sábado, 31 de outubro de 2009

Procurador-geral defende revogação da súmula das algemas e diz que STF legislou


O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminhou parecer ao STF (Supremo Tribunal Federal) em que defende a revogação da Súmula Vinculante 11, que restringe o uso de algemas em operações policiais, audiências e julgamentos. A norma foi editada pelo Supremo em agosto de 2008 para evitar a utilização abusiva do instrumento.

Para Roberto Gurgel, o uso das algemas precisa ser regulamentado, mas a súmula vinculante não é o instrumento adequado para tratar da questão. Ele considera que o Supremo inovou o ordenamento jurídico, “ultrapassando os limites constitucionais de sua competência, uma vez que não pode atuar como legislador positivo”.

A edição da súmula é questionada pela Cobrapol (Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civil), que alega que o Supremo desconsiderou a segurança dos policiais, uma vez que não seria possível prever a reação de cada indivíduo no momento da prisão.

No julgamento que baseou a criação da súmula, os ministros do STF anularam a condenação de um réu que ficou algemado durante o julgamento, sem que fosse apresentada justificativa suficiente para isso.

Na época, o Supremo foi alvo de críticas por ter restringido o uso de algemas logo após ações da Polícia Federal que expuseram empresários e políticos algemados, como a operação Satiagraha. No parecer (veja íntegra aqui), Roberto Gurgel reconhece que o STF se preocupou em resguardar a dignidade das pessoas presas e que houve abuso no uso das algemas, “em especial quando o preso ou investigado é agente político ou pessoa pública com reconhecido poder econômico, bem como quando se trata de crime com certa repercussão na imprensa falada e escrita.”

O procurador entende que não há violação do princípio da separação dos Poderes, porque a Constituição permite, excepcionalmente, a edição de súmulas vinculantes em matéria penal ou processual penal que tenha sido constitucionalizada. Mas argumenta que a Lei de Execuções Penais prevê que o uso de algemas deve ser disciplinado por decreto federal.

Dessa forma, a edição da súmula violaria um dos requisitos previstos na Constituição, sobre a existência de norma determinada acerca da qual haja controvérsia. “Conclui-se, portanto, que a súmula vinculante criou uma condição para o uso de algemas que não estava prevista na legislação ordinária”, explica Gurgel. Ele também defende que o uso de algemas, ainda que indevido, não pode implicar na nulidade dos atos processuais.

Para Gurgel, já existem, no ordenamento jurídico vigente, regras que garantem o uso moderado de algemas, inclusive com a punição do emprego abusivo. “Não há dúvida de que a utilização de algema como objetivo de expor a figura do preso ou investigado a situação vexatória é conduta reprovável, merecendo seu autor reprimenda, após a observância do devido processo legal. Trata-se de hipótese de mera aplicação da legislação vigente”, defende.

O parecer será analisado pela ministra Ellen Gracie, que é a relatora do processo.

Fonte: Última Instância

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Inglaterra emite ordem judicial pelo Twitter


LONDRES, 1o de outubro (Reuters Life!) - O Supremo Tribunal da Inglaterra emitiu nesta quinta-feira sua primeira ordem judicial via Twitter, explicando que a rede social e serviço de micro-blogs era a melhor forma de notificar um tuiteiro anônimo que fingia ser outra pessoa.

O escritório de advocacia Griffin Law abriu o processo contra a página da Internet www.twitter.com/blaneysblarney sob a alegação de que seu autor fingia ser o blogueiro de direito Donal Blaney, proprietário da Griffin Law.

O precedente legal poderia ter implicações extensas na blogosfera.

"Creio que a decisão de emitir a ordem judicial pelo Twitter seja um marco", afirmou o professor da faculdade de direito Konstantinos Komaitis, da Universidade de Strathclyde.

"Estão criando um precedente que se tornará referência para os outros", disse Komaitis, que é professor de Tecnologia da Informação e Telecomunicações, à Reuters.

"A lei tende a ser um tanto lenta e burocrática, então um tribunal deliberar em algo como o Twitter - tão atual, tão relevante - mostra um comprometimento incrível."

O advogado Andre Walker, da Griffin Law, afirmou que o tuiteiro anônimo irá receber uma mensagem do tribunal da próxima vez que acessar sua conta no site.

"Quem for que seja, a pessoa irá receber uma ordem para parar de postar, remover mensagens antigas e se identificar junto ao tribunal através de um link na Internet", disse.

Para o advogado Matthew Richardson, que ganhou a ação, a decisão foi um passo importante na prevenção de abusos por anônimos na internet.

"As pessoas têm que aprender que não podem se esconder por trás do anonimato da Internet e violar a lei sem punição", disse em comunicado.

A falsidade ideológica na Internet tem se tornado cada vez mais comum com o sucesso do Twitter. Celebridades como Ashton Kutcher e Britney Spears têm vários perfis falsos no Twitter.

O problema chegou a tal ponto que, no começo do ano, o Twitter lançou um sistema que verifica a autenticidade das páginas.

5ª turma do STJ - Autoridade coatora, em MS, é a autoridade máxima da administração que se pretende atacar


A 5ª turma do STJ ratificou entendimento de que, nos casos em que se discute, em MS, qual seria a autoridade coatora, deve-se indicar o presidente do órgão ou entidade administrativa e não o executor material da determinação que se pretende atacar. Esta tem sido uma dúvida que com frequência tem se apresentado ao STJ.

A tese em questão foi discutida em julgamento de recurso em MS em que uma cidadã contestou acórdão do TJ/DF, o qual acolheu preliminar de ilegitimidade passiva. Pelo acórdão, não se poderia determinar ao Secretário de Fazenda que descumprisse ordem emanada do Tribunal de Contas do Distrito Federal - TCDF. Assim, a indicação errônea da autoridade coatora no mandado de segurança, segundo o acórdão, implicaria a extinção do processo.

Em suas alegações, a cidadã argumentou que, no mandado de segurança preventivo, autoridade coatora é aquela que tem competência para a prática do ato em tese ameaçador ao direito do impetrante, asseverando sua completa ilegalidade.

Ao avaliar o caso, o ministro Jorge Mussi, relator da matéria, reforçou que prevalece no STJ a compreensão de que o MS no qual se discute a legalidade de ato a ser praticado pela Administração em consequência de decisão da Corte de Contas deve indicar como autoridade coatora o seu presidente, e não o mero executor material da determinação acoimada de ilegal.

Ao negar provimento ao recurso, a 5ª turma reconheceu a ilegitimidade passiva da autoridade executora e determinou ser o presidente do órgão - TCDF - a autoridade coatora correta a ser indicada em MS. Manteve, assim, o entendimento do acórdão do TJ/DF.
Processo relacionado: RMS 29773
Fonte: Migalhas

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Xis... não! Foi, xiiii... Quando apenas 2 dentes viraram 28!


O cirurgião dentista que arrancou todos os dentes do adolescente César Oliveira, 17 anos, no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília, deverá ser indiciado por lesão corporal gravíssima. O diretor do Instituto Médico Legal, Malthus Fonseca Galgão, afirmou que não existia nenhuma indicação de que todos os dentes do adolescente precisassem ser arrancados. O laudo do IML indicou que deveriam ser retirados apenas dois dentes - o siso e o segundo molar - por dificuldade de escovação.

Além do laudo do IML, a polícia ouviu dentistas que fazem estágio na clínica de uma universidade particular de Brasília que, por convênio, faz tratamento dentário em alunos da Apae, como César. Elas foram ouvidas por quase cinco horas na 5ª Delegacia de Polícia e negaram que o garoto precisasse arrancar todos os dentes.

- As próprias estagiárias declararam, após a intervenção cirúrgica, espanto, surpresa com aquele procedimento. Uma delas chegou a comentar: 'Se fosse meu filho eu não permitiria" - diz o delegado Laércio Rossetto.

" E ainda comentaram: 'Olha como os dentes dele estão alinhados "

Segundo Rosseto, a polícia já tem provas suficientes para indiciar o cirurgião-dentista por lesão corporal gravíssima.

- A gente tem plena convicção de que ele tirou os dentes de livre e espontânea vontade, porque assim bem entendeu que deveria fazer. No momento da cirurgia, as próprias estagiárias, e o doutor responsável pela cirurgia, constataram que os dentes do César já eram tratados por um odontologista, havia um tratamento ortodôntico pra corrigir os dentes. E ainda comentaram: 'Olha como os dentes dele estão alinhados' - diz Rosseto.

Para o diretor do Instituto Médico Legal (IML), Malthus Fonseca Galgão, está claro que não existia necessidade de extração.

- Mesmo se eu não tivesse a radiografia anterior, só com a final pela forma dos remanescentes auveolares, os locais onde os dentes se encaixam, é possível afirmar: não existia indicação, não existia necessidade da extração de todos os dentes, somente de dois elementos dentários - assegura Galgão.

César foi atendido na clínica da odontolótica da universidade durante sete meses. Foi um tratamento longo e, quando ele terminou, estava sem cáries, sem placa e com o alinhamento perfeito dos dentes. A indicação dos dentistas que apenas dois dentes fossem arrancados no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). A notícia de que todos foram extraídos surpreendeu os profissionais que atendiam César.

