OAB quer fim de Regime Disciplinar Diferenciado
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 21 de outubro de 2008
A Ordem dos Advogados do Brasil resolveu questionar, no Supremo Tribunal Federal, o Regime Disciplinar Diferenciado. Ele foi criado para punir com mais rigor os presos que oferecem risco dentro da cadeia. A Ordem entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o regime prisional que foi incorporado à Lei de Execução Penal pela Lei 10.7892/03.
O RDD é aplicado nas hipóteses de o preso cometer crime doloso, colocar em risco a ordem e a segurança do presídio ou da sociedade ou participar de organizações criminosas durante o cumprimento da pena. A lei prevê recolhimento em celas individuais, banho de sol de no máximo duas horas e restrição de visitas a duas por semana, também por duas horas.
Para a OAB, o tratamento instituído pelo Regime Disciplinar Diferenciado é desumano e degradante porque leva ao isolamento, à suspensão e à restrição de direitos por tempo prolongado. A pessoa fica até 360 dias no regime. O prazo pode ser prorrogado em casos de reincidência. “A aplicação do regime, que inclui isolamento, incomunicabilidade e severas restrições no recebimento de visitas, entre outras medidas, aviltam o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e agride as garantias fundamentais de vedação à tortura e ao tratamento desumano ou degradante, e de vedação de penas cruéis”, afirma a ADI.
A entidade argumenta, ainda, inconstitucionalidade do regime porque a única distinção prevista na Carta Magna de diferenciação para cumprimento da pena é feita em beneficio do réu, aliviando a pena por conta de sua idade, sexo ou natureza do delito cometido. Não é previsto uma mudança de pena para penalizar ou castigar o detento.
Os artigos da Lei de Execução Penal que estão sendo contestados pela ADI são: 52, 53 (inciso V), 54, 57 (parte referente ao artigo 53), 58 (parte sobre o regime diferenciado) e artigo 60 (caput e parágrafo único).
Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.162
Leia o voto do juiz que julgou RDD inconstitucional:
A INTRIGADA QUESTÃO CARCERÁRIA
“O Regime Disciplinar Diferenciado constitui um avanço na legislação, mas tem deficiências. O prazo máximo de sua aplicação é de 360 dias, sem prejuízo da repetição da sanção por nova falta grave da mesma espécie até o limite de 1/6 da pena. Na realidade, não cabe esse marco temporal. Enquanto o preso acarretar risco à ordem pública, impõe-se o seu segregamento em face de um bem maior, que é a segurança coletiva.”
Um sobressalto de indignação foi o que se viu em todo o País após os ataques criminosos à capital paulista e cidades do interior do Estado de São Paulo. Ainda sob o efeito do medo, vozes abalizadas prenunciaram a ineficácia da lei penal e a falência do sistema penitenciário.
Ante o caos que se instalou na área de segurança pública, a equipe CONSULEX não esmoreceu. Instigada pelo interesse em apontar soluções concretas para a difícil questão, entrevistou o Promotor de Justiça em São Paulo, FERNANDO CAPEZ, cuja lucidez permeia os meandros do sistema penitenciário, trazendo a lume as falhas que inviabilizam o cumprimento da lei penal.Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, FERNANDO CAPEZ atualmente se dedica à defesa do cidadão e do patrimônio público, como membro do Parquet estadual, e ao ensino jurídico. É Coordenador do curso de Direito da Uniban; Presidente e Professor do Instituto Fernando Capez de Ensino Jurídico; Professor convidado da Escola Superior do Ministério Público e do Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, palestrante e conferencista nacional e internacional.
A convicção que emana de suas palavras resulta da intensa dedicação ao Direito Penal, que culminou na elaboração de aproximadamente 20 obras jurídicas, de subidos méritos.
Revista Jurídica CONSULEX – A lei penal, nos moldes como vem sendo aplicada, tem servido à sua finalidade, qual seja, a prevenção da criminalidade e a sua repressão? Ou podemos dizer que, em face do falecimento do sistema penal, ela perdeu completamente esse sentido?
Professor FERNANDO CAPEZ – Infelizmente, hoje, vivemos numa crise geral. Fala-se de crise no Direito Penal, contudo, esquece-se que isso nada mais é do que reflexo da crise da sociedade em seus mais amplos espectros.O Direito Penal deve ser sempre a ultima ratio na prevenção do crime, somente lançando-se mão dele quando todos os demais ramos do Direito e outros segmentos da atividade humana fracassam. Sucede que, na atualidade, está havendo uma inversão nessa idéia. A lei penal passou a ser a razão primeira na solução dos conflitos sociais, justamente pelo fato de os demais segmentos da sociedade não terem se lançado num projeto social de longo prazo.
Há quanto tempo ouvimos falar de crise moral e ética, política, econômica etc. Agora, eu pergunto: Como uma lei penal, ainda que a intenção do legislador tenha sido a mais brilhante possível, pode surtir os efeitos almejados, de prevenção ao crime, se o indivíduo vive num modelo social que o estimula à criminalidade? No entanto, não podemos esmorecer. Toda violência e corrupção que assolam a sociedade no momento só podem ser enfrentadas, de imediato, por meio da repressão. De nada adianta lograr uma sentença condenatória após regular processo se, na fase de execução da pena, o Estado não tem condições de dar aplicabilidade à lei penal ou o faz através de um sistema penitenciário corrupto, em que adentram telefones celulares, entorpecentes, dinheiro para corromper, e de onde presos participam de teleconferências e são resgatados por helicópteros. A crise nos órgãos de execução, sem dúvida, torna a aplicação da lei penal sem efeito, mas isso pode ser resolvido com medidas contundentes e rápidas.
CONSULEX – Qual a sua opinião acerca da necessidade de reformulação do sistema penitenciário brasileiro? A privatização dos presídios seria uma alternativa viável?
FERNANDO CAPEZ – Há mais de 20 anos a questão carcerária tem sido relegada ao completo esquecimento. Não há planejamento a médio e longo prazo. Para se ter uma noção, na década de 80, estudantes de Direito já mencionavam organizações como a Serpente Negra, da penitenciária de São Paulo. O Poder Público quedou-se inerte. Nunca se fez nada. Tal omissão promoveu o surgimento de diversas organizações criminosas, que, aliás, proliferam justamente pela ausência de uma política para o sistema penitenciário. Surgem em decorrência da falta de presídios de segurança máxima alocados em regiões distantes e da ausência de isolamento dos grandes líderes das facções.É primordial, no momento, investimento maciço no sistema penitenciário. Para isso, precisamos de capital privado, isto é, de pessoas de direito privado colocando o capital, apresentando e executando os projetos, desde que aprovados pelo Poder Público, submetendo-se, portanto, à sua fiscalização. Não há outra saída. O Estado está falido. Enquanto não se injetar capital no sistema penitenciário, não teremos solução a curto prazo e, dificilmente, o Governo Federal disponibilizará o montante de recursos necessários para a reformulação do sistema.
CONSULEX – Nessa perspectiva, de reformulação do sistema penitenciário, o que o Senhor acha da concessão do porte de arma de fogo aos agentes penitenciários?
FERNANDO CAPEZ – Os agentes penitenciários são de extrema importância para a manutenção da ordem e da disciplina nos presídios. Em virtude dessa condição especial, infelizmente, tornam-se alvos das organizações criminosas, constituindo-se medida salutar a ampliação do porte de arma de fogo a essa categoria de servidores públicos. Deve, porém, haver mudanças no sistema de monitoramento dos presos. O agente que trabalha permanentemente no mesmo local tende a ser aliciado pelos presidiários com o passar do tempo. Assim, o ideal seria que, além de não trabalharem no mesmo presídio por mais de um mês, os carcereiros recebessem auxílio das tropas de elite na realização dessa atividade. São medidas bastante concretas. Obviamente que o investimento privado seria medida salutar na solução dos problemas, daí porque defendo a privatização dos presídios.
