quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Inquirição de testemunhas e a reforma do CPP



por Euler Jansen*
A recente reforma do Código de Processo Penal constituiu-se basicamente nas alterações que nele foram efetuadas por três leis: a Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, que alterou o rito e outras questões relacionadas com o Tribunal do Júri; a Lei nº 11.690, de mesma data, que alterou elementos relacionados à prova processual, e, por fim; a Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que alterou questões ligadas à emendatio e mutatio libelli, alguns elementos da sentença e aos ritos ordinário e sumário.
A nova redação do art. 212, pela Lei nº 11.690/08, instituiu as perguntas diretas - não mais reperguntas - pelas partes às testemunhas, cabendo ao juiz estar atento para inadmitir aquelas que induzam a resposta, impertinentes ou repetidas.
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.
Quanto a isso, não há nenhuma dúvida e é facilmente compreensível diante da literalidade da norma examinada e não há quem não admita ser um avanço em relação à legislação anterior.
Entretanto, essa interpretação literal gerou impasse na doutrina e alguns (a exemplo de NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 480) ainda afirmam que o juiz iniciaria a inquirição fazendo suas próprias perguntas. Esses afirmam que o magistrado é o destinatário da prova e a redação anterior também não explicitava que ele fazia perguntas. Quanto a esse último ponto, há ligeiro engano, e, para sua constatação, transcrevemos a redação anterior:
Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida (grifo nosso).
Se havia perguntas "das partes" é por se admitir a existência de perguntas de outrem e, certamente, não eram do porteiro do auditório ou do analista judiciário. Eram as perguntas do juiz.
Não temos dúvidas que a lei determina que, inicialmente, seja dada a palavra às partes, para perguntas diretas, cabendo ao juiz complementá-las. Essa metodologia será, certamente, difícil de ser assimilada, tanto pela acusação, como pela defesa, mas toda mudança cultural é árdua e enseja algum descontentamento.
A complementação referida pela lei, realizada pelo juiz, pode ocorrer tanto no caso das perguntas que deixam algo no ar e que tem consectários lógicos que não foram feitos, como no caso de perguntas que efetivamente não foram feitas e guardem correlação com o caso. No primeiro, pode - e deve - o juiz fazer de logo a complementação, como se fosse um aparte, a exemplo do caso que um promotor pergunta à vítima de um furto se a comunidade do local comenta que o réu é o ladrão e, diante da resposta positiva, o juiz intervém, indagando se esse comentário se deu antes ou depois dele aparecer em programa televisivo de grande densidade no local. No segundo caso, no seu momento correto, o magistrado faz perguntas após as partes, de quaisquer questões que ache úteis para o seu julgamento, tanto absolutório quanto condenatório - perguntar como agiu a vítima antes e durante a infração, provavelmente para robustecer o "comportamento da vítima" de que fala o art. 59 do CP não ensejando a concepção de prejulgamento condenatório.
Ainda, permanece praticamente intocada pela doutrina tradicional a intenção do art. 411, § 8º (primeira fase do rito do Tribunal do Júri), e do art. 536 (rito sumário), ambos do CPP, alterados pelas Leis nº 11.689/08 e nº 11.719/08, respectivamente, e o fato de não haver elemento similar no rito ordinário.
Art. 411, § 8º. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo.
Art. 536. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art. 531 deste Código.
Da dicção destas normas compreende-se que, mesmo que falte uma testemunha, serão inquiridas todas que comparecerem e, após isto, suspensa a audiência e designada a continuação apenas para a inquirição da(s) faltante(s), que, se foi(ram) intimada(s) e se omitiu(ram), será(ão) conduzida(s).
Aparente problema surge somente se a testemunha faltante for da acusação. A regra legal continuará aplicável, ou seja, todas as testemunhas que comparecerem inquiridas - mantida a ordem referida nos artigos, primeiro as de acusação que compareceram e, depois, as de defesa. Trata-se de uma hipótese legal (apenas para o rito sumário e o da primeira fase do júri) onde há possibilidade de inversão da ordem de oitiva de testemunhas, desde que, naquela audiência e na seguinte, seja atendida a ordem normal, com a inquirição das testemunhas de acusação e, somente após, da defesa, pois pode faltar uma de cada pólo processual. Essa permissibilidade é somente naqueles ritos, que, pela pena menor dos crimes a ele submetidos (ver arts. 394, § 1º, II, e 538, ambos do CPP), no caso do sumário, e por ser a primeira fase mero juízo de admissibilidade da fase de plenário do Tribunal do Júri. Sendo o rito ordinário caracterizado pela maior amplitude de produção de provas e ampla defesa, a audiência será suspensa ao final da última testemunha de acusação e as testemunhas de defesa que compareceram ficarão intimadas para a continuação da audiência, quando será conduzida coercitivamente a testemunha faltante, caso tenha sido intimada e se omitido de comparecer em juízo.
Concordando este posicionamento, apenas há um único processualista penal (MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008. p. 307), mas certamente é a interpretação correta e qualquer outra derivaria para a conclusão de que os artigos nada dizem - e, conforme regra de hermenêutica, não há palavras desnecessárias na lei.A referida reforma tanto consolidou práticas que já eram procedidas pelos magistrados, quando atentos ao texto constitucional, como trouxe inovações sem paradigmas e estas, certamente, trarão dúvidas e inconformismos até que se integrem definitivamente ao cotidiano forense.
*Juiz de Direito do Estado da Paraíba, professor da ESMA-PB de Direito Processual Penal e Técnica de Sentença Criminal, especialista latu sensu em Direito Processual Civil pela PUC-RS e autor do livro "Manual de Sentença Criminal" - Editora Renovar-RJ em 2006.
Fonte: Jornal Carta Forense, terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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