Com o prontuário de César em mãos, o coordenador da odontologia, Cláudio Maranhão, lembra que ele gostava do tratamento e cuidava muito bem dos dentes com a ajuda da mãe.

- Partindo do pressuposto que ele saiu da universidade em maio com uma ótima higienização, uma boa condição bucal, não esperávamos isso, e sim que apenas dois dentes fossem retirados - diz Maranhão.

O cirurgião-dentista que fez o procedimento não compareceu ao depoimento marcado para esta sexta-feira. O advogado dele apresentou um atestado médico de 60 dias, mas apenas para afastamento do trabalho. O delegado espera ouvi-lo na próxima semana e concluir o inquérito.

Fonte: O Globo

sábado, 24 de outubro de 2009

Castração Química: castigo ou tratamento preventivo?


por Luiz Flávio Gomes

A medida conhecida como "castração química" já é utilizada em seis estados norte-americanos (Califórnia, Flórida, Texas, Louisiana e Montana). A Califórnia foi o primeiro estado a prevê-la como "pena" para os crimes sexuais. A Espanha também já aprovou tal providência, mas não como pena, sim, como parte de um tratamento preventivo da delinquencia sexual. A polêmica acaba de aterissar no Brasil. É grande a controvérsia. Temos problemas e questões jurídicas e éticas.

A massa da população punitivista irada ("bandido bom é bandido morto", "estuprador bom é estuprador castrado") certamente já está entrando em transe histérico e, sem sombra de dúvida, devotando integral apoio a todo tipo de castração, incluindo (por que não?) a física (tal como se fazia, por exemplo, na Idade Média). De preferência a execução deve acontecer em praça pública, com transmissão direta pelas TVs. O carrasco se aproxima do criminoso com facão afiado na mão (talvez até algum livro religioso na outra), desferindo-lhe golpe certeiro que decepa o seu pênis e os escrotos, já devidamente colocados sobre uma mesa; sangue é jorrado para todos os lados, batendo inclusive nas lentes das filmadoras que estão captando todo o grotesco espetáculo, o réu está urrando como um leão; o evento ocupa as principais manchetes dos jornais (do mundo todo), o povo está gritando animalescamente e seu contentamento é praticamente insuperável. Frenesi geral e quase que incontrolável. Essa não é propriamente uma "moderna" forma de prevenção da delinquência sexual (dirão seus seguidores), mas é eficaz. Vem da Idade Média (aliás, em tempos outros anteriores já se praticava a castração como castigo).

O grupo minoritário dos progressistas penais vai gritar contra qualquer tipo de castração, defendendo a impossibilidade de qualquer tipo de pena corporal, a violência que o método representa, a ofensa à dignidade da pessoa etc.

Tramitam hoje, no Congresso Nacional, dois projetos de lei que introduziriam a castração química no ordenamento jurídico brasileiro. São eles: PL 7.021/01 (Dep. Wigberto Tartuce) e PL 552/07 (Sen. Gerson Camata).

De acordo com o primeiro, claramente troglodita e jurássico, a castração química seria prevista como pena obrigatória aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Tal sugestão autoritária foi corrigida no PL 552/07, que a prevê como tratamento voluntário, alterando a sua denominação para supressão hormonal (sempre é preciso dourar a pílula!).

O debate prudente e equilibrado sobre o assunto não pode deixar de considerar o seguinte:

Primeiro: a castração jamais pode ser admitida como "pena" (como castigo, como sanção estatal). Está proibida no Brasil qualquer tipo de pena corporal. É ofensivo à dignidade do preso ou custodiado (ou condenado) ser obrigado a se submeter a qualquer tipo de pena que envolva intromissão no corpo humano. De qualquer modo, se a moda pegar, dentro de pouco vão sugerir também a pena de decepar as mãos do corrupto ou do ladrão. Os parlamentares brasileiros, em sua grande maioria, correm o sério risco de perder as mãos!

Segundo: ninguém pode servir de cobaia, para qualquer tipo procedimento médico. Vale lembrar que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (do qual o Brasil é signatário desde 1992), proíbe, expressamente em seu art. 7º, qualquer tipo de experiência médica não devidamente testada, sobretudo com pessoa custodiada pelo Estado. É preciso, antes de tudo, que a castração química conte com estudos científicos incontestáveis.

Terceiro: outra importante indagação se impõe: qual seria o mecanismo de castração química adotado pelo Brasil? As normas norte-americanas prevêem, de forma expressa, o acetato de medroxiprogesterona, mas, não encontramos resposta nos projetos em tramitação no Brasil. Caberia, então, ao magistrado determinar o método? Dependeria ele de laudo médico?

Juridicamente não se pode impor a castração química contra ninguém. Seria uma medida da Idade Média, ofensiva à dignidade da pessoa humana, prevista como fundamento do modelo constitucional de Direito (CF, art. 1º, III). Como parte de um tratamento voluntário, depois de liberado o sujeito, pode até ser admissível. Mas para isso necessitamos de um amplo e complexo programa de prevenção, que ainda inexiste no Brasil.

Fonte: Jornal Carta Forense

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

CNJ encontra 2 mil processos desviados para porão


Trabalho do Conselho Nacional de Justiça é 'turbinado' por denúncias cada vez mais frequentes

O improvável acontece e facilita o trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de juízes que atuam na corregedoria e participam das inspeções nas varas e tribunais de todo o País. Juízes e funcionários do Judiciário revelam irregularidades nos tribunais em que atuam.
Para iniciar as inspeções, o conselho avisa ao Tribunal de Justiça que vai analisar os processos que tramitam no Estado. Os juízes responsáveis pelas inspeções já constataram manobras feitas nos estados, com o propósito de maquiar a realidade.
Num Juizado Especial de Salvador (BA), com base em análise prévia, os juízes do CNJ constataram a falta de 2 mil processos. Percorreram o prédio, abriram armários e gavetas, sem resultado.
Ao percorrer um dos corredores do prédio, o corregedor obteve a informação necessária para compor o quebra-cabeça: um funcionário passou, a passos largos, e sussurou para juízes da corregedoria: "Porão, porão!"
Era a senha que faltava. Representantes do CNJ indagaram se havia um porão naquele prédio. Havia. Eles pediram para vistoriá-lo. Ao entrar no porão, logo encontraram pilhas e pilhas de processos acumulados.
O volume de papel era tanto que não restou dúvida aos corregedores de que estavam diante de 2 mil processos. O esconderijo havia sido utilizado para omitir a baixa produtividade do Juizado.

Fonte: Rádio Metrópole

terça-feira, 20 de outubro de 2009

5ª turma do STJ - Ação penal contra pessoa jurídica por crime ambiental exige imputação simultânea da pessoa física responsável


Responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais é admitida desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, já que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com o elemento subjetivo próprio. A decisão é da 5ª turma do STJ, que anulou o recebimento de denúncia de crime ambiental praticado por uma empresa paranaense.

O MP/PR ofereceu denúncia contra uma empresa, pela prática do delito ambiental previsto no artigo 41 da lei 9.605/98 (provocar incêndio em mata ou floresta - (clique aqui), que foi rejeitada em primeira instância.

O TJ/PR, por sua vez, proveu o recurso em sentido estrito para determinar o recebimento da denúncia oferecida exclusivamente contra a pessoa jurídica pela prática de crime ambiental. Para o TJ, a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas também de prevenção geral e especial. Além disso, a lei ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.

Ao recorrer ao STJ, o MP sustentou violação do Código Processual Penal quando da sentença e dos embargos e ofensa à lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Por fim, argumentou a impossibilidade de oferecimento da denúncia unicamente contra a pessoa jurídica.

Ao decidir, o relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, destacou que não houve denúncia contra a pessoa física responsável pela empresa e, por essa razão, o acórdão que determinou o recebimento da denúncia deve ser anulado.

Processo Relacionado : REsp 865864 - clique aqui

Fonte: Migalhas

domingo, 18 de outubro de 2009

STJ inverte ônus da prova para empresa acusada de lesar meio ambiente


A proteção ao meio ambiente se tornou nos últimos anos uma das questões cruciais para a humanidade nesse início de século XXI, especialmente a partir da ECO 92, conferência das Nações Unidas sobre o clima, que lançou as bases para o chamado Protocolo de Kyoto.

Passados 17 anos do megaencontro ocorrido no Rio de Janeiro, o reconhecimento sobre a relevância do tema se consolida também no Judiciário brasileiro. Em uma inovação de sua jurisprudência, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) têm admitido a inversão do ônus da prova em casos de empresas acusadas de dano ambiental, ou seja, cabe ao próprio acusado provar que sua atividade comercial não traz riscos à natureza.

O entendimento se baseia na ideia de que, quando o conhecimento científico não é suficiente para demonstrar a relação de causa e efeito (nexo de causalidade) entre a ação da empresa e uma determinada degradação ecológica, o benefício da dúvida deve prevalecer em favor do meio ambiente. É o chamado princípio da precaução.

No julgamento de um processo contra uma fabricante de produtos de borracha, a ministra Eliana Calmon defendeu que a proteção do meio ambiente seja equiparada às relações de consumo, onde impera o princípio da responsabilidade objetiva. “No caso das ações civis ambientais, entendo que o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado nos leva à conclusão de que alguns dos direitos do consumidor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, afinal tais buscam resguardar ou reparar o patrimônio público de uso coletivo”, disse a ministra.

Ela atendeu a um recurso do MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) contra decisão da segunda instância que entendeu ser da Promotoria a responsabilidade de comprovar a ocorrência do dano ambiental provocado pela fábrica. “A inversão do ônus da prova decorre diretamente da transferência do risco para o potencial poluidor, remetendo ao empreendedor todo o encargo de prova que sua atividade não enseja riscos para o meio ambiente, bem como a responsabilidade de indenizar os danos causados, bastando que haja um nexo de causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação”, alegou o MP.

Custos
Vale ressaltar que a obrigação de provar da empresa não pode ser confundida com o dever do MP de arcar com os honorários periciais nas provas que o próprio órgão solicita para fazer valer a denúncia de dano ambiental. Para o ministro Teori Albino Zavascki, integrante da 1ª Turma, são duas questões distintas e juridicamente independentes. “A questão do ônus da prova diz respeito ao julgamento da causa quando os fatos não restaram provados. Todavia, independentemente de quem tenha a obrigação de provar esta ou aquela situação, a lei processual determina que, salvo as disposições concernentes à Justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo. Portanto, conforme estabelece o Código de Processo Penal, o réu somente está obrigado a adiantar as despesas concernentes a atos que ele próprio requerer. Quanto aos demais, mesmo que tenha ou venha a ter o ônus probatório respectivo, o encargo será do autor”.
Um caso analisado na 2ª Turma envolvia o pedido do MP para a realização de uma auditoria ambiental proposto pelo Relatório de Impacto Ambiental com o objetivo de apurar os efeitos da poluição produzida pela Usina Termoelétrica Jorge Lacerda, na cidade de Capivari de Baixo/SC sobre os habitantes do município, bem como para a implantação de medidas de minimização dos danos imposta pelos órgãos de proteção ambiental.
O consórcio que gere a usina, a Tractebel Energia S/A, recorreu STJ porque o MP pretendia que a empresa custeasse as despesas com a prova pericial (honorários periciais). Entretanto, após longo debate e pedidos de vista, os ministros, por maioria, acompanharam o voto da ministra Eliana Calmon, que assim esclareceu: “O meu entendimento é de que toda e qualquer empresa precisa, para funcionar, submeter-se às exigências administrativas, dentre as quais o atendimento às regras de proteção ambiental. Ora, a legislação determina que a empresa seja responsável por esses estudos e pela atualização, devendo ser chamada para assim proceder sob as penas da lei e, por último, se descumprida a ordem, pedir-se a intervenção judicial, esta a última trincheira a ser perseguida em favor da ordem social”.
Todavia, explicou a ministra, não ficou demonstrado que a empresa estaria se negando a cumprir a lei e, mesmo que tivesse, ela não poderia ser obrigada a fazer uma auditoria que só a sentença final, se ficasse vencida, determinasse. “Prova é prova, pretensão é pretensão, mas aqui temos uma ação civil pública com causa de pedir bem definida, a se exigir, no curso da demanda, a pretensão final como prova (a realização do estudo de impacto ambiental), atropelando-se o fim do processo. Em relação ao adiantamento das despesas com a prova pericial, a isenção inicial do MP não é aceita pela jurisprudência das Primeira e Segunda Turmas, diante da dificuldade gerada pela adoção da tese. Imponho ao MP a obrigação de antecipar honorários de perito, quando figure como autor na ação civil pública”, concluiu.
Melhor prevenir que remediar
A 1ª Turma, sob a relatoria do ministro Francisco Falcão, julgou o recurso da All-America Latina Logística do Brasil S/A contra decisão do Tj-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinando a inversão do ônus da prova em uma ação civil pública que discutia serem as queimadas decorrentes das fagulhas geradas pelo deslocamento das composições ferroviárias da empresa responsável pelo transporte da produção agrícola daquele estado.
Em seu voto, o ministro transcreveu trechos da argumentação do representante do Ministério Público Federal que balizaram o julgamento da controvérsia: “O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, protegido pela própria Constituição, que o considera ‘bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida’. É o que os autores chamam de direito de terceira geração, que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano. A responsabilidade para os causadores de dano ambiental é, portanto, objetiva, obrigando o poluidor, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade”.
Para Francisco Falcão, o princípio da precaução sugere que o ônus da prova seja sempre invertido de modo que o produtor, empreendimento ou responsável técnico tenha que demonstrar a ausência de perigo ou dano decorrente da atividade em que atuam. Afinal, “é melhor errar em favor da proteção ambiental, do que correr sérios riscos ambientais por falta de precaução dos agentes do Estado”.
Como se pode observar, a tendência do STJ é estabelecer a inversão do ônus da prova nas ações civis públicas propostas pelo MP para resguardar o meio ambiente das constantes agressões por parte das indústrias poluidoras e também dos municípios que não tratam dos seus aterros sanitários e dos dejetos de esgotos que poluem mananciais, lençóis freáticos e demais fontes de água potável e solo para o cultivo. A proposta é que as causas envolvendo direito ambiental recebam tratamento realmente diferenciado, porque, como explica o ministro Herman Benjamin, a proteção do meio ambiente “é informada por uma série de princípios que a diferenciam na vala comum dos conflitos humanos”.
De acordo com o ministro, o princípio da precaução inaugura uma nova fase para o próprio Direito Ambiental. “Nela já não cabe aos titulares de direitos ambientais provar efeitos negativos (ofensividade) de empreendimentos levados à apreciação do Poder Público ou do Poder Judiciário, como é o caso dos instrumentos filiados ao regime de simples prevenção (exemplo: estudo de impacto ambiental). Impõe-se, agora, aos degradadores potenciais, o ônus de corroborar a inofensividade de sua atividade proposta, principalmente naqueles casos nos quais eventual dano possa ser irreversível, de difícil reversibilidade ou de larga escala”.
Herman Benjamin acredita que o emprego da precaução está mudando radicalmente o modo como as atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente estão sendo tratadas nos últimos anos. “Firmando-se a tese —inclusive no plano constitucional — de que há um dever genérico e abstrato de não degradação ambiental, invertendo-se, nestas atividades, o regime da ilegalidade, uma vez que,
nas novas bases jurídicas, esta se encontra presumida até que se prove o contrário”.
Fonte: Última Instância

CCJ aprova projeto sobre exame criminológico


Presos com bom comportamento terão de passar por exame criminológico para ter o regime prisional alterado — para liberdade condicional, indulto ou comutação da pena. É o que prevê projeto aprovado nesta quarta-feira (14/10) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Para coordenar o exame, será criada uma comissão técnica de classificação, formada por psicólogos, assistentes sociais e representantes da penitenciária. O exame criminológico existiu até 2003, quando foi abolido. O projeto tramita em caráter terminativo na CCJ. Por isso, irá agora para análise da Câmara.

A CCJ também aprovou projeto que agrava a pena de prisão para pessoas que fazem propaganda ou incitam a pedofilia. O projeto foi sugerido pela CPI da Pedofilia.

O projeto aumenta de seis meses para um ano de prisão a pena para quem praticar esse tipo de ação. A proposta segue para plenário.

Em fevereiro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que o exame criminológico não é obrigatório para que o preso tenha direito à progressão de regime prisional. Mas o juiz pode solicitar esse exame quando considerar necessário, desde que o pedido seja devidamente fundamentado. De acordo com a assessoria do tribunal, mesmo com a jurisprudência firme nesse sentido, são frequentes no STJ Habeas Corpus contestando decisões relativas à avaliação criminológica.

O exame criminológico é feito para avaliar a personalidade do criminoso, sua periculosidade, eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes. Ele deixou de ser obrigatório para a progressão de regime com a entrada em vigor da Lei 10.792, em dezembro de 2003, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). A mudança gerou diferentes interpretações acerca do exame.

Fonte: Conjur (Com informações da Agência Brasil).

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Artigo no Jornal Jurid sobre a alteração dos crimes sexuais no CP


Dos Crimes Contra os Costumes à evolução dos Crimes Contra a Dignidade Sexual - As repercussões práticas da Lei 12.015/09 no Título VI do Código Penal

Ana Karina França Merlo ( * )


Resumo: O presente artigo visa antecipar alguns aspectos polêmicos da nova norma que serão detectados quando da sua efetiva aplicação a casos concretos, abordando com maior relevo os seguintes capítulos: Capítulo I - Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, Capítulo II - Dos Crimes Sexuais Contra Vulnerável, Capítulo IV - Disposições Gerais e, por fim, Capítulo V - Do Lenocínio e do Tráfico de Pessoa para fim de prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual.