É preocupante o fato de os criminosos se tornarem mais perigosos depois de processados, condenados e devidamente guardados na prisão, voltando-se de forma letal contra a sociedade. O pânico, hoje, toma conta não apenas das pessoas comuns, mas também dos servidores da área de segurança. Isso é produto do descaso para com o sistema penitenciário. Há anos se fala que o sistema carcerário está para explodir. As autoridades, porém, mantiveram-se inertes. É preciso, agora, atuação conjunta e contundente. Não mais se admite a divisão. É preciso isolar por completo os envolvidos com facções criminosas, se possível, pelo tempo total da pena; manter os presídios em locais distantes dos grandes centros e censurar a comunicação dos presos com o mundo externo. O direito do preso não está acima do direito da sociedade.
CONSULEX – Professor, o Regime Disciplinar Diferenciado é um instrumento eficaz no combate à criminalidade organizada? Será ele constitucional?
FERNANDO CAPEZ – O RDD foi introduzido em nosso sistema jurídico pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, e, embora necessite de reparos, constitui-se um avanço na disciplina do sistema carcerário. É certo que até então não dispúnhamos de um instrumento jurídico nesses moldes.A prática de fato previsto como falta grave sempre ensejou a aplicação de suspensão ou restrição de direitos e o isolamento do preso provisório, ou condenado, na própria cela ou em outro local adequado, medidas que, no entanto, não podiam ultrapassar o prazo de 30 dias, que é bastante irrisório, diga-se de passagem, em se tratando de sancionamento de líderes de facções criminosas. Assim, cometida uma falta grave, o preso, por exemplo, podia ficar impedido de receber visita de cônjuge, companheira ou parentes, ou de ter contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, leitura, mas somente pelo prazo de 30 dias.
A instituição do Regime Disciplinar Diferenciado permitiu ao menos uma disciplina mais rigorosa para aquele, condenado ou preso provisório, que comete crime doloso capaz de ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas; ou que apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; ou, ainda, sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento com organizações criminosas, quadrilha ou bando. O preso fica recolhido em uma cela individual, admitindo-se a visita de apenas duas pessoas, no máximo, por duas horas semanais e duas horas de banho de sol por dia. Sem dúvida, constitui um avanço na legislação, mas tem deficiências. É que há um limite para a aplicação do RDD: o prazo máximo de 360 dias, sem prejuízo da repetição da sanção por nova falta grave da mesma espécie até o limite de 1/6 da pena. Na realidade, não deveria haver esse limite temporal. Enquanto o preso acarretar risco à ordem pública, impõe-se o seu segregamento em face de um bem maior, que é a segurança coletiva.
Outro incômodo do RDD é o seu trâmite, pois a aplicação dessa sanção disciplinar depende de prévio e fundamentado despacho do juiz competente, devendo a decisão judicial, precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa, ser prolatada no prazo máximo de quinze dias. Infelizmente, a jurisdicionalização das medidas disciplinares internas dos presídios não é a solução mais adequada, pois, muitas vezes, a leniência do Poder Judiciário, em face da sobrecarga de processos, entra em choque com a necessidade urgente dos diretores de presídios em conter atos dos prisioneiros, como líderes de organizações criminosas, que possam colocar em risco toda a sociedade. A punição somente surte o efeito almejado quando é imediata. Já a leniência do Estado, nesses casos, pode ser fatal.
Quanto a tratar-se o Regime Disciplinar Diferenciado de medida constitucional, entendo que sim, porquanto não existem garantias constitucionais absolutas, as quais devem se harmonizar com os interesses da coletividade, formando um sistema equilibrado. É o princípio da convivência das liberdades públicas. Indaga-se: Enquanto criminosos dentro do presídio arquitetam verdadeiros atos de terrorismo contra a população, a sua contenção dentro do RDD implicaria violação à proibição do estabelecimento de penas, medidas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes? O que é mais cruel ou degradante: restringir algumas regalias do prisioneiro, como banho de sol e visitas, ou deixar toda uma população acuada, e que agentes penitenciários e policiais sejam brutalmente assassinados? O bem maior deve ceder em face do bem menor. Ora, o que atenta mais contra o princípio da dignidade da pessoa humana? O recrudescimento das medidas contra os presos é uma necessidade que encontra respaldo no ordenamento legal.
