sábado, 29 de agosto de 2009

Os elementos da legítima defesa


por Thiago Lauria

1.1 - Considerações Gerais

O Estado, por meio de seus representantes, não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, razão pela qual permite aos cidadãos a possibilidade de, em determinados momentos, agir em sua própria defesa.

A legítima defesa corresponde a uma exigência natural, a um instinto que leva o agredido a repelir a agressão a um bem jurídico, a um direito, a um interesse. É o direito que toda pessoa possui de defender os bens juridicamente tutelados através da norma penal.

Alguns autores afirmam que a legítima defesa constitui um resquício de autotutela no nosso ordenamento jurídico (Ada Pelegrini Grinover). Todavia, data venia, não se pode concordar com esse entendimento. A autotutela foi a primeira forma de resolução de conflitos da história. Trata-se de uma justiça privada, do fazer justiça com as próprias mãos, do império da lei do mais forte. A legítima defesa, no entanto, somente pode ser realizada dentro de hipóteses determinadas e dentro dos limites estabelecidos pela lei penal. A legítima defesa, portanto, não consiste em autotutela, mas em espécie de autodefesa (Rosemiro Pereira Leal), essa sim admitida pelo ordenamento jurídico nacional.

2 - Conceito

"Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".

Como se observa a partir de uma análise meramente perfunctória do conceito transcrito acima, a definição legal de legítima defesa se encontra repleta de elementos que necessitam de um juízo de valor por parte do operador do Direito para que seu verdadeiro significado seja auferido. Logo, em se tratando de um conceito aparentemente complexo, a melhor forma de estudar a legítima defesa é através do estudo separado de seus elementos: agressão injusta; atualidade ou iminência; meios necessários; moderação; direito próprio ou de terceiro.

2.1. Agressão injusta

Agressão é a conduta humana que põe em perigo um interesse juridicamente protegido. Em virtude disso, por exemplo, não se pode admitir a legítima defesa contra ataque de animal. Se um cachorro ataca um determinado cidadão, que atira no animal para se defender, a hipótese não é de legítima defesa, mas sim, de estado de necessidade, excludente de ilicitude prevista no art. 24 do Código Penal.

Importante a ressalva do autor Guilherme de Souza Nucci quanto à questão da defesa contra ataque de animal. De acordo com o renomado jurista, se o animal é utilizado como arma, como instrumento de uma pessoa que quer ferir outra, eventual revide contra o animal não configura estado de necessidade, mas legítima defesa contra o ser humano que ordena o ataque. Isso porque a agressão injusta se origina de um ato humano, de forma que eventual abate do animal significa, em última análise, mera destruição da ferramenta do crime.

Agressão injusta, por sua vez, consiste em uma agressão não autorizada pela lei. Injustiça significa contrariedade ao Direito. Apenas a título ilustrativo, a violência utilizada por um policial ao evitar um crime constituiu uma agressão justa, pois ele está cumprindo seu dever legal. Logo, o agente não pode alegar contra a autoridade policial, no presente caso, a legítima defesa.

Observe-se, no entanto, que injustiça significa contrariedade ao Direito, e não contrariedade ao Direito Penal. Não é só a infração penal que é considerada injusta para fins de legítima defesa. Assim, por exemplo, no caso de furto de uso de um carro, que é um indiferente penal, pois que inexistente o ânimo de dono, o proprietário do veículo pode defender o seu bem se valendo da legítima defesa.

2.2. Atualidade ou iminência

Agressão atual é aquela que está acontecendo; iminente é aquela que, embora não ocorrendo, irá suceder quase que imediatamente, está preste a sobrevir. Em virtude disso, o avanço de um inimigo na direção do outro, carregando um revólver na cintura e proferindo ameaças de morte, autoriza a reação do ofendido em legítima defesa. Afinal, o ofendido não precisa esperar que o agressor saque a arma e dê o primeiro disparo para reagir. Isso seria contar com a sorte, algo que seguramente não correspondia ao interesse o legislador quando da instituição da possibilidade de legítima defesa.

Importante observar-se que a reação deve ser imediata à agressão, pois a demora na repulsa descaracteriza o instituto da legítima defesa, caracterizando vingança privada, que é vedada pelo ordenamento jurídico.

2.3. Meios necessários

Existe uma desavença na doutrina em torno da definição de "meios necessários". Dissenso esse justificável, até porque o legislador fez uso de um conceito legal bastante impreciso.