Palavras-chave: Crimes sexuais, estupro, lenocínio, assédio, corrupção de menores

Crimes Against the Customs to the evolution of Crimes Against Sexual Dignity - The practical implications of the law 12.015/09 Title VI of the Criminal Code

Abstract: This paper aims to bring forward some controversial aspects of the new standard that will be detected when its effective application to specific cases, with more emphasis on addressing the following chapters: Chapter I - Crimes Against Sexual Liberty, Chapter II - Crimes Against Sexual Vulnerable, Chapter IV - General Provisions and, finally, Chapter V - pimping and trafficking in person to prostitution or other forms of sexual exploitation.

Key words: Sexual crimes, rape, pimping, harassment, corruption of minors


Sumário: 1. Introdução - 2. As repercussões práticas da lei 12.015/09 no Título VI do Código Penal - 3. Referências

1. Introdução

A Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 entrou em vigor três dias após ser sancionada, alterando a redação do Título VI do Código Penal dedicado aos Crimes Contra os Costumes - atualmente, desde então, Crimes Contra a Dignidade Sexual.

A mudança do título foi uma resposta às inúmeras reivindicações dos doutrinadores ao sustentarem que os crimes elencados no Título VI não atentavam contra a moralidade pública ou coletiva, mas sim contra a dignidade e a liberdade sexual das vítimas. A dignidade sexual encerra o conceito de intimidade e revela-se em harmonia com o princípio da dignidade da pessoa humana - fundamento basilar da Constituição de 1988 (Art. 1°, III).

As modificações realizadas com a redação da Lei 12.015/09 põem fim às várias controvérsias aludidas nas tipificações anteriores. Em contrapartida, como toda e qualquer mudança, terminam por originar outras polêmicas discussões. Vale dar destaque a algumas delas em breve análise.

2. As repercussões práticas da Lei 12.015/09 no Título VI do Código Penal

Uma das alterações mais importantes resultou na união de dois tipos penais que já existiam - o estupro e o atentado violento ao pudor - que foram fundidos em um único tipo penal, sob a rubrica "Estupro", traduzindo o crime no seu sentido amplo:

Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2º Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal é o estupro no sentido estrito do tipo, enquanto que constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso é o atentado violento ao pudor que, agora, passa a ser uma espécie de estupro.

O outro ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere ao ato, ou seja, a uma realização física completa. Por exemplo: realizar masturbação na vítima, tocar no seu órgão sexual, realizar coito oral ou anal etc. Condutas mais leves como apalpar-lhe o corpo, agarrar ou dar beijos lascivos devem ser enquadradas como contravenção penal (Art.61, Lei de Contravenções Penais).

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRAVENÇÃO DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR PROMOVIDA PELO JUÍZO MONOCRÁTICO RELATIVAMENTE AO PRIMEIRO FATO DELITUOSO. MANUTENÇÃO EM SEGUNDO GRAU. PLEITO DE CONDENAÇÃO POR ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 07/STJ. NÃO CONHECIMENTO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COMETIDO CONTRA A SEGUNDA VÍTIMA. FORMA SIMPLES. DELITO HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º DA LEI N.º 8.072/90 DECLARADA INCIDENTER TANTUM PELO PLENÁRIO DO STF. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. I. Hipótese em que o recorrido foi condenado por importunação ofensiva ao pudor contra a primeira vítima e por tentativa de atentado violento ao pudor contra a segunda vítima. II. Sendo a decisão que desclassificou o crime de atentado violento ao pudor para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor motivada pela análise das provas dos autos, a pretensão de sua revisão esbarra no óbice da Súmula n.º 07 desta Corte. III. Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos em sua forma simples ou com violência presumida, enquadram-se na definição legal de crimes hediondos, recebendo essa qualificação ainda quando deles não resulte lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima. Precedentes do STF e do STJ.
Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 17/08/2006. Data da Publicação/Fonte DJ 11/09/2006 p. 344.

1ª repercussão prática: antes, se o sujeito ativo, em um mesmo contexto fático, praticasse o estupro e o atentado violento ao pudor contra uma determinada vítima, estaríamos diante da prática de dois crimes distintos, em concurso material. Essa era a posição majoritária, inclusive do STF e do STJ.

HABEAS CORPUS. CRIMES DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E DE ESTUPRO, PRATICADOS DE FORMA INDEPENDENTE. CONFIGURAÇÃO DE CONCURSO MATERIAL DE CRIMES, E NÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA. Os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que praticados contra a mesma vítima, não caracterizam a hipótese de crime continuado, mas encerram concurso material de crimes. Precedentes. Caso em que o crime de atentado violento ao pudor não foi praticado como "prelúdio do coito" ou como meio necessário para a consumação do estupro, a evidenciar a absoluta independência das duas condutas incriminadas. Ordem denegada.
Relator(a): CARLOS BRITTO. Julgamento: 17/12/2006. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-097 DIVULG 29-05-2008 PUBLIC 30-05-2008 EMENT VOL-02321-01 PP-00135.

PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROGRESSÃO DE REGIME. REITERAÇÃO DE PEDIDO. WRIT PREJUDICADO. ALEGADA CONTINUIDADE DELITIVA. INOCORRÊNCIA. CONCURSO MATERIAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE EXAME COMPARATIVO DE DNA. INOCORRÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE REGRADA DO MAGISTRADO. PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. I - Considerando que a controvérsia acerca da possibilidade de progressão de regime, pelo paciente, já foi apreciada no HC 78.429/SP, perdeu o objeto, nesta parte, o presente writ. II - Se, além da conjunção carnal, é praticado outro ato de libidinagem que não se ajusta aos classificados de praeludia coiti, é de se reconhecer o concurso material entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor. A continuidade delitiva exige crimes da mesma espécie e homogeneidade de execução. Relator(a): Ministro FELIX FISCHER. Julgamento: 18/11/2008. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA. Publicação: DJe 02/02/2009.

Após a união dos dois comportamentos em um só tipo no Art. 213, as duas condutas foram convertidas em um só crime de ação múltipla ou conteúdo variado. Logo, se num mesmo contexto fático o sujeito ativo mantiver conjunção carnal violenta com a vítima, vindo em seguida a praticar com ela outro ato libidinoso, ele responderá por um só crime. Caberá ao juiz, obviamente, considerar a pluralidade de núcleos na fixação da pena base. Assim, quem somente pratica uma das condutas do tipo será merecedor de uma pena bem menor do que aquele que venha a praticar as duas, no mesmo contexto fático, com a sua vítima.

Ao tornar-se crime único, isso significa uma mudança benéfica na esfera penal devendo a lei, por sua vez, retroagir para alcançar os fatos pretéritos. Assim, todo aquele que foi condenado anteriormente em concurso material por ter praticado as duas condutas nucleares do tipo num mesmo contexto fático será beneficiado com a alteração. Caso o agente já esteja cumprindo pena, competirá ao juiz da execução corrigi-la aplicando a lei mais benéfica (Art. 66, I, da Lei de Execuções Penais, e Súmula n. 611 do STF -
"Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna").

2ª repercussão prática: sabem-se existir duas exceções permissivas para o abortamento no Brasil, constantes no Art. 128 do Código Penal. Um deles, no inciso II, é o abortamento sentimental para gravidez proveniente de estupro. A doutrina, em sua minoria, tentava a extensão do abortamento sentimental caso a gravidez fosse proveniente de atentado violento ao pudor. A alteração extinguiu esse impasse: o estupro, em sentido amplo (agora incluindo a espécie de atentado violento ao pudor no Art. 213) permite o abortamento sentimental, tenha sido a gravidez resultante de conjunção carnal ou de qualquer outro ato libidinoso diferente desta. Ainda há de ser salientado que a redação do Art.128 do Código Penal por muitos anos teve a sua aplicação considerando-se a condição da vítima de estupro - a mulher - que contraiu a gravidez em decorrência do crime que lhe foi acometido (lembrando: àquela época, a mulher não poderia ser o agente do crime). Entretanto, à luz da nova lei, a mulher que constrange o homem, obrigando-o contra a sua vontade a ter relações sexuais, empregando de meios violentos ou a grave ameaça, poderá engravidar praticando o estupro como o sujeito ativo do tipo. Conclusão: como o Art. 128 não faz menção expressa à vítima, se tal situação resultar em gravidez, o aborto será permitido tanto para mulher como sujeito passivo ou ativo no crime em questão, se precedido de consentimento da mesma.

No estupro, o elemento subjetivo geral é o dolo, constituído pela vontade consciente de constranger a vítima, contra a sua vontade, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. O Art. 234-A, II aduz: nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada de metade, se do crime resultar gravidez. Assim, a mulher que pratica o tipo do Art. 213 com o fim específico de gestação, e desse seu intento consiga obter êxito, a sua gravidez não será apenas um exaurimento do crime de estupro, mas sim, objeto de apreciação para incidir nessa causa de aumento.

3ª repercussão prática: na legislação anterior, o estupro era um crime de mão própria no que se referia ao sujeito ativo (homem), e crime próprio em relação ao sujeito passivo (mulher). Com a Lei 12.015/09, o estupro passa a ser um crime comum (tanto a mulher como o homem poderão ser sujeitos ativos ou passivos).

