sábado, 23 de maio de 2009

Pesquisa que trata da questão 'foro privilegiado' revela que Tribunais não sabem como investigar autoridades


A pesquisa realizada pelo IBRAJUS sobre "FORO PRIVILEGIADO E AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA NO BRASIL", realizada entre 12 de fevereiro e 2 de maio de 2009, é a primeira sobre o tema na história de nosso país. O foro privilegiado para determinadas autoridades tem por finalidade evitar que autoridades judiciárias de inferior hierarquia julguem os detentores de cargos públicos mais elevados, magistrados e membros de outros Poderes do Estado.
O foro privilegiado existe na maioria dos países. No continente europeu, a Constituição de 1974 de Portugal não prevê ação penal originária nos Tribunais, porém estabelece que os Deputados só podem ser processados com autorização da Assembléia (art. 160º, inc. 3). Na Constituição Suíça de 2006, inexiste menção explícita a foro privilegiado. No entanto, há referência à possibilidade de julgamento por uma única instância superior, no caso o Tribunal Federal, que é a Suprema Corte do país (art. 32, inc. 3). A Constituição da Itália, de 1947, prevê caber à Corte Constitucional o poder de julgar o Presidente da República pelos crimes praticados (art. 135). Os Estados Unidos da América não adota o foro privilegiado.
No Brasil o foro privilegiado existe desde a proclamação da República. A Constituição de 1891 no art. 57, § 2º, dava competência ao Senado para julgar os membros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade e, ao STF, para julgar os juízes federais inferiores (art. 57, § 2º) e o Presidente da República e os Ministros de Estado nos crimes comuns e de responsabilidade (art. 59, II). Atualmente, o foro privilegiado está previsto em dispositivos esparsos da Constituição Federal de 1988 (artigos 29, X, 52, I e II, 53, § 1º, 102, I, "b" e "c" e 105, I, "a", 108, I, "a"). A Ação Penal Originária correspondente está regulada pela Lei 8.038, de 28.05.1990. Há, ainda, previsão na Lei 1.079, de 10.04.1950, de crimes de responsabilidade do Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal e outras autoridades, cujo julgamento cabe ao Senado. Mas, por serem hipóteses raras, não foram objeto desta pesquisa.
A pesquisa realizada pelo IBRAJUS, com a participação de estudantes da PUC/PR, chegou a algumas conclusões:

a. Os Tribunais, regra geral, não disponibilizam os dados a respeito das ações penais originárias, tornando difícil uma investigação que reflita a situação real do tema no Poder Judiciário do Brasil;

b. As ações penais originárias vem crescendo em quantidade, seja pela existência de número cada vez maior de autoridades com direito a foro privilegiado, seja porque as apurações vêm sendo feitas com maior rigor;

c. Alguns Tribunais fornecem dados sobre as investigações ou ações penais originárias nos noticiários da comunicação social alimentados diariamente nos sítios da internet;

d. É raro que se identifique o cargo do denunciado. Mas, as ações penais contra Prefeitos Municipais constituem o mais elevado percentual de ações penais originárias e, regra geral, são processadas em Câmaras (ou Turmas) Criminais dos Tribunais, existindo Câmaras especializadas apenas nos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e São Paulo;

e. As ações penais contra magistrados tramitam em segredo de Justiça, seguindo o que dispõe o artigo 52, § 6º da Lei Orgânica da Magistratura Nacional para as apurações disciplinares, sendo, de regra, processadas pelo Tribunal Pleno ou Órgão Especial do Tribunal e não por uma Câmara ou Turma do Tribunal;

f. Na fase pré-processual, ou seja, na investigação dos fatos delituosos não existem regras fixas e claras, atuando cada Tribunal conforme o seu Regimento Interno ou a posição pessoal do Relator, sendo em alguns casos conduzida no Tribunal (v.g. Juiz) ou pela Polícia (v.g. Prefeito Municipal);

g. Há Regimentos Internos que prevêem a possibilidade do Relator delegar os atos de investigação ou de colheita de provas na ação penal a um Juiz de primeira instância.

h. As ações penais processam-se de forma lenta, seja porque os Tribunais não possuem estrutura para dar andamento aos processos (existem para julgar recursos), seja porque os fatos, geralmente, ocorrem fora da sede do Tribunal e por isso exigem a expedição de cartas precatórias ou de ordem;

i. A morosidade das ações penais nos Tribunais pode resultar em benefício para o denunciado, se ocorrer a prescrição, mas pode ser, da mesma forma, um ônus pesado quando ele, convicto de sua inocência, tem que aguardar anos para obter a definição do caso.

j. A maioria absoluta dos Regimentos Internos dos Tribunais não tem previsão para os casos de crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, os que em primeira instância seriam da competência do Juizado Especial (Lei 9.099/95).
k. Os dados estatísticos sobre acusados que respondem ações penais originárias em Tribunais são praticamente inexistentes.
Segundo Vladimir Passos de Freitas, presidente do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário e desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, há duas formas de reduzir a morosidade no julgamento de crimes praticados por autoridades: dar foro privilegiado apenas ao presidente da República, ao presidente do Supremo Tribunal Federal e aos governadores, ou garantir o benefício apenas para os crimes relacionados à função. Ele considera que o foro não privilegia nem o réu nem o autor do processo.
Fonte: Conjur e Ibrajus.
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