sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Carnaval de Salvador: “apartheid” e seletividade em uma ilha de brancos cercada por uma corda de negros


por Marília Lomanto Veloso *
Ignoro o critério dos órgãos responsáveis pelo Carnaval de Salvador, para estabelecer o percurso dos Blocos, Trios Alternativos, Independentes ou qualquer outro nome dessas parafernálias musicais. Até que me esforcei por saber, junto a um órgão de turismo, mas não tive êxito na resposta. Certo é que alguns/algumas dos “deuses/deusas” que puxam essas “corporações” não passam pelos tradicionais percursos da Avenida Sete, Piedade, São Pedro, Praça Castro Alves, chamado Circuito Campo Grande (ou Osmar), que prefiro designar por “Circuito Senzala“, tal é a manifesta concentração de nichos de pobreza que ali se aglutinam. Muitos desse reis/rainhas do Axé, Pagode, desfilam apenas pelo trajeto Barra/Ondina, (ou Circuito Dodô), que denomino “Circuito Casa Grande“, em razão do grupo de elite que prefere curtir o Carnaval com “segurança“, longe da “mistura” do centro da cidade.
Por escolha política, estou no “Circuito Senzala” e, do alto do quinto andar de um prédio em frente ao velho Jardim da Piedade, cercado por grades de ferro escondidas atrás de muralhas de madeira, posso enxergar com maior objetividade o Carnaval declamado internacionalmente por ser a mais intensa expressão de alegria (e com razão) e de respeito à diversidade étnica e cultural que marca nosso povo (o que não é verdadeiro). Lamentavelmente essa festa, em nossa capital, vem resgatando a figura de um Navio Negreiro, dessa feita, sofisticado e de elevada tecnologia. Grilhões de antigamente agora são cordas que negros e negras arrastam, de mãos enluvadas, para dar proteção à grande massa de brancos e brancas que se torce (nem sempre) em frente, ao lado e no rastro dos possantes veículos que transportam “deuses/deusas” (às vezes negros e negras) do Axé, do Pagode e de não sei mais o que.
No podium simbolizado pelos Trios Elétricos, o encanto e a fama de rostos globais, convidados especialmente para gozo e delírio da maioria pobre, apinhada e comprimida ao longo do espaço público legal (mas ilegitimamente) apropriado pelas elites que desfilam nas grandes Empresas/Blocos que dominam o Mercado Carnavalesco de Salvador, produzindo um espetáculo destinado principalmente aos ricos e aos turistas que ocupam a cidade durante a folia momesca.
Enquanto arde minha repulsa pela expropriação dos sítios de divertimento em Salvador, continuo a espiar o rito de passagem dos Trios. Em um deles, sem bloco, três jovens negras reverenciam Carmem Miranda. Fico à espera dos gritos dos “espremidos” na Praça Piedade. Nada acontece. O silêncio e a indiferença do público deixam claro que as vocalistas, não obstante afortunadas na escolha das vestes e do repertório, não eram midiatizadas, logo, não conseguiam animar a platéia.
Outros Trios passam. De repente, acontece a explosão. A Praça Piedade enlouquece, mobilizada por uma das “deusas“ douradas que comandam o espetáculo do Carnaval da Bahia. E outros “deuses/deusas” se sucedem, enquanto também se aglomeram os “excluídos da corda“, pulando entre as barreiras formadas pelos edifícios, pelo jardim e pelas “correntes vivas” que circulam os Blocos. Não só, o muro se fortifica por fileiras de policiais militares, que parecem ter olhos e ouvidos apenas para os negros fora da corda, os quais, em todos os momentos que pude presenciar, eram os únicos abordados.
Carnaval de Salvador é isso aí: uma ilha de brancos cercada por uma corda de negros e negras. Foi a única resposta que consegui formular diante da indagação que me fez uma paulista sobre essa festa já tão deformada na sua feição democrática. Um simples olhar sobre os Blocos/Empresas Carnavalescos é o bastante para consolidar essa afirmativa que dialoga com uma realidade oposta aos dias de Carnaval, único tempo em que a minoria branca e rica predomina sobre uma cidade histórica e matematicamente negra e pobre. Desse modo, os “habitantes” ocasionais da quase todas essas “cidades dos Blocos” escancaram um violento e insuperável contraste com a população negra dos cárceres, das invasões, das periferias, das favelas, dos quilombos, dos Sem Teto, dos Sem Terra.
Por todo o período de Carnaval, negro é o tom da corda, dos ambulantes que circulam aos milhares. É a cor do povo “Fora dos Blocos“, olhando das calçadas, pulsando ao som de altíssimos equipamentos que amplificam à exaustão as vozes dos “mitos” da passarela e aplaudindo os desfilantes dos Blocos, talvez, na sua expressiva maioria, descendências dos colonizadores de terras no passado, e agora, dos espaços antes livres para brincar e da alegria que vibra a cada passagem dos “latifundiários da folia“.
De fato, no Carnaval de Salvador, a rua, a avenida, a praça se constituem o grande domínio desses novos sujeitos sociais que são os empresários donos dos Blocos e seus associados. É verdade que algum recinto sobra para afrodescendentes, por sua inigualável capacidade vocal e instrumental. Mas por vezes questiono se essa aclamada e fascinante musicalidade não termina sendo uma estratégia excludente a partir de um discurso de inclusão social. Isso significa a urgência em se refletir sobre a utilização, pelas elites, do espaço da música e dos tambores como um grande quilombo, distanciando o potencial de negros e negras das “catedrais cristalizadas” que são as Universidades e de outros locus de poder.
Nesse contexto, chama atenção a quem se dispõe a fazer uma leitura crítica do Carnaval de Salvador, o fato de que em nenhum outro momento a luta de classes se revela com tamanho vigor em nossa cidade. As ruas, praças e avenidas que deveriam pertencer ao povo, seu titular legítimo, se acanham para ceder lugar a alguns privilegiados, a exemplo de atores, atrizes, autoridades e outros figurantes da nobreza daqui e de fora do país que se confinam em luxuosos camarotes garantidos pelos “deuses/deusas” do Carnaval ou explorados por capitalistas do Império de Momo, que vendem o espaço público a quem possa dispor do valor cobrado. O mais censurável é a restrição desses espaços, acessíveis apenas à nata esguia, branca e economicamente estável que desfila rigorosamente vestida de “abadá“, figurino de criação baiana comercializada a preços que humilham a quem ganha um salário e envergonham a tantos quantos militam na trincheira da busca pela destituição das desigualdades e pela construção de uma sociedade onde todos e todas, indistintamente, possam se “empoderar” da exultação de “ser pessoa“, e, nesse sentido, de “ser pessoa dentro de todo o espaço da alegria” do Carnaval de Salvador.
*Doutora em Direito pela PUC/SP, Professora de Direito da UEFS, Ex Promotora de Justiça da Bahia, Membro do Conselho Penitenciário do Estado da Bahia e Presidente do JusPopuli/Escritório de Direitos Humanos.
Fonte: Gerivaldo Alves Neiva

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Inquirição de testemunhas e a reforma do CPP



por Euler Jansen*
A recente reforma do Código de Processo Penal constituiu-se basicamente nas alterações que nele foram efetuadas por três leis: a Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, que alterou o rito e outras questões relacionadas com o Tribunal do Júri; a Lei nº 11.690, de mesma data, que alterou elementos relacionados à prova processual, e, por fim; a Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que alterou questões ligadas à emendatio e mutatio libelli, alguns elementos da sentença e aos ritos ordinário e sumário.
A nova redação do art. 212, pela Lei nº 11.690/08, instituiu as perguntas diretas - não mais reperguntas - pelas partes às testemunhas, cabendo ao juiz estar atento para inadmitir aquelas que induzam a resposta, impertinentes ou repetidas.
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.
Quanto a isso, não há nenhuma dúvida e é facilmente compreensível diante da literalidade da norma examinada e não há quem não admita ser um avanço em relação à legislação anterior.
Entretanto, essa interpretação literal gerou impasse na doutrina e alguns (a exemplo de NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 480) ainda afirmam que o juiz iniciaria a inquirição fazendo suas próprias perguntas. Esses afirmam que o magistrado é o destinatário da prova e a redação anterior também não explicitava que ele fazia perguntas. Quanto a esse último ponto, há ligeiro engano, e, para sua constatação, transcrevemos a redação anterior:
Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida (grifo nosso).
Se havia perguntas "das partes" é por se admitir a existência de perguntas de outrem e, certamente, não eram do porteiro do auditório ou do analista judiciário. Eram as perguntas do juiz.
Não temos dúvidas que a lei determina que, inicialmente, seja dada a palavra às partes, para perguntas diretas, cabendo ao juiz complementá-las. Essa metodologia será, certamente, difícil de ser assimilada, tanto pela acusação, como pela defesa, mas toda mudança cultural é árdua e enseja algum descontentamento.
A complementação referida pela lei, realizada pelo juiz, pode ocorrer tanto no caso das perguntas que deixam algo no ar e que tem consectários lógicos que não foram feitos, como no caso de perguntas que efetivamente não foram feitas e guardem correlação com o caso. No primeiro, pode - e deve - o juiz fazer de logo a complementação, como se fosse um aparte, a exemplo do caso que um promotor pergunta à vítima de um furto se a comunidade do local comenta que o réu é o ladrão e, diante da resposta positiva, o juiz intervém, indagando se esse comentário se deu antes ou depois dele aparecer em programa televisivo de grande densidade no local. No segundo caso, no seu momento correto, o magistrado faz perguntas após as partes, de quaisquer questões que ache úteis para o seu julgamento, tanto absolutório quanto condenatório - perguntar como agiu a vítima antes e durante a infração, provavelmente para robustecer o "comportamento da vítima" de que fala o art. 59 do CP não ensejando a concepção de prejulgamento condenatório.
Ainda, permanece praticamente intocada pela doutrina tradicional a intenção do art. 411, § 8º (primeira fase do rito do Tribunal do Júri), e do art. 536 (rito sumário), ambos do CPP, alterados pelas Leis nº 11.689/08 e nº 11.719/08, respectivamente, e o fato de não haver elemento similar no rito ordinário.
Art. 411, § 8º. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo.
Art. 536. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art. 531 deste Código.
Da dicção destas normas compreende-se que, mesmo que falte uma testemunha, serão inquiridas todas que comparecerem e, após isto, suspensa a audiência e designada a continuação apenas para a inquirição da(s) faltante(s), que, se foi(ram) intimada(s) e se omitiu(ram), será(ão) conduzida(s).
Aparente problema surge somente se a testemunha faltante for da acusação. A regra legal continuará aplicável, ou seja, todas as testemunhas que comparecerem inquiridas - mantida a ordem referida nos artigos, primeiro as de acusação que compareceram e, depois, as de defesa. Trata-se de uma hipótese legal (apenas para o rito sumário e o da primeira fase do júri) onde há possibilidade de inversão da ordem de oitiva de testemunhas, desde que, naquela audiência e na seguinte, seja atendida a ordem normal, com a inquirição das testemunhas de acusação e, somente após, da defesa, pois pode faltar uma de cada pólo processual. Essa permissibilidade é somente naqueles ritos, que, pela pena menor dos crimes a ele submetidos (ver arts. 394, § 1º, II, e 538, ambos do CPP), no caso do sumário, e por ser a primeira fase mero juízo de admissibilidade da fase de plenário do Tribunal do Júri. Sendo o rito ordinário caracterizado pela maior amplitude de produção de provas e ampla defesa, a audiência será suspensa ao final da última testemunha de acusação e as testemunhas de defesa que compareceram ficarão intimadas para a continuação da audiência, quando será conduzida coercitivamente a testemunha faltante, caso tenha sido intimada e se omitido de comparecer em juízo.
Concordando este posicionamento, apenas há um único processualista penal (MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008. p. 307), mas certamente é a interpretação correta e qualquer outra derivaria para a conclusão de que os artigos nada dizem - e, conforme regra de hermenêutica, não há palavras desnecessárias na lei.A referida reforma tanto consolidou práticas que já eram procedidas pelos magistrados, quando atentos ao texto constitucional, como trouxe inovações sem paradigmas e estas, certamente, trarão dúvidas e inconformismos até que se integrem definitivamente ao cotidiano forense.
*Juiz de Direito do Estado da Paraíba, professor da ESMA-PB de Direito Processual Penal e Técnica de Sentença Criminal, especialista latu sensu em Direito Processual Civil pela PUC-RS e autor do livro "Manual de Sentença Criminal" - Editora Renovar-RJ em 2006.
Fonte: Jornal Carta Forense, terça-feira, 27 de janeiro de 2009

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Temos que tomar cuidado para não criminalizar a pobreza

Muito corrente na população é a idéia de que a violência deve ser combatida com mais violência, em que os criminosos devem ser punidos das formas mais severas. Mas qual seria o verdadeiro caminho de mudança social?
O Secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Brisolla Balestreri, afirma que entre criminalidade e pobreza não há uma relação direta.
A pobreza e a deficiência do sistema penal não são a causa da criminalidade no Brasil.
por Ricardo Brisolla Balestreri
Todos os estudos científicos internacionais demonstram que não há correlação direta entre pobreza e crime. Um bom exemplo para ilustrar é que, em alguns dos países mais pobres do mundo, não há altas taxas de criminalidade ordinária. Na Índia, onde há problemas de terroristas, não existem taxas, internacionalmente comparáveis como altas na área da criminalidade. E a Índia é um país muito pobre. É um dos países emergentes, mas a população é muito pobre. Se pobreza gerasse crime, a cidade do Cairo, com 14 milhões de miseráveis, seria uma das mais violentas do mundo e é uma das mais seguras.
Por que estou frizando isso? Porque temos que tomar cuidado para não criminalizar a pobreza. Pobreza não gera crime. A quase totalidade das pessoas pobres são heroicamente trabalhadoras e honestas. Há criminosos entres os pobres? Sim, mas talvez, haja mais criminosos entre os ricos do que entre os pobres. O que sabemos, pelas pesquisas internacionais, é que o agravante da criminalidade é a junção da pobreza com injustiça social. É o caso brasileiro. Nosso país é um dos mais ricos do planeta, contudo distribui muito mal a riqueza. Nesse caso, temos o agravamento dos fenômenos de insegurança pública, porque onde há muita injustiça, não onde há muita pobreza, teremos como predominância a ideologia do consumo. Nós pregamos, nos templos laicos eletrônicos, o consumo como se fosse acessível a todos. Convencemos todas as pessoas que o sentido de viver é consumir. No entanto, a maioria das pessoas nesse país não tem poder quase nenhum de consumo. Esse mix de injustiça social com a ideologia consumista proporciona muita revolta, muita expectativa frustrada e, particularmente, entre os jovens, gera muita violência e insegurança pública. Os mais jovens são as maiores vítimas e causadores da violência.
É por isso, portanto, que pobreza não gera violência, mas injustiça gera violência, consumismo gera violência. É preciso que façamos um programa de educação de valores da sociedade e sei que vocês - Canção Nova - são uma TV que cuida disso, para que as pessoas saibam que o sentido de viver não é o consumo. Nada contra ao conforto, ao bem estar, mas o sentido da vida vai muito além que o mero consumo. Se o único sentido de viver é consumir, nós estamos, então, conclamando as pessoas à utilização de qualquer recurso para se apossarem desses bens da terra tão mal distribuídos. E depois nós estranhamos que as pessoas sejam tão violentas.
Já quanto à deficiência penal, esta afirmação é completamente correta. A grande crise histórica do sistema penal brasileiro, envolvendo a terminalidade nos presídios, é a geradora de mais violência e criminalidade. Nós podemos considerar que, historicamente, os presídios brasileiros se transformaram em incubadoras do crime. Há um termo utilizado por uma facção criminosa muito importante de SP, que chama os presídios de "faculdades". São as famosas faculdades do crime. Porque de maneira geral, com honrosas exceções, esses presídios estão super lotados, não há um processo de assistência psicológica e um processo educativo. O que existe é um processo de predomínio de uma minoria prisional, que são aqueles, homens e mulheres com caracteres psicopáticos. É um grupo numericamente pequeno, mas com grande poder de persuasão e influência sobre outros presos. E até aqueles que são bons, a fim de subsistir, acabam por aderir à alguma facção criminosa. Há exceções, comprovadas por diversos estudos científicos, quando há uma ação espiritual de qualquer que seja a religião ou ação pastoral, e acaba sendo a única guarida moral que o presidiário tem. Quando não há esse tipo de ação, a única guarida dele é participar de uma gang prisional. Às vezes, o sujeito entra com baixo nível de periculosidade e aprende tudo o que não deve para sobreviver no presídio.
Fonte: Canção Nova Notícias