O Poder Público tem a obrigação de tomar medidas, nos âmbitos legislativo e estrutural, capazes de garantir a ordem constitucional e o Estado democrático de direito. Nessa esteira, o art. 5º, caput, da Carta de 1988 garante a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e o seu inciso XLIV considera imprescritíveis as ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático.
CONSULEX – No tocante ao uso de celulares em presídios, quais as medidas jurídicas aptas a coibir tal prática? E quanto às visitas íntimas e outras regalias concedidas aos presos, como a televisão, o que pensar?
FERNANDO CAPEZ – Infelizmente, a nossa Lei de Execução Penal tem muito que avançar, de modo a se adequar aos novos problemas do sistema penitenciário, dentre eles o uso do telefone celular. A tecnologia criada, via de regra, para proporcionar bem-estar ao homem, trouxe outro viés assustador: favoreceu o aumento dos “tentáculos” da criminalidade organizada, tornando-se a sua maior arma, muitas vezes mais letal do que a arma de fogo. Pelo celular, é possível dar ordem a presidiários do Acre para que entrem em rebelião ou criminosos na rua provoquem a barbárie vista em São Paulo há pouco tempo.A primeira medida a ser adotada é de natureza administrativa. É preciso urgentemente modificar o sistema de revista pessoal: treinar devidamente os funcionários, afastando-se os corruptos. Faz-se também necessária a adoção de medidas jurídicas. Infelizmente, o uso de telefone celular, em face de nossa legislação arcaica, não constitui falta grave, nos termos da Lei de Execução Penal, pois, quando da edição dessa lei, sequer se cogitava de telefonia móvel. Nem a legislação estadual pode dispor a respeito, já que o art. 49 da LEP apenas autoriza o Estado a especificar faltas leves e médias. Assim, o uso de telefone celular, como diversas vezes já decidiu o STJ, não constitui falta grave de modo a acarretar a perda dos dias remidos pelo trabalho do preso, fato este que demanda uma reforma legislativa. Muito embora isso ocorra, o condenado que for pego comandando rebeliões, controlando de dentro do presídio ações criminosas, valendo-se de telefone celular, estará sujeito a ingressar no Regime Disciplinar Diferenciado em outro presídio, distante da cidade.
CONSULEX – Com relação ao § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, que veda a progressão de regime aos crimes hediondos e equiparados, declarado inconstitucional pelo STF, via controle difuso de constitucionalidade, qual a sua opinião?
FERNANDO CAPEZ – O STF vinha mantendo posicionamento pacífico no sentido da constitucionalidade desse dispositivo legal. Acabou, no entanto, mudando a orientação e reconheceu, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do dispositivo, por reputá-lo ofensivo ao princípio da individualização da pena, da dignidade humana e da proibição de penas cruéis.
De modo particular, entendo que tal disposição legal não ofende o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI). Ora, o próprio constituinte autorizou o legislador a conferir tratamento mais severo aos crimes definidos como hediondos e equiparados, não excluindo desse maior rigor a proibição da progressão de regime. Além do que, em nossa Constituição Federal, não há nenhuma passagem que proíba o legislador ordinário de estabelecer regras mais rigorosas para o cumprimento da pena em delitos considerados pelo próprio constituinte como de grande temeridade social. Também não podemos considerar que o dispositivo legal atenta contra o princípio da dignidade humana, que, levado às últimas conseqüências, pode autorizar o juízo de inconstitucionalidade até mesmo do cumprimento de qualquer pena em estabelecimento carcerário, o que torna necessário impor limites à sua interpretação, bem como balanceá-lo com os interesses da vítima e os da sociedade. Ressalve-se que por essa decisão emanar de controle difuso de constitucionalidade não vincula juízes e tribunais, os quais podem decidir de maneira diferente, nada impedindo aos magistrados que vedem a progressão de regime com base no mencionado dispositivo legal, por reputá-lo constitucional.
CONSULEX – Na sua vida profissional teve destaque o combate à improbidade administrativa. O que poderia ser feito para que os administradores públicos tenham uma atuação mais proba? Como combater a corrupção, verdadeiro flagelo que assola a sociedade tão acintosamente?
FERNANDO CAPEZ – Sem dúvida, a maior parte da minha vida profissional foi pautada no combate à corrupção dos administradores públicos. Trabalhei 13 (treze) anos na Promotoria de Justiça da Cidadania, responsável pela defesa do patrimônio público, e, em um caso de grande relevo, combati a chamada “Máfia do Lixo”, que ficou conhecida como a máfia das administrações regionais de São Paulo. No entanto, através de várias ações, logrei a condenação, em primeira e segunda instâncias, das empresas envolvidas, as quais tiveram que devolver quase o triplo do valor em multa.
De uma coisa estou certo: o Ministério Público teve e tem um grande papel moral na inibição da corrupção. Talvez não sintamos de imediato os seus efeitos, mas, se compararmos a sociedade de hoje com a de pelo menos quinze anos atrás, podemos constatar que o Ministério Público logrou expor as mazelas de um sistema cuja corrupção é endêmica. Aquilo que ficou encoberto, em virtude de anos de ditadura militar, pôde ser exposto para a sociedade.
Essa sensação a que os administradores públicos e as empresas em conluio ficam expostos, qual seja, a de que a qualquer momento poderão ser descobertos e exemplarmente processados e punidos, tal como sucedeu no caso da “Máfia do Lixo”, cria um ambiente favorável ao combate à corrupção, pois, através da repressão, incute-se na mente das pessoas o temor de possível represália. Com isso, vai se inibindo a ação do órgão corruptor.
Dessa forma, a certeza da punição dentro dos órgãos públicos, através de seus instrumentos disciplinares, e fora, por meio de ações propostas pelo Ministério Público, é, sem dúvida, uma grande arma no combate à corrupção. Temos que dar punição exemplar aos corruptos. Se o sistema falhar, cria-se a sensação geral de impunidade e fomenta-se o estímulo à corrupção. É um círculo vicioso. Basta verificar os atos de corrupção escancaradamente praticados no âmbito do Governo Federal. Os agentes corruptores têm sido exemplarmente punidos? Não. Portanto, a lição de casa passada para a sociedade é: corrompam-se e não serão punidos.
CONSULEX – Diante de uma sociedade com múltiplas facetas, que não mais espera pela mera aplicação da lei, qual é o novo papel do profissional do Direito?
FERNANDO CAPEZ – Realmente, na atualidade, a sociedade assumiu tamanha complexidade que é impossível ao profissional do Direito se ater à mera aplicação da lei. O profundo conhecimento da lei é importante, porém deixou de ser o único instrumento para a solução dos conflitos sociais.
Hoje, diante de uma sociedade carente de tudo, em constante crise, o profissional do Direito, assim como o de outras carreiras, deve assumir um trabalho de responsabilidade social. Como exemplo, temos integrantes do Ministério Público realizando parcerias com a comunidade no sentido de criar abrigos para moradores de rua, menores, escolas de capacitação para crianças etc.
Quando eu trabalhava na Promotoria de Justiça da Cidadania, embora o escopo maior fosse a defesa do patrimônio público, por diversas vezes deparei com situações em que o indivíduo não tinha sequer o que comer ou onde morar. Cite-se, por exemplo, o caso dos camelôs que, diante da corrupção de fiscais da Prefeitura, abandonavam suas barracas pelo temor de represálias, o que fazia com que ficassem relegados a um estado de miserabilidade. Eu me pergunto: será que o profissional do Direito pode ser mero aplicador da lei? Será que, mais do que ninguém, já que lidamos com as mazelas da sociedade, não temos o dever de buscar soluções sociais a par das soluções jurídicas? É esse o recado que eu passo para todos os estudantes de Direito e profissionais do ramo: O Estado somos todos nós e cada qual é um agente social que pode fazer a diferença no futuro!
CONSULEX – Professor, gostaria de fazer outras ponderações?
FERNANDO CAPEZ – Gostaria de dizer que para que a lei penal alcance o seu escopo de prevenir e reprimir o crime, o mais importante, no momento, é que tenhamos uma estrutura exemplar de execução da pena. O condenado deve adentrar o sistema penitenciário com a certeza de que de lá não sairá antes de cumprida a pena, não será resgatado nem terá a sua liberdade comprada.
Leia também:
"Este monstro chamado RDD", por Rômulo Almeida:
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