4ª repercussão prática: antes da Lei 12.015/09, os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor eram qualificados se da violência resultasse lesão corporal grave ou morte. Com a inclusão do § 1º, a qualificadora foi incrementada. O estupro em sentido amplo qualifica o crime se a vítima é menor 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos. O conteúdo dessa redação era uma circunstância que o juiz utilizava na fixação da pena base. Como é uma inovação que agrava a pena, essa qualificadora não retroagirá para alcançar fatos passados.

5ª repercussão prática: o revogado Art. 223 já previa a pena de reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos, se da violência resultasse lesão corporal de natureza grave. Essa violência referia-se à violência física, não abrangendo a grave ameaça. O § 1º do atual Art. 213 diz "se da conduta resulta lesão corporal grave", ou seja, a lesão grave qualifica o crime de estupro, não importando se foi advinda de violência física ou de grave ameaça. Quando se fala em conduta, abrangem-se as duas circunstâncias descritas no caput do Art. 213: violência ou grave ameaça.

ESTUPRO - CONFIGURAÇÃO - VIOLÊNCIA PRESUMIDA - IDADE DA VÍTIMA - NATUREZA. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça - artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea "a", do Código Penal.
STF- HC 73662 / MG - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 21/05/1996. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ DATA-20-09-1996 PP-34535 EMENT VOL-01842-0.

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. [...] 3. A presunção de violência prevista no art. 224, a, do Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal de proteção à liberdade sexual da menor de quatorze anos, em face de sua incapacidade volitiva, sendo irrelevante o consentimento da menor para a formação do tipo penal do estupro. HC 79.756/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 14.06.2007, DJ 06.08.2007 p. 594.

6ª repercussão prática: o parágrafo único do Art. 223 também foi revogado e previa que "se do fato resulta a morte: pena - reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos". Em contrapartida, o § 2º do novo Art. 213 aduz "se da conduta resulta morte: pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos". Aqui, outro conflito na doutrina foi solucionado. Uma minoria defendia que a morte no estupro qualificava o crime, não importando se existiu um fator de grande violência ou de grave ameaça ou, se ainda, a morte proviesse de qualquer outro fato superveniente relativamente independente como, por exemplo, um atropelamento: ao fugir do seu estuprador a vítima vem a ser atropelada e morre. Entendia-se que, apesar da vítima não ter morrido em razão da violência e nem da grave ameaça, ela teria morrido em razão do fato, devendo-se incidir a qualificadora. O STF vinha evitando tal excesso e, por fim, o legislador o corrigiu, definitivamente, ao restringir a qualificadora somente à conduta.

7ª repercussão prática: alguns aspectos chamam atenção também no atual Art. 215 que trata da Violação sexual mediante fraude:

Violação sexual mediante fraude

Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

A fraude, isto é, o ardil, o engano, o artifício, é um dos meios utilizados pelo agente para que tenha sucesso na prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso. É o chamado estelionato sexual.

O Art. 215 inovou ao incluir a conduta através de "outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima". Não há que se confundir o cerceamento dessa manifestação de vontade com o vício da vontade do Direito Civil (coação), pois uma vez que a vítima fique impossibilitada de oferecer resistência, nós estaremos diante do mais novo tipo "estupro de vulnerável". O desejo do legislador ao incluir "outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima" foi abranger o que a doutrina tinha dificuldade de enquadrar: o temor reverencial. Casos como a conjunção carnal praticada em detrimento do temor reverencial - que não seria uma grave ameaça, mas apenas uma ameaça - apesar de não retirar totalmente a capacidade de resistência da vítima, viciaria a livre manifestação da vontade da mesma. Certamente haverá doutrina defendendo que, neste caso, também poderá ser enquadra a vítima embriagada moderadamente, lembrando-se, por sua vez que, se totalmente embriagada, a vítima estará incapacitada para oferecer resistência, tratando-se assim de estupro de vulnerável.

8ª repercussão prática: No Art. 216-A, assédio sexual houve a inclusão do § 2º estabelecendo que "a pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos". Vale salientar que o sujeito ativo deve ter ciência da idade da vítima, com o objetivo de evitar a responsabilidade penal objetiva. A aplicação dessa majorante - que tem o seu limite de aumento em até um terço - ficará a critério do juiz, não se permitindo retroagir aos fatos pretéritos. Isso não impedirá que o juiz, considerando as circunstâncias à ocasião do crime, a aplique na fixação da pena.

9ª repercussão prática: o novo tipo do Art. 217-A foi acrescentado pela lei 12.015/09, e também merece destaque - o estupro de vulnerável.

Estupro de vulnerável

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º VETADO

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4º Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Em síntese, na elaboração do tipo em comento ocorreu a soma dos antigos Art. 213 e Art. 214 quando praticados nas circunstâncias do revogado Art. 224. Cabe a elucidação através de um exemplo: antes da Lei 12.015/09, o agente que praticasse estupro ou atentado violento ao pudor com uma vítima de 13 (treze) anos responderia pelos respectivos crimes na modalidade qualificada pelo Art. 224 (presunção de violência). Caso o agente empregasse violência real contra esse menor, responderia somente pelos antigos artigos 213 ou 214, sem a incidência da majorante. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência não chegavam a um consenso no debate sobre a violência real. Se a violência real não fosse empregada, então era presumida pelo Art. 224. Questionava-se também se a presunção seria absoluta ou relativa. Atualmente, o juízo que prevalece nos tribunais é que se trata de violência absoluta - não admitindo prova em contrário. A redação do Art. 217-A encerrou a questão: pouco importa se há violência ou não, e se essa presunção é absoluta ou relativa. Para a consumação do tipo é suficiente, apenas, que o agente mantenha conjunção carnal ou outro ato libidinoso com uma vítima menor de 14 (quatorze) anos, submetendo-se assim à pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

No crime de estupro simples o verbo constranger traduz a conduta do agente em obrigar a vítima a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. No estupro de vulnerável, o legislador foi omisso quanto ao cerceamento da vontade da vítima. Tal omissão do legislador no Art. 217-A restringiu a conduta a ter ou praticar o ato com o menor de 14 (catorze) anos. O comportamento do agente pode ser ativo ou passivo - ele praticando "no" menor ou, ainda, o menor praticando "nele".

10ª repercussão prática: a vítima no caput do Art. 217-A é menor de 14 (catorze) anos. O estupro simples do Art. 213 é qualificado se a vítima é maior de 14 (catorze) anos. O legislador foi omisso na tipificação do crime para a vítima que tem idade igual a 14 (catorze) anos. Vejamos: o adolescente tem menos de 14 (catorze) anos até a véspera do seu aniversário; tem mais de 14 (catorze) anos a partir do primeiro dia seguinte à data do seu aniversário e, por fim, tem 14 (catorze) anos exatamente no dia do seu aniversário (nem mais e nem menos). Diante da inobservância desses detalhes, nos deparamos com as seguintes situações quanto à vítima menor de 18 (dezoito) anos:

a) Se maior de 14 (catorze) anos e houve violência ou grave ameaça, trata-se de estupro qualificado.

b) Se maior de 14 (catorze) anos e não houve violência ou grave ameaça, o fato será atípico.

c) Se menor de 14 (catorze) anos, com e sem violência ou grave ameaça, trata-se de estupro de vulnerável.

d) Se exatamente com 14 (catorze) anos (no dia do aniversário), e houve violência ou grave ameaça, será um estupro simples.

e) Se exatamente com 14 (catorze) anos (no dia do aniversário), e não houve violência ou grave ameaça, o fato será atípico.

É oportuno destacar o preterdolo (dolo no antecedente e culpa no consequente) nas formas qualificadas pelo resultado previstas nos §§ 3º e 4º do Art. 217-A.

Antes da Lei 12.015/09, a doutrina e a jurisprudência tentavam chegar a um consenso sobre a possibilidade de aplicar as qualificadoras do antigo Art. 223: se da violência resultasse lesão corporal de natureza grave (pena - reclusão, de 8 a 12 anos) ou morte, no parágrafo único (pena - reclusão, de 12 a 25 anos), tanto no estupro quanto no atentado ao pudor - ambos com violência presumida pelo Art. 224. Nesse impasse, havia jurisprudência do STJ e do STF, que também defendia a aplicação do disposto no art. 9º da Lei 8.072/90, a qual diz que
"a pena será acrescida de metade, respeitando o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 do Código Penal".

Àquela época, tanto o estupro quanto o atentado violento ao pudor - ambos com violência presumida - tinham suas penas de reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Desse modo, aplicando-se o disposto no artigo 9º da Lei de Crimes Hediondos, elas tornar-se-iam de 9 (nove) a 15 (quinze) anos. Para o magistrado que adotava essa corrente, estará ele agora limitado em aplicar apenas a pena do Art. 217-A, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos, pois a revogação do Art. 224 do Código Penal fez com que o parágrafo 9º da Lei 8.072/90 perdesse completamente o seu sentido. Nesse caso, para aqueles que foram apenados com base no aumento da Lei de Crimes Hediondos, a Lei 12.015/09 é melhor e deverá retroagir em benefício do preso, não mais cabendo a hipótese de aumento da lei 8.072/90 para os fatos pretéritos por esta tratar-se de lei maléfica ao réu.

ESTUPRO. RETROATIVIDADE. LEI. Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no art. 9º da Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29/9/2009.

PENAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA REAL. VÍTIMA MENOR DE CATORZE ANOS. INCIDÊNCIA DA MAJORANTE PREVISTA NO ART. 9º DA LEI 8.072/90. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA. IRRELEVÂNCIA. MAJORANTE DESCRITA NO ART. 226, III, DO CÓDIGO PENAL. REVOGAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Reconhecer a majoração constante do art. 9º da Lei 8.072/90 nos casos de simples presunção de violência constituiria repudiável bis in idem, sendo que essa circunstância já integra o tipo penal nas hipóteses em que não há violência real. 2. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real, seja moral ou física, que por si só enseja a condenação pelos crimes sexuais em tela, aliada à circunstância de ser a vítima menor de catorze anos, tem-se aplicável a causa de aumento de pena retro-referida, independentemente de restarem configuradas as qualificadoras constantes do art. 223 do Código Penal. 3. Não se pode confundir os conceitos de violência real como forma autônoma para a implementação do tipo penal, independentemente da presunção de violência, com a forma qualificada prevista no art. 223 do Código Penal. 4. Nos termos expostos, não há falar em bis in idem (que somente ocorreria nas hipóteses de violência ficta, presumida, onde não há recusa expressa da vítima), mas no efetivo respeito ao princípio da proporcionalidade, pelo qual condutas diversas merecem reprimendas diversas, na medida da sua reprovabilidade ou hediondez, pois é indiscutível que o estupro praticado mediante violência real contra uma criança é mais reprovável do que aquele cometido contra uma pessoa adulta. STJ, REsp 235.746/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 10/05/2007, DJ 28/05/2007 p. 382.

Caso o crime do Art. 217-A tiver sido praticado com emprego de violência física, ou até mesmo da grave ameaça (elementares que não integram o estupro de vulnerável como ocorre com o crime de estupro do Art. 213), será possível identificar o concurso material dos crimes de estupro de vulnerável com o delito de lesão corporal (leve, grave ou gravíssima), assim também como a ameaça do Art. 147.

11ª repercussão prática: o crime de corrupção de menores também foi modificado pela lei 12.015/09, trazendo consigo aspectos intrigantes na sua redação:

Corrupção de menores

Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

A novidade é o lenocínio especial, que antes se limitava ao Art. 227: "induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem. Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos". Com a mudança excluiu-se essa especialidade caso a vítima seja menor de 14 (catorze) anos. O lenocínio é o crime de explorar, estimular ou facilitar a prostituição ou a devassidão de alguém. Por conseguinte, estamos abordando um tipo que inclui os seguintes personagens: o lenão, que é o mediador entre a pessoa que vai ser satisfeita com a vítima induzida; a vítima, que é menor de 14 (catorze) anos; e por fim, o consumidor: aquele que é destinatário do induzimento à satisfação da lascívia. A falha técnica do tipo em comento é que o Art. 218 só pune o lenão - que é o mediador.

Se a lascívia de outrem consistir em conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos, estaremos diante de um estupro de vulnerável. Por consequência, não se há que se falar em lenão para esse caso, tratando-se, assim, de concurso de agentes para estupro de vulnerável: o destinatário estuprou e o mediador da lascívia concordou de qualquer modo. Porém, haverá corrente que defenderá uma provável exceção pluralista da teoria monista, na qual duas pessoas concorrem para o mesmo crime, mas respondem por tipos diversos: o mediador responderia pela corrupção de menores do Art. 218 (com pena bem menor e direito a sursis) e o destinatário da lascívia responderia pelo Art. 217-A (crime hediondo e pena bem maior). Desse modo, essa corrente conseguiria retirar do mediador a hediondez de um crime viabilizado por ele.

Deduz-se, ainda, que o grau do comportamento na satisfação da lascívia será determinante na aplicação do tipo do Art. 218. Tendo o destinatário apenas um comportamento contemplativo - por exemplo, aquele que induz a vítima a fazer um streap-tease para outrem - será punido o lenão pelo crime de corrupção de menores, enquanto que o destinatário (outrem) que satisfaz a sua lascívia com os olhos atentos ao ato do menor não sofrerá nenhuma punição.

12ª repercussão prática: a criação do Art. 218-A também inovou ao tipificar algumas condutas estabelecendo núcleos alternativos. Agora é crime quando o sujeito pratica a conjunção carnal ou outro ato libidinoso na presença do menor de 14 (catorze) anos, ou induz este menor a presenciar, sendo que este menor não participa do ato (senão, estaríamos diante de estupro de vulnerável).

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos."

No crime em comento, temos os seguintes comportamentos a serem analisados para a sua consumação:

Caso I - o agente aproveita-se de um menor que está olhando. Ele mantém a conjunção carnal ou o ato libidinoso percebendo a presença do menor que está por perto. Ele aceita ser observado e é isso que satisfaz a sua lascívia; porém, se o menor já está vendo, o crime só se consuma quando o agente pratica o ato de libidinagem.

Caso II - o agente não só percebe a presença do menor como, ainda assim, o induz a presenciar o ato de libidinagem. A consumação ocorre no induzimento do menor para ver o ato, vindo esse a ocorrer ou não. Porém, se o ato libidinoso ocorre, será considerado um mero exaurimento do tipo.

13ª repercussão prática: o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável do Art. 218-B estabelece "submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos." Tem correspondência ao tipo penal previsto na Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente: "Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: Pena - reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa".

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

§ 2º Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.

§ 3º Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.

Em contrapartida, o legislador negligenciou um possível conflito entre o Art. 218-B e as qualificadoras do Art. 228, § 1º que se encontram inseridas no Capítulo V dedicado ao lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual. Por exemplo, se o agente tem alguma ligação mais estreita com a vítima, ou seja, se ele é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância para com essa vítima menor e a submete à prostituição, ele poderá responder pelo crime do Art. 228, § 1º - Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual - submetendo-se a penalidade bem menor: reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. Tal incoerência afronta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

14ª repercussão prática: a lei 12.015/09 determina que a ação penal pública condicionada à representação será a regra geral para os crimes contra a dignidade sexual. A ação pública incondicionada será exceção, sendo aplicada somente para os casos em que a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.

Por conseguinte, fica abolida a ação penal de iniciativa privada nos crimes sexuais, salvo a ação penal privada subsidiária da pública, por se tratar de uma garantia constitucional do indivíduo (Constituição Federal, Art. 5º, LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal).

O conflito aqui percebido é quanto à ação que realmente deverá ser considerada para crimes praticados com violência real, pois o conteúdo da Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal determina que "no crime de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada". Esta referida condição se amolda, perfeitamente, aos casos de estupro qualificado pelo resultado, previstos dos parágrafos do Art. 213, nos quais a nova lei exige a representação.

Quanto aos estupros praticados antes da lei 12.015/09 que se encaixavam na regra da ação privada, porém ainda não havendo processo em andamento, certamente haverá doutrina que dirá que esses estupros pretéritos deverão ter o seu processo iniciado através da queixa, pois a ação penal privada estará atrelada às causas extintivas da punibilidade, as quais a ação penal pública não tem: renúncia do ofendido, perdão do ofendido, perempção. Por outro lado, haverá doutrina defendendo que será através da denúncia, baseando-se no princípio da lei vigente ao ato do processo - tempus regit actum - o tempo rege o ato. Essa última retroagiria de forma maléfica ao réu, não sendo, portanto, possível a sua aplicação.

15ª repercussão prática: os tipos previstos no Capítulo V - Do lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou para outra forma de prostituição, também sofreram alterações. Relevante tecer algumas considerações ao Art. 229 - casa de prostituição.

Casa de prostituição

Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

A prostituição consiste na realização de ato sexual mediante paga, em caráter habitual; enquanto que a exploração sexual equivale a tirar proveito de ato sexual de outrem. Havia polêmica sobre esse tipo, visto que alguns defendiam a sua revogação pela ocorrência de evolução nos costumes da sociedade. Entretanto, a mudança do texto foi de grande êxito ao salientar a ocorrência de exploração sexual. O texto anterior tipificava como crime a conduta de "manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinosos", o que dava ensejo a incluir os motéis no rol de lugares considerados casa de prostituição. A redação atual não mais dá margem para esse tipo de interpretação, porém não define exatamente o que seja essa exploração sexual. A doutrina a classifica como gênero que abrange as espécies: prostituição, turismo sexual, tráfico de pessoas e pornografia. Assim, qualquer estabelecimento mantido com essas finalidades em atos contínuos estará adequado ao tipo em comento.

Vale salientar que o Brasil adota o sistema abolicionista - que não criminaliza a prostituição - não intervindo o Estado nesta seara e nem buscando impedi-la, mas pune a prática do proxenitismo, própria dos lenões e rufiões, em geral.

