por Luiz Flávio Gomes
A medida conhecida como "castração química" já é utilizada em seis estados norte-americanos (Califórnia, Flórida, Texas, Louisiana e Montana). A Califórnia foi o primeiro estado a prevê-la como "pena" para os crimes sexuais. A Espanha também já aprovou tal providência, mas não como pena, sim, como parte de um tratamento preventivo da delinquencia sexual. A polêmica acaba de aterissar no Brasil. É grande a controvérsia. Temos problemas e questões jurídicas e éticas.
A massa da população punitivista irada ("bandido bom é bandido morto", "estuprador bom é estuprador castrado") certamente já está entrando em transe histérico e, sem sombra de dúvida, devotando integral apoio a todo tipo de castração, incluindo (por que não?) a física (tal como se fazia, por exemplo, na Idade Média). De preferência a execução deve acontecer em praça pública, com transmissão direta pelas TVs. O carrasco se aproxima do criminoso com facão afiado na mão (talvez até algum livro religioso na outra), desferindo-lhe golpe certeiro que decepa o seu pênis e os escrotos, já devidamente colocados sobre uma mesa; sangue é jorrado para todos os lados, batendo inclusive nas lentes das filmadoras que estão captando todo o grotesco espetáculo, o réu está urrando como um leão; o evento ocupa as principais manchetes dos jornais (do mundo todo), o povo está gritando animalescamente e seu contentamento é praticamente insuperável. Frenesi geral e quase que incontrolável. Essa não é propriamente uma "moderna" forma de prevenção da delinquência sexual (dirão seus seguidores), mas é eficaz. Vem da Idade Média (aliás, em tempos outros anteriores já se praticava a castração como castigo).
O grupo minoritário dos progressistas penais vai gritar contra qualquer tipo de castração, defendendo a impossibilidade de qualquer tipo de pena corporal, a violência que o método representa, a ofensa à dignidade da pessoa etc.
Tramitam hoje, no Congresso Nacional, dois projetos de lei que introduziriam a castração química no ordenamento jurídico brasileiro. São eles: PL 7.021/01 (Dep. Wigberto Tartuce) e PL 552/07 (Sen. Gerson Camata).
De acordo com o primeiro, claramente troglodita e jurássico, a castração química seria prevista como pena obrigatória aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Tal sugestão autoritária foi corrigida no PL 552/07, que a prevê como tratamento voluntário, alterando a sua denominação para supressão hormonal (sempre é preciso dourar a pílula!).
O debate prudente e equilibrado sobre o assunto não pode deixar de considerar o seguinte:
Primeiro: a castração jamais pode ser admitida como "pena" (como castigo, como sanção estatal). Está proibida no Brasil qualquer tipo de pena corporal. É ofensivo à dignidade do preso ou custodiado (ou condenado) ser obrigado a se submeter a qualquer tipo de pena que envolva intromissão no corpo humano. De qualquer modo, se a moda pegar, dentro de pouco vão sugerir também a pena de decepar as mãos do corrupto ou do ladrão. Os parlamentares brasileiros, em sua grande maioria, correm o sério risco de perder as mãos!
Segundo: ninguém pode servir de cobaia, para qualquer tipo procedimento médico. Vale lembrar que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (do qual o Brasil é signatário desde 1992), proíbe, expressamente em seu art. 7º, qualquer tipo de experiência médica não devidamente testada, sobretudo com pessoa custodiada pelo Estado. É preciso, antes de tudo, que a castração química conte com estudos científicos incontestáveis.
Terceiro: outra importante indagação se impõe: qual seria o mecanismo de castração química adotado pelo Brasil? As normas norte-americanas prevêem, de forma expressa, o acetato de medroxiprogesterona, mas, não encontramos resposta nos projetos em tramitação no Brasil. Caberia, então, ao magistrado determinar o método? Dependeria ele de laudo médico?
Juridicamente não se pode impor a castração química contra ninguém. Seria uma medida da Idade Média, ofensiva à dignidade da pessoa humana, prevista como fundamento do modelo constitucional de Direito (CF, art. 1º, III). Como parte de um tratamento voluntário, depois de liberado o sujeito, pode até ser admissível. Mas para isso necessitamos de um amplo e complexo programa de prevenção, que ainda inexiste no Brasil.
Fonte: Jornal Carta Forense
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