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Lei 11.829 de 25 de novembro de 2008: Alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente


ALTERAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Os casos de crimes ligados à pedofilia (abuso sexual de crianças) infelizmente são muito mais comuns do que pensamos, como tem sido visto na imprensa nos últimos meses, especialmente após a instauração da “CPI DA PEDOFILIA”, no Senado Federal. A apuração é difícil, porque sempre envolvem constrangimento da vítima – que muitas vezes passa toda a vida sem revelar o abuso que sofreu – por vergonha ou por medo das habituais ameaças dos abusadores sexuais. Estima-se que menos de 10% dos abusos sexuais são relatados às autoridades. Hoje em dia, a Pedofilia, principalmente na internet, movimenta mais dinheiro que o tráfico de drogas.
Atualmente não existe na legislação brasileira tipificação específica de um delito que tenha o nomem juris de “pedofilia”, sendo que o criminoso de pedofilia vem sendo punido no Brasil, principalmente, através dos seguintes delitos:
Conforme já estabelece o CÓDIGO PENAL:
CRIME DE ESTUPRO: que é a relação sexual (vaginal) mediante violência (artigo 213 do Código Penal – pena de 6 a 10 anos de reclusão);
CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR: que é a prática de outros atos sexuais (por exemplo, sexo oral ou anal) mediante violência (artigo 214 do Código Penal – pena de 6 a 10 anos de reclusão);
CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES: que é, de fato, corromper ou facilitar a corrupção – roubando a inocência – de adolescente entre 14 e 18 anos, praticando com ele ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo (artigo 218 do Código Penal – pena de 1 a 4 anos de reclusão);
Todos estes crimes, quando praticados contra criança, têm a pena agravada (artigo 61, II, h, do Código Penal)
É importante lembrar que, para que o abusador seja processado por estes crimes, é indispensável a manifestação dos pais ou responsáveis pela vítima criança ou adolescente (artigo 225 do Código Penal).
Quando um dos pais ou responsável é o abusador, basta que qualquer pessoa denuncie o delito (artigo 225, §1º, II, do Código Penal).
O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, por sua vez, também já estabelecia algumas formas de punição ao abuso sexual, sendo que, recentemente, nele foram inseridos novo delitos, buscando uma proteção mais completa.
No dia 25 de novembro de 2008, durante a abertura do “III CONGRESSO MUNDIAL DE ENFRENTAMENTO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES”, realizado no “Rio Centro”, cidade do Rio de Janeiro/RJ, o Presidente da República sancionou a Lei 11.829/2008, proposta pela “CPI DA PEDOFILIA”, a qual modificou o ECA, criando novos tipos de crimes para combate à pornografia infantil e ao abuso sexual.
O texto legal foi elaborado pela “CPI DA PEDOFILIA”, Presidida pelo Senador Magno Malta, em um esforço conjunto dos Senadores, Consultoria Legislativa do Senado e do Grupo de Trabalho, formado por Promotores de Justiça, Procuradores da República, Delegados da Polícia Federal e integrantes da ONG Safernet.
Em resumo, a nova Lei estabelece o seguinte:
CRIME DE PRODUÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTIL: é a produção de qualquer forma de pornografia envolvendo criança ou adolescente (artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente – pena de 4 a 8 anos);
Também pratica este crime quem agencia, de qualquer forma, ou participa das cenas de pornografia infantil (artigo 240, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente);
A pena deste delito é aumentada de 1/3 (um terço) em diversos casos, em que o crime é mais grave (artigo 240, §2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente). Vejamos: se o criminoso exerce função pública (professor, médico, etc.), ou se o criminoso se aproveita de relações domésticas (empregado da casa, hóspede, etc.), ou se o criminoso se aproveita de relações com a vítima (pai, mãe, tio, responsável, tutor, curador, empregador, etc.), ou se o criminoso se aproveita de relações com quem tenha autoridade sobre a vítima (pais ou responsáveis), ou se o criminoso pratica o crime com o consentimento de quem tenha autoridade sobre a vítima (pais ou responsáveis).
CRIME DE VENDA DE PORNOGRAFIA INFANTIL: é o ato de vender ou expor à venda, por qualquer meio (inclusive internet), de foto ou vídeo de pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente (artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente – pena de 4 a 8 anos). Estima-se que o comércio de pornografia infantil movimenta 3 Bilhões de Dólares por ano, só no Brasil! (fonte: Ver. Marie Claire, novembro/2008).
Estima-se que o comércio de pornografia infantil movimenta 3 Bilhões de Dólares por ano, só no Brasil! (fonte: Revista Marie Claire, novembro/2008);
CRIME DE DIVULGAÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTIL: é a publicação, troca ou divulgação, por qualquer meio (inclusive internet) de foto ou vídeo de pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente (artigo 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente – pena de 3 a 6 anos);
Também pratica este crime quem (artigo 241-A, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente): que assegura os meios de armazenamento das fotos ou vídeos de pornografia infantil, ou seja, a empresa de Internet que guarda a pornografia em seus computadores para a pessoa que quer divulgar; ou que assegura o acesso à internet, por qualquer meio, da pessoa que quer divulgar ou receber pornografia infantil.
Entretanto, os responsáveis pelo acesso à internet somente podem ser culpados pelo crime se não cortarem o acesso à pornografia infantil, após uma denúncia e uma notificação oficial. Assim, em caso de verificação de pornografia infantil na internet, devemos comunicar ao Ministério Público (Promotor de Justiça), à Polícia ou ao Conselho Tutelar, para que seja feita a notificação sobre a pornografia infantil (artigo 241-A, §2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente).
CRIME DE POSSE DE PORNOGRAFIA INFANTIL: é ter em seu poder (no computador, pen-drive, em casa, etc.) foto, vídeo ou qualquer meio de registro contendo pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente (artigo 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente – pena de 1 a 4 anos);
CRIME DE PRODUÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTIL SIMULADA (MONTAGEM): é o ato de produzir pornografia simulando a participação de criança ou adolescente, por meio de montagem, adulteração ou modificação de foto, vídeo ou outra forma de representação visual (artigo 241-C do Estatuto da Criança e do Adolescente – pena de 1 a 3 anos);
CRIME DE ALICIAMENTO DE CRIANÇA: é o ato de aliciar, assediar, instigar ou constranger a criança (menor de 12 anos de idade), por qualquer meio de comunicação (pessoalmente ao à distância: pelo telefone, internet, etc.), a praticar atos libidinosos, ou seja, passa a ser crime convidar ou “cantar” uma criança para relação libidinosa (sexo, beijos, carícias, etc.). É muito comum esse tipo de assédio pela internet, através de salas de bate-papo (chats) ou programas de relacionamento (MSN, ORKUT, MySpace, etc.) (artigo 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente – pena de 1 a 3 anos).
Também pratica este crime quem (artigo 241-D, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente): facilita ou induz a criança a ter acesso a pornografia para estimulá-la a praticar ato libidinosos (sexo), ou seja, mostra pornografia à criança para criar o interesse sexual e depois praticar o ato libidinoso; ou estimula, pede ou constrange a criança a se exibir de forma pornográfica. O caso mais comum é o do criminoso pedófilo que pede a criança para se mostrar nua, semi-nua ou em poses eróticas diante de uma webcam (câmera de internet), ou mesmo pessoalmente.
Por fim, em seu artigo 241-E, a nova Lei 11.829/2008 define a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” como sendo aquela que registra “qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.”
O abuso sexual cometido contra criança atinge todos os seus direitos. A criança que é vítima de pedofilia tem evidentemente desrespeitados seus direitos à saúde (uma vez que agredida fisicamente pelo abuso sexual), à vida, à dignidade, ao respeito e à liberdade. A criança que é vítima de pedofilia tem atacada drasticamente sua auto-estima, via de regra se torna depressiva e apresenta seqüelas para toda a vida, tendo atingidos, pois, seus direitos à saúde (também mental), à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização e à cultura. Além disso, as estatísticas mostram que há enorme tendência de que o abusado na infância se torne um abusador na idade adulta.
Por tudo isso, são necessárias medidas mais severas no sentido de colocar as crianças e adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, especialmente ligadas à pedofilia.
Um dos objetivos da CPI da Pedofilia é a construção de uma legislação mais eficiente no combate aos crimes sexuais cometidos contra criança. O referido projeto, que reformou a parte criminal relativa ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que resultou na Lei 11.829, de 25 de novembro de 2008, já é realidade.
A parte relativa ao Código Penal será brevemente apresentada ao Senado e outros projetos estão em andamento.
Mas a legislação é inútil sem a participação popular na denúncia responsável dos criminosos e na prevenção dos crimes. É preciso que todos estejamos atentos, especialmente pais, professores e aqueles que lidam diretamente com crianças. O combate direto, através dos processos criminais, e a prevenção são também objetivos da CPI e de toda a sociedade.
A CPI lançou a campanha “TODOS CONTRA A PEDOFILIA”, já iniciada em algumas cidades e na TV, visando despertar a população para a realidade da situação dos crimes de abuso sexual contra crianças e adolescentes, além de trazer informações sobre o que são e de como prevenir e combater tais crimes.
Fonte: http://brasilcontraapedofilia.0freehosting.com/2009/01/12/lei-11829-de-25-de-novembro-de-2008-alteracao-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente/