16ª repercussão prática: quando o legislador cria uma lei ele deve obediência às regras de técnica legislativa sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis que estão estabelecidas na Lei Complementar 95 de 1998. A Sessão III dessa norma estabelece:

Artigo 12 - A alteração da lei será feita:


I - mediante reprodução integral em novo texto, quando se tratar de alteração considerável;
(grifei)

II - na hipótese de revogação;

III - nos demais casos, por meio de substituição, no próprio texto, do dispositivo alterado, ou acréscimo de dispositivo novo, observadas as seguintes regras:

a) não poderá ser modificada a numeração dos dispositivos alterados;

b) no acréscimo de dispositivos novos entre preceitos legais em vigor, é vedada, mesmo quando recomendável, qualquer renumeração, devendo ser utilizado o mesmo número do dispositivo imediatamente anterior, seguido de letras maiúsculas, em ordem alfabética, tantas quantas forem suficientes para identificar os acréscimos;

c) é vedado o aproveitamento do número de dispositivo revogado, devendo a lei alterada manter essa indicação, seguida da expressão "revogado";

d) o dispositivo que sofrer modificação de redação deverá ser identificado, ao seu final, com as letras NR maiúsculas, entre parênteses.

À primeira vista, os vazios derivados de vetos e revogações dão a sensação de desorganização e má elaboração. A melhor alternativa para o fiel cumprimento de tais parâmetros com clareza está expressa no inciso I do Artigo 12, acima. Ao criar a Lei 12.015/09 o legislador não optou essa opção, tornando a sequência dos tipos penais sem uma lógica adequada para o entendimento por quem a aprecia.

3. Referências:

________. Lei n. 12.015, de 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 de agosto de 2009.

________. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1190. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de setembro de 2009.

________. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de setembro de 2009.

________. Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de setembro de 2009.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, Vol 4. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial, Vol 3. São Paulo: Saraiva, 2006.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, Vol. III. Rio de Janeiro: Impetus, 2009 (com revisão de 26/08/2009 e Adendo - Lei n. 12.015/2009 Dos Crimes Contra A Dignidade Sexual).

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 3, Parte Especial - arts. 184 a 288. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2008.


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Notas:

* Ana Karina França Merlo. Acadêmica de Direito da Faculdade 2 de Julho/BA. Assistente da Procuradoria Geral do Estado da Bahia - Judicial. Bacharel em Administração de Empresas com Ênfase em Marketing e Economia pela Faculdade de Tecnologia e Ciências - FTC. É associada ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim. Membro do United Nations Volunteers (UNV) - órgão subsidiário da Organização das Nações Unidas - ONU, desde 2007. Blog pessoal: www.karinamerlo.blogspot.com.





* Disponível também no Periódico Universitário É DIREITO.

domingo, 11 de outubro de 2009

Quando muitas palavras dizem pouco


Juiz manda advogado adequar petição inicial em SC

Para o juiz Jaime Luiz Vicari, a petição feita por um advogado de Santa Catarina foi um exagero, já que poderia ter sido feita em até cinco linhas. O juiz deu um prazo de dez dias para o advogado adequar a petição. De acordo com o juiz Jaime Luiz Vicari, o computador deve tornar a vida das pessoas mais fácil e não o contrário.

Veja o despacho do juiz:

Cuida-se de ação denominada "ordinária", deflagrada por pessoa natural contra estabelecimento financeiro, contendo múltiplos pedidos, alguns inclusive, aparentemente, de natureza cautelar. Observo que a petição inicial é composta por "162" laudas. Exatamente isso, CENTO E SESSENTA E DUAS LAUDAS! A ninguém é dado desconhecer os avanços e as facilidades que os modernos meios eletrônicos, em especial o computador, trouxeram às atividades humanas em geral e às atividades jurídicas no particular.

Estamos assistindo, contudo, à outra face da moeda que é o exagero, a demasia com que se apresentam determinadas situações. O avanço da tecnologia deve servir ao homem, tornar mais rápida a solução dos problemas da vida e não o contrário. Numa visão superficial, após ler as cento e sessenta e duas laudas que constituem a exordial, conclui-se que o autor é correntista de banco, tendo celebrado contrato(s) com esse estabelecimento, com a convicção de que esses pactos estariam com algumas cláusulas em desacordo com a legislação em vigor no país.

Em cinco linhas, então, pode-se colocar a suma. Admito que em cinco páginas ou quiçá, em até dez, pode-se e muito bem fazer uma petição que contenha os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil, notadamente, causa(s) de pedir e pedido(s). Mas cento e sessenta e duas laudas é uma demasia, afasta-se do razoável, foge da proporcionalidade, seja qual for o ângulo em que se examine a questão. Cento e sessenta e duas laudas é dissertação de mestrado, tese de doutorado, opúsculo sobre um determinado assunto legal. Mas, poder-se-á dizer: o magistrado não dispõe de instrumentos ou atribuições para repor as coisas no seu devido caminho pois a parte deve sempre ter livre acesso à Justiça. Data venia, penso de forma diferente.

O artigo 125 do Código de Processo Civil qualifica o juiz como "diretor do processo", vale dizer, como o capitão do navio ou do avião. Em tais condições não só ele tem a faculdade como também, a meu juízo, o dever de adotar as medidas que se fizerem necessárias para "velar pela rápida solução do litígio", inciso II, e "reprimir atos contrários à dignidade da justiça", inciso III, dentre outros. O artigo 284 do mesmo Estatuto determina: "verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos do artigo 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito, determinará que o autor a emende ou a complete no prazo de dez dias".

O legislador de 1973 não imaginava de que é capaz a tecnologia, em especial quando aplicada de maneira abusiva. Não se pode, igualmente, ignorar, que a defesa do réu, diante de uma petição com CENTO E SESSENTA E DUAS laudas, fica em muito afetada. Nessa linha de raciocínio cabe lembrar que a Lei 8952 de 13 de dezembro de 1994 alterou o § único do artigo 46 do Código, que disciplina o chamado litisconsórcio multitudinário, dispondo que o juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa.

Sobre esse tema, sustenta Nelson Nery Jr: "A aferição da dificuldade da defesa ou do comprometimento da rápida solução do litígio deve ser feita pelo juiz casuisticamente. É vedado ao magistrado fixar, objetiva e abstratamente, por meio de ato judicial (portaria, provimento, etc) qual o número de litigantes que deve ter a causa". (Eu diria, qual o número de páginas de uma inicial). "Quanto ao primeiro motivo ensejador da limitação - 'comprometimento da rápida solução do litígio' - pode o juiz ex officio determinar a limitação consorcial, dado que é o juiz, enquanto diretor do processo (art. 125) quem tem a primeira noção sobre as dificuldades que o litisconsórcio multitudinário acarretará para a rapidez da entrega da prestação jurisdicional.

Deve fazê-lo na primeira oportunidade que se lhe apresentar, evitando assim o tumulto processual que esse litisconsórcio poderia acarretar". "Por defesa entende-se a possibilidade de a parte ou o interessado, por todos os meios, poder deduzir suas manifestações em juízo, em face do pedido do autor. Se o réu quiser, por exemplo, reconvir, e tiver dificuldades em virtude do litisconsórcio multitudinário, poderá pedir a limitação deste ao juiz, a fim de que possa viabilizar sua pretensão reconvencional". Postas essas considerações que atingiram três laudas porque o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal manda que as decisões do juiz devam ser fundamentadas, abro o prazo de dez dias para que o autor adeque a inicial aos parâmetros razoáveis, não olvidados os requisitos de lei.

Intime-se.

São José (SC), 20 de fevereiro de 2001.
Jaime Luiz Vicari
Juiz de Direito"

Fonte: Bahia Notícias

sábado, 10 de outubro de 2009

Conheça a nova Lei Orgânica da Defensoria Pública


Sancionada pelo presidente Lula durante cerimônia, na quarta-feira (7/10), a nova Lei Orgânica da Defensoria Pública nasceu com a função de organizar, ampliar e modernizar o papel da órgão. A lei regulamenta a autonomia da Defensoria, permitindo que a órgão promova concursos e nomeie defensores. Entre as suas novas funções está a de incentivar a solução extrajudicial dos litígios por meio de mediação e conciliação.

Para reiterar o foco na população carente, a lei determina que a atuação do órgão será descentralizada, priorizando as regiões "com maiores índices de exclusão e adensamento populacional". A defesa dos direitos fundamentais deverá se dar de forma especial em relação a crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiências e mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar.

Entre outras inovações apresentadas pela nova lei, estão a previsão de edição de normas, pelo Conselho Superior, que regulamentem a eleição do defensor público-geral federal; a participação de defensores públicos federais no Conselho Penitenciário, com direito a voz e voto; e o estabelecimento de prerrogativas, como o livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento.

Veja a íntegra da lei:
LEI COMPLEMENTAR Nº 132, DE 7 DE OUTUBRO DE 2009
Fonte: Conjur

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Pacificação das favelas do Rio vira prioridade


da Redação - Revista Época

O programa de pacificação das favelas do Rio de Janeiro virou prioridade para a área de segurança pública do Estado, que determinou como meta incluir mais 47 comunidades no projeto Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). O governo está de olho na Copa do Mundo e nas Olimpíadas. Hoje, quatro favelas (Dona Marta, Cidade de Deus, Batam e Babilônia) fazem parte do programa. A intenção é chegar em 2016 com cem delas atendidas – 10% do total. Não se sabe ainda quais serão as próximas, mas o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, dá a entender que o objetivo é agir em áreas turísticas e próximas às vias expressas. Há ainda, conta a manchete de O Globo, uma estratégia combinada com o aumento do efetivo da Polícia Militar, que deve contar com 62 mil homens até 2016. Atualmente são 38 mil.

Karina Merlo comenta:

Notícias como esta divulgada hoje pelo Jornal O Globo seriam recebidas com imensa satisfação pelo sofrido povo brasileiro. Creio que, em parte, até assim o seja. Entretanto, confesso que integro uma parcela da população que anda bem descrente das boas ações governamentais.

Os projetos de contenção da violência, que é cada vez mais crescente na capital do Rio de Janeiro, nascem com o pretexto de atender aos interesses estrangeiros e não para socorrer uma necessidade social local. A minha aversão pelas soluções paliativas e superficiais advindas da máquina pública decorre de que estas visam apenas forjar uma realidade melhor para o cidadão: são temporárias e efêmeras.

O gasto público em investimentos para melhorar a imagem do nosso famigerado caos social deveria ser aplicado em projetos que possibilitassem uma vida mais digna para seus cidadãos. A segurança é um fator relevante, porém não é aumentando o número do efetivo policial que se garantirá a geração de empregos, o acesso à educação ou promoverá a cidadania para um povo marginalizado (entenda-se o termo como à margem da sociedade, os excluidos, banidos à sua própria sorte).

As medidas propostas pelo governo terminam por serem uma forma de dar satisfações às exigências internacionais e, assim, calarem os rumores de que será arriscado ir ao Rio de Janeiro para ver os jogos olímpicos. Tal hipocrisia dos nossos governantes decepciona. O cenário do que poderia ser uma evolução social se traduzirá em obras super-faturadas e desvio de verbas. E no meio dessa guerra entre o "crime organizado governamental" e o "crime organizado das facções" sempre estará o cidadão de bem à espera de milagres.

Veja a manchete na íntegra:

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Arma de fogo desmuniciada: perigo abstrato ou concreto? A polêmica continua


por Luiz Flávio Gomes

A ministra Ellen Gracie, do STF (Supremo Tribunal Federal) voltou a se manifestar a respeito do polêmico tema que envolve a arma de fogo desmuniciada. É crime ou não é crime? A 1ª Turma do STF (RHC 81.057-SP, rel. Min. Pertence), acertadamente, reconhecera a inexistência de crime, por faltar, na arma desmuniciada, potencialidade ofensiva (para os bens jurídicos protegidos pela lei: incolumidade pública assim como bens jurídicos pessoais: vida, integridade física, patrimônio etc.).

A ministra Ellen Gracie, desde seu voto dado neste RHC, vem se posicionando noutro sentido (crime de perigo abstrato, o bem jurídico é a tranquilidade pública etc.). Vejamos a sua argumentação:

“Habeas-corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime previsto no art. 14 da Lei 10.826/03 — Estatuto do Desarmamento —, no qual se pretende a nulidade da sentença condenatória, sob alegação de atipicidade da conduta, em razão de a arma portada estar desmuniciada. A Min. Ellen Gracie, relatora, denegou a ordem por entender que o tipo penal do art. 14 da mencionada lei contempla crime de mera conduta, sendo suficiente a ação de portar ilegalmente a arma de fogo, ainda que desmuniciada. Aduziu que a ofensividade deste artefato não está apenas na sua capacidade de disparar projéteis, mas também, no seu potencial de intimidação. Enfatizou que o crime é de perigo abstrato, não tendo a lei exigido a efetiva exposição de outrem a risco, irrelevante a avaliação subseqüente sobre perigo à coletividade.” HC 95073. Rel. Min. Ellen Gracie, 2/6/09.

Comentários: a ementa que acaba de ser transcrita é o retrato acabado do velho Direito penal, positivista legalista, causalista, subjetivista, antinormativista formal etc. Está na mesma linha de outra recente decisão do STF: HC 96.922-RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 17.3.2009.

Para nossa teoria constitucionalista do delito nada disso se sustenta, na atualidade. O crime é de mera conduta, mas essa classificação (do provecto Direito penal) é puramente naturalista. Depois de Roxin (1970), sobretudo, o Direito penal e, especialmente, a tipicidade, se desenvolve, necessariamente, em dois planos: formal e material. O crime (portar arma de fogo), no plano formal, é de mera conduta. No plano jurídico-material é um crime de perigo de lesão. Por força do princípio da ofensividade, sem a comprovação efetiva do perigo concreto não existe crime.

Para a ministra basta a ação para a configuração do crime, porque tratar-se-ia de perigo abstrato. Com a devida vênia, não existe mais crime fundado exclusivamente no desvalor da ação. Todo delito, necessariamente, exige também desvalor do resultado jurídico (que é a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico protegido). Para a ministra, a ofensividade reside no poder de intimidação da arma.

Ocorre que o bem jurídico protegido não é a tranquilidade social (tranqüilidade das pessoas), sim, a incolumidade pública (de forma direta) assim como bens jurídicos pessoais tais como a vida, integridade física etc. (de forma indireta). Claro que a arma de fogo, municiada ou desmuniciada, tem poder de intimidação. Precisamente por isso, quando usada numa subtração, o delito é o de roubo (não o de furto). A arma desmuniciada pode ser instrumento do delito de roubo (não há nenhuma dúvida). Mas a questão, problemática, é outra: e quando a posse da arma é o único fato cometido? Para nós (teoria constitucionalista do delito) só existe crime, nesta situação, se a arma tem capacidade de disparo e disponibilidade de uso (RHC 81.057-SP).

Com a devida vênia, a decisão ora comentada é muito preocupante. Espelha um grande retrocesso na jurisprudência do STF (firmada no HC 81.057), que coloca em risco o estatuto das liberdades típicas do Estado de Direito. Segue a linha do perigo abstrato, que ignora o Direito penal da ofensividade assim como a teoria do bem jurídico, a questão da proporcionalidade etc. Filia-se, ademais, à concepção do delito como mera violação —formal— da norma, sem nenhum questionamento sobre o verdadeiro bem jurídico protegido e a ofensa respectiva.

Estamos falando de um crime de posse ("posesion"), que significa uma extraordinária antecipação da tutela penal (Vorfeldkriminalisierung). Essa antecipação da proteção penal (que dispensa uma lesão ao bem jurídico) só é legítima (no Estado constitucional e democrático de Direito) quando se constata um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos (incolumidade pública ou bens pessoais). No caso da arma de fogo o perigo concreto exige: (a) idoneidade ofensiva da arma e (b) disponibilidade de uso (tal como reconhecido pelo STF, HC 81.057).

Arma desmuniciada é arma, mas não é de fogo (porque não conta com possibilidade de disparo) (STF, HC 81.057). Salientou-se (na decisão da Ministra) que a lei (atual art. 14 da Lei 10.829/2006) não faz nenhuma referência à necessidade de se aferir o potencial lesivo da arma. A lei, secamente enfocada, de fato, nada diz. Mas quem faz essa exigência é a Constituição, o princípio da proporcionalidade, a teoria da norma, o princípio da ofensividade etc.

Detrás do texto legal está a norma (é proibido portar arma de fogo). Toda norma primária tem dois aspectos: (a) o valorativo e (b) o imperativo. Quem porta ou possui qualquer tipo de arma de fogo viola o aspecto imperativo da norma (que manda exatamente o contrário). Esse é um lado da questão. O outro reside na violação do aspecto valorativo da norma, ou seja, na violação do bem jurídico protegido (que, para nós, indiretamente, são a vida, a integridade física etc.). Arma desmuniciada, quebrada etc. não provoca risco concreto para ninguém. Por isso que não serve para a configuração do delito (isolado, de porte de arma). Na atualidade, houve abandono total da teoria determinista pura em relação à norma. É um retrocesso a sua adoção, com a devida vênia.

A decisão, como se vê, incorreu em equívoco manifesto. Palmilhou o caminho do perigo abstrato, aceitou o pacote (o embrulho) do legislador e foi totalmente acrítica. Juiz que assim procede cumpre o papel de correia de transmissão (do jeito que vem, vai). É com preocupação e decepção que vemos uma decisão como a que acaba de ser comentada (sobretudo quando vem da nossa mais alta Corte de Justiça). Quem já votou brilhantemente pela inconstitucionalidade de vários dispositivos do próprio Estatuto do Desarmamento (Adin 3112), valorizando a cultura das bases democráticas do nosso direito, não pode sofrer recaída tão profunda.

Fonte: Última Instância