quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Artigo no Jornal Jurid sobre a alteração dos crimes sexuais no CP


Dos Crimes Contra os Costumes à evolução dos Crimes Contra a Dignidade Sexual - As repercussões práticas da Lei 12.015/09 no Título VI do Código Penal

Ana Karina França Merlo ( * )


Resumo: O presente artigo visa antecipar alguns aspectos polêmicos da nova norma que serão detectados quando da sua efetiva aplicação a casos concretos, abordando com maior relevo os seguintes capítulos: Capítulo I - Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, Capítulo II - Dos Crimes Sexuais Contra Vulnerável, Capítulo IV - Disposições Gerais e, por fim, Capítulo V - Do Lenocínio e do Tráfico de Pessoa para fim de prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual.

Palavras-chave: Crimes sexuais, estupro, lenocínio, assédio, corrupção de menores

Crimes Against the Customs to the evolution of Crimes Against Sexual Dignity - The practical implications of the law 12.015/09 Title VI of the Criminal Code

Abstract: This paper aims to bring forward some controversial aspects of the new standard that will be detected when its effective application to specific cases, with more emphasis on addressing the following chapters: Chapter I - Crimes Against Sexual Liberty, Chapter II - Crimes Against Sexual Vulnerable, Chapter IV - General Provisions and, finally, Chapter V - pimping and trafficking in person to prostitution or other forms of sexual exploitation.

Key words: Sexual crimes, rape, pimping, harassment, corruption of minors


Sumário: 1. Introdução - 2. As repercussões práticas da lei 12.015/09 no Título VI do Código Penal - 3. Referências

1. Introdução

A Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 entrou em vigor três dias após ser sancionada, alterando a redação do Título VI do Código Penal dedicado aos Crimes Contra os Costumes - atualmente, desde então, Crimes Contra a Dignidade Sexual.

A mudança do título foi uma resposta às inúmeras reivindicações dos doutrinadores ao sustentarem que os crimes elencados no Título VI não atentavam contra a moralidade pública ou coletiva, mas sim contra a dignidade e a liberdade sexual das vítimas. A dignidade sexual encerra o conceito de intimidade e revela-se em harmonia com o princípio da dignidade da pessoa humana - fundamento basilar da Constituição de 1988 (Art. 1°, III).

As modificações realizadas com a redação da Lei 12.015/09 põem fim às várias controvérsias aludidas nas tipificações anteriores. Em contrapartida, como toda e qualquer mudança, terminam por originar outras polêmicas discussões. Vale dar destaque a algumas delas em breve análise.

2. As repercussões práticas da Lei 12.015/09 no Título VI do Código Penal

Uma das alterações mais importantes resultou na união de dois tipos penais que já existiam - o estupro e o atentado violento ao pudor - que foram fundidos em um único tipo penal, sob a rubrica "Estupro", traduzindo o crime no seu sentido amplo:

Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2º Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal é o estupro no sentido estrito do tipo, enquanto que constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso é o atentado violento ao pudor que, agora, passa a ser uma espécie de estupro.

O outro ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere ao ato, ou seja, a uma realização física completa. Por exemplo: realizar masturbação na vítima, tocar no seu órgão sexual, realizar coito oral ou anal etc. Condutas mais leves como apalpar-lhe o corpo, agarrar ou dar beijos lascivos devem ser enquadradas como contravenção penal (Art.61, Lei de Contravenções Penais).

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRAVENÇÃO DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR PROMOVIDA PELO JUÍZO MONOCRÁTICO RELATIVAMENTE AO PRIMEIRO FATO DELITUOSO. MANUTENÇÃO EM SEGUNDO GRAU. PLEITO DE CONDENAÇÃO POR ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 07/STJ. NÃO CONHECIMENTO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COMETIDO CONTRA A SEGUNDA VÍTIMA. FORMA SIMPLES. DELITO HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º DA LEI N.º 8.072/90 DECLARADA INCIDENTER TANTUM PELO PLENÁRIO DO STF. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. I. Hipótese em que o recorrido foi condenado por importunação ofensiva ao pudor contra a primeira vítima e por tentativa de atentado violento ao pudor contra a segunda vítima. II. Sendo a decisão que desclassificou o crime de atentado violento ao pudor para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor motivada pela análise das provas dos autos, a pretensão de sua revisão esbarra no óbice da Súmula n.º 07 desta Corte. III. Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos em sua forma simples ou com violência presumida, enquadram-se na definição legal de crimes hediondos, recebendo essa qualificação ainda quando deles não resulte lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima. Precedentes do STF e do STJ.
Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 17/08/2006. Data da Publicação/Fonte DJ 11/09/2006 p. 344.

1ª repercussão prática: antes, se o sujeito ativo, em um mesmo contexto fático, praticasse o estupro e o atentado violento ao pudor contra uma determinada vítima, estaríamos diante da prática de dois crimes distintos, em concurso material. Essa era a posição majoritária, inclusive do STF e do STJ.

HABEAS CORPUS. CRIMES DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E DE ESTUPRO, PRATICADOS DE FORMA INDEPENDENTE. CONFIGURAÇÃO DE CONCURSO MATERIAL DE CRIMES, E NÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA. Os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que praticados contra a mesma vítima, não caracterizam a hipótese de crime continuado, mas encerram concurso material de crimes. Precedentes. Caso em que o crime de atentado violento ao pudor não foi praticado como "prelúdio do coito" ou como meio necessário para a consumação do estupro, a evidenciar a absoluta independência das duas condutas incriminadas. Ordem denegada.
Relator(a): CARLOS BRITTO. Julgamento: 17/12/2006. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-097 DIVULG 29-05-2008 PUBLIC 30-05-2008 EMENT VOL-02321-01 PP-00135.

PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROGRESSÃO DE REGIME. REITERAÇÃO DE PEDIDO. WRIT PREJUDICADO. ALEGADA CONTINUIDADE DELITIVA. INOCORRÊNCIA. CONCURSO MATERIAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE EXAME COMPARATIVO DE DNA. INOCORRÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE REGRADA DO MAGISTRADO. PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. I - Considerando que a controvérsia acerca da possibilidade de progressão de regime, pelo paciente, já foi apreciada no HC 78.429/SP, perdeu o objeto, nesta parte, o presente writ. II - Se, além da conjunção carnal, é praticado outro ato de libidinagem que não se ajusta aos classificados de praeludia coiti, é de se reconhecer o concurso material entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor. A continuidade delitiva exige crimes da mesma espécie e homogeneidade de execução. Relator(a): Ministro FELIX FISCHER. Julgamento: 18/11/2008. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA. Publicação: DJe 02/02/2009.

Após a união dos dois comportamentos em um só tipo no Art. 213, as duas condutas foram convertidas em um só crime de ação múltipla ou conteúdo variado. Logo, se num mesmo contexto fático o sujeito ativo mantiver conjunção carnal violenta com a vítima, vindo em seguida a praticar com ela outro ato libidinoso, ele responderá por um só crime. Caberá ao juiz, obviamente, considerar a pluralidade de núcleos na fixação da pena base. Assim, quem somente pratica uma das condutas do tipo será merecedor de uma pena bem menor do que aquele que venha a praticar as duas, no mesmo contexto fático, com a sua vítima.

Ao tornar-se crime único, isso significa uma mudança benéfica na esfera penal devendo a lei, por sua vez, retroagir para alcançar os fatos pretéritos. Assim, todo aquele que foi condenado anteriormente em concurso material por ter praticado as duas condutas nucleares do tipo num mesmo contexto fático será beneficiado com a alteração. Caso o agente já esteja cumprindo pena, competirá ao juiz da execução corrigi-la aplicando a lei mais benéfica (Art. 66, I, da Lei de Execuções Penais, e Súmula n. 611 do STF -
"Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna").

2ª repercussão prática: sabem-se existir duas exceções permissivas para o abortamento no Brasil, constantes no Art. 128 do Código Penal. Um deles, no inciso II, é o abortamento sentimental para gravidez proveniente de estupro. A doutrina, em sua minoria, tentava a extensão do abortamento sentimental caso a gravidez fosse proveniente de atentado violento ao pudor. A alteração extinguiu esse impasse: o estupro, em sentido amplo (agora incluindo a espécie de atentado violento ao pudor no Art. 213) permite o abortamento sentimental, tenha sido a gravidez resultante de conjunção carnal ou de qualquer outro ato libidinoso diferente desta. Ainda há de ser salientado que a redação do Art.128 do Código Penal por muitos anos teve a sua aplicação considerando-se a condição da vítima de estupro - a mulher - que contraiu a gravidez em decorrência do crime que lhe foi acometido (lembrando: àquela época, a mulher não poderia ser o agente do crime). Entretanto, à luz da nova lei, a mulher que constrange o homem, obrigando-o contra a sua vontade a ter relações sexuais, empregando de meios violentos ou a grave ameaça, poderá engravidar praticando o estupro como o sujeito ativo do tipo. Conclusão: como o Art. 128 não faz menção expressa à vítima, se tal situação resultar em gravidez, o aborto será permitido tanto para mulher como sujeito passivo ou ativo no crime em questão, se precedido de consentimento da mesma.

No estupro, o elemento subjetivo geral é o dolo, constituído pela vontade consciente de constranger a vítima, contra a sua vontade, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. O Art. 234-A, II aduz: nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada de metade, se do crime resultar gravidez. Assim, a mulher que pratica o tipo do Art. 213 com o fim específico de gestação, e desse seu intento consiga obter êxito, a sua gravidez não será apenas um exaurimento do crime de estupro, mas sim, objeto de apreciação para incidir nessa causa de aumento.

3ª repercussão prática: na legislação anterior, o estupro era um crime de mão própria no que se referia ao sujeito ativo (homem), e crime próprio em relação ao sujeito passivo (mulher). Com a Lei 12.015/09, o estupro passa a ser um crime comum (tanto a mulher como o homem poderão ser sujeitos ativos ou passivos).

4ª repercussão prática: antes da Lei 12.015/09, os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor eram qualificados se da violência resultasse lesão corporal grave ou morte. Com a inclusão do § 1º, a qualificadora foi incrementada. O estupro em sentido amplo qualifica o crime se a vítima é menor 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos. O conteúdo dessa redação era uma circunstância que o juiz utilizava na fixação da pena base. Como é uma inovação que agrava a pena, essa qualificadora não retroagirá para alcançar fatos passados.

5ª repercussão prática: o revogado Art. 223 já previa a pena de reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos, se da violência resultasse lesão corporal de natureza grave. Essa violência referia-se à violência física, não abrangendo a grave ameaça. O § 1º do atual Art. 213 diz "se da conduta resulta lesão corporal grave", ou seja, a lesão grave qualifica o crime de estupro, não importando se foi advinda de violência física ou de grave ameaça. Quando se fala em conduta, abrangem-se as duas circunstâncias descritas no caput do Art. 213: violência ou grave ameaça.

ESTUPRO - CONFIGURAÇÃO - VIOLÊNCIA PRESUMIDA - IDADE DA VÍTIMA - NATUREZA. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça - artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea "a", do Código Penal.
STF- HC 73662 / MG - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 21/05/1996. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ DATA-20-09-1996 PP-34535 EMENT VOL-01842-0.

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. [...] 3. A presunção de violência prevista no art. 224, a, do Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal de proteção à liberdade sexual da menor de quatorze anos, em face de sua incapacidade volitiva, sendo irrelevante o consentimento da menor para a formação do tipo penal do estupro. HC 79.756/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 14.06.2007, DJ 06.08.2007 p. 594.

6ª repercussão prática: o parágrafo único do Art. 223 também foi revogado e previa que "se do fato resulta a morte: pena - reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos". Em contrapartida, o § 2º do novo Art. 213 aduz "se da conduta resulta morte: pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos". Aqui, outro conflito na doutrina foi solucionado. Uma minoria defendia que a morte no estupro qualificava o crime, não importando se existiu um fator de grande violência ou de grave ameaça ou, se ainda, a morte proviesse de qualquer outro fato superveniente relativamente independente como, por exemplo, um atropelamento: ao fugir do seu estuprador a vítima vem a ser atropelada e morre. Entendia-se que, apesar da vítima não ter morrido em razão da violência e nem da grave ameaça, ela teria morrido em razão do fato, devendo-se incidir a qualificadora. O STF vinha evitando tal excesso e, por fim, o legislador o corrigiu, definitivamente, ao restringir a qualificadora somente à conduta.

7ª repercussão prática: alguns aspectos chamam atenção também no atual Art. 215 que trata da Violação sexual mediante fraude:

Violação sexual mediante fraude

Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

A fraude, isto é, o ardil, o engano, o artifício, é um dos meios utilizados pelo agente para que tenha sucesso na prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso. É o chamado estelionato sexual.

O Art. 215 inovou ao incluir a conduta através de "outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima". Não há que se confundir o cerceamento dessa manifestação de vontade com o vício da vontade do Direito Civil (coação), pois uma vez que a vítima fique impossibilitada de oferecer resistência, nós estaremos diante do mais novo tipo "estupro de vulnerável". O desejo do legislador ao incluir "outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima" foi abranger o que a doutrina tinha dificuldade de enquadrar: o temor reverencial. Casos como a conjunção carnal praticada em detrimento do temor reverencial - que não seria uma grave ameaça, mas apenas uma ameaça - apesar de não retirar totalmente a capacidade de resistência da vítima, viciaria a livre manifestação da vontade da mesma. Certamente haverá doutrina defendendo que, neste caso, também poderá ser enquadra a vítima embriagada moderadamente, lembrando-se, por sua vez que, se totalmente embriagada, a vítima estará incapacitada para oferecer resistência, tratando-se assim de estupro de vulnerável.

8ª repercussão prática: No Art. 216-A, assédio sexual houve a inclusão do § 2º estabelecendo que "a pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos". Vale salientar que o sujeito ativo deve ter ciência da idade da vítima, com o objetivo de evitar a responsabilidade penal objetiva. A aplicação dessa majorante - que tem o seu limite de aumento em até um terço - ficará a critério do juiz, não se permitindo retroagir aos fatos pretéritos. Isso não impedirá que o juiz, considerando as circunstâncias à ocasião do crime, a aplique na fixação da pena.

9ª repercussão prática: o novo tipo do Art. 217-A foi acrescentado pela lei 12.015/09, e também merece destaque - o estupro de vulnerável.

Estupro de vulnerável

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º VETADO

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4º Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Em síntese, na elaboração do tipo em comento ocorreu a soma dos antigos Art. 213 e Art. 214 quando praticados nas circunstâncias do revogado Art. 224. Cabe a elucidação através de um exemplo: antes da Lei 12.015/09, o agente que praticasse estupro ou atentado violento ao pudor com uma vítima de 13 (treze) anos responderia pelos respectivos crimes na modalidade qualificada pelo Art. 224 (presunção de violência). Caso o agente empregasse violência real contra esse menor, responderia somente pelos antigos artigos 213 ou 214, sem a incidência da majorante. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência não chegavam a um consenso no debate sobre a violência real. Se a violência real não fosse empregada, então era presumida pelo Art. 224. Questionava-se também se a presunção seria absoluta ou relativa. Atualmente, o juízo que prevalece nos tribunais é que se trata de violência absoluta - não admitindo prova em contrário. A redação do Art. 217-A encerrou a questão: pouco importa se há violência ou não, e se essa presunção é absoluta ou relativa. Para a consumação do tipo é suficiente, apenas, que o agente mantenha conjunção carnal ou outro ato libidinoso com uma vítima menor de 14 (quatorze) anos, submetendo-se assim à pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

No crime de estupro simples o verbo constranger traduz a conduta do agente em obrigar a vítima a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. No estupro de vulnerável, o legislador foi omisso quanto ao cerceamento da vontade da vítima. Tal omissão do legislador no Art. 217-A restringiu a conduta a ter ou praticar o ato com o menor de 14 (catorze) anos. O comportamento do agente pode ser ativo ou passivo - ele praticando "no" menor ou, ainda, o menor praticando "nele".

10ª repercussão prática: a vítima no caput do Art. 217-A é menor de 14 (catorze) anos. O estupro simples do Art. 213 é qualificado se a vítima é maior de 14 (catorze) anos. O legislador foi omisso na tipificação do crime para a vítima que tem idade igual a 14 (catorze) anos. Vejamos: o adolescente tem menos de 14 (catorze) anos até a véspera do seu aniversário; tem mais de 14 (catorze) anos a partir do primeiro dia seguinte à data do seu aniversário e, por fim, tem 14 (catorze) anos exatamente no dia do seu aniversário (nem mais e nem menos). Diante da inobservância desses detalhes, nos deparamos com as seguintes situações quanto à vítima menor de 18 (dezoito) anos:

a) Se maior de 14 (catorze) anos e houve violência ou grave ameaça, trata-se de estupro qualificado.

b) Se maior de 14 (catorze) anos e não houve violência ou grave ameaça, o fato será atípico.

c) Se menor de 14 (catorze) anos, com e sem violência ou grave ameaça, trata-se de estupro de vulnerável.

d) Se exatamente com 14 (catorze) anos (no dia do aniversário), e houve violência ou grave ameaça, será um estupro simples.

e) Se exatamente com 14 (catorze) anos (no dia do aniversário), e não houve violência ou grave ameaça, o fato será atípico.

É oportuno destacar o preterdolo (dolo no antecedente e culpa no consequente) nas formas qualificadas pelo resultado previstas nos §§ 3º e 4º do Art. 217-A.

Antes da Lei 12.015/09, a doutrina e a jurisprudência tentavam chegar a um consenso sobre a possibilidade de aplicar as qualificadoras do antigo Art. 223: se da violência resultasse lesão corporal de natureza grave (pena - reclusão, de 8 a 12 anos) ou morte, no parágrafo único (pena - reclusão, de 12 a 25 anos), tanto no estupro quanto no atentado ao pudor - ambos com violência presumida pelo Art. 224. Nesse impasse, havia jurisprudência do STJ e do STF, que também defendia a aplicação do disposto no art. 9º da Lei 8.072/90, a qual diz que
"a pena será acrescida de metade, respeitando o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 do Código Penal".

Àquela época, tanto o estupro quanto o atentado violento ao pudor - ambos com violência presumida - tinham suas penas de reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Desse modo, aplicando-se o disposto no artigo 9º da Lei de Crimes Hediondos, elas tornar-se-iam de 9 (nove) a 15 (quinze) anos. Para o magistrado que adotava essa corrente, estará ele agora limitado em aplicar apenas a pena do Art. 217-A, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos, pois a revogação do Art. 224 do Código Penal fez com que o parágrafo 9º da Lei 8.072/90 perdesse completamente o seu sentido. Nesse caso, para aqueles que foram apenados com base no aumento da Lei de Crimes Hediondos, a Lei 12.015/09 é melhor e deverá retroagir em benefício do preso, não mais cabendo a hipótese de aumento da lei 8.072/90 para os fatos pretéritos por esta tratar-se de lei maléfica ao réu.

ESTUPRO. RETROATIVIDADE. LEI. Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no art. 9º da Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29/9/2009.

PENAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA REAL. VÍTIMA MENOR DE CATORZE ANOS. INCIDÊNCIA DA MAJORANTE PREVISTA NO ART. 9º DA LEI 8.072/90. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA. IRRELEVÂNCIA. MAJORANTE DESCRITA NO ART. 226, III, DO CÓDIGO PENAL. REVOGAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Reconhecer a majoração constante do art. 9º da Lei 8.072/90 nos casos de simples presunção de violência constituiria repudiável bis in idem, sendo que essa circunstância já integra o tipo penal nas hipóteses em que não há violência real. 2. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real, seja moral ou física, que por si só enseja a condenação pelos crimes sexuais em tela, aliada à circunstância de ser a vítima menor de catorze anos, tem-se aplicável a causa de aumento de pena retro-referida, independentemente de restarem configuradas as qualificadoras constantes do art. 223 do Código Penal. 3. Não se pode confundir os conceitos de violência real como forma autônoma para a implementação do tipo penal, independentemente da presunção de violência, com a forma qualificada prevista no art. 223 do Código Penal. 4. Nos termos expostos, não há falar em bis in idem (que somente ocorreria nas hipóteses de violência ficta, presumida, onde não há recusa expressa da vítima), mas no efetivo respeito ao princípio da proporcionalidade, pelo qual condutas diversas merecem reprimendas diversas, na medida da sua reprovabilidade ou hediondez, pois é indiscutível que o estupro praticado mediante violência real contra uma criança é mais reprovável do que aquele cometido contra uma pessoa adulta. STJ, REsp 235.746/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 10/05/2007, DJ 28/05/2007 p. 382.

Caso o crime do Art. 217-A tiver sido praticado com emprego de violência física, ou até mesmo da grave ameaça (elementares que não integram o estupro de vulnerável como ocorre com o crime de estupro do Art. 213), será possível identificar o concurso material dos crimes de estupro de vulnerável com o delito de lesão corporal (leve, grave ou gravíssima), assim também como a ameaça do Art. 147.

11ª repercussão prática: o crime de corrupção de menores também foi modificado pela lei 12.015/09, trazendo consigo aspectos intrigantes na sua redação:

Corrupção de menores

Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

A novidade é o lenocínio especial, que antes se limitava ao Art. 227: "induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem. Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos". Com a mudança excluiu-se essa especialidade caso a vítima seja menor de 14 (catorze) anos. O lenocínio é o crime de explorar, estimular ou facilitar a prostituição ou a devassidão de alguém. Por conseguinte, estamos abordando um tipo que inclui os seguintes personagens: o lenão, que é o mediador entre a pessoa que vai ser satisfeita com a vítima induzida; a vítima, que é menor de 14 (catorze) anos; e por fim, o consumidor: aquele que é destinatário do induzimento à satisfação da lascívia. A falha técnica do tipo em comento é que o Art. 218 só pune o lenão - que é o mediador.

Se a lascívia de outrem consistir em conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos, estaremos diante de um estupro de vulnerável. Por consequência, não se há que se falar em lenão para esse caso, tratando-se, assim, de concurso de agentes para estupro de vulnerável: o destinatário estuprou e o mediador da lascívia concordou de qualquer modo. Porém, haverá corrente que defenderá uma provável exceção pluralista da teoria monista, na qual duas pessoas concorrem para o mesmo crime, mas respondem por tipos diversos: o mediador responderia pela corrupção de menores do Art. 218 (com pena bem menor e direito a sursis) e o destinatário da lascívia responderia pelo Art. 217-A (crime hediondo e pena bem maior). Desse modo, essa corrente conseguiria retirar do mediador a hediondez de um crime viabilizado por ele.

Deduz-se, ainda, que o grau do comportamento na satisfação da lascívia será determinante na aplicação do tipo do Art. 218. Tendo o destinatário apenas um comportamento contemplativo - por exemplo, aquele que induz a vítima a fazer um streap-tease para outrem - será punido o lenão pelo crime de corrupção de menores, enquanto que o destinatário (outrem) que satisfaz a sua lascívia com os olhos atentos ao ato do menor não sofrerá nenhuma punição.

12ª repercussão prática: a criação do Art. 218-A também inovou ao tipificar algumas condutas estabelecendo núcleos alternativos. Agora é crime quando o sujeito pratica a conjunção carnal ou outro ato libidinoso na presença do menor de 14 (catorze) anos, ou induz este menor a presenciar, sendo que este menor não participa do ato (senão, estaríamos diante de estupro de vulnerável).

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos."

No crime em comento, temos os seguintes comportamentos a serem analisados para a sua consumação:

Caso I - o agente aproveita-se de um menor que está olhando. Ele mantém a conjunção carnal ou o ato libidinoso percebendo a presença do menor que está por perto. Ele aceita ser observado e é isso que satisfaz a sua lascívia; porém, se o menor já está vendo, o crime só se consuma quando o agente pratica o ato de libidinagem.

Caso II - o agente não só percebe a presença do menor como, ainda assim, o induz a presenciar o ato de libidinagem. A consumação ocorre no induzimento do menor para ver o ato, vindo esse a ocorrer ou não. Porém, se o ato libidinoso ocorre, será considerado um mero exaurimento do tipo.

13ª repercussão prática: o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável do Art. 218-B estabelece "submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos." Tem correspondência ao tipo penal previsto na Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente: "Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: Pena - reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa".

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

§ 2º Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.

§ 3º Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.

Em contrapartida, o legislador negligenciou um possível conflito entre o Art. 218-B e as qualificadoras do Art. 228, § 1º que se encontram inseridas no Capítulo V dedicado ao lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual. Por exemplo, se o agente tem alguma ligação mais estreita com a vítima, ou seja, se ele é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância para com essa vítima menor e a submete à prostituição, ele poderá responder pelo crime do Art. 228, § 1º - Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual - submetendo-se a penalidade bem menor: reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. Tal incoerência afronta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

14ª repercussão prática: a lei 12.015/09 determina que a ação penal pública condicionada à representação será a regra geral para os crimes contra a dignidade sexual. A ação pública incondicionada será exceção, sendo aplicada somente para os casos em que a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.

Por conseguinte, fica abolida a ação penal de iniciativa privada nos crimes sexuais, salvo a ação penal privada subsidiária da pública, por se tratar de uma garantia constitucional do indivíduo (Constituição Federal, Art. 5º, LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal).

O conflito aqui percebido é quanto à ação que realmente deverá ser considerada para crimes praticados com violência real, pois o conteúdo da Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal determina que "no crime de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada". Esta referida condição se amolda, perfeitamente, aos casos de estupro qualificado pelo resultado, previstos dos parágrafos do Art. 213, nos quais a nova lei exige a representação.

Quanto aos estupros praticados antes da lei 12.015/09 que se encaixavam na regra da ação privada, porém ainda não havendo processo em andamento, certamente haverá doutrina que dirá que esses estupros pretéritos deverão ter o seu processo iniciado através da queixa, pois a ação penal privada estará atrelada às causas extintivas da punibilidade, as quais a ação penal pública não tem: renúncia do ofendido, perdão do ofendido, perempção. Por outro lado, haverá doutrina defendendo que será através da denúncia, baseando-se no princípio da lei vigente ao ato do processo - tempus regit actum - o tempo rege o ato. Essa última retroagiria de forma maléfica ao réu, não sendo, portanto, possível a sua aplicação.

15ª repercussão prática: os tipos previstos no Capítulo V - Do lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou para outra forma de prostituição, também sofreram alterações. Relevante tecer algumas considerações ao Art. 229 - casa de prostituição.

Casa de prostituição

Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

A prostituição consiste na realização de ato sexual mediante paga, em caráter habitual; enquanto que a exploração sexual equivale a tirar proveito de ato sexual de outrem. Havia polêmica sobre esse tipo, visto que alguns defendiam a sua revogação pela ocorrência de evolução nos costumes da sociedade. Entretanto, a mudança do texto foi de grande êxito ao salientar a ocorrência de exploração sexual. O texto anterior tipificava como crime a conduta de "manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinosos", o que dava ensejo a incluir os motéis no rol de lugares considerados casa de prostituição. A redação atual não mais dá margem para esse tipo de interpretação, porém não define exatamente o que seja essa exploração sexual. A doutrina a classifica como gênero que abrange as espécies: prostituição, turismo sexual, tráfico de pessoas e pornografia. Assim, qualquer estabelecimento mantido com essas finalidades em atos contínuos estará adequado ao tipo em comento.

Vale salientar que o Brasil adota o sistema abolicionista - que não criminaliza a prostituição - não intervindo o Estado nesta seara e nem buscando impedi-la, mas pune a prática do proxenitismo, própria dos lenões e rufiões, em geral.

16ª repercussão prática: quando o legislador cria uma lei ele deve obediência às regras de técnica legislativa sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis que estão estabelecidas na Lei Complementar 95 de 1998. A Sessão III dessa norma estabelece:

Artigo 12 - A alteração da lei será feita:


I - mediante reprodução integral em novo texto, quando se tratar de alteração considerável;
(grifei)

II - na hipótese de revogação;

III - nos demais casos, por meio de substituição, no próprio texto, do dispositivo alterado, ou acréscimo de dispositivo novo, observadas as seguintes regras:

a) não poderá ser modificada a numeração dos dispositivos alterados;

b) no acréscimo de dispositivos novos entre preceitos legais em vigor, é vedada, mesmo quando recomendável, qualquer renumeração, devendo ser utilizado o mesmo número do dispositivo imediatamente anterior, seguido de letras maiúsculas, em ordem alfabética, tantas quantas forem suficientes para identificar os acréscimos;

c) é vedado o aproveitamento do número de dispositivo revogado, devendo a lei alterada manter essa indicação, seguida da expressão "revogado";

d) o dispositivo que sofrer modificação de redação deverá ser identificado, ao seu final, com as letras NR maiúsculas, entre parênteses.

À primeira vista, os vazios derivados de vetos e revogações dão a sensação de desorganização e má elaboração. A melhor alternativa para o fiel cumprimento de tais parâmetros com clareza está expressa no inciso I do Artigo 12, acima. Ao criar a Lei 12.015/09 o legislador não optou essa opção, tornando a sequência dos tipos penais sem uma lógica adequada para o entendimento por quem a aprecia.

3. Referências:

________. Lei n. 12.015, de 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 de agosto de 2009.

________. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1190. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de setembro de 2009.

________. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de setembro de 2009.

________. Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de setembro de 2009.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, Vol 4. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial, Vol 3. São Paulo: Saraiva, 2006.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, Vol. III. Rio de Janeiro: Impetus, 2009 (com revisão de 26/08/2009 e Adendo - Lei n. 12.015/2009 Dos Crimes Contra A Dignidade Sexual).

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 3, Parte Especial - arts. 184 a 288. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2008.


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Notas:

* Ana Karina França Merlo. Acadêmica de Direito da Faculdade 2 de Julho/BA. Assistente da Procuradoria Geral do Estado da Bahia - Judicial. Bacharel em Administração de Empresas com Ênfase em Marketing e Economia pela Faculdade de Tecnologia e Ciências - FTC. É associada ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim. Membro do United Nations Volunteers (UNV) - órgão subsidiário da Organização das Nações Unidas - ONU, desde 2007. Blog pessoal: www.karinamerlo.blogspot.com.





* Disponível também no Periódico Universitário É DIREITO.

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