por Nestor Sampaio Penteado Filho*
O policial responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições ficando sujeito, cumulativamente, às respectivas cominações. A responsabilidade administrativa é independente da civil e da criminal. Destarte, pode haver responsabilidade administrativa sem que haja responsabilidade civil ou criminal.
Entretanto a responsabilidade administrativa é corolário de um mecanismo de controle interno da Administração. Daí o descompasso e desacerto de certos agentes jejunos que, a despeito da prerrogativa de controle externo da atividade policial, pretendem subjugar interna corporis a Polícia Civil.
Não existe relação de subordinação entre o MP e a Polícia Civil, apesar da tibieza e subserviência de alguns de seus integrantes no relacionamento com o Parquet. Respeito e cordialidade não impedem firmar posição com a letra da lei! O constituinte conferiu ao Ministério Público o poder-dever de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da CF), relegando à lei complementar sua regulamentação. Em atendimento ao ditame constitucional, a LC nº 734/93 regulamentou referido poder-dever, franqueando ao Ministério Público amplo acesso a "quaisquer documentos relativos à atividade de polícia judiciária" (art. 103, XIII, da Lei Complementar 734/93). Como se vê o Ministério Público pode somente examinar documentos relativos ao exercício de polícia judiciária. Nada mais.
Promotores neófitos ou truculentos exigem livros de polícia administrativa, fichas de servidores, escalas de férias, escalas de serviço, contratos de manutenção, de limpeza e de compras de material. Examinam as condições de higiene da Unidade Policial e vistoriam viaturas. Essas práticas devem ser veementemente coibidas, porque violadoras da lei e a autoridade policial deve representar em desfavor do promotor que exorbitar do seu direito de exercer o controle externo da atividade policial. Percebe-se que o controle só pode ser exercido sobre os atos de polícia judiciária, isto é sobre a apuração das infrações penais.
Muito se tem discutido sobre os reflexos do ilícito penal no campo administrativo. Inicialmente, é preciso dizer que o desempenho de funções administrativas acarreta ao agente público três espécies de responsabilidade: a penal, pela qual a conduta do agente se enquadra no tipo descrito pela lei penal; a civil, quando a conduta do agente causa prejuízos aos administrados e a responsabilidade administrativa por conduta infringente aos estatutos. Se as responsabilidades forem concomitantes haverá cumulação de sanções, posto que a cada tipo de responsabilidade é imposta uma espécie de sanção, sem que com isso se infrinja a regra do non bis in idem.
Enquanto a infração penal exige tipicidade, a infração disciplinar é atípica (regra). Os estatutos que disciplinam as relações jurídicas entre o servidor e o Poder Público são taxativos ao afirmar que a responsabilidade disciplinar do servidor independe da responsabilidade civil e criminal, haja vista os artigos 121 a 126 da Lei Federal n° 8112/90, artigos 245 a 250 da Lei Estadual nº 10.261/68 e artigos 180 a 183 da Lei do Município de São Paulo n° 8.989/79.
Saliente-se que o ilícito administrativo penal, tido como ato ilícito nas leis penais e também nas administrativas, pode sujeitar o autor a duas penas distintas, sem que se infrinja a regra do non bis in idem. Entretanto, mesmo que haja absolvição no juízo criminal o servidor pode sofrer punições administrativas residuais (Súmula nº 18 do STF: "Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa de servidor público".), posto que a tipificação penal deve ser precisa; ao contrário da apuração da falta disciplinar que ocorre com certa discricionariedade.
Responsabilidade civil
A responsabilidade civil decorre do ato praticado pelo policial, omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros. A sanção civil é a indenização que representa o ressarcimento dos prejuízos. As indenizações ao erário serão previamente comunicadas ao servidor e amortizadas em parcelas mensais cujos valores não excederão a 10% da remuneração.
Quando quem sofre o prejuízo é um administrado a vigente Constituição Federal, regula a matéria, no artigo 37, § 6º; verbis: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". É a responsabilidade objetiva da Administração.
Portanto, é assegurada à Administração ação regressiva contra o agente responsável pelo dano, desde que se tenha agido com culpa ou dolo. O Estado faz valer a sua pretensão indenizatória através da ação regressiva quando o agente não concordar em indenizar na via administrativa.
