quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Uma nova polícia sem violência

Quinta-feira, 16 de outubro de 2008

por Hélio Bicudo

Ainda há pouco o presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) recomendava, em visita aos Brasil, a unificação das polícias, para transformá-las num órgão civil a serviço da segurança do cidadão.
Trata-se de por em prática ponto de vista já manifestado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), em informe sobre a situação de direitos humanos em nosso país, ainda na década dos anos 90, do século passado.
P
rojeto sobre o problema foi apresentado na mesma década ao Parlamento brasileiro, mas foi fragorosamente derrotado por uma comissão instituída para atingir essa finalidade, fruto do poder dos lobbies das polícias militares no Congresso. Depois, não se falou mais no assunto.
Entretanto, não é possível que o Governo brasileiro e as entidades de direitos humanos continuem a fazer ouvidos moucos ao bom senso, no caso, a criação de uma polícia civil, com carreira única, com um ramo dedicado ao policiamento ostensivo – policiais uniformizados, nas ruas - e outro à investigação criminal. As polícias militares são uma criação da ditadura militar. Mantêm e exteriorizam o seu poder, transformando-se mesmo em poder paralelo ao poder civil, seja dos governadores de Estado, seja do próprio governo federal. Nos Estados, são um poder armado, que o estamento civil não ousa desafiar e que muitas vezes dele se utiliza para a prática de ações violentas contra a população civil mais pobre, contendo-as nos limites da pobreza, na periferia das cidades.
Tendo deixado de estar presente nas faixas de pobreza, o Estado abriu essas mesmas faixas para o poder dos grupos organizados, em especial do tráfico de drogas.
É o que acontece no Rio de Janeiro e em menor escala em outros centros urbanos, inclusive em São Paulo.
No Rio, já nos acostumamos com a violência nos morros, onde a PM e seus grupos especializados para matar intervêm, numa verdadeira guerra urbana, ora contra, ora a favor destes ou daqueles traficantes. Quando o Exército, que não poderia fazê-lo, intervem, temos o triste espetáculo do Morro da Providência onde três pessoas foram eliminadas sob a responsabilidade de militares do Exército e até hoje, “por supuesto”, como diriam os espanhóis, nada se apurou quanto a autoria dessas mortes.
O filme “Tropa de Elite” é bem um retrato da brutalidade a que os habitantes dos morros cariocas são submetidos. Enquanto se busca, como numa ópera bufa, encontrar a responsabilidade pelos “grampos” de telefones de figuras da elite dirigente, a violência corre solta, retratada, sobretudo, nos homicídios, sob a figura de “resistência seguida de morte”, diariamente praticados pelas PMs de todo o país.
E essas mortes vêm numa escalada que somente a tolerância da sociedade civil explica. A Polícia Militar de São Paulo — anuncia o jornal Folha de S. Paulo, na edição de 20 de setembro de 2008 — matou 19,5% mais pessoas nos primeiros sete meses deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado. São 319 mortes de civis contra 15 policiais em serviço. Basta o confronto desses números para mostrar o quadro de uma violência que não encontra parâmetros em Estado onde atua uma polícia voltada para a segurança.
Mas esses dados não são de hoje. Em 2006 os índices de violência já ultrapassavam níveis sequer toleráveis. Durante as rebeliões ocorridas nesses anos nos presídios de São Paulo, somente nos meses de maio a julho, mais de quatrocentas pessoas encontraram na morte a solução de seus problemas de vida. As responsabilidades ficaram no vácuo. Ora, as responsabilidades...
Na verdade, não se trata nunca, de apurar as responsabilidades dos homicídios cometidos pelas PMs. E quando se o faz, é em decorrência de perspectivas de apuração pelos sistemas internacionais de defesas dos direitos humanos- OEA e ONU – como aconteceu na chacina do “Castelinho” em 2002, quando doze pessoas foram chacinadas no pedágio da rodovia com esse nome, por policiais da PM, sob o comando do então secretário de segurança do Estado e o conhecimento do respectivo governador.
E acresce que a reforma parcial, do Poder Judiciário de 2004, ao invés de enfatizar o princípio de que os crimes cometidos por policiais militares em serviço são crimes comuns devendo submeter-se ao crivo da justiça civil, permitir um novo avanço da competência da justiça militar que tende a tornar inócua a Lei 9.299, de 7 de agosto de 1996, que submete à Justiça comum o processo e julgamento dos delitos de homicídio doloso cometidos por PMs contra civis, para entregar ao Tribunal do Júri, tão somente, o julgamento desses crimes, julgamento apenas cabível segundo o que for decidido na Justiça Militar.
Os fatos estão aí, os números são cada vez mais alarmantes. Não são os membros da elite os atingidos — quando grampos os atingem, há uma mobilização geral (governo e imprensa) para coibi-los — mas o povo mais pobre e sofrido de nossas periferias. Será que uma vida vale menos do que os segredos dos conventilhos governamentais?
Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/57447.shtml


A unificação das polícias no Brasil

Leia o artigo de Hélio Bicudo sobre a unificação das polícias acessando o link: http://www.scribd.com/share/upload/4407049/21mnr50kewlmltr4cidz

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