domingo, 18 de outubro de 2009

STJ inverte ônus da prova para empresa acusada de lesar meio ambiente


A proteção ao meio ambiente se tornou nos últimos anos uma das questões cruciais para a humanidade nesse início de século XXI, especialmente a partir da ECO 92, conferência das Nações Unidas sobre o clima, que lançou as bases para o chamado Protocolo de Kyoto.

Passados 17 anos do megaencontro ocorrido no Rio de Janeiro, o reconhecimento sobre a relevância do tema se consolida também no Judiciário brasileiro. Em uma inovação de sua jurisprudência, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) têm admitido a inversão do ônus da prova em casos de empresas acusadas de dano ambiental, ou seja, cabe ao próprio acusado provar que sua atividade comercial não traz riscos à natureza.

O entendimento se baseia na ideia de que, quando o conhecimento científico não é suficiente para demonstrar a relação de causa e efeito (nexo de causalidade) entre a ação da empresa e uma determinada degradação ecológica, o benefício da dúvida deve prevalecer em favor do meio ambiente. É o chamado princípio da precaução.

No julgamento de um processo contra uma fabricante de produtos de borracha, a ministra Eliana Calmon defendeu que a proteção do meio ambiente seja equiparada às relações de consumo, onde impera o princípio da responsabilidade objetiva. “No caso das ações civis ambientais, entendo que o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado nos leva à conclusão de que alguns dos direitos do consumidor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, afinal tais buscam resguardar ou reparar o patrimônio público de uso coletivo”, disse a ministra.

Ela atendeu a um recurso do MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) contra decisão da segunda instância que entendeu ser da Promotoria a responsabilidade de comprovar a ocorrência do dano ambiental provocado pela fábrica. “A inversão do ônus da prova decorre diretamente da transferência do risco para o potencial poluidor, remetendo ao empreendedor todo o encargo de prova que sua atividade não enseja riscos para o meio ambiente, bem como a responsabilidade de indenizar os danos causados, bastando que haja um nexo de causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação”, alegou o MP.

Custos
Vale ressaltar que a obrigação de provar da empresa não pode ser confundida com o dever do MP de arcar com os honorários periciais nas provas que o próprio órgão solicita para fazer valer a denúncia de dano ambiental. Para o ministro Teori Albino Zavascki, integrante da 1ª Turma, são duas questões distintas e juridicamente independentes. “A questão do ônus da prova diz respeito ao julgamento da causa quando os fatos não restaram provados. Todavia, independentemente de quem tenha a obrigação de provar esta ou aquela situação, a lei processual determina que, salvo as disposições concernentes à Justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo. Portanto, conforme estabelece o Código de Processo Penal, o réu somente está obrigado a adiantar as despesas concernentes a atos que ele próprio requerer. Quanto aos demais, mesmo que tenha ou venha a ter o ônus probatório respectivo, o encargo será do autor”.
Um caso analisado na 2ª Turma envolvia o pedido do MP para a realização de uma auditoria ambiental proposto pelo Relatório de Impacto Ambiental com o objetivo de apurar os efeitos da poluição produzida pela Usina Termoelétrica Jorge Lacerda, na cidade de Capivari de Baixo/SC sobre os habitantes do município, bem como para a implantação de medidas de minimização dos danos imposta pelos órgãos de proteção ambiental.
O consórcio que gere a usina, a Tractebel Energia S/A, recorreu STJ porque o MP pretendia que a empresa custeasse as despesas com a prova pericial (honorários periciais). Entretanto, após longo debate e pedidos de vista, os ministros, por maioria, acompanharam o voto da ministra Eliana Calmon, que assim esclareceu: “O meu entendimento é de que toda e qualquer empresa precisa, para funcionar, submeter-se às exigências administrativas, dentre as quais o atendimento às regras de proteção ambiental. Ora, a legislação determina que a empresa seja responsável por esses estudos e pela atualização, devendo ser chamada para assim proceder sob as penas da lei e, por último, se descumprida a ordem, pedir-se a intervenção judicial, esta a última trincheira a ser perseguida em favor da ordem social”.
Todavia, explicou a ministra, não ficou demonstrado que a empresa estaria se negando a cumprir a lei e, mesmo que tivesse, ela não poderia ser obrigada a fazer uma auditoria que só a sentença final, se ficasse vencida, determinasse. “Prova é prova, pretensão é pretensão, mas aqui temos uma ação civil pública com causa de pedir bem definida, a se exigir, no curso da demanda, a pretensão final como prova (a realização do estudo de impacto ambiental), atropelando-se o fim do processo. Em relação ao adiantamento das despesas com a prova pericial, a isenção inicial do MP não é aceita pela jurisprudência das Primeira e Segunda Turmas, diante da dificuldade gerada pela adoção da tese. Imponho ao MP a obrigação de antecipar honorários de perito, quando figure como autor na ação civil pública”, concluiu.
Melhor prevenir que remediar
A 1ª Turma, sob a relatoria do ministro Francisco Falcão, julgou o recurso da All-America Latina Logística do Brasil S/A contra decisão do Tj-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinando a inversão do ônus da prova em uma ação civil pública que discutia serem as queimadas decorrentes das fagulhas geradas pelo deslocamento das composições ferroviárias da empresa responsável pelo transporte da produção agrícola daquele estado.
Em seu voto, o ministro transcreveu trechos da argumentação do representante do Ministério Público Federal que balizaram o julgamento da controvérsia: “O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, protegido pela própria Constituição, que o considera ‘bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida’. É o que os autores chamam de direito de terceira geração, que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano. A responsabilidade para os causadores de dano ambiental é, portanto, objetiva, obrigando o poluidor, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade”.
Para Francisco Falcão, o princípio da precaução sugere que o ônus da prova seja sempre invertido de modo que o produtor, empreendimento ou responsável técnico tenha que demonstrar a ausência de perigo ou dano decorrente da atividade em que atuam. Afinal, “é melhor errar em favor da proteção ambiental, do que correr sérios riscos ambientais por falta de precaução dos agentes do Estado”.
Como se pode observar, a tendência do STJ é estabelecer a inversão do ônus da prova nas ações civis públicas propostas pelo MP para resguardar o meio ambiente das constantes agressões por parte das indústrias poluidoras e também dos municípios que não tratam dos seus aterros sanitários e dos dejetos de esgotos que poluem mananciais, lençóis freáticos e demais fontes de água potável e solo para o cultivo. A proposta é que as causas envolvendo direito ambiental recebam tratamento realmente diferenciado, porque, como explica o ministro Herman Benjamin, a proteção do meio ambiente “é informada por uma série de princípios que a diferenciam na vala comum dos conflitos humanos”.
De acordo com o ministro, o princípio da precaução inaugura uma nova fase para o próprio Direito Ambiental. “Nela já não cabe aos titulares de direitos ambientais provar efeitos negativos (ofensividade) de empreendimentos levados à apreciação do Poder Público ou do Poder Judiciário, como é o caso dos instrumentos filiados ao regime de simples prevenção (exemplo: estudo de impacto ambiental). Impõe-se, agora, aos degradadores potenciais, o ônus de corroborar a inofensividade de sua atividade proposta, principalmente naqueles casos nos quais eventual dano possa ser irreversível, de difícil reversibilidade ou de larga escala”.
Herman Benjamin acredita que o emprego da precaução está mudando radicalmente o modo como as atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente estão sendo tratadas nos últimos anos. “Firmando-se a tese —inclusive no plano constitucional — de que há um dever genérico e abstrato de não degradação ambiental, invertendo-se, nestas atividades, o regime da ilegalidade, uma vez que,
nas novas bases jurídicas, esta se encontra presumida até que se prove o contrário”.
Fonte: Última Instância

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