O olhar do psicanalista sobre a questão do abuso sexual de crianças


por Dr. João Coutinho de Moura*


OI: O que é pedofilia?
Dr. João Moura: É uma perversão do desenvolvimento da sexualidade. É uma psicopatia.
OI: O pedófilo apresenta características individuais que o distingue da população em geral?
Dr. João Moura: Não.
OI: Apenas o homem é pedófilo?
Dr. João Moura: Não. Também a mulher. É comum a mulher se encantar e sentir gozo ao manusear o pênis ou o ânus de crianças. Isto estimula a erotização precoce da criança. Em razão sobretudo da repressão sócio-cultural estas situações não aparecem.
OI: A pedofilia costuma se associar a outra psicopatia?
Dr. João Moura: Sim. Nenhuma perversão é isolada. A pedofilia pode estar associada ao exibicionismo, ou ao voyeurismo, por exemplo, e outras psicopatias.
OI: O pedófilo é um covarde?
Dr. João Moura: Eu não usaria esta qualificação, porque ele é um doente. Ele é ansioso, compulsivo e obsessivo. No fundo é um sofredor.
OI: É possível identificar indícios de um comportamento pedofílico ainda na infância ou adolescência?
Dr. João Moura: Sim. Aos 12 ou 13 anos já é possível constatar um comportamento sexual sugestivo de pedofilia.
OI: Como o senhor avaliaria a incidência de pedofilia na população em geral? Freqüente, muito freqüente ou rara?
Dr. João Moura: Muito freqüente.
OI: Quantos casos de pedofilia bem caracterizados você já atendeu em seu consultório em mais de 40 anos de prática psicanalítica e psiquiátrica?
Dr. João Moura: Cerca de 50. Principalmente como chefe de clínica da Divisão de Saúde Mental do antigo IPASE, acompanhei dezenas de casos.
OI: Qual a faixa etária em que é mais freqüente a atuação do pedófilo?
Dr. João Moura: Na segunda etapa da vida, quando ele dispõe de melhores condições sociais e econômicas para exercer sua perversão.
OI: Qual a faixa etária da vítima do pedófilo?
Dr. João Moura: Por toda infância e até uma fase da adolescência em que ele, pedófilo, ainda se sinta mais seguro, ou menos ameaçado, para atuar. Geralmente até os 13 ou 14 anos do adolescente.
OI: O senhor acredita que mesmo crianças pequenas sentem que estão sendo abusadas sexualmente e memorizam o ocorrido?
Dr. João Moura: Não tem plena noção do abuso, mas um sentimento de medo e perplexidade pelo fato insólito e inesperado.
OI: Nem sempre são pedófilos os abusadores sexuais de adolescentes e jovens? Como o senhor os classificaria?
Dr. João Moura: São indivíduos que cedem aos desejos, às fantasias, por exemplo de se manterem jovens. Ceder a esses impulsos é patológico. Esses indivíduos têm distúrbio do caráter. São sociopatas.
OI: Qual a razão de tantos casos relatados e reconhecidos de abuso sexual de crianças e adolescentes na Igreja Católica?
Dr. João Moura: Acho que isso pode ocorrer em todas as instituições. Penso que os casos dentro da Igreja sejam mais denunciados e divulgados porque, muito justamente, a população acha que, pelo papel que exerce, é totalmente inaceitável que essas situações ocorram na Igreja. Na realidade muitos homens escolhem a vida religiosa para se esconderem de seus conflitos, de seus problemas sexuais, como por exemplo da dificuldade de lidar com o sexo feminino. Optam então por uma vida que consideram menos ameaçadora, no seio da Igreja.
OI: Existe tratamento eficaz para a pedofilia?
Dr. João Moura: O tratamento deve ser psicanalítico. Mas o complicador é que o pedófilo não aceita o tratamento, não colabora, não participa, não persiste.
OI: Como prevenir o abuso sexual contra crianças?
Dr. João Moura: Antes de tudo, informando e a alertando a população.
OI: Quais as conseqüências para uma criança abusada sexualmente?
Dr. João Moura: Se não se tratar será um abusador sexual também, sempre.
OI: O senhor se refere principalmente a crianças do sexo masculino, não? E as meninas, o que ocorrerá com elas?
Dr. João Moura: Também terão dificuldades na esfera sexual. Terão algum distúrbio no desenvolvimento de sua sexualidade, dificuldades maiores na área afetivo-sexual.
OI: O diagnóstico do abuso sexual com crianças de baixa idade é muito difícil. Na sua opinião a criança pode mentir sobre o abuso sexual?
Dr. João Moura: Pode mentir, mas o que a criança faz frequentemente é fantasiar. É diferente. A situação é muito complexa e pode demandar a avaliação das condições mentais da criança abusada e do abusador. Cabe lembrar que, às vezes, pequenas insinuações pedofílicas podem despertar na criança as primeiras fantasias sexuais. Estas fantasias podem se desenvolver de tal modo que um pequeno estímulo sexual (real) pode desenvolver fantasias de tal dimensão que a vítima passa a ser a grande construtora do fato.
OI: Então pode não ter havido abuso sexual e a criança alegar que houve?
Dr. João Moura: Pode não ter havido um abuso sexual explícito, mas apenas um estímulo, até não intencional, mas que serviu de estímulo para a criação de uma fantasia pela criança, às vezes com algum objetivo prático.
OI: Há pessoas fazendo, inclusive abertamente pela Internet, apologia da pedofilia. Acham que é uma opção sexual e que, da mesma forma que ocorreu com a homossexualidade, acabarão os pedófilos também sendo aceitos pela sociedade. O que acha?
Dr. João Moura: Isso é um absurdo tão grande que não merece comentários, mas devemos lembrar que o abuso sexual contra crianças e adolescentes é crime.
Comentários do Editor do Observatório da Infância:
Sabemos todos das enormes dificuldades de ser fazer o diagnóstico de abuso sexual em crianças de baixa idade, não existindo, como na maioria dos casos, evidências físicas ou testemunhas. Mas o fato é que os casos suspeitos de abuso sexual devem ser obrigatoriamente denunciados e a criança deve, para a sua proteção, ser afastada de seu possível abusador.
A criança será então submetida à avaliação por especialistas que usarão diversas técnicas de revelação do abuso sexual e, sobretudo, as entrevistas com a criança e seus familiares, que permitirão ao profissional emitir um laudo sobre a possibilidade ou não da ocorrência do abuso sexual. Estes laudos serão anexados aos autos do processo no Judiciário.
É enorme a responsabilidade de quem emite o laudo sobre a ocorrência de abuso sexual sem evidências físicas e sem testemunhas. É gigantesca a responsabilidade de um juiz ao prolatar sua sentença. Ela poderá por uma lado deixar o pedófilo nas ruas, pronto para atacar outra criança (ou continuar abusando da mesma). Ou, por outro lado, ao julgar culpado um possível abusador, poderá acarretar graves conseqüências para um inocente e certamente também para a criança envolvida.
A entrevista com Dr. João Coutinho de Moura tem por objetivo ajudar a todos aqueles, profissionais ou não, envolvidos com a complexa situação do abuso sexual de crianças.
* Dr. João Coutinho de Moura, psiquiatra e psicanalista da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ).
Fonte: Observatório da Infância

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Defensor do Casal Nardoni declara que Decisões do STF podem ajudar Alexandre e Anna Jatobá


A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual réus condenados podem recorrer em liberdade contra suas sentenças, favorece Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, diz o advogado do casal, Marco Polo Levorin. Ele estuda entrar com mais um pedido de habeas corpus, depois de ter vários recursos negados.
"Estamos estudando e avaliando o que será melhor neste momento. Por enquanto, apenas aguardamos o julgamento de um recurso nosso junto ao Tribunal de Justiça", disse Levorin ao jornal O Globo. Ele não deu detalhes sobre em que se basearia um novo pedido de habeas corpus.
"O que o Supremo Tribunal Federal fez foi ressaltar alguns princípios constitucionais que interessam para o nosso caso, como a presunção da inocência e a prisão provisória como antecipação de pena", declarou. A decisão do STF, que já beneficiou alguns acusados, em tese, deverá (por amparo legal e Jurisprudência), ser utilizada de forma extensiva pela defesa do Casal acusado, á pedido em favor de Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Jatobá.
Da Redação por Elizabeth Misciasci
Em 09/02/2009
O Supremo Tribunal Federal (STF) negou mais um habeas corpus a Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, impetrado pelos defensores do Casal. Assim sendo, com o indeferimento do pedido de Habeas Corpus relato e fundamentado pelo Ministro do Supremo, o casal permanecerá preso.
A defesa, que também ingressou com pedido de recurso da Pronuncia prolatada em primeira instância, tenta não se manifestar sobre os pareceres despachados pelos Doutos Magistrados, bem como, não tomaram conhecimento ainda da data em que Alexandre Nardoni e Anna Jatobá, sentarão diante do Juri Popular, afim de que sejam julgados. Esse foi o sexto pedido de liberdade do casal Nardoni a ser negado pelo STF.
O advogado criminalista Mário Oliveira Filho estima que, com recurso, o júri poderia até ocorrer ainda neste ano (aproximadamente em junho/julho de 2009).
O chamado recurso em sentido estrito suspende o júri até a análise do pedido por uma câmara de desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo. O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Sergey Cobra Arbex, estima que a câmara, composta por três magistrados, leve, pelo menos, cinco meses para julgar o recurso.
Para tentar anular o júri, Mário Oliveira Filho explica que a defesa pode argumentar que não há indícios da autoria do crime, um dos argumentos da defesa. Caso o Tribunal de Justiça confirme a sentença da primeira instância, o julgamento pode ser marcado sem a necessidade de aguardar por outros possíveis recursos em instâncias superiores.
Prazos
Caso o Tribunal de Justiça confirme a sentença da primeira instância, o julgamento pode ser marcado sem a necessidade de aguardar por outros possíveis recursos em instâncias superiores. Se o Tribunal de Justiça entender que o pai e a madrasta de Isabella devem ser submetidos a júri, o juiz tem um prazo de seis meses para marcar o julgamento.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Objetivo de brasileira era indenização, diz mídia suíça


Segundo jornal, Paula Oliveira teria confessado farsa sobre a agressão neonazista e que nunca esteve grávida
Por Jamil Chade - O Estado de S. Paulo
GENEBRA - O jornal suíço Weltwoche revelou na quarta-feira, 18, que a pernambucana Paula Oliveira, que disse ter sido agredida por skinheads nos arredores de Zurique e abortado, já teria confessado à polícia local que o suposto ataque não passou de uma farsa e ela nunca esteve grávida. A rede de TV Telezurich reiterou a história. Ainda segundo a imprensa, ela teria assinado uma confissão. De acordo com o jornal, a polícia especula que o objetivo de Paula seria processar o Estado por causa da agressão para obter uma indenização que poderia chegar a R$ 200 mil.
O Ministério Público suíço anunciou a abertura de um processo penal contra Paula, que está impedida de sair do país - seu passaporte foi retido. A brasileira terá agora de prestar depoimento e corre o risco de pegar até 3 anos de prisão por falso testemunho. A Justiça optou por não se pronunciar sobre a revelação do jornal. Sem desmentir a notícia, o advogado de defesa de Paula, Roger Muller, alertou que a confissão só terá valor perante a Justiça. O Itamaraty diz desconhecer as revelações da imprensa suíça.
A brasileira disse ter abortado gêmeos após ser atacada por três neonazistas na semana passada, na estação de trem de Dubendorf. Ela teve seu corpo marcado com estilete com as letras do partido de extrema direita SVP (Partido do Povo Suíço). Mas o laudo médico concluiu que Paula não estava grávida no momento da suposta agressão. Segundo o Weltwoche, Paula foi pressionada pela polícia e pelos médicos-legistas e acabou confessando a farsa ainda na sexta-feira - dia da divulgação do primeiro laudo pericial. Ela teria planejado o ato, comprado uma faca de cozinha na popular loja de departamentos Ikea, e levado ao trabalho na segunda-feira da semana passada. Na volta, teria entrado no banheiro da estação de Dubendorf e se cortado, simulando o ataque.
Paula teria tentado convencer a polícia de que fez testes de gravidez com material de supermercado e até um ultrassom, mas as fotos teriam sumido. O telefone da médica também teria desaparecido. Pressionada, Paula chorou e confessou que a gravidez e o ataque dos neonazistas eram uma armação. Sobre as letras do partido em seu corpo, ela disse que apenas conhecida o SVP dos cartazes espalhados pela Suíça. Questionada sobre os motivos, disse: "Pergunte a um psiquiatra." Segundo a imprensa, Paula teria afirmado que fez tudo sozinha, sem a ajuda de seu namorado, o suíço Marco Trepp.
Veja também:
Alemã foi condenada em novembro por simular ataque racista
País dará apoio jurídico a Paula Oliveira, afirma Celso Amorim
Paula mandou ultrassom falso aos amigos, diz revista
Partido suíço quer processar brasileira por 'farsa' de ataque

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Brasileira é indiciada na Suíça e está proibida de deixar o país


Agência Brasil

A Promotoria Pública de Justiça de Zurique, na Suíça, indiciou a brasileira Paula Oliveira e proibiu que ela saia do país. De acordo com um comunicado divulgado pelo órgão, a advogada é “suspeita de induzir as autoridades ao erro”.
Para impedir que a brasileira deixe a Suíça, a Promotoria suspendeu a utilização de seu passaporte. O órgão também pediu a indicação de um advogado público para defendê-la. As informações são da BBC Brasil.
"Essa medida garante que a mulher permaneça na Suíça o tempo que sua presença for necessária para o inquérito, até que todas as providências da investigação tenham sido tomadas", afirma o comunicado.
Na semana passada, a brasileira informou à polícia suíça que havia sido agredida por um grupo de supostos neonazistas que teria feito cortes em seu corpo e provocado o aborto de dois bebês. Um legista do Instituto de Medicina Forense da Universidade de Zurique, entretanto, afirmou, depois de analisar exames feitos na brasileira, que Paula não estava grávida e cogitou a hipótese de que ela mesma possa ter feito os ferimentos em seu corpo.

Xenofobia ou fraude?
por Karina Merlo
O caso tomou repercussão na imprensa internacional e, pelo fato de tratar-se de uma brasileira, aqui na imprensa nacional não foi diferente. Quando tomei conhecimento, logo no dia seguinte, nos noticiários locais, indagaram-me sobre o que eu achava. Minha resposta foi clara, porém não conclusiva: Paula poderia realmente ter sofrido um ataque por ser estrangeira e perdido os seus bebês ou, sabe-se lá por quais motivos, poderia ter criado toda essa história.
Na minha opinião, a maior dificuldade em crer que a segunda hipótese seria a mais provável baseava-se na irracionalidade de alguém fantasiar algo que chegasse às sérias conseqüências diplomáticas entre Brasil e Suíça: seria de total irresponsabilidade uma pessoa com o histórico de vida de Paula sujeitar-se a esse ponto. Hoje vejo que não foi precipitado da minha parte prever que a fraude tenha ocorrido.
Tudo isso ainda vai dar muito pano para mangas pois a justiça em Zurique é muito diferente da nossa, e esse ato no Brasil, que não passaria de mais um embuste ou engano causado por distúrbios psicológicos, será severamente punido pelas leis suiças.
Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/62111.shtml

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Lei de talião é aplicada no interior da Bahia

Código de Hamurabi (Fonte: Museu do Louvre, Paris)
Polícia prende 7 suspeitos de invadir delegacia e matar detento em Wanderley (BA)
por Luiz Francisco da Agência Folha, em Salvador
Acusado de homicídio, Everaldo Pereira da Silva, 42, foi morto na madrugada de deste domingo (15) por cerca de 70 pessoas que invadiram a delegacia de Wanderley (740 km de Salvador). Segundo a polícia, os invasores, com facões, foices e pedras, arrombaram a cela onde Silva estava à espera de julgamento e destruíram parcialmente a delegacia, quebrando computadores, janelas, armários e portas.
No momento da invasão, somente dois - de um total de oito - policiais lotados na cidade estavam de plantão. Em seguida à ação, o grupo ainda invadiu uma casa onde funciona o quartel da PM e furtou sete revólveres, de acordo com informações da corporação.
Ainda nesta segunda-feira, os policiais conseguiram recuperar as armas furtadas e prenderam sete pessoas, todas sob a suspeita de participar do linchamento.
Com os presos, segundo a PM, foram encontrados martelos, foices, facas e três espingardas. O delegado André Aragão disse que todos os presos deverão ser indiciados por homicídio, formação de quadrilha, posse ilegal de arma e dano ao patrimônio público.
A 11ª Coordenadoria de Polícia do Interior informou que, no começo do ano passado, Silva matou um dos líderes do grupo que invadiu a delegacia --a PM não divulgou o nome para preservar as investigações. Depois de seis meses sendo procurado, Everaldo Pereira da Silva foi preso e encaminhado para o Complexo Policial de Barreiras, a principal cidade do oeste baiano. Na última quarta, foi transferido para Wanderley, sob a justificativa de que a cadeia de Barreiras apresentava superlotação.
Sem conseguir conter a ação do grupo, a PM de Wanderley pediu reforço e cerca de 20 integrantes do 10ª Batalhão de Barreiras foram encaminhados para a cidade. (1)
A lei de talião
Os primeiros indícios da lei de talião foram encontrados no Código de Hamurabi, em 1730 a.C., no reino da Babilônia, mas alguns acham que surgiu no Velho Testamento. Essa lei permite evitar que as pessoas façam justiça elas mesmas, introduzindo, assim, um início de ordem na sociedade com relação ao tratamento de crimes e delitos, "olho por olho, dente por dente".(2)
Encerra a idéia de correspondência de correlação e semelhança entre o mal causado a alguém e o castigo imposto a quem o causou: para tal crime, tal pena.
O criminoso é punido taliter, ou seja, talmente, de maneira igual ao dano causado a outrem. A punição era dada de acordo com a categoria social do criminoso e da vítima.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Maioridade penal deve voltar ao centro dos debates no Senado em 2009


por Raíssa Abreu / Agência Senado

O tema da redução da maioridade penal deve voltar ao centro dos debates do Senado no ano de 2009. Isso porque está pronto para votação em Plenário o substitutivo do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) à Proposta de Emenda à Constituição 20/99, que englobou os textos de outras cinco PECs que tramitavam no Senado e tratavam do mesmo assunto (18/99, 90/03, 26/02, 03/01 e 09/04). O substitutivo foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em abril de 2007.
De acordo com o substitutivo, menores de 18 e maiores de 16 anos só poderão ser penalmente imputáveis ou responsáveis se, à época em que cometeram a ação criminosa, apresentavam "plena capacidade" de entender o caráter ilícito do ato. Para isso, o juiz pedirá um laudo técnico de especialistas. Se condenados, esses jovens cumprirão pena em local distinto dos presos maiores de 18 anos.
A discussão sobre a redução da maioridade penal ganhou força no Senado em 2007, quando o menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, morreu no Rio de Janeiro após ser arrastado por sete quilômetros durante assalto que teve a participação de um adolescente de 16 anos.
Diante da série de crimes cometidos por menores de 18 anos, alguns parlamentares, como o senador Magno Malta (PR-ES), viram na redução da maioridade penal uma espécie de medida sócio-educativa. Para isso, ele sempre ressaltou que os adolescentes infratores deveriam ficar separados dos adultos, em locais em que pudessem estudar ou desenvolver um ofício.
- Do jeito que as coisas estão, não tem mais limites. Eles conhecem a lei de cor e sabem que podem fazer tudo, que não vai dar em nada. Então, também vão guardar no coração quando alguém lhes disser que, se fizerem alguma coisa errada, vão perder sua menoridade. Vão pensar nisso antes de colocar o revólver na cabeça de alguém e dar dez tiros - opinou o senador em debate na CCJ.
A senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), por sua vez, sustentou que a idade penal é protegida por cláusula pétrea da Constituição - ou seja, está entre os princípios que não podem ser modificados pelos legisladores. Ela salientou que crianças e jovens são negligenciados pela sociedade, submetidos a toda forma de crueldade e violência, sem acesso aos direitos constitucionais básicos, como saúde, alimentação, educação e lazer.
- Eu não posso condenar as crianças porque o Estado brasileiro não cumpriu suas responsabilidades. A sociedade está com razão quando quer tranquilidade, mas asseguro, com minha experiência, que a redução da maioridade não é solução - afirmou em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
O novo presidente do Senado, José Sarney, foi questionado a respeito do tema por jornalistas na entrevista coletiva concedida na última quinta-feira (12), mas preferiu não adiantar sua opinião.
Propostas
O senador Demóstenes Torres agrupou, em seu substitutivo, os textos de outras cinco propostas de emenda à Constituição que tratavam da redução da maioridade penal:
PEC 18/99 - A proposta do senador Romero Jucá (PMDB-RR) prevê que, "nos casos de crimes contra a vida ou o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, são penalmente inimputáveis apenas os menores de 16 anos, sujeitos às normas da legislação especial".
PEC 90/03 - Pela proposta do senador Magno Malta, serão considerados penalmente imputáveis os maiores de 13 anos que tenham praticado crimes definidos como hediondos.
PEC 26/02 - A proposta do então senador Iris Rezende (PMDB-GO) estabelece que "os menores de 18 e maiores de 16 responderão pela prática de crime hediondo ou contra a vida, na forma da lei, que exigirá laudo técnico, elaborado por junta nomeada pelo juiz, para atestar se o agente, à época dos fatos, tinha capacidade de entender o caráter ilícito de seu ato".
PEC 03/01 - A proposta do então senador José Roberto Arruda (DEM-DF) reduz para 16 anos a idade para imputabilidade penal.
PEC 09/04 - A proposta senador Papaléo Paes (PSDB-AP) determina a imputabilidade penal "quando o menor apresentar idade psicológica igual ou superior a dezoito anos".
Fonte: Agência Senado

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Presidente se recusa a deter procedimento de eutanásia




Revista Veja, 6 de fevereiro de 2009


O Conselho de Ministros da Itália aprovou nesta sexta-feira um decreto de emergência que proíbe a suspensão da alimentação artificial de Eluana Englaro, italiana de 37 anos - 17 deles em estado vegetativo. Segundo a agência de notícias Ansa, o decreto-lei teve o apoio unânime do gabinete do primeiro-ministro conservador Silvio Berlusconi, mas ainda requer a assinatura do presidente Giorgio Napolitano, que já se manifestou contra a medida.
Em carta enviada a Berlusconi, cujos trechos foram divulgados pela Ansa, o presidente argumentou que o decreto não poderia se sobrepor a uma sentença judicial transitada em julgado (sem chance de apelação). O decreto-lei contraria uma sentença proferida em novembro pela Corte Constitucional, que autorizou a interrupção da alimentação artificial de Eluana.
Napolitano tem poder para vetar o decreto. Mas Berlusconi disse que, se isso acontecer, ele convocará uma sessão de emergência no Parlamento, onde tem maioria, para aprovar a lei.
A decisão do Conselho de Ministros veio à tona horas após ser confirmada a redução dos nutrientes dados a Eluana por meio de sonda - o que caracteriza o início do procedimento de eutanásia. A suspensão gradual da alimentação poderá levar Eluana à morte em algumas semanas.
De acordo com a Ansa, o decreto diz que "a alimentação e a hidratação, enquanto formas de apoio vital, jamais podem ser recusadas pelos sujeitos interessados, ou suspensas por aqueles que assistem pessoas incapazes de tomar suas próprias decisões". Eluana chegou terça-feira à clínica La Quiete, na cidade de Udine (nordeste da Itália), onde teria seus aparelhos desligados.
Ela entrou em coma em janeiro de 1992, após sofrer um acidente de carro. Há quase uma década, seus familiares decidiram recorrer à Justiça para obter a autorização de eutanásia. No dia 13 de novembro, uma sentença judicial aprovou em última instância o desligamento da sonda, encerrando a possibilidade de recursos. Se o presidente sancionar o decreto, o ato pode ser caracterizado como inconstitucional.
Quais as diferenças entre eutanásia, morte assistida, ortotanásia e sedação paliativa?
por Patricia Donati de Almeida *
Etimologicamente eutanásia, significa "morte boa" (eu = bom/boa; thánatos = morte) ou "morte sem grandes sofrimentos".
Eutanásia ativa nada mais é que uma das classificações conferidas pela doutrina, à eutanásia. De maneira simples, é o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente. É chamada de ativa, pois importa em conduta comissiva, haja vista que se pratica um ato lesivo, que, dentro de certas circunstâncias e condições, conduz o paciente à morte desejada. É o exemplo da injeção letal.
Note-se que a criação do risco, em tal situação, corre por conta do próprio agente, e, não do paciente. (não do paciente).
Concluindo: eutanásia ativa é o mesmo que causar a morte de um paciente terminal, a pedido dele, respeitando-se uma série de condições.
Já a morte assistida (ou suicídio assistido ou morte medicamente assistida) consiste no auxílio para a morte de uma pessoa, que pratica pessoalmente o ato que conduz à sua morte (ao seu suicídio).
Há de se notar que na morte assistida a criação do risco é gerada pelo próprio paciente (essa é uma forma de autocolocação em risco, diante de conduta própria). O agente (o terceiro), nesse caso, apenas auxilia, não originando o ato criador do risco. Nisso é que a morte assistida difere da eutanásia.
A ortotanásia (também chamada de eutanásia passiva e que, etimologicamente, significa morte no tempo certo) caracteriza-se pela limitação ou suspensão do esforço terapêutico, ou seja, do tratamento ou dos procedimentos que estão prolongando a vida de doentes terminais, sem chance de cura. O desligamento de aparelhos configura, inequivocamente, ortotanásia.
Por fim, a sedação paliativa consiste em suavizar, por meio de medicamentos, a dor do paciente. Ela procura evitar (ou diminuir) o sofrimento da pessoa em estado terminal. Mas nesse caso não se antecipa o momento da morte. Nas três situações acima descritas (eutanásia ativa, morte assistida e ortotanásia) há antecipação do momento da morte. Isso não ocorre na mera sedação paliativa.

* Extraído de: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - 30 de Junho de 2008
Fonte 1: http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/conselho-ministros-proibe-eutanasia-italiana-420069.shtml

A crônica da semana


Quem não se comunica...
por Gerivaldo Alves Neiva*
O “juridiquês” é um problema para a comunicação. Muitas vezes o usuário não entende absolutamente nada do que lhe foi dito. Outras vezes termina por pensar que uma coisa é outra coisa.
Normalmente, por exemplo, as pessoas sem conhecimento da terminologia jurídica fazem referência a “usocampeão”, ao invés de usucapião. Meretríssimo ao invés de meritíssimo. E assim por diante.
Outro dia me procurou a Escrivã do Cartório para informar que uma pessoa estava me indicando o nome de um “rezador” para substituir o curador de um réu ausente citado por Edital. O argumento era simples: a serventuária informou à parte que o processo estava aguardando a nomeação de um curador, pois a parte contrária havia sido citada através de Edital e se tornara revel. Ora, como não havia “curador” conhecido na cidade, a parte, então, estava sugerindo o nome de famoso “rezador” para substituir o curador. Faz sentido! Rezador e curador desempenham funções semelhantes no sertão.
O nome “réu” não é bem visto em algumas regiões do interior da Bahia. Tem um sentido negativo muito forte. Normalmente é relacionado com criminoso. Certa vez, levei um bom tempo para conciliar as partes em um processo, tendo percebido que em determinado momento o autor mudou o semblante e passou a aceitar as propostas que lhe fazia. Ao final da audiência, celebrado o acordo, o autor me disse que não se importava muito com os termos do acordo, mas estava muito satisfeito em ter presenciado o juiz chamar seu oponente de “réu”.
Além desses casos verídicos, na Internet circulam muitos casos, piadas e modelos de petições absolutamente incompreensíveis de tanto “juridiquês”. É famosa aquela piada da parte que depois de ler a sentença pergunta ao seu advogado se ganhou ou perdeu a causa.
Muitas vezes também acontece o contrário e é o Juiz quem não entende a linguagem do povo ou dá um sentido diferente à expressão utilizada.
No sertão da Bahia, por exemplo, é muito comum as pessoas iniciarem a fala com o vocativo “rapaz” ou “moço”. Já me ocorreu várias vezes, durante a audiência, formular uma pergunta a testemunha e obter como resposta: “Rapaz, eu não sei de nada...” ou “Moço, eu vou contar...”. Já soube de casos de juiz que teria repreendido a testemunha de forma enérgica: “Me respeite! Sou um Juiz de Direito! Trate-me de Doutor Juiz ou Vossa Excelência”. Claro que é um arroubo de autoritarismo absolutamente desnecessário.
Também em algumas regiões de Bahia as pessoas se referem a “enrabar” no sentido de correr atrás. Eu mesmo já fiquei rubro quando uma testemunha me disse, na presença da Promotora de Justiça, na maior naturalidade, que a vítima vivia “enrabando” o réu. Depois de certo desconforto, a Escrivã desfez o mal entendido.
Além do problema da linguagem, que não é pouca coisa, muitas vezes as pessoas, com toda razão, não entendem alguns formalismos e rituais que praticamos. Tento evitar, mas mesmo assim me deparo com expressões incrédulas quando tento justificar, por exemplo, a não realização de um ato judicial por conta de um detalhe incompreensível para a parte interessada. Além disso, muitas vezes as pessoas não entendem a razão de tantas exigências e entraves para ver seu direito amparado. Sua lógica é simples: “Ora, se tenho o direito....”
Lembro que certa vez um senhor insistiu para falar com o juiz e ao final das audiências pedi que ele fosse levado ao meu gabinete. Antes, perguntei ao cartório se existia algum processo de interesse dele, mas a resposta foi negativa. A pessoa queria conversar comigo e pronto.
Seu olhar foi de alívio quando me cumprimentou. Inicialmente, fez questão de observar que era a primeira vez que vinha ao fórum em seus quase 70 anos de idade; que nunca tinha sido intimado em uma Delegacia... Este tipo de orgulho que sabe bem quem é do sertão. Em seguida, contou em detalhes o problema de uma fonte de água que lhe pertencia e que estaria sendo impedido, por um novo vizinho, em conduzir seu pequeno rebanho à dita fonte. Mostrou-me escrituras antigas e tinha convicção do seu direito, pois a fonte fazia parte de sua propriedade e todos na região sabiam disso. Depois de uma boa meia-hora de conversa, concluiu me pedindo para expedir uma ordem, como Juiz de Direito que era, para que o novo vizinho lhe permitisse o acesso à fonte e ficou à espera de uma resposta minha.
Não tinha outra resposta: o senhor precisa contratar um advogado, outorgar-lhe uma procuração e então o advogado vai estudar seu caso e requerer a ação própria, podendo, inclusive, requerer uma medida liminar ou antecipatória de tutela... Não dá para descrever a decepção de nosso amigo!
Vejo, portanto, que temos dois problemas: de um lado, o povo tem dificuldade de entender nossa linguagem e nosso ritual e, de outro lado, nós juízes temos dificuldade de ouvir e entender o povo, causando um distanciamento entre o rito e linguagem que adotamos e o direito pretendido. Não existe sintonia, por fim, entre Lei, Direito e Justiça. Para o povo, tudo se confunde com a Justiça! É isso que se quer!
A razão não é simples e está relacionada, de um lado, ao próprio sentido do Direito em uma sociedade de classes, ou seja, para que serve o Direito? De outro lado, de forma mais específica, vejo que a falta de mecanismos simplificados de acesso ao Judiciário dificulta sobremaneira a compreensão do funcionamento do sistema e, como conseqüência, a garantia dos direitos dos menos favorecidos. Por fim, a formação acadêmica positivista-dogmática do juiz não lhe permite sair do seu pedestal, da redoma em que se isola do mundo, para compreender a linguagem e os anseios do povo.
Enquanto isso, vamos confirmando a tese do filósofo Abelardo Barbosa, o Chacrinha: “quem não se comunica se trumbica”.
O único detalhe a acrescentar é que nesta luta desigual quem quase sempre se “trumbica” são os pobres e desvalidos.
Conceição do Coité, 08 de fevereiro de 2009
* Gerivaldo Alves Neiva é Juiz de Direito em Conceição do Coité –Ba.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Pactos não dizem que se presume inocência até último recurso


por Vladimir Passos de Freitas *


O Supremo Tribunal Federal, no dia 5 de janeiro, julgando o HC 84.078-7, relator ministro Eros Grau, decidiu, por 7 votos a 4, que não pode haver prisão do réu por força de sentença ou acórdão, antes do trânsito em julgado, face ao princípio da presunção de não-culpabilidade (ou da inocência) previsto no artigo 5º, inc. LVII da Constituição Federal. O caso julgado diz respeito a uma tentativa de homicídio praticada em Minas Gerais, no qual o denunciado foi condenado pelo Tribunal de Justiça a cumprir 7 anos e 6 meses de prisão. Mas o que importa não é o caso e sim a interpretação dada pelo STF.
No sistema judicial brasileiro, a regra era o juiz de primeira instância ordenar a prisão do réu na sentença por crime inafiançável (CPP, artigo 393). Mas a condenação do Delegado Sérgio Fleury, na época do regime militar (1973), fez com que nova redação fosse dada à lei processual. Em boa hora, o direito de apelar em liberdade passou a ser a regra (requisitos: ser primário e de bons antecedentes), conforme artigo 594 do CPP (este dispositivo foi revogado pela Lei 11.719/08).
Nos tratados e nas cortes Internacionais sempre se repete que toda pessoa se presume inocente até prova de sua culpa em um tribunal. Neste sentido, a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948 (artigo XI), a Convenção Européia dos Direitos Humanos, 1950 (artigo 5, 1, “a”), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, de 1966 (artigo 14, 2), o Pacto de San José da Costa Rica (artigo 8º, 2) e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 2002 (artigo 66, I). Mas em nenhum deles se afirma que esta presunção exige o esgotamento de todas as instâncias. Aí está o nó da questão.
Interpretando tais dispositivos, na realidade forense internacional a regra não é aguardar o esgotamento das instâncias. Nos Estados Unidos a liberdade é concedida mediante pagamento de fiança, sendo expressivas as quantias. Além disto, juízes e Tribunais de Apelação decretam a prisão como rotina, até porque a Suprema Corte não examina mais do que 100 casos por ano (o STF, em 2008, teve 66.873 processos distribuídos). Na Itália a Corte de Cassação recebe todos os recursos. Mas ela tem 356 juízes e, mesmo assim, os seus julgamentos demoram anos e geram constantes reclamações na Corte de Diretos Humanos.
No Brasil, após a Constituição de 1988, pouco a pouco os TJs e os TRFs passaram a ter posição casuística sobre a imediata execução da pena. Ora sim, ora não. O que antes era rotina passou a ser exceção. Com a condenação de pessoas de alto poder aquisitivo e a possibilidade de recurso especial ao STJ e extraordinário ao STF, ganhou corpo a discussão sobre a possibilidade de ser o acórdão de segunda instância executado antes dos recursos às Cortes Superiores.
E assim, após anos de indefinição, a recente decisão da nossa mais alta Corte concluiu ser inviável a execução da sentença antes do trânsito em julgado. O voto do relator, ministro Eros Grau, fundamentado na presunção de não-culpabilidade, com forte sustentação doutrinária, concluiu que ninguém deve ser tido por culpado até o esgotamento de todos os recursos. E se assim decidiu a maioria, esta orientação deve ser seguida doravante por todo o Poder Judiciário. Afinal, é o STF o intérprete da Constituição (Roma locuta, causa finita).
Portanto, encerrado o debate, cumpre analisar as conseqüências na prática judiciária. Para concentrar-se apenas nas 3 principais, é possível concluir que:
1) O STJ e o STF receberão um expressivo volume de recursos (somos 190.000.000 de habitantes), já que, além da esperança de reforma, os recorrentes utilizarão a possibilidade de prolongar o desfecho da ação penal e, muitas vezes, beneficiar-se da prescrição, inclusive pela pena aplicada (CP, artigo 110). As condenações a pena até 2 anos, que prescrevem em 4, terão grande possibilidade de prescrever (CP, artigo 109, V). Condenados menores de 21 e maiores de 70 anos, cuja prescrição conta-se pela metade (CP, artigo 115) terão possibilidade ainda maior, inclusive em crimes graves.
2) Os réus com advogados constituídos manejarão, com mais assiduidade, os recursos às Cortes Superiores. Para que se cumpra o princípio constitucional da solidariedade (Constituição, artigo 3º, I), cumpre possibilitar também aos economicamente fracos a interposição dos recursos especial e extraordinário. É preciso dar-se a estes a possibilidade real e não teórica de chegar até a última instância. Nesta linha, a OAB poderá orientar os advogados que atuam como dativos através de seminários de sua Escola (inclusive fornecendo formulários), sem prejuízo da atuação dos Defensores Públicos.
3) Face à hermenêutica constitucional dada ao artigo 5º, LVII, presumindo-se a não culpabilidade até a manifestação da mais alta instância, cumpre avaliar se persiste o cabimento do auto de prisão em flagrante e as outras formas de prisão provisória. À primeira vista, dir-se-á que sim, que são coisas distintas. Mas, se uma condenação fruto de dois julgamentos, examinada em grau de apelação (TJ/TRF e Turmas Recursais dos JECs), não pode ser executada, que sentido terá autuar-se alguém em flagrante? Com base apenas na apresentação do suspeito infrator na delegacia e sem o crivo do contraditório? Será, agora, o poder do Delegado maior do que o de três desembargadores?
Estas e outras tantas dúvidas e ponderações serão avaliadas nos próximos anos. Os resultados da nova interpretação não surgirão nas próximas semanas ou meses. Virão pouco a pouco, lentamente. Poderão ter reflexos até na política judiciária dos TJs e TRFs, alterando-se prioridades. O tempo dará as respostas.
* Vladimir Passos de Freitas é desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e professor de Direito Ambiental da PUC/PR.