A reincidência é um instituto do Direito Penal tratado em todos os livros e manuais referente à matéria, porém, quase sempre, é tratado de forma superficial. O objetivo do presente trabalho é apontar a inconstitucionalidade da agravante na reincidência por violar diversos princípios jurídicos, além de registrar que o discurso tradicional da ressocialização pelo cumprimento de pena privativa de liberdade não se concretiza na prática. Dessa forma, diante de tantos pontos problemáticos com relação ao instituto da reincidência e ainda que existam outras sugestões de diversos autores, concluiu-se pela inconstitucionalidade da reincidência e conseqüentemente pela sua supressão do Direito Penal Brasileiro. É de extrema importância a diferenciação entre direito penal de ato e direito penal de autor, especialmente no tocante ao estudo da reincidência. O crime, para o direito penal de ato ou de fato, traduz-se em um dado objetivo, enquanto que para o direito penal de autor, o crime passa a ser a manifestação de uma personalidade perigosa, ou seja, ocorre a subjetivação do delito. O crime é, na realidade, um fato causado por um ser humano. Dessa forma, há dois fatores distintos: o fato e o seu autor. O sistema punitivo pode ser construído levando em consideração apenas o fato, em que se estará diante de um direito penal de fato. Ou pode tomar como base o agente, quando poderá se falar em direito penal de autor. Pode, ainda, haver uma terceira opção, em que há a presença de ambos os fatores: são os sistemas moderados em prol de um direito penal de fato, mas que considera também o seu autor. Essa terceira opção é o que ocorre na maioria dos países. Um exemplo é o ordenamento jurídico brasileiro, pois o tipo penal incrimina a conduta (direito penal de fato), contudo, há vários dispositivos que fazem referência ao autor desta conduta (direito penal de autor), como o que se refere à personalidade e aos antecedentes no art. 59 do Código Penal. Além de não se adequar a um sistema garantista, o direito penal de autor diferencia os indivíduos em perigosos e não-perigosos, delinqüentes e não-delinqüentes, bons e maus. Dentro dessa classificação, os criminosos sempre carregariam o estigma do “mau”, do diferente, do inimigo. É o que acontece, também, com o sujeito considerado reincidente, que passa a ser etiquetado, recebendo o rótulo de perverso, inadaptado, perigoso. Quando se disserta sobre a reincidência, um assunto que sempre deve ser analisado refere-se à função da pena. Segundo disposto no art. 59 do Código Penal, a pena será fixada conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Assim, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria unitária ou eclética, que concilia as teorias absolutas (retribuição) e relativas (prevenção). Ocorre, entretanto, que tal instituto deve ser banido da ordem jurídica, por violação a diversos princípios jurídicos, como sustenta a melhor doutrina. Pode-se dizer que a reincidência vulnera todos os limites do lus puniendi estatal. Isso porque ela é incompatível com um Estado Democrático de Direito, em que a luta pelo respeito aos direitos fundamentais é constante e em que se reconhece um rol de direitos garantistas, rol este contrário à idéia da recidiva. O princípio ferido mais comentado pelos doutrinadores ao se referirem à inconstitucionalidade da reincidência é o princípio da legalidade e o seu significado mais moderno: o princípio do non bis in idem. O princípio da legalidade exige, entre outras coisas, que para cada infração penal, exista uma respectiva sanção preestabelecida. A descrição de condutas puníveis amolda-se a um direito penal de ato, em que é proibido apenar o sujeito pelo que ele é. O ponto principal na alegação da inconstitucionalidade da reincidência, entretanto, é com relação ao princípio do non bis in idem, que proíbe a dupla valoração fática, ou seja, impede a dupla punição por um mesmo fato. No momento em que se aplica a pena ao caso concreto, através da sentença, encerra-se o poder punitivo estatal, restando apenas à possibilidade de execução. Logo, não pode haver o agravamento da pena de um delito (seja em quantidade, seja na forma de seu cumprimento) em função de um outro delito anteriormente praticado e pelo qual seu autor já foi apenado. O que ocorre com a reincidência é que a pena agravada que se impõe ao segundo delito é conseqüência do primeiro crime cometido, pelo qual já foi julgado e condenado. O problema é que quem delinqüe após ter sofrido uma pena não pode ser sancionado mais severamente ou ter sua pena agravada quando é condenado por um delito posterior à pena já sofrida. Com a reincidência, realiza-se um “jogo de penas”, em que primeiramente se castiga pelo crime cometido e, posteriormente, esse crime pelo qual foi condenado serve para castigar mais severamente o segundo delito. O plus de pena deriva de se levar em conta novamente um delito já apenado e, assim, agregar ao delito posterior uma pena superior, apenas em virtude do crime anterior. Além disso, a reincidência viola o postulado basilar de que a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade. Isso porque a pena deve representar exatamente a reprovação exata da culpabilidade, não podendo ser aplicada além da medida e da extensão desta, devendo estar sempre dentro dos limites da pena abstrata cominada para o correspondente tipo de injusto. A doutrina sugere algumas alternativas à reincidência. Poderia ser considerada uma atenuante do delito, pois o preso, cumprindo a pena e voltando a delinqüir, deveria ter a sanção pelo segundo crime diminuída, pois a pena do crime, imposta pelo Estado, anterior não cumpriu seu objetivo ressocializador. Poderia, também, ser considerado um irrelevante penal, quando o sujeito condenado, não tiver cumprido a pena, voltar a delinqüir. Assim, a pena pelo segundo crime não seria nem agravada nem atenuada. Outra sugestão proposta é a aplicação da reincidência como agravante facultativa apenas nos casos em que o crime anterior tiver conexão com o crime posterior. Seria aplicada a agravante quando a conexão recomendasse recrudescer a sanção penal do delito posterior. Pelo exposto, entretanto, conclui-se que a melhor solução seria a abolição total da reincidência do ordenamento jurídico brasileiro. Esta solução é a que melhor se encaixa no sistema constitucional vigente no Brasil, por privilegiar os princípios constitucionais que regem o Direito Penal. Há que se repensar o papel dos institutos penais à luz da Constituição Federal de 1988, que trouxe todo um novo rol garantista de direitos fundamentais que visam a proteger o indivíduo e a limitar a intervenção punitiva estatal.
Adriano Pagotto é bacharel em Direito.
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