domingo, 22 de fevereiro de 2009

O olhar do psicanalista sobre a questão do abuso sexual de crianças


por Dr. João Coutinho de Moura*


OI: O que é pedofilia?
Dr. João Moura: É uma perversão do desenvolvimento da sexualidade. É uma psicopatia.
OI: O pedófilo apresenta características individuais que o distingue da população em geral?
Dr. João Moura: Não.
OI: Apenas o homem é pedófilo?
Dr. João Moura: Não. Também a mulher. É comum a mulher se encantar e sentir gozo ao manusear o pênis ou o ânus de crianças. Isto estimula a erotização precoce da criança. Em razão sobretudo da repressão sócio-cultural estas situações não aparecem.
OI: A pedofilia costuma se associar a outra psicopatia?
Dr. João Moura: Sim. Nenhuma perversão é isolada. A pedofilia pode estar associada ao exibicionismo, ou ao voyeurismo, por exemplo, e outras psicopatias.
OI: O pedófilo é um covarde?
Dr. João Moura: Eu não usaria esta qualificação, porque ele é um doente. Ele é ansioso, compulsivo e obsessivo. No fundo é um sofredor.
OI: É possível identificar indícios de um comportamento pedofílico ainda na infância ou adolescência?
Dr. João Moura: Sim. Aos 12 ou 13 anos já é possível constatar um comportamento sexual sugestivo de pedofilia.
OI: Como o senhor avaliaria a incidência de pedofilia na população em geral? Freqüente, muito freqüente ou rara?
Dr. João Moura: Muito freqüente.
OI: Quantos casos de pedofilia bem caracterizados você já atendeu em seu consultório em mais de 40 anos de prática psicanalítica e psiquiátrica?
Dr. João Moura: Cerca de 50. Principalmente como chefe de clínica da Divisão de Saúde Mental do antigo IPASE, acompanhei dezenas de casos.
OI: Qual a faixa etária em que é mais freqüente a atuação do pedófilo?
Dr. João Moura: Na segunda etapa da vida, quando ele dispõe de melhores condições sociais e econômicas para exercer sua perversão.
OI: Qual a faixa etária da vítima do pedófilo?
Dr. João Moura: Por toda infância e até uma fase da adolescência em que ele, pedófilo, ainda se sinta mais seguro, ou menos ameaçado, para atuar. Geralmente até os 13 ou 14 anos do adolescente.
OI: O senhor acredita que mesmo crianças pequenas sentem que estão sendo abusadas sexualmente e memorizam o ocorrido?
Dr. João Moura: Não tem plena noção do abuso, mas um sentimento de medo e perplexidade pelo fato insólito e inesperado.
OI: Nem sempre são pedófilos os abusadores sexuais de adolescentes e jovens? Como o senhor os classificaria?
Dr. João Moura: São indivíduos que cedem aos desejos, às fantasias, por exemplo de se manterem jovens. Ceder a esses impulsos é patológico. Esses indivíduos têm distúrbio do caráter. São sociopatas.
OI: Qual a razão de tantos casos relatados e reconhecidos de abuso sexual de crianças e adolescentes na Igreja Católica?
Dr. João Moura: Acho que isso pode ocorrer em todas as instituições. Penso que os casos dentro da Igreja sejam mais denunciados e divulgados porque, muito justamente, a população acha que, pelo papel que exerce, é totalmente inaceitável que essas situações ocorram na Igreja. Na realidade muitos homens escolhem a vida religiosa para se esconderem de seus conflitos, de seus problemas sexuais, como por exemplo da dificuldade de lidar com o sexo feminino. Optam então por uma vida que consideram menos ameaçadora, no seio da Igreja.
OI: Existe tratamento eficaz para a pedofilia?
Dr. João Moura: O tratamento deve ser psicanalítico. Mas o complicador é que o pedófilo não aceita o tratamento, não colabora, não participa, não persiste.
OI: Como prevenir o abuso sexual contra crianças?
Dr. João Moura: Antes de tudo, informando e a alertando a população.
OI: Quais as conseqüências para uma criança abusada sexualmente?
Dr. João Moura: Se não se tratar será um abusador sexual também, sempre.
OI: O senhor se refere principalmente a crianças do sexo masculino, não? E as meninas, o que ocorrerá com elas?
Dr. João Moura: Também terão dificuldades na esfera sexual. Terão algum distúrbio no desenvolvimento de sua sexualidade, dificuldades maiores na área afetivo-sexual.
OI: O diagnóstico do abuso sexual com crianças de baixa idade é muito difícil. Na sua opinião a criança pode mentir sobre o abuso sexual?
Dr. João Moura: Pode mentir, mas o que a criança faz frequentemente é fantasiar. É diferente. A situação é muito complexa e pode demandar a avaliação das condições mentais da criança abusada e do abusador. Cabe lembrar que, às vezes, pequenas insinuações pedofílicas podem despertar na criança as primeiras fantasias sexuais. Estas fantasias podem se desenvolver de tal modo que um pequeno estímulo sexual (real) pode desenvolver fantasias de tal dimensão que a vítima passa a ser a grande construtora do fato.
OI: Então pode não ter havido abuso sexual e a criança alegar que houve?
Dr. João Moura: Pode não ter havido um abuso sexual explícito, mas apenas um estímulo, até não intencional, mas que serviu de estímulo para a criação de uma fantasia pela criança, às vezes com algum objetivo prático.
OI: Há pessoas fazendo, inclusive abertamente pela Internet, apologia da pedofilia. Acham que é uma opção sexual e que, da mesma forma que ocorreu com a homossexualidade, acabarão os pedófilos também sendo aceitos pela sociedade. O que acha?
Dr. João Moura: Isso é um absurdo tão grande que não merece comentários, mas devemos lembrar que o abuso sexual contra crianças e adolescentes é crime.
Comentários do Editor do Observatório da Infância:
Sabemos todos das enormes dificuldades de ser fazer o diagnóstico de abuso sexual em crianças de baixa idade, não existindo, como na maioria dos casos, evidências físicas ou testemunhas. Mas o fato é que os casos suspeitos de abuso sexual devem ser obrigatoriamente denunciados e a criança deve, para a sua proteção, ser afastada de seu possível abusador.
A criança será então submetida à avaliação por especialistas que usarão diversas técnicas de revelação do abuso sexual e, sobretudo, as entrevistas com a criança e seus familiares, que permitirão ao profissional emitir um laudo sobre a possibilidade ou não da ocorrência do abuso sexual. Estes laudos serão anexados aos autos do processo no Judiciário.
É enorme a responsabilidade de quem emite o laudo sobre a ocorrência de abuso sexual sem evidências físicas e sem testemunhas. É gigantesca a responsabilidade de um juiz ao prolatar sua sentença. Ela poderá por uma lado deixar o pedófilo nas ruas, pronto para atacar outra criança (ou continuar abusando da mesma). Ou, por outro lado, ao julgar culpado um possível abusador, poderá acarretar graves conseqüências para um inocente e certamente também para a criança envolvida.
A entrevista com Dr. João Coutinho de Moura tem por objetivo ajudar a todos aqueles, profissionais ou não, envolvidos com a complexa situação do abuso sexual de crianças.
* Dr. João Coutinho de Moura, psiquiatra e psicanalista da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ).
Fonte: Observatório da Infância

Nenhum comentário: