No Dia da Consciência, o Folha Salvador apresenta aos seus leitores uma reflexão da historiadora Irlene Maria Lima Souza sobre a herança africana preservada e vivenciada em Salvador, bem como as conseqüências ainda decorrentes do período da escravidão.
No dia 20 de Novembro comemoramos o Dia da Consciência Negra, data escolhida estrategicamente por representar uma referência de luta na identidade de um personagem histórico importante, Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares.
Coube ao projeto de lei número 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003, contemplar a importância da história dos negros africanos em nossa sociedade, por necessidade de manter nas mentes das pessoas a memória dos nossos antepassados, sendo o africano, um traço étnico marcante da construção sócio-econômica da sociedade brasileira nos primeiros tempos da colonização.
O Brasil recebeu na época colonial cerca de 37% de todos os escravos africanos que foram trazidos para as Américas. A quantidade total de escravos africanos não temos, em dados definitivos, porém alguns estudiosos citam mais de três milhões de pessoas, outros quatro milhões. Sobre o tráfico de negros da África sabe-se que começou por volta de 1550. No período entre 1837 à 1840, os homens constituíam 73,7% e as mulheres apenas 26,3% da população escrava.
No decorrer dos anos, as condições de sobrevivência dos afro-descendentes no Brasil, não foram das melhores. Estes carregaram ao longo do tempo, no cotidiano de suas vidas, a sombra de um preconceito inserido numa ideologia sustentada pela desigualdade e pelo descaso de uma sociedade de ideais eurocêntricos. A luta atual dos negros no Brasil por um espaço social de prestígio é sem dúvida, uma demonstração ainda da presença dessa desigualdade.
Existe uma dívida histórica com relação à crueldade humana e sofrimento que os negros africanos passaram em nosso país. Tem, o Brasil, um passado devedor à memória de uma história fria, exploradora e desumana.
O olhar do mundo atual para o continente africano precisa estar numa condição de solidariedade e cumplicidade. Nós brasileiros, especificamente baianos, somos um pouco a própria história africana, construímos nossos valores sociais também a partir dessa cultura. Temos também responsabilidade na luta contra o preconceito racial.
Durante a nossa história, conquistamos uma democracia, num Estado de Direito onde, este encontra-se garantido na nossa Constituição, no artigo 5º(Todos são iguais perante a lei). A Igualdade está como parâmetro fundamental para uma conduta mais consciente na convivência social brasileira. Uma sociedade preconceituosa é uma sociedade em atraso na sua mais nobre essência. Vamos efetivar essa igualdade...
Os negro(as) que circulam nos espaços da Bahia, por exemplo, principalmente em Salvador, são heróis individualizados porque convivem com desafios sociais a cada momento, vivem as dificuldades das periferias, sonham com as universidades, deixam suas escolas para ajudar na renda familiar e sofrem o preconceito, apenas por serem negros e, por este fato, estão atrelados à uma camada desfavorecida da sociedade, em que historicamente foram conduzidos a esta posição. Não podemos viver num camuflado Apertheid, somos evoluídos, somos civilizados....
Trago aqui uma breve curiosidade, apenas como reflexão da situação do negro em nossa cidade, lembrando a situação atual da África do Sul:“O país fez a sua revolução, mas o país ainda é dominado por brancos. Os negros são 75% da população mas estão relegados a atividades menos nobres. Os indianos são presença constante e tem uma posição melhor que a dos negros e pior que os brancos. Os brancos dominam economicamente o país. Vivem em Sandton e arredores e nunca vão para o centro da cidade ou a parte sul. São lugares onde a criminalidade é muito mais alta (Soweto fica no extremo Sul, Sandton no Norte). Existem escolas públicas, semi-públicas e privadas. Também escola praticamente exclusiva para brancos, além da questão financeira, ensinam em Afrikans – língua dos brancos na época do Apertheid ”. (February)
Não vamos transformar nossas convicções de justiça numa falsa conduta de harmonia. Somos um povo de lutas, assim como os africanos, conquistamos espaço e não podemos perdê-lo. Curiosamente a África do Sul simboliza aparentemente uma referência de liberdade social para os negros, vamos olhar a Bahia como um lugar que não vive de aparências.
Irlene Maria Lima Souza é estudante de Direito da Faculdade 2 de Julho, em Salvador, e é graduada em História com Habilitação em Patrimônio Cultural pela Universidade Católica do Salvador.
Fonte: http://www.folhasalvador.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=499:olhos-da-africa&catid=134:etnia&Itemid=376
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