Uma primeira corrente defende que meios necessários são aqueles proporcionalmente adequados a repelir a agressão. Sustenta que o agente deve pautar sua conduta com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sopesando a gravidade da agressão e da reação, escolhendo sempre o meio menos gravoso para reprimir o ataque sofrido. (Nelson Hungria, Rogério Greco).

Todavia, esse entendimento, nesses termos, parece não ser o mais adequado. Parece pouco plausível exigir de um cidadão, que se encontra sofrendo uma agressão injusta, atual ou iminente, em um bem jurídico importante (senão não seria tutelado pela norma penal), que pare, pense, coloque a situação em uma balança, e decida a sua defesa com base em parâmetros de proporcionalidade. A legítima defesa é uma reação natural, é um instinto, e por isso a exigência de proporcionalidade é incompatível com o instituto (Cerezo Mir).

O que deve se exigir, sem dúvida, é a existência de um mínimo de proporcionalidade, o que é bastante diferente da exigência de proporcionalidade integral, e apenas em casos em que for patente o abuso do direito à legítima defesa. Isso porque o direito à legítima defesa não é absoluto, devendo encontrar limites na proibição geral do abuso de direito (Wessels). O se deve evitar é uma desproporcionalidade evidente, manifesta, flagrante, o que não se confunde com a exigência de proporcionalidade integral.

Diante do exposto, essa Coordenadoria se filia à segunda corrente, que entende que meio necessário é aquele que o agente dispõe no momento em que rechaça a agressão, podendo ser até mesmo desproporcional com o utilizado no ataque, desde que seja o único à sua disposição no momento (Mirabete e Bittencourt). Se não houver outros meios, pode ser considerado necessário o único meio disponível, desde que a desproporcionalidade não seja veemente.

2.4. Moderação

Na definição do mestre Assis Toledo, a moderação perdura enquanto durar a agressão. O momento em que o agente faz cessar a agressão contra ele praticada deve ser considerado como o marco para se auferir se a reação foi ou não moderada. A pode desferir quantos disparos forem necessários para fazer cessar a agressão de B. Cessada a agressão, deve cessar a reação.

Se o agente continua reagindo, apesar de já cessada a agressão, tem-se uma hipótese de excesso na legítima defesa, de abuso de direito do se defender, assunto que será deixado para um outro curso.

2.5. Direito próprio ou de terceiro

Para a maioria da doutrina, todo bem jurídico pode ser legitimamente defendido, desde que, para tanto, os meios necessários sejam usados de forma moderada (Zaffaroni e Pierangeli). Permite-se, ainda, que direitos de terceiro sejam legitimamente defendidos pelo agente.

Interessante, porém, a questão inerente à legítima defesa da honra. Pode o cônjuge reagir contra uma traição, contra essa agressão à sua honra?

Como já se expôs, atualmente, a doutrina admite a defesa de qualquer interesse juridicamente protegido, a vida, a liberdade, o corpo, e também a honra. Logo, a princípio, não há qualquer óbice.

Entretanto, em um passado não tão longínquo, parte da doutrina sustentava que essa hipótese de legítima defesa não seria possível, vez que a honra maculada, no caso, seria a do cônjuge adúltero, e não a do traído. Contudo, essa posição idealista vem há muito caindo por terra, porque a sociedade enxerga o traído como o frouxo, como o trouxa, principalmente quando o mesmo não reage no momento do flagrante. Por isso, não há como negar que o flagrante adultério mancha a honra do cônjuge traído.Todavia, isso não implica que o cônjuge traído possa matar o cônjuge traidor. Existe, nessa hipótese, uma flagrante desproporção entre a ofensa e a reação, entre a agressão e os meios utilizados. Logo, o cônjuge traído poderia, por exemplo, expulsar com violência o amante da esposa ou do marido, que não haveria o crime de lesões corporais, visto estar o mesmo agindo amparado pela excludente de ilicitude da legitima defesa. Contudo, não poderia matar nenhum dos dois, pois que agiria em patente abuso de direito.
* Thiago Lauria é Advogado atuante no Escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados. Mestrando em Direito Processual Penal pela UFMG. Especialista em Ciências Penais pela UGF. Graduado em Direito pela UFMG.Professor de Direito Penal da Faculdade Metropolitana.

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