quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Dicas para os experientes estudantes de Direito

por Vladimir Passos de Freitas
Em 5 de outubro passado, publiquei nesta coluna artigo direcionado aos jovens estudantes de Direito. E, na dificuldade de abranger em uma página e meia todo o universo de acadêmicos de Direito, omiti-me quanto aos que ingressam na faculdade já maduros. Em outras palavras, aqueles que possuem perfil diverso dos seus colegas mais jovens. Então, fixando a adolescência na sua nova marca, que é de 30 anos, vejamos como fica a situação dos que ingressam com três ou mais décadas de existência.
Os estudantes de Direito mais velhos, psicologicamente amadurecidos, são diferentes de seus colegas mais novos. Nas roupas, nos hábitos, na visão de vida, quase em tudo. Seus estudos são feitos com maior seriedade. O valor da mensalidade (universidades públicas são exceção) e os anos passados não recomendam perda de tempo. Costumam ter origem e idade diversas, sendo impossível amoldá-los a um perfil único. Há os que ingressam na faculdade depois de já ter um diploma universitário, os que procuram o curso de Direito para ampliar uma atuação profissional já consolidada, os que ingressam mais tarde porque antes não tinham como pagar a faculdade, os que buscam mais cultura, os que desejam exercer melhor a cidadania e até quem o faça para ocupar o tempo, conviver com a juventude, renovar a si próprio.
Seja qual for o motivo, esta decisão é sempre louvável. Ela mostra um desejo de crescer culturalmente. Uma via por alcançar novos horizontes, trocando a posição acomodada de expectador de telenovela pelo desafio da academia. A questão é como aproveitar ao máximo um curso feito com mais idade, menos tempo e mais compromissos.



Vejamos a situação dos graduados em outras faculdades. Um médico formado em Direito saberá melhor os seus direitos e deveres com relação ao cliente e evitará situações de conflito. Um biólogo poderá enveredar, com sucesso, pela área do Direito Ambiental. Economistas podem ser de muita utilidade em um grande escritório de advocacia, pois, cada vez mais, Direito e Economia andam juntos. Contadores podem avançar nos serviços que prestam, promovendo defesas na área tributária.
Quanto aos concursos públicos, engenheiros costumam sair-se bem em certames para auditor da Receita Federal e outros assemelhados, onde a matemática é o forte. Geógrafos com formação em Direito levaram vantagem em recente concurso para oficial de inteligência da Abin, onde a remuneração inicial está em torno de R$ 9,7 mil. Biólogos terão mais chance de sucesso em concursos para perito da Polícia Federal.
É oportuno lembrar aos que buscam a segurança dos concursos que não existe limite de idade. O sonho pode ser alcançado. Para dar apenas um exemplo, o advogado Zuudi Sakakihara ingressou como juiz federal na 4ª Região com 55 anos de idade, e por 10 anos exerceu, com competência e dignidade, suas funções, aposentando-se em Curitiba aos 65.
Na advocacia, a maturidade lhe dará algumas vantagens. Pessoas maduras são mais conciliadoras, regra geral, não se envolvem em conflitos inúteis com autoridades ou colegas e escolhem com mais segurança seu campo de atuação. Será oportuno enveredar por área na qual já tenham experiência de vida. Assim, por exemplo, aquele que trabalha em um sindicato poderá optar pelo Direito do Trabalho ou o Previdenciário. Os que militam em órgãos públicos, desde que compatível, pela área do Direito Administrativo. Pessoas maduras, nas cidades maiores, podem cogitar da abertura de um escritório para atendimento de questões envolvendo homossexuais, um nicho emergente e inexplorado no mercado.
Alguns acadêmicos, por já ter uma profissão definida, desejam a graduação em Direito para aprimorar os serviços que prestam. Por exemplo, um escrivão da Polícia Civil poderá legitimar-se a exercer suas funções em um posto de mais relevância. Um jornalista que cobre a área jurídica se sairá muito melhor e não cometerá erros primários, como referir-se ao “parecer do juiz.” Administradores de empresas compreenderão melhor as relações de trabalho e as tributárias.
Muitos buscam apenas aumentar seus conhecimentos ou mesmo entreter-se. E nisto não há nada de errado. Há pessoas que trabalharam toda uma vida e adquiriram posições de prestígio. Mas não tiveram tempo de estudar. Graduar-se em Direito dá-lhes maior segurança, realização profissional. Outras, principalmente mulheres acima dos 50 anos, procuram no curso uma renovação existencial. O contato com a juventude, o desafio de voltar aos estudos, faz-lhes muito bem. E, formadas, podem auxiliar no escritório de um parente formado. Os graduados mais tarde encontram nos Juizados Especiais, muitas vezes, a possibilidade de realizar-se, atuando como conciliadores.
Evidentemente, existem algumas desvantagens. Os estágios, que são essenciais na fase de estudos por unirem teoria e prática, são mais difíceis a quem trabalha todo o dia e estuda à noite. Mas no serviço voluntário, cuja presença não necessita ser diária, poderá ter uma boa oportunidade de adquirir vivência prática. Alguns tribunais exibem no seu site os requisitos para assumir tal condição (por exemplo, o TRF-4, pioneiro no Brasil nesta atividade).
Tal qual o jovem estudante de Direito, o mais maduro precisa também aproveitar bem os cinco anos do curso. Isto significa aproximar-se dos professores que mais admira, expor suas dúvidas e anseios. Como seu tempo, via de regra, é menor, não pode ser desperdiçado. Por exemplo, o cinema pode ser uma excelente via de aprendizado e distração a um só tempo. Filmes como Sessão Especial de Justiça (Costa Gravas), O povo contra Larry Flynt (Milos Forman), A história oficial (Luiz Puenzo) ou Meu nome não é Johnny (Mauro Lima) podem ser de grande valia.
Em suma, ao que se forma mais maduro há, também, boas oportunidades de sucesso e de realização profissional. E se o passar do tempo pode constituir uma dificuldade a mais, a maturidade que dele decorre pode ser o diferencial para o sucesso.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de outubro de 2008

2 comentários:

Karina Merlo disse...

Caro Vladimir,

Seu artigo traduz, exatamente, os variados anseios e perspectivas para os alunos que tardiamente adentram no curso de Direito.

Como aluna "balzaquiana" posso ainda salientar algumas dificuldades no decorrer das aulas:

1º)Tempo. Ele se torna precioso e muitas vezes escasso para lograrmos êxito às disciplinas. Deve-se otimizá-lo ao máximo para obtermos o resultado almejado.

2º)Conflitos comportamentais. É muito difícil compreender e conviver com o jovem mal educado e desrespeitoso que chega às faculdades hoje em dia. Depois que a educação doméstica transferiu-se dos pais para o mundo da informação, as boas maneiras foram abolidas definitivamente da sua formação.

3º)Preconceito. Os mais velhos, devido à maturidade e às responsabilidades que lhe alcançaram ao longo do tempo, são alvo de despeito e inveja, justamente por serem mais dedicados, terem melhor aproveitamento dos conteúdos abordados em sala de aula e, por empatia, terem os professores como auxiliadores e não como carrascos e inimigos.

Nessa altura do campeonato, alcançar nossos objetivos é o que mais importa, e esses pequenos pormenores têm que ser ignorados até lá.

Anônimo disse...

Ingressei na faculdade de Direito aos 32 anos, formei-me aos 36 e tive a honra de tornar-me advogado aos 37.

Certamente, a idade contou, e muito, em minha formação. Sempre fui um aluno absolutamente mediocre em minha juventude. Ao ingressar algo mais velho na faculdade, pude notar substancial diferença em meu desempenho, acabando por graduar-me com Láurea Acadêmica, o que me surpreendeu muito.

Como comentou a colega Karina, questões comportamentais certamente afloram, pois muitas vezes os mais jovens deixavam a desejar na questão do comportamento em sala, coisa que os "mais velhos" em geral não toleram. Eu mesmo tive muitos problemas com isso....

Mas o mais desafiador, sem dúvida, é iniciar uma nova carreira aos 37 anos. Sem dúvida, as experiências já vividas impactam de maneira positiva, mas algumas decisões são difíceis, como a de largar um trabalho bem remunerado para estagiar por quase dois anos, com uma pequena bolsa, apenas para poder efetivamente aprender, na prática, o que é ser um advogado, e como se advoga, enfrentando todas as pressões daí decorrentes.