segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Lei Seca: erro do legislador garante impunidade


por Luiz Flávio Gomes

O sujeito embriagado é surpreendido na direção do seu veículo. Ele é obrigado a soprar o bafômetro (etilômetro)? Ele é obrigado a ceder sangue para análise?

A Lei Seca (lei 11.705/08 – clique aqui), dando nova redação ao art. 306 do CTB (que cuida da embriaguez ao volante, ou seja, dirigir embriado – clique aqui), passou a exigir uma taxa de alcoolemia objetiva (0,6 decigramas de álcool por litro de sangue). Ocorre que nenhum motorista pode ser obrigado a soprar bafômetro (etilômetro) ou submeter-se a exame de sangue para apurar dosagem alcoólica. Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo (por força do princípio da não auto-incriminação).

A prova técnica, no entanto, indicando com precisão a concentração sanguínea de álcool, é absolutamente indispensável para a incidência do crime por dirigir embriagado. A lei exige a comprovação do 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue. Sem a comprovação desse requisito legal não existe o crime. Olha o problema: a prova técnica é indispensável, mas o motorista não é obrigado a fazer essa prova técnica (porque ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo). Veja o impasse que o legislador criou! Veja o erro da lei!

No HC 166.377-SP (clique aqui), rel. ministro Og Fernandes (j. 10/06/10), ficou reconhecida, uma vez mais, a inabilidade do legislador, que muitas vezes "vende" para a população o endurecimento da lei penal, mas acaba estabelecendo benefícios aos violadores da lei. A técnica legislativa nem sempre é acertada. O legislador atira no que vê e acerta o que não vê. Isso é comum. Quer mais rigor penal e acaba fazendo um texto que assegura a impunidade.

O desencontro entre o que ele pretende (mais rigor penal) e o que ele efetivamente escreve é mais do que patente. E é claro que o juiz (o Judiciário) não pode fazer malabarismos em cima do texto legal para salvar o objetivo punitivista (moralizador, repressivo) do legislador.

A impunidade está garantida. Por erro do juiz? Não, por erro do legislador que, no afã de punir tudo e todos, parte de uma concepção autoritária do Direito, esquecendo-se que o processo penal conta com regras constitucionais, legais e internacionais que protegem os direitos dos acusados.

Antes da reforma legislativa promivida pela Lei Seca (lei 11.705/08), o CTB (no seu art. 306) não falava em nenhuma taxa de alcoolemia. Com a nova redação dada ao art. 306 do CTB, a dosagem etílica passou a ser exigida expressamente pela lei (isto é, passou a integrar o tipo penal, em linguagem técnica). Agora, só se configura o delito em apreço (direção embriagada) com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue (0,6 decigramas de álcool por litro de sangue), que não pode ser presumida ou medida de forma indireta, como por prova testemunhal ou exame de corpo de delito indireto ou supletivo. A lei exige prova técnica direta e objetiva. É preciso comprovar tecnicamente a taxa de álcool no sangue.

"Aparentemente benfazeja [benéfica], essa modificação legislativa trouxe consigo enorme repercussão nacional, dando a impressão de que a violência no trânsito, decorrente da combinação bebida e direção, estaria definitivamente com os dias contados", observou o ministro Og Fernandes no HC 166.377-SP. "Entretanto, com forte carga moral e emocional, com a infusão na sociedade de uma falsa sensação de segurança, a norma de natureza até simbólica, surgiu recheada de dúvidas."

Esse é um problema relativamente comum na legislação penal brasileira: "vende-se" a lei penal ("dura") como "solução" para o problema da insegurança, mas isso é puramente "simbólico", porque, na realidade, a lei muitas vezes é (equivocadamente) feita de forma a garantir a impunidade (não a repressão). A lei brasileira, às vezes, vende gato por lebre!

De acordo com a decisão do STJ (no HC 166.377-SP), a ausência da comprovação por meios técnicos impossibilita precisar a dosagem de álcool e inviabiliza a adequação típica do fato ao delito, o que se traduz na impossibilidade da persecução penal (ou seja: na impunidade).

"Procurou o legislador inserir critérios objetivos para caracterizar a embriaguez – daí a conclusão de que a reforma pretendeu ser mais rigorosa", observou o ministro Og Fernandes na decisão. "Todavia, inadvertidamente, criou situação mais benéfica para aqueles que não se submetessem aos exames específicos", completa.

Fonte: Migalhas

Estado não pode ser responsabilizado por furto de carro em Zona Azul. Então, para que se paga?



Um casal que teve seu veículo furtado enquanto estacionado em vaga da chamada “Zona Azul”, em Navegantes, terá mesmo que arcar com o prejuízo. A 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, em matéria relatada pelo desembargador Luiz Cézar Medeiros, manteve sentença da comarca local que considerou improcedente o pedido de indenização por danos morais e materiais.

Segundo o relator da matéria no TJ, o contrato de estacionamento de veículos nas áreas conhecidas como “Zona Azul” não gera a responsabilidade de guarda e vigilância do Poder Público, ou mesmo da empresa concessionária autorizada a explorar o serviço.

“Trata-se de simples locação de espaço público com a finalidade de controlar o estacionamento de veículos nos centros urbanos, proporcionando uma maior rotatividade das vagas e, por consequência, o atendimento de interesse público específico”, anotou o desembargador.

Para ele, a realidade atual não permite ao Estado arcar com todo e qualquer prejuízo experimentado pelo cidadão. “O Poder Público simplesmente não dispõe de recursos suficientes para evitar todo e qualquer dano. Fosse tal razoável, prevaleceria a suposição de que toda e qualquer infração penal devesse ser obstada, sob pena de responsabilização do ente público”, concluiu. A decisão foi unânime (Apelação Cível n. 2010.072480-2).

Fonte: TJSC

Twittar às vezes dói no bolso e dá dor de cabeça!


Postagem no Twitter pode acabar na Justiça ou em dor de cabeça

O vendedor Pedro Henrique Santos, 19, está pagando, a prestação, o preço de uma tuitada inconsequente.

Morador de Ipameri, cidadezinha do interior de Goiás, ele não viu nenhum problema em postar no seu perfil do microblog uma foto de uma garota em trajes sumários.

Processado por danos morais, teve de pagar à vítima - maior de idade - R$ 3.000,00. Como não tinha todo o dinheiro, vai desembolsar por mês R$ 150, em 20 vezes.

O caso ilustra uma situação cada vez mais corriqueira: os desabafos, os comentários e as brincadeiras de mau gosto facilmente esquecíveis se ditos em mesa de bar se amplificam se feitos nas redