quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A reforma do processo civil


Estadão - Domingo, 03 de Janeiro de 2010

Criada pelo Senado e coordenada pelo ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a comissão de juristas encarregada de elaborar o novo Código de Processo Civil (CPC) concluiu em dezembro a primeira parte de seu trabalho, definindo as diretrizes para simplificar e agilizar a tramitação das ações judiciais. O anteprojeto será redigido em janeiro e, entre fevereiro e março, o texto será submetido a consulta pública. Se o cronograma for mantido, a comissão poderá concluir seu trabalho no final do primeiro semestre de 2010.

Editada em 1973 pelo regime militar, a legislação processual em vigor não acompanhou o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e se encontra em descompasso com a realidade social e econômica do País. Ao valorizar o chamado "garantismo jurídico", ela acabou pecando pelo excesso de formalismo e pelo alto número de recursos que permitem às partes juntar aos autos todo tipo de documento. Isso provoca a lentidão dos processos, congestionando as diferentes instâncias do Judiciário.

Nas causas em que sabem de antemão que serão derrotados, por exemplo, os advogados mais experientes apresentam recursos protelatórios, com o objetivo de adiar indefinidamente o julgamento ou protelar a execução da sentença. Como afirmam os juristas, o código em vigor abre espaço para que os advogados se manifestem a cada milímetro avançado pelo processo. "A cada espirro do juiz cabe um recurso", diz a relatora da comissão, Teresa Alvim.

Segundo estimativa do Conselho Nacional de Justiça, tramitavam nas varas judiciais do País, no final de 2008, cerca de 45 milhões de processos. Desse total, 783 mil encontravam-se parados há mais de cem dias, à espera de um simples despacho. Em vários tribunais existem ações que estão tramitando há mais de vinte anos. A comissão encarregada de elaborar o novo CPC quer que o prazo médio de tramitação de um processo judicial seja de apenas dois anos. "Hoje o valor celeridade é mais importante do que o valor segurança", diz o ministro Fux.

Entre as inovações propostas pela comissão há a sugestão de aplicação de multas para os advogados que apresentarem recursos com propósitos meramente protelatórios. Há, também, medidas concebidas para estimular os juízes de primeira instância a seguir a jurisprudência firmada em seus respectivos tribunais e a valorizar os precedentes judiciais. Nas ações repetitivas, ou seja, que tratam de casos idênticos, esses magistrados serão obrigados a aplicar as súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O anteprojeto também limita drasticamente a interposição de recursos antes da sentença de primeiro grau, admitindo somente os pedidos de urgência, por meio de liminares. "A ideia é fazer com que as partes acreditem mais na possibilidade de ganhar a causa, deixando para recorrer apenas após a sentença", afirma Fux.

Uma das medidas mais importantes para descongestionar a Justiça é a proposta de "coletivização" das chamadas demandas de massa. A intenção é evitar a multiplicidade de ações individuais que tratam de um mesmo tema, como, por exemplo, os processos de consumidores contra concessionárias de serviços telefônicos. Além de contribuir para uma drástica redução do número de ações em tramitação nas instâncias inferiores do Judiciário, essa medida tem a vantagem de evitar decisões discrepantes sobre a mesma matéria tomadas pelas Justiças estaduais.

Algumas inovações apresentadas na comissão foram concebidas especificamente para desafogar o STJ, onde tramitam mais de 250 mil processos. Uma das sugestões é o fim das ações que discutem na Corte a fixação de honorários advocatícios. Pela proposta, essa responsabilidade ficará a cargo dos tribunais de instâncias inferiores. Outra proposta dá ao STJ competência para analisar matérias suscitadas no recurso especial, ainda que não tenham sido apreciadas em primeira e segunda instâncias. Hoje, quando há alguma questão nova nesse tipo de recurso, a Corte é obrigada a enviar os autos novamente para a primeira instância, o que é um contrassenso.

Desde a aprovação da Emenda Constitucional 45, a reforma da legislação processual era apontada como o principal desafio da modernização da Justiça. Ele poderá ser finalmente vencido em 2010.

Comentário: "Tempus fugit"
por José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro - escritório Ribeiro e Abrão Advogados

"Caríssimo Diretor, retornando às atividades forenses (isso porquê não respeitaram o provimento para que não houvesse intimação pelo Diário Ofício) deparei-me com o editorial do Estadão (3/1) intitulado 'A reforma do processo civil' com a citação da uma frase do Ministro Luiz Fux de que 'hoje o valor celeridade é mais importante do que o valor segurança'. Nada obstante o clamor social para que o processo não demore tanto para ter seu desfecho e cumprimento, o que, aliás, já era preocupação externada por Alfredo Buzaid na exposição de motivos do nosso atual CPC, não há como justificar que o valor segurança seja colocado em segundo plano. É triste constatar que depois de todos os expedientes utilizados para diminuir o acervo: julgamento monocrático por órgão colegiado, Câmaras de Tribunal compostas exclusivamente por magistrados de primeira instância, sessões de conciliação presididas por leigos, julgamento por lote, pilha ou conjunto, ausência de intimação para sessão de julgamento de recursos, para citar alguns; agora inicia-se a fase posterior à ação silenciosa, ou seja, a proclamação de que o que importa é ser rápido. O aforismo de que a 'Justiça tarda, mas não falha' será substituído pelo de que a 'Justiça não tarda, mas falha'."

Fonte: Migalhas do Leitores

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