurídica, por violação a diversos princípios jurídicos, como sustenta a melhor doutrina. Pode-se dizer que a reincidência vulnera todos os limites do lus puniendi estatal. Isso porque ela é incompatível com um Estado Democrático de Direito, em que a luta pelo respeito aos direitos fundamentais é constante e em que se reconhece um rol de direitos garantistas, rol este contrário à idéia da recidiva.
O princípio ferido mais comentado pelos doutrinadores ao se referirem à inconstitucionalidade da reincidência é o princípio da legalidade e o seu significado mais moderno: o princípio do non bis in idem.
O princípio da legalidade exige, entre outras coisas, que para cada infração penal, exista uma respectiva sanção preestabelecida. A descrição de condutas puníveis amolda-se a um direito penal de ato, em que é proibido apenar o sujeito pelo que ele é.
O ponto principal na alegação da inconstitucionalidade da reincidência, entretanto, é com relação ao princípio do non bis in idem, que proíbe a dupla valoração fática, ou seja, impede a dupla punição por um mesmo fato. No momento em que se aplica a pena ao caso concreto, através da sentença, encerra-se o poder punitivo estatal, restando apenas à possibilidade de execução. Logo, não pode haver o agravamento da pena de um delito (seja em quantidade, seja na forma de seu cumprimento) em função de um outro delito anteriormente praticado e pelo qual seu autor já foi apenado.
O que ocorre com a reincidência é que a pena agravada que se impõe ao segundo delito é conseqüência do primeiro crime cometido, pelo qual já foi julgado e condenado. O problema é que quem delinqüe após ter sofrido uma pena não pode ser sancionado mais severamente ou ter sua pena agravada quando é condenado por um delito posterior à pena já sofrida. Com a reincidência, realiza-se um “jogo de penas”, em que primeiramente se castiga pelo crime cometido e, posteriormente, esse crime pelo qual foi condenado serve para castigar mais severamente o segundo delito. O plus de pena deriva de se levar em conta novamente um delito já apenado e, assim, agregar ao delito posterior uma pena superior, apenas em virtude do crime anterior.
Além disso, a reincidência viola o postulado basilar de que a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade. Isso porque a pena deve representar exatamente a reprovação exata da culpabilidade, não podendo ser aplicada além da medida e da extensão desta, devendo estar sempre dentro dos limites da pena abstrata cominada para o correspondente tipo de injusto.
A doutrina sugere algumas alternativas à reincidência. Poderia ser considerada uma atenuante do delito, pois o preso, cumprindo a pena e voltando a delinqüir, deveria ter a sanção pelo segundo crime diminuída, pois a pena do crime, imposta pelo Estado, anterior não cumpriu seu objetivo ressocializador. Poderia, também, ser considerado um irrelevante penal, quando o sujeito condenado, não tiver cumprido a pena, voltar a delinqüir. Assim, a pena pelo segundo crime não seria nem agravada nem atenuada. Outra sugestão proposta é a aplicação da reincidência como agravante facultativa apenas nos casos em que o crime anterior tiver conexão com o crime posterior. Seria aplicada a agravante quando a conexão recomendasse recrudescer a sanção penal do delito posterior.
Pelo exposto, entretanto, conclui-se que a melhor solução seria a abolição total da reincidência do ordenamento jurídico brasileiro. Esta solução é a que melhor se encaixa no sistema constitucional vigente no Brasil, por privilegiar os princípios constitucionais que regem o Direito Penal. Há que se repensar o papel dos institutos penais à luz da Constituição Federal de 1988, que trouxe todo um novo rol garantista de direitos fundamentais que visam a proteger o indivíduo e a limitar a intervenção punitiva estatal.
Adriano Pagotto é bacharel em Direito.

domingo, 16 de novembro de 2008

O correto e o justo

Um juiz está saindo do motel quando cruza com o carro de um colega de toga.
Ambos então percebem que cada um estava com a esposa do outro no banco do passageiro.
Passada a surpresa, um deles, respeitosamente, dirige-se ao outro com o seguinte pedido:
– Nobre colega, julgo que o correto seria que a minha esposa viesse para o meu carro, e que a sua mulher voltasse no carro de Vossa Excelência.
O outro, então, responde solenemente:
– Concordo plenamente, nobre colega, que isso seria o correto. No entanto, não seria justo, considerando que vocês estão saindo e nós estamos entrando.
(Baseado em post do
Blog do Professor Manuel)

sábado, 15 de novembro de 2008

CNJ inspeciona TJ-BA por acúmulo de processos

Marcelo Brandão e Flávio Costa Redação CORREIO
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a instauração de uma inspeção na Justiça baiana para investigar o atraso em mais de 110 mil processos que se acumulam na primeira e segunda entrâncias, em todo o estado. Apenas entre as ações que já foram concluídas, mais de 40 mil estão paradas à espera de sentenças, empilhando as prateleiras do Judiciário. A fiscalização foi instaurada pelo próprio corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, no dia 15 de outubro de 2008, em Salvador, quando ocorreu uma audiência pública para discutir o problema com a participação da população.
Veja o relatório final dos entraves no TJ-BA:

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

CCJ do Senado aprova uso de videoconferência em interrogatórios!

Priscilla Mazenotti
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou hoje (12) em turno suplementar o projeto que permite o uso de videoconferência em interrogatórios. Pela proposta, caberá ao juiz analisar a necessidade do método, como em casos de risco à segurança pública ou quando o réu estiver doente.
"Isso barateia, agiliza e facilita o processo", ressaltou o senador Aloizio Mercadante (PT-SP). "O juiz decide se usa ou não [o método], basta fundamentar o pedido", completou.
O projeto também permite a testemunhas que estejam foram da comarca serem ouvidas por videoconferência.
O Supremo Tribunal Federal já havia declarado inconstitucional uma lei estadual de São Paulo que permitia a videoconferência. Os ministros entenderam que caberia somente ao Congresso legislar sobre o assunto.
A proposta segue, agora, para a Câmara dos Deputados.
Veja maiores detalhes no site Consultor Jurídico, de 12 de novembro de 2008: http://www.conjur.com.br/static/text/71657,1

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Videoconferência na Justiça Brasileira - um bem ou mal necessário?


Por Karina Merlo
É para surpreender qualquer cidadão de sã consciência a forma pela qual a videoconferência no judiciário brasileiro tem sido discutida. Afinal, como um procedimento compatível com os tempos atuais pode enfrentar tanta polêmica em pleno século XXI?
O Código de Processo Penal (CPP) está em vigor desde 1941. No início do século XX, para conseguir completar uma ligação telefônica tinha-se que rodar uma manivela e pedir a necessária intervenção de uma telefonista a fim de completar a chamada. Nem a última reforma do CPP foi condizente aos novos tempos. Hoje, com a ajuda de satélites, internet, e em plena era da globalização, ainda se resiste em utilizar os meios tecnológicos de ponta para agilizar a burocrática máquina judiciária. Enquanto isso nos presídios os presos demonstram a praticidade de como comandar verdadeiras organizações criminosas através dos sofisticados celulares Blackberry ao mais simples modelo pré-pago. Em contrapartida o judiciário luta para informatizar e padronizar os seus formulários, que em sua grande parte, ainda são preenchidos em máquinas de datilografar.


Uma semana depois do Supremo Tribunal Federal (STF) declarar inconstitucional a lei 11.819/05 do Estado de São Paulo que autorizava a realização de interrogatórios por videoconferência, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) aprovou um projeto estendendo o uso da tecnologia para todo o país.
O texto, aprovado em primeiro turno na comissão, altera dispositivos do Código Penal para admitir a possibilidade de realização de interrogatório on line em situações excepcionais do réu preso.
O juiz que optar pela videoconferência terá que comprovar a necessidade do interrogatório à distância por motivos de segurança, manutenção da ordem pública e a garantia da aplicação da lei penal e da instituição criminal. O Projeto de Lei 7227/06, de autoria do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), afirma que o juiz deve garantir o direito de entrevista reservada do acusado com o seu defensor antes da realização do interrogatório - seja no presídio ou por meio de videoconferência.
Além disso, o projeto estabelece que a sala do presídio destinada à realização do interrogatório por videoconferência seja fiscalizada pelo Ministério Público, magistrados e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil. O texto ainda admite que a tomada de depoimento do preso que residir fora da jurisdição da vara que investiga o crime ocorra por meio de videoconferência, ao invés do sistema tradicional de carta precatória.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator do projeto, disse que a videoconferência será utilizada somente nos casos excepcionais, previstos no texto. "A videoconferência pode ser uma exceção, uma possibilidade, mas não a regra", afirmou.
O projeto tem caráter terminativo, por isso, depois de aprovado em segundo turno pela CCJ, segue diretamente para votação na Câmara. Apesar do aval dos senadores para a videoconferência, o STF derrubou na semana passada a lei 11.819/05 do Estado de São Paulo que permitia a utilização do mecanismo para o interrogatório dos presos - com o argumento de que somente o Congresso, e não a Assembléia Legislativa, pode legislar sobre o tema relativo ao Processo Penal por ser matéria de competência privativa da União.
Depois do uso das algemas limitado pelo STF, a videoconferência é mais uma medida que toma formato opcional e não obrigatória na sua nova versão pelo CCJ. A proposta, por ser terminativa, será submetida aos deputados, sem a necessidade de ser examinada pelo plenário do Senado.
Em São Paulo, a média de gasto com a escolta de um preso ao tribunal é de R$ 2.500,00. Com o sistema de videoconferência, estar-se-ia economizando algo em torno de R$ 17.500.000,00 por semana, se considerarmos um preso por escolta. No Distrito Federal, um dos estados brasileiros pioneiros nessa técnica, conforme declaração do juízo de execução penal, a economia está em torno de R$ 1 milhão por mês.
Somente no estado de São Paulo, até 31 de outubro de 2008, foram realizadas 3.619 teleaudiências nas 16 salas montadas para esse fim. Em 2007, houve 77 mil escoltas de presos, que exigiram 109 mil deslocamentos de policiais civis e militares, com custo de R$ 5,8 milhões. Até setembro, foram feitas 53 mil escoltas, com deslocamentos de 80.207 policiais, e despesa de R$ 4,2 milhões, sem contar, como no ano anterior, os salários dos servidores envolvidos nas operações. São Paulo prevê instalar mais 50 pontos de videoconferência, num investimento de R$ 10 milhões, e espera o Congresso Nacional, onde tramita projeto que regulamenta o assunto.


A DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO STF
Por maioria, em julgamento do HC-90900 realizado na quinta-feira, dia 30 de outubro de 2008, os ministros do Supremo Tribunal Federal consideraram inconstitucional a lei 11.819/05 do Estado de São Paulo que permitia audiência por videoconferência. Com a decisão, o interrogatório do réu Danilo Ricardo Torczynnowski, condenado a cumprir sete anos de prisão por roubo, foi cancelado.
A decisão do STF provocou grande polêmica, afinal essa tecnologia tem sido praticada pelo judiciário paulista desde 2005, contabilizando cerca de 3.619 audiências realizadas por videoconferência no estado de São Paulo, em 16 presídios equipados para este fim. O governo do estado argumenta que o interrogatório on line reduz os gastos, principalmente com escolta policial, e não fere o direito de defesa.
O HC-90900 foi impetrado no STF pela Defensoria Pública de São Paulo pedindo a anulação de interrogatório realizado por meio de videoconferência, justificando que somente a presença física do juiz poderia garantir a liberdade de expressão do acusado. Também apontou a inconstitucionalidade da norma paulista, por violação ao artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.
A questão passou antes pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou pedido idêntico sob o argumento de que não ficou demonstrado que o procedimento teria causado prejuízo à defesa do acusado, não havendo assim, segundo entendimento do STJ, que se declarar a nulidade do ato, permanecendo-se a condenação. Afastou ainda alegações de violação aos princípios jurídicos do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da publicidade e da isonomia, bem como a ocorrência de inconstitucionalidade material da lei estadual paulista Nº11.819/05 que instituiu o interrogatório on line por se tratar apenas de procedimento.
Após a recusa do STJ em conceder o HC, a Defensoria Pública recorreu ao STF e, novamente reafirmou os mesmos argumentos que já havia utilizado no STJ: o preso ao ser interrogado por videoconferência tem os seus direitos constitucionais afetados - princípios do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural – ou seja, o fato do magistrado estar face-a-face com o acusado aumentaria sensivelmente a possibilidade de julgar de forma mais acertada em favor verdade real. Quanto à ampla defesa, todos os meios possíveis para que o réu se manifeste devem ser considerados, o que inclui a possibilidade de mostrar suas expressões pessoais ao magistrado. O livre convencimento do juiz também ficaria prejudicado, uma vez que o alcance de sua análise no depoimento estaria restrito à imagem transmitida pelo monitor. À medida que se desse a oportunidade de verificar as expressões e movimentos faciais e corporais do réu seria mais fácil aferir a sinceridade quanto ao depoimento do interrogado na hora em que ele estivesse sendo questionado.
Todavia, no arcabouço das leis penais e processuais penais, a relevância é julgar os fatos e não pessoas. Se tais sensíveis observações das expressões nas imagens captadas pelo magistrado fossem necessárias para a sua convicção, as suas conclusões seriam diferentes se as tivesse colhido no depoimento pessoal físico? Ora, a câmera é um instrumento tão poderoso que é comum o comentário, no meio televisivo, que ela seja "um meio de captar a alma de alguém". Por isso, ao se transmitir reportagens televisivas, em que parentes de vítimas são entrevistados no auge de suas emoções, termina-se por desencadear uma verdadeira comoção nacional. Qual o ser humano não se emocionaria ao ver um pai desoladamente lamentar a perda violenta de um filho? Seriam essas expressões reclamadas em prol do réu pela Defensoria Pública?
Em novo argumento ao STF, a Defensoria inovou levantando mais uma tese: a possibilidade da pessoa interrogada por meio de videoconferência estar sendo coagida, não podendo ter o juiz condições de saber, pela televisão, se tem lá do outro lado, alguém próximo às câmeras praticando algum tipo de coação para que o interrogado dê um depoimento que não corresponde à verdade dos fatos. Ou seja, o mesmo Estado que fecha os olhos à saúde do preso, ao mundo paralelo que existe no interior dos presídios, às torturas oficiais e extra-oficiais, enfim, à dignidade mínima da pessoa humana, não é parâmetro dos melhores para assegurar um interrogatório imparcial, isento de coações. Ninguém pode assegurar um interrogatório à distância livre de constrangimento para o interrogado. Entretanto, a consideração de tais situações é válida para qualquer procedimento processual no Brasil, visto que a justiça tem demonstrado o seu viés cada vez mais político e suscetível de corrupção.
Na visão da relatora, a ministra Ellen Gracie, é possível a realização do interrogatório por videoconferência. “O tema envolve procedimento, segundo entendo, e não processo penal”, disse a ministra, verificando que o estado de São Paulo não legislou sobre processo, mas sobre procedimento “o que é perfeitamente legítimo no direito brasileiro nos termos do artigo 24, XI da Constituição”. Assim, na opinião dela, não há inconstitucionalidade formal da norma questionada.
A ministra também entendeu não haver inconstitucionalidade material, tendo em vista que o procedimento instituído pela norma paulista preserva todos os direitos e garantias fundamentais, inclusive a garantia da ampla defesa e o devido processo legal. Para ela, o sistema de videoconferência é uma nova forma de contato direto, não necessariamente no mesmo local. “Além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as características relativas à personalidade, condição sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a idéia da ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização do seu interrogatório”, disse Ellen Gracie, ao votar pelo indeferimento do pedido.
Inconstitucionalidade maior é a ilegalidade sofrida pelo réu preso na lesão ao seu direito de liberdade por mais tempo do que a lei permite, pelo simples fato de estar aguardando que a justiça consiga compatibilizar seus arcaicos meios para efetivar os procedimentos durante o processo. Daí terem os defensores da videoconferência lá as suas razões. As alegações mais comuns são: o perigo representado pelo deslocamento do preso até o fórum, as despesas provenientes, a possibilidade de resgate, a utilização excessiva de agentes policiais, entre outras.
Alguns estados, como São Paulo (Lei 11.819/05) e Rio de Janeiro (Lei 4.554/05), antecipando-se para evitar os custos elevados no interrogatório pessoal, elaboraram suas leis permitindo a criação de salas específicas para o uso da videoconferência em interrogatórios, evitando os custos processuais da mobilização do réu até o tribunal, de efetivo policial e viaturas.



A PERGUNTA QUE NÃO CALA: O INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA É VÁLIDO?
O advogado e professor de Direito Penal da USP, Pierpaolo Cruz Bottini, considera que o interrogatório dessa forma fere os princípios do Direito Processual Penal. “A presença física do interrogando, quando réu preso, é fundamental e indispensável”, afirma. Bottini lembra que o interrogatório é um ato de defesa e que pode ser cerceado, pelo fato de o réu estar distante do juiz. “Há uma certa dificuldade de produção de provas. A videoconferência também impõe dificuldade se o réu quiser relatar algo de sua condição de preso ou algum problema vivido dentro do cárcere”, destaca. Ele defende o uso da videoconferência somente para testemunhas. “É um meio válido para ouvir alguém no exterior, por exemplo”.
Miguel Pachá, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, também defende a utilização da videoconferência só na oitiva de testemunhas.
Quanto à possibilidade da realização de videoconferência, prevista na Convenção Internacional como exposta pela relatora Ellen Gracie no julgamento do HC-90900, o ministro Menezes Direito disse que, em contrapartida, o Pacto de São José da Costa Rica estabelece a obrigatoriedade da presença física do réu perante o juiz. Segundo o ministro, essa disciplina é repetida do mesmo modo no Pacto dos Direitos Civis e Políticos.
Alega-se que o artigo 9º, §3º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de Nova Iorque) e o artigo 7º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), prevêem o direito do réu de ser conduzido à presença física do juiz natural. Ora, as referidas normas falam apenas em levar o detido à "presença do juiz", e a presença virtual, ao vivo, atual e simultânea, por meio de videoconferência, confere ao acusado as mesmas garantias que o comparecimento in persona, diante do magistrado. “Eu enxergo, portanto, que a possibilidade de videoconferência esbarra na disciplina constitucional brasileira”, concluiu o ministro, observando que o ato praticado “padece de evidente nulidade”.
O voto do ministro Menezes Direito pela concessão do HC foi seguido pela maioria dos ministros, vencida a ministra Ellen Gracie. Com a decisão, o Plenário do Supremo anulou o processo, declarou a inconstitucionalidade formal da norma paulista e concedeu alvará de soltura em favor de Danilo Ricardo Torczynnowski.


INCONSTITUCIONALIDADE?
Dr. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira criticou com propriedade, no artigo publicado “Interrogatório por videoconferência – Inconstitucionalidade” (1) , a Lei Paulista 11.819/05, por ser esta flagrantemente inconstitucional, por violar a CF/88 (pacto federativo), o Estatuto da OAB e o Código de Processo Penal, sugerindo aos juízes paulistas desconhecerem sua aplicação ou julgarem, incidenter tantum, sua inconstitucionalidade, resgatando o Estado Democrático de Direito. Em suas lições, destaca-se o modelo federativo brasileiro:

“ (...)
  • Pode uma lei estadual disciplinar matéria de processo penal ?
  • Pode uma lei estadual, com o objetivo de celeridade processual, violar garantias constitucionais ?
No âmbito penal há reserva legal e isso decorre da garantia da lex populi (somente lei do povo, aprovada por seus representantes, é que pode afetar o ius libertatis do cidadão - cf. sobre a lex est quod populus jubet atque constituit GOMES, Luiz Flávio. Medidas provisórias e direito penal. São Paulo: RT, 1999, p. 222). Acrescente-se a isto que mesmo estando reservado a lei, determinadas matérias tem reservas de entes: algumas somente por lei federal.
Assim, a reserva legal também é princípio norteador de leis que atingem o processo penal e até normas mistas (leia-se, quando aparentemente atingem processo penal, mas de alguma forma tem reflexo penal), ou seja, quando este interferir na liberdade do condenado, seja na ampla defesa, contraditório ou qualquer princípio norteador.
Desta forma, medidas que restringem a liberdade devem emanar diretamente do Congresso Nacional e em relação a essas matérias somente a União (pelo Congresso Nacional) pode legislar (CF, art. 22). Há reserva de competência legislativa, ou seja, vigora não somente o princípio da legalidade (CP, art. 1º; LICPP) senão sobretudo o da reserva legal (CF, art. 5º, XXXIX)”.
Com certeza, muitos podem sustentar: ora, mas o artigo 24, I e XI da CF/88 é expresso ao afirmar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito penitenciário e procedimentos em matéria processual.
Porém, não procede a alegação de que o caso versa sobre “procedimento” e não processo, pois processo penal é tido como latu sensu (conjunto de regras que limitam a injusta intervenção do Estado nas liberdades individuais) e ainda que assim não fosse, o reflexo penal (invasão na ampla defesa ao dificultar esta) é realmente visível.
A própria lei é contraditória, pois viola a CF/88 (“nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, poderão ser utilizados aparelhos de videoconferência, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual...”) e ainda ressalva: “observadas as garantias constitucionais”.
Viola os direitos individuais de ampla defesa e a reserva de competência legislativa, e ainda diz que “observadas as garantias constitucionais”, ou seja, é uma lei autofágica, pois a garantia constitucional do Habeas Corpus e ainda o controle de constitucionalidaede (difuso e coletivo no STF), por si só, tornarão a lei letra morta ou, caso insistida pelos juízes, passível de indenização contra o Estado de São Paulo.
Assim, toda e qualquer regra que venha a criar, modificar, extinguir ou reduzir a satisfação do Estado de punir ou executar a pena, deve ser considerada de natureza mista (e não processual) e portanto, sujeitas à reserva legal, reserva de competência legislativa e, além desta forma, sujeitas às matérias constitucionais (irretroatividade, salvo se beneficiar o réu, preservação da inocência, entre ela a não obrigação de auto-acusação etc).
Portanto, trata-se de uma lei de “fachada procedimental”, quando é muito mais que processual, leia-se, atinge a ampla defesa do réu, dificulta (embora não impeça) a entrevista prévia do réu com seu defensor, dificulta a defesa técnica (na medida em que os estabelecimentos prisionais por segurança criam regras para visitas e entrevistas, o que não poderia, pelo Estatuto da OAB) e cria uma restrição à Verdade Real (na medida em que o réu, sem a presença física do juiz, pode estar sujeito a pressões no estabelecimento prisional, por vezes assumindo crimes que não é o autor, na figura obnubilante da conhecida “compra de crimes em crime continuado”), criando uma espécie de “pena de morte oblíqua”.
Logo, as normas editadas por SP têm natureza mista, ou seja, possui uma fachada de processo penal (aliás, vem no rótulo de procedimento e não de processo), porém, com um acentuado caráter de Direito Penal, já que dificulta a ampla defesa e portanto, interfere na liberdade do cidadão. Sendo norma mista, suas regras regem-se pela disciplina do Direito Penal e não do Direito Processual Penal, assim, aplica-se o artigo 5º, XL da CF/88, sendo pois, irretroativa tal lei (e não de aplicação imediata), além de incompatível por legislação estadual. Dessa forma, não se pode afirmar que a lei estadual seja apenas uma lei procedimental, passível de competência comum dos Estados, pois seria sofisma a isto lhe outorgar.
Pode o Estado delegar tal matéria, já que a competência sobre processo penal (e não procedimento ou “direito penitenciário”) é privativa da União ?
De acordo com o parágrafo único do artigo 22 da CF/88, somente lei complementar federal poderá autorizar os Estados-membros a legislar sobre matéria penal e processual penal (leia-se, também, lei mista), em relações a questões específicas (matérias previstas na lei complementar que tenham interesse tão somente local).
Porém, os Estados não podem legislar sobre matéria fundamental de Direito Penal ou de Processo Penal, modificando o Código de Processo Penal (inclusive a nova Lei 10.792/03) ou, por via oblíqua, sob pretexto de se tratar de “direito penitenciário” ou “procedimento”), criar limitações na liberdade do cidadão, ainda mais severas que as normas da União (Lei 10.792/03 cujo histórico será explicado a seguir).
É a conhecida competência suplementar, que pode ou não ser delegada aos Estados, senão, por lei complementar, que não foi o caso da Lei 11.819/05.
Por outro lado, quando o artigo 24, I e XI da CF/88 impõe que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito penitenciário e procedimento em matéria processual, surgem as indagações:
Qual o conceito de Direito Penitenciário e de procedimento em matéria processual ?
Qual o alcance da competência concorrente ?
Para Arminda Bergamini Miotto, Direito Penitenciário consiste no “conjunto de normas jurídicas relativas ao tratamento do preso e ao modo de execução da pena privativa de liberdade, abrangendo, por conseguinte, o regulamento penitenciário” (Curso de ciência penitenciária. Saraiva, 1975. v. 1. p. 59).
Por outro lado, “procedimento” em matéria processual é apenas o conjunto de normas jurídicas que torna lógico e seqüencial a matéria processual invocada, entendida como tal a materialização do processo penal em juízo, desde que não viole direitos individuais e garantias constitucionais e, por óbvio, face o artigo 22, I da CF/88, desde que não seja forma sibilina de violar reserva de competência legal, ou seja, não pode a lei estadual, a pretexto de disciplinar procedimento (formas ordenadas e concatenadas de caminhar do processo) impedir, dificultar, ampliar ou restringir matéria de direito material ou processual penal.
Corolário, os conceitos de “direito penitenciário” e “procedimento em matéria processual”, no entanto, não podem, sob via oblíqua, atingir o conceito de norma penal ou mista (artigo 22, I e seu parágrafo único da CF/88), ou seja, normas que conduzam a privação ou restrição da liberdade do cidadão. Logo, “direito penitenciário” e “procedimento em matéria processual” significam normas dos Estados que particularizem, adaptem os princípios constitucionais e as bases da Lei Federal a peculiaridades regionais do estabelecimento prisional ou do Judiciário local.
Portanto, o artigo 24, I e XI da CF/88 cuida de matéria penitenciária e procedimental e não penal ou mista (cujas regras são aparentemente de processo penal, leia-se, regime interno de presídios e procedimento para oitiva de réus, porém, com acentuado caráter de direito penal – dificulta o acesso a defesa), sob pena do Estado estar legislando sobre Direito Penal e Processual Penal (ou mista, como quiser), competência privativa da União(artigo 22, I da CF/88).
Na competência concorrente do artigo 24, I a competência da União é direcionada somente às normas gerais, sendo inconstitucional o que dela ultrapassar, sendo que nesta competência concorrente, não há possibilidade de delegação por parte da União, aos Estados e DF das matérias elencadas no artigo 24 da CF, nem por lei complementar, pois o artigo 24 não tem previsão para isso, como tem o artigo 22, I da CF/88.
A competência concorrente do artigo 24 da CF/88, portanto, pode se dar de suas espécies:
(a) de forma complementar – a União, através de lei federal estabelece normas gerais, ficando os Estados e DF com competência para normas específicas ou locais, conforme já visto;
(b) de forma supletiva – previsto no artigo 24, §§3º e 4º da CF/88. Neste caso a hipótese é outra, ou seja, esta competência somente ocorre em face da desídia da União em editar lei federal sobre determinado assunto, quando Estados e DF passam a ter, temporariamente, competência plena para criação de normas de caráter geral que, a qualquer tempo pode ter sua eficácia suspensa se houver a superveniência de lei federal regulando as normas gerais.
Por isto, a Lei Paulista é inconstitucional, por não observar a essência da competência concorrente e por tratar-se de norma com acentuado caráter de Direito Penal, logo, somente passível de delegação via lei complementar (artigo 22, I e seu parágrafo único da CF/88).
Como se observa, o acentuado caráter de Direito Penal (artigo 22, I e seu parágrafo único da CF/88, que somente permitiria delegação por lei complementar) encontra-se na limitação da defesa, dogma constitucional (artigo 5º, LV da CF/88), já que a pretexto de “celeridade” (até então, norma concorrente), o Estado poderia limitar o exercício da defesa dos condenados, inclusive, para defendê-los da inclusão injusta ou ilegal no regime disciplinar diferenciado. (...)”.

O CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSO PENAL
O criminalista David Rechulski também ressalta que a presença física do acusado é de fundamental importância para que o juiz possa perceber a sinceridade, a dissimulação e o nervosismo, por exemplo, diante das perguntas formuladas. “Essas impressões são realmente importantes e não deixam de compor parte do mecanismo de formação do livre convencimento do julgador, que juntamente com os demais elementos de prova existentes nos autos, ajudará na sua convicção para absolver ou condenar o acusado”, afirma o advogado. (2)
O Código Brasileiro de Processo Penal, em seu artigo 185 prevê que: “O acusado, que for preso, ou comparecer, espontaneamente ou em virtude de intimação, perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado”.
A
rt. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.
§ 1º O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal.
§2º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.
Os opositores a aplicação da videoconferência fundamentam seus argumentos no artigo 185, caput, do CPP ao afirmarem que a expressão “comparecer perante a autoridade judiciária”, implica estar diante fisicamente da autoridade judiciária, desta forma inviabilizado está o interrogatório on line.




O QUE É A VIDEOCONFERÊNCIA?

O interrogatório on line é um ato judicial, presidido pelo juiz, em que se indaga ao acusado sobre os fatos imputados contra ele advindo de uma queixa ou denúncia, dando-lhe ciência ao tempo em que oferece oportunidade de defesa, realizado através de um sistema que funciona com equipamentos e software específicos.

No interrogatório on line, câmeras e recepção de áudio podem ser monitorados por controle remoto, identificando os presentes em cada sala. A conexão é via linha telefônica, com Redes ISDN (Integrated Services Digital Network) que formam uma conexão de 512 Kbps. (3)

No universo da tecnologia de comunicação, o interrogatório on line surge facilitando a comunicação de longa distância utilizando não só o som, mas também as imagens em tempo real.

DIREITO COMPARADO E O INTERROGATÓRIO ON LINE

Vários países estão inserindo em suas legislações dispositivos que permitem a utilização de sistemas de interrogatórios por videoconferência nas intervenções processuais do direito.

Os países democráticos da Europa praticam a videoconferência com toda a naturalidade.

Os Estados Unidos da América já adotam o interrogatório on line em ações criminais e civis.

Os Tribunais de Cingapura já realizam audiências de oitiva de testemunhas através de interrogatórios on line nos processos civis, com projetos para serem aplicados também na seara criminal.

Na Itália, país onde há um grande combate aos setores das máfias siciliana, napolitana e calabresa, já se tem a aplicação de interrogatório on line. Giancarlo Sandro Caselli, ex-chefe do pool antimáfia italiano atualmente responsável pelo sistema carcerário da Itália afirma que: “Os interrogatórios são feitos por circuito interno de televisão. Dessa maneira não há constrangimento para testemunhas e existe mais segurança para os setores que estão investigando os mafiosos.” Explicou ainda que: “Para evitar que os mafiosos fossem resgatados ou fizessem ameaças às testemunhas durante os interrogatórios, o Ministério Público passou a utilizar o que eles chamam de videoconferência.”(4)

No Brasil não há lei que regulamente o interrogatório on line, muito embora já esteja sendo aplicada, mas existem diversos projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, os quais versam sobre o assunto desde 1999 (o deputado Luiz Antônio Fleury apresentou ao Congresso Nacional o Projeto Lei Nº1233, que modifica a redação dos artigos 6º, 10, 16, 23, 28, 185, 195, 366 e 414 do Código de Processo Penal, alterando os critérios para realização do inquérito policial e possibilitando a realização de interrogatórios e audiências à distância por meio telemático, através de um canal reservado de comunicação entre o réu e seu defensor ou curador).

DOUTRINA

O interrogatório on line vem sendo realizado em alguns estados do Brasil, até agora, positivamente. Entretanto, há duas correntes no mundo jurídico quanto à questão de sua realização:

Os adeptos ao interrogatório on line apontam vantagens quanto a sua utilização, tais como: a) diminuição dos gastos públicos, não necessitando o deslocamento de escoltas de soldados, carros e motos; b) agilização no interrogatório, diminuindo a demanda da saída dos processos, e sanando o problema da falta de transporte para os presos serem conduzidos ao Fórum, fato que acontece com freqüência; c) o problema da superlotação carcerária tende a ser minimizada na medida em que os processos serão agilizados; d) diminuição de fugas de presos, devido ao não deslocamento do preso ao Fórum, conseqüentemente haverá uma segurança maior a população; e) integridade de informação no interrogatório na medida em que a videoconferência é gravada em disquete ou CD-ROM e arquivada, sendo acompanhada por um assessor jurídico da penitenciária junto ao preso e um defensor juntamente com o juiz; etc.

Doutor em direito penal, co-fundador e primeiro presidente do IBCCRIM, Luiz Flávio Gomes, em seu artigo “O uso da videoconferência na Justiça”, afirma: “Não vejo sinceramente nenhum mal na utilização de toda essa inovação tecnológica no âmbito da Justiça, ao contrário, isso constitui considerável avanço, que até pode combater a sua clássica morosidade [...]. [...] Os interrogatórios em juízo são cada vez mais demorados. O custo do transporte dos presos não é irrisório. A insegurança que traz é patente. Incontáveis resgates acontecem justamente quando estão sendo transportados. Uma precatória para ouvir uma testemunha demora meses. A rogatória anos. Até quando a Justiça ficará excluída da modernidade comunicacional? [...] A difusão da videoconferência na Justiça está fadada a evitar o envio de milhões de ofícios, de requisições, de precatórias; é dizer, economiza-se tempo, papel, serviço, dinheiro etc. Pode-se ouvir uma pessoa em qualquer ponto do país ou do planeta, sem necessidade do seu deslocamento. Eliminam-se riscos, seja para o preso (que pode ser atacado ou resgatado quando está sendo transportado), seja para a sociedade.”(5)

Corrente contrária a realização de interrogatórios on line entende que: a) o interrogatório on line retira do preso ou acusado o contato físico, sendo fundamental tais características; b) o interrogatório on line não pode ser aplicado por falta de lei; c) o interrogatório virtual fere princípios e garantias constitucionais, tais como o devido processo legal, a dignidade, a ampla defesa, o contraditório, a legalidade, etc.

O movimento de oposição ao interrogatório on line tem como adeptos a Associação Juízes para Democracia (AJD), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP), o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e outras entidades de âmbito estadual e nacional, inclusive órgãos públicos.

O advogado criminalista, Luiz Flávio Borges D’Urso, em seu artigo “O interrogatório por teleconferência: uma desagradável Justiça virtual” expõe que o interrogatório on line (videoconferência): “revela-se perversa e desumana, afastando o acusado da única oportunidade que tem para falar ao seu julgador, trazendo frieza e impessoalidade a um interrogatório. [...] O interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para formar juízo a respeito do acusado, de sua personalidade, da sinceridade, de suas desculpas ou de sua confissão. [...] Além disso, pensamos que a tese não resiste há uma análise de constitucionalidade, porquanto nossa Carta Magna consagra a ampla defesa (art. 5º, LV, CF), bem como o Brasil subscreveu pactos internacionais, nos quais, entende-se que não há devido processo legal, se não houver apresentação do acusado ao juiz (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).”(6)

JURISPRUDÊNCIA

Ao apreciar o HC 88.914, a 2ª Turma do STF anulou o processo contra um condenado a mais de 14 anos de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo a partir do interrogatório. O relator do caso, ministro Cezar Peluso, entendeu que o interrogatório por videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.

Segundo Cezar Peluso, “a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio fundamento do processo penal” e torna a atividade judiciária “mecânica e insensível”. O ministro frisou que o interrogatório é o momento em que o acusado exerce seu direito de autodefesa. Peluso esclareceu que países como Itália, França e Espanha utilizam videoconferência, mas com previsão legal e só em circunstâncias limitadas e por meio de decisão devidamente fundamentada.

No Brasil, ainda não há lei que regulamente o interrogatório por videoconferência. “E, suposto a houvesse, a decisão de fazê-lo não poderia deixar de ser suficientemente motivada, com demonstração plena da sua excepcional necessidade no caso concreto”, afirmou o ministro.

Os argumentos em favor da videoconferência, que traria maior celeridade, redução de custos e segurança aos procedimentos judiciais, foram descartados pelo ministro. “Não posso deixar de advertir que, quando a política criminal é promovida à custa de redução das garantias individuais, se condena ao fracasso mais retumbante”.

O ministro Celso de Mello acompanhou o entendimento do relator. Para o decano do STF, o direito de presença real do acusado durante o interrogatório e em outros atos da instrução processual tem de ser preservado pelo Poder Judiciário. O ministro Eros Grau também seguiu o voto de Cezar Peluso. Gilmar Mendes afirmou, na ocasião, que só o fato de não haver lei que autorize videoconferência já revela a ilegalidade do procedimento.

Em julho de 2007, em decisão monocrática, a ministra Ellen Gracie entendeu que a videoconferência não ofende suas garantias constitucionais. Isso mostra que a matéria ainda não é pacífica na Corte.

No STJ

O Superior Tribunal de Justiça concedeu, pelo menos, duas decisões contra o interrogatório por videoconferência. Na decisão mais recente, a desembargadora convocada no STJ e relatora da matéria, Jane Silva, defendeu que é por meio do interrogatório com a presença física do juiz e do réu que poderão ser extraídas as minuciosas impressões necessárias para o julgamento do caso.

É também pessoalmente que se pode observar se o réu está em perfeitas condições físicas e mentais. Jane Silva concluiu que o interrogatório deve ser feito sempre na presença do juiz e do réu para satisfazer o princípio do contraditório e da ampla defesa, como prevê a Constituição Federal.

Na ocasião, a desembargadora afirmou que não se trata de desvalorizar o papel do desenvolvimento tecnológico no processo, como dizem os defensores do interrogatório on line. Para Jane Silva, para a realização do interrogatório, não é possível preterir a presença de juiz e acusado frente a frente. (HC 92.590)

Decisão do STF sobre o interrogatório por videoconferência contraria precedentes do STJ e do TRF-4 (Fonte: Nucrim PRR-5)

De acordo com o Informativo n.º 476 do STF (13 a 17 de agosto de 2007) o Tribunal deferiu habeas corpus (HC 88914/SP) em favor de paciente cujo interrogatório fora realizado por videoconferência, no estabelecimento prisional em que se encontrava recolhido, sem que o magistrado declinasse as razões para a escolha desse sistema.Para a Segunda Turma do STF, a videoconferência não é prevista no ordenamento e, nos termos do Código de Processo Penal, a regra é a realização de audiências na sede do Juízo ou Tribunal onde atua o órgão jurisdicional, motivo pelo qual, ainda que prevista em lei, a decisão de fazê-la deveria ser motivada demonstrando, no caso concreto, sua excepcional necessidade. Entendeu a Turma que em termos de garantia individual, o virtual não valeria como se real ou atual fosse, haja vista que a expressão "perante" não possibilita que o ato seja realizado "on line".Considerou-se, assim, que o interrogatório por meio de teleconferência viola a publicidade dos atos processuais e o prejuízo advindo de sua ocorrência é intuitivo, embora de demonstração impossível. Outrossim, concluiu-se que sendo o direito de defesa garantido plenamente na Constituição, no caso, o mesmo restou violado em face da adoção de procedimento sequer previsto em lei, impedindo o exercício regular da autodefesa e restringindo a defesa penal.A citada decisão do STF contraria os seguintes precedentes do STJ: HC - 76046 (Processo: 200700193130 - UF: SP), HC - 34020 (Processo: 200400262504 - UF: SP) e RHC - 15558 (Processo: 200400063281 - UF: SP), bem como a decisão do TRF-4 no em habeas corpus (Processo: 200504010268842 - UF: PR).

CONCLUSÃO

Em racional análise do exposto até agora é pretenso dizer que o interrogatório por videoconferência é um meio eficiente às necessidades atuais do sistema judiciário brasileiro. A dificuldade de utilizá-la está na ausência de normas legais que a efetive no ordenamento de forma que, ao aplicá-la, possam estar garantidos direitos fundamentais e não o contrário. As novas tecnologias têm que ser exploradas em benefício do réu - principalmente se estiver preso - na celeridade dos julgamentos, com recursos humanos treinados e capacitados para tal, a fim de se evitar o receio quando o assunto é inovar e modernizar o Judiciário. O Brasil é um Estado Democrático de Direito e, na busca garantista de prevalecer os direitos fundamentais do homem, o interrogatório em tempo real pode perfeitamente ser um mecanismo harmônico e eficaz para muitos casos que mofam nas pilhas de processos. A realidade hoje se confunde com o virtual. O tempo tecnológico é incompatível com o tempo do Judiciário. Breve teremos julgamentos em que juizes, defensores, promotores e réus irão se apresentar de forma virtual, em 3D, como se estivessem presentes pessoalmente.

Na obra “O Processo” de Kafka, as penúltimas palavras do bancário Joseph K., preso, processado e condenado à morte sem saber a razão, foram: “Onde estava o juiz que nunca tinha visto? Onde estava o alto tribunal ante o qual nunca compareceu?”. Em tempos de interrogatório por videoconferência não teria perecido nesse trágico fim sem, ao menos, ser ouvido pelo juiz - mesmo que somente através das câmeras.

REFERÊNCIAS

(1) Publicado no site do IBCCRIM (http://www.ibccrim.org.br/), no site do IELF/DIEX/PRO OMNIS (www.diex.com.br e www.proomnis.com.br), (www.juristas.com.br), na Revista Consulex, Revista Magister e Revista Juris Síntese.) Disponível em: http://www.scribd.com/doc/7718552/Interrogatorio-Por-Videoconferencia-Thales-Tacito-Cerqueira.

(2) ARAS, Vladimir. Teleinterrogatório não elimina nenhuma garantia processual. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/static/text/30301,1. Acesso em: 04/11/2008.

(3) GÜNTHER, Ulrich N. Proteção de Vítimas e Testemunhas no Processo Penal na Alemanha. Revista Direito Mackenzie. Número 2. Ano 1. 24/3/2003. Disponìvel em: http://www.scribd.com/doc/7860207/Protecao-de-Vitimas-e-Testemunhas-No-Processo-Penal-Da-Alemanha .

(4) PEREZ, Carlos Alexandre Dias, et al. Aplicações de Videoconferência em Áreas Críticas de Gestão Governamental. Disponível em: www.cqgp.sp.gov.br/downloads/T00144.pdf . Acesso em: 01/11/2008.

(5) GOMES, Luiz Flávio. O Uso da Videoconferência na Justiça.Artigos Clássicos. p. 1 –2. Disponível em: http://www.justicavirtual.com.br/artigos/art120.htm. Acesso em: 02/11/2008

(6) D’URSO, Luiz Flávio Borges. O interrogatório por teleconferência: uma desagradável Justiça virtual.Jus Navegandi. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3471. Acesso em: 01/11/2008.

(7) Boletim do Núcleo Criminal do Ministério Público Federal - Procuradoria Regional da República da 5ª Região. Ano 1 - n° 4 - julho / agosto de 2007. Disponível em: http://www.prr5.mpf.gov.br/nucrim/boletim/2007_04/pagina_noticias.shtml . Acesso em: 05/11/2008

(8) http://www.conjur.com.br/2009-jan-15/nao_certo_videoconferencia_reduzira_custos_audiencias

(9) http://www.conjur.com.br/2009-jan-14/videoconferencia_passou_executivo_nao_supremo

(10) http://karinamerlo.blogspot.com/2009/01/lei-que-permite-interrogatrio-por.html

(11) Lei 11900/2009 - regulamenta o interrogatório por videoconferência - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11900.htm

(12) Comentários de LFG à Lei 11900/2009 - http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090112112736441