Responsabilidade penal
A responsabilidade penal do policial, como de todos os servidores públicos, é a que advém de conduta que a lei penal tipifica como sendo infração penal, seja crime ou contravenção. Saliente-se que a sanção penal, após sentença prolatada pelo juízo criminal, nem sempre acarreta sanção administrativa; é necessário que a infração penal seja também considerada ilícito administrativo. Há, no entanto, crimes próprios, isto é, crimes que só podem ser praticados por servidores públicos, caso daqueles perpetrados contra a Administração, contidos nos artigos 312 e seguintes do Código Penal. É evidente que a conduta do servidor ao infringir a lei penal, nesses casos, o faz, igualmente, violar regras estatutárias.
A responsabilidade administrativa é independente da civil e da criminal, mas será reintegrado ao serviço público, no cargo que ocupava e com todos os direitos e vantagens devidas, o servidor absolvido pela Justiça, mediante simples comprovação do trânsito em julgado de decisão que negue a existência de sua autoria ou do fato que deu origem à sua demissão. É a reintegração, que nada mais é do que a recondução ou retorno do servidor ao mesmo cargo de que fora demitido, com o ressarcimento total dos vencimentos, estipêndios e demais vantagens do período em que esteve fora, em face do reconhecimento judicial da ilegalidade do ato demissório.
Contrário senso, nem sempre a absolvição criminal afasta a condenação administrativa. A polêmica sobre o assunto deu-se em face do artigo 136 da Constituição Estadual Paulista que determina a reintegração ao serviço público de agente público demitido por ato administrativo, se absolvido pela Justiça, na ação referente ao ato que deu causa à demissão. Nada obstante o mandamento constitucional, a reintegração só poderá ocorrer se na sentença ficar declarado que o servidor não foi o autor da infração penal ou, ainda, que não houve a infração. Outros motivos, como a absolvição por falta de provas, não autorizam a reintegração do servidor. Quando possível, a reintegração dar-se-á após recurso do servidor, desde que prove o trânsito em julgado da sentença absolutória e seus fundamentos. Porém, quando a absolvição basear-se no estrito cumprimento do dever legal, em legítima defesa ou outra excludente de ilicitude, somente poderá haver punição do servidor se houver falta residual, consoante entendimento pacífico dos Tribunais e sumular do STF.
Responsabilidade administrativa
Se o servidor praticar um ilícito administrativo será responsabilizado interna corporis. Os ilícitos administrativos e as penas correspondentes estão previstos nos estatutos. A responsabilidade administrativa deve ser apurada através de sindicância ou processo administrativo disciplinar em que se conceda ao servidor faltoso ampla defesa e contraditório, conforme estatui o inciso LV, do artigo 5º, da Constituição Federal. Não nos esqueçamos que a sentença penal absolutória só se estende ao âmbito administrativo nas hipóteses de inexistência do fato ou exclusão de autoria, previstas nos incisos I e IV do artigo 386 do Código de Processo Penal. Nas hipóteses dos incisos II, III e V, não haver prova da existência do fato, não constituir o fato infração penal, existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena ou não existir prova suficiente para a condenação, é admissível a punição administrativa do servidor público pela chamada falta residual.
É necessário levar em conta que a sentença absolutória só repercute no âmbito administrativo disciplinar quando a falta se enquadra perfeitamente num tipo penal. Entendem alguns doutrinadores que o único ato punitivo que, necessariamente, deverá aguardar a decisão da Justiça Criminal é aquele cuja infração constitui crime contra a Administração Pública. Não se pode olvidar que a absolvição criminal só afasta a responsabilização administrativa quando ficar decidida a inexistência do fato ou a não autoria imputada ao servidor, em razão da independência entre os Poderes. A absolvição por falta de provas ou ausência de dolo (art. 386, VI, CPP) não exclui a culpa administrativa do servidor, que pode ser punido interna corporis.
* Nestor Sampaio Penteado Filho é Delegado de Polícia; Professor da Acadepol/São Paulo; Mestre em Direito Processual Penal; Professor do Curso Depol/SP; Professor de Direito Processual Penal e Direito Constitucional da Faculdade Politécnica de Campinas (Policamp) e da Unianhangüera; Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Jaguariúna; Titular da Cadeira nº 31 da ACADPESP . Academia de Ciências e Letras dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. Autor de diversas obras jurídicas, dentre as quais: Direito Administrativo Sistematizado (Ed. Método/2007), Manual de Direitos Humanos (Ed. Método/2006) e Delegado de Polícia Estadual/Federal Provas Comentadas (Ed. Método/2007).
O policial responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições ficando sujeito, cumulativamente, às respectivas cominações. A responsabilidade administrativa é independente da civil e da criminal. Destarte, pode haver responsabilidade administrativa sem que haja responsabilidade civil ou criminal.
Entretanto a responsabilidade administrativa é corolário de um mecanismo de controle interno da Administração. Daí o descompasso e desacerto de certos agentes jejunos que, a despeito da prerrogativa de controle externo da atividade policial, pretendem subjugar interna corporis a Polícia Civil.
Não existe relação de subordinação entre o MP e a Polícia Civil, apesar da tibieza e subserviência de alguns de seus integrantes no relacionamento com o Parquet. Respeito e cordialidade não impedem firmar posição com a letra da lei! O constituinte conferiu ao Ministério Público o poder-dever de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da CF), relegando à lei complementar sua regulamentação. Em atendimento ao ditame constitucional, a LC nº 734/93 regulamentou referido poder-dever, franqueando ao Ministério Público amplo acesso a "quaisquer documentos relativos à atividade de polícia judiciária" (art. 103, XIII, da Lei Complementar 734/93). Como se vê o Ministério Público pode somente examinar documentos relativos ao exercício de polícia judiciária. Nada mais.
Promotores neófitos ou truculentos exigem livros de polícia administrativa, fichas de servidores, escalas de férias, escalas de serviço, contratos de manutenção, de limpeza e de compras de material. Examinam as condições de higiene da Unidade Policial e vistoriam viaturas. Essas práticas devem ser veementemente coibidas, porque violadoras da lei e a autoridade policial deve representar em desfavor do promotor que exorbitar do seu direito de exercer o controle externo da atividade policial. Percebe-se que o controle só pode ser exercido sobre os atos de polícia judiciária, isto é sobre a apuração das infrações penais.
Muito se tem discutido sobre os reflexos do ilícito penal no campo administrativo. Inicialmente, é preciso dizer que o desempenho de funções administrativas acarreta ao agente público três espécies de responsabilidade: a penal, pela qual a conduta do agente se enquadra no tipo descrito pela lei penal; a civil, quando a conduta do agente causa prejuízos aos administrados e a responsabilidade administrativa por conduta infringente aos estatutos. Se as responsabilidades forem concomitantes haverá cumulação de sanções, posto que a cada tipo de responsabilidade é imposta uma espécie de sanção, sem que com isso se infrinja a regra do non bis in idem.
Enquanto a infração penal exige tipicidade, a infração disciplinar é atípica (regra). Os estatutos que disciplinam as relações jurídicas entre o servidor e o Poder Público são taxativos ao afirmar que a responsabilidade disciplinar do servidor independe da responsabilidade civil e criminal, haja vista os artigos 121 a 126 da Lei Federal n° 8112/90, artigos 245 a 250 da Lei Estadual nº 10.261/68 e artigos 180 a 183 da Lei do Município de São Paulo n° 8.989/79.
Saliente-se que o ilícito administrativo penal, tido como ato ilícito nas leis penais e também nas administrativas, pode sujeitar o autor a duas penas distintas, sem que se infrinja a regra do non bis in idem. Entretanto, mesmo que haja absolvição no juízo criminal o servidor pode sofrer punições administrativas residuais (Súmula nº 18 do STF: "Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa de servidor público".), posto que a tipificação penal deve ser precisa; ao contrário da apuração da falta disciplinar que ocorre com certa discricionariedade.
Responsabilidade civil
A responsabilidade civil decorre do ato praticado pelo policial, omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros. A sanção civil é a indenização que representa o ressarcimento dos prejuízos. As indenizações ao erário serão previamente comunicadas ao servidor e amortizadas em parcelas mensais cujos valores não excederão a 10% da remuneração.
Quando quem sofre o prejuízo é um administrado a vigente Constituição Federal, regula a matéria, no artigo 37, § 6º; verbis: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". É a responsabilidade objetiva da Administração.
Portanto, é assegurada à Administração ação regressiva contra o agente responsável pelo dano, desde que se tenha agido com culpa ou dolo. O Estado faz valer a sua pretensão indenizatória através da ação regressiva quando o agente não concordar em indenizar na via administrativa.
Responsabilidade penal
A responsabilidade penal do policial, como de todos os servidores públicos, é a que advém de conduta que a lei penal tipifica como sendo infração penal, seja crime ou contravenção. Saliente-se que a sanção penal, após sentença prolatada pelo juízo criminal, nem sempre acarreta sanção administrativa; é necessário que a infração penal seja também considerada ilícito administrativo. Há, no entanto, crimes próprios, isto é, crimes que só podem ser praticados por servidores públicos, caso daqueles perpetrados contra a Administração, contidos nos artigos 312 e seguintes do Código Penal. É evidente que a conduta do servidor ao infringir a lei penal, nesses casos, o faz, igualmente, violar regras estatutárias.
A responsabilidade administrativa é independente da civil e da criminal, mas será reintegrado ao serviço público, no cargo que ocupava e com todos os direitos e vantagens devidas, o servidor absolvido pela Justiça, mediante simples comprovação do trânsito em julgado de decisão que negue a existência de sua autoria ou do fato que deu origem à sua demissão. É a reintegração, que nada mais é do que a recondução ou retorno do servidor ao mesmo cargo de que fora demitido, com o ressarcimento total dos vencimentos, estipêndios e demais vantagens do período em que esteve fora, em face do reconhecimento judicial da ilegalidade do ato demissório.
Contrário senso, nem sempre a absolvição criminal afasta a condenação administrativa. A polêmica sobre o assunto deu-se em face do artigo 136 da Constituição Estadual Paulista que determina a reintegração ao serviço público de agente público demitido por ato administrativo, se absolvido pela Justiça, na ação referente ao ato que deu causa à demissão. Nada obstante o mandamento constitucional, a reintegração só poderá ocorrer se na sentença ficar declarado que o servidor não foi o autor da infração penal ou, ainda, que não houve a infração. Outros motivos, como a absolvição por falta de provas, não autorizam a reintegração do servidor. Quando possível, a reintegração dar-se-á após recurso do servidor, desde que prove o trânsito em julgado da sentença absolutória e seus fundamentos. Porém, quando a absolvição basear-se no estrito cumprimento do dever legal, em legítima defesa ou outra excludente de ilicitude, somente poderá haver punição do servidor se houver falta residual, consoante entendimento pacífico dos Tribunais e sumular do STF.
Responsabilidade administrativa
Se o servidor praticar um ilícito administrativo será responsabilizado interna corporis. Os ilícitos administrativos e as penas correspondentes estão previstos nos estatutos. A responsabilidade administrativa deve ser apurada através de sindicância ou processo administrativo disciplinar em que se conceda ao servidor faltoso ampla defesa e contraditório, conforme estatui o inciso LV, do artigo 5º, da Constituição Federal. Não nos esqueçamos que a sentença penal absolutória só se estende ao âmbito administrativo nas hipóteses de inexistência do fato ou exclusão de autoria, previstas nos incisos I e IV do artigo 386 do Código de Processo Penal. Nas hipóteses dos incisos II, III e V, não haver prova da existência do fato, não constituir o fato infração penal, existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena ou não existir prova suficiente para a condenação, é admissível a punição administrativa do servidor público pela chamada falta residual.
É necessário levar em conta que a sentença absolutória só repercute no âmbito administrativo disciplinar quando a falta se enquadra perfeitamente num tipo penal. Entendem alguns doutrinadores que o único ato punitivo que, necessariamente, deverá aguardar a decisão da Justiça Criminal é aquele cuja infração constitui crime contra a Administração Pública. Não se pode olvidar que a absolvição criminal só afasta a responsabilização administrativa quando ficar decidida a inexistência do fato ou a não autoria imputada ao servidor, em razão da independência entre os Poderes. A absolvição por falta de provas ou ausência de dolo (art. 386, VI, CPP) não exclui a culpa administrativa do servidor, que pode ser punido interna corporis.
* Nestor Sampaio Penteado Filho é Delegado de Polícia; Professor da Acadepol/São Paulo; Mestre em Direito Processual Penal; Professor do Curso Depol/SP; Professor de Direito Processual Penal e Direito Constitucional da Faculdade Politécnica de Campinas (Policamp) e da Unianhangüera; Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Jaguariúna; Titular da Cadeira nº 31 da ACADPESP . Academia de Ciências e Letras dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. Autor de diversas obras jurídicas, dentre as quais: Direito Administrativo Sistematizado (Ed. Método/2007), Manual de Direitos Humanos (Ed. Método/2006) e Delegado de Polícia Estadual/Federal Provas Comentadas (Ed. Método/2007).
Fonte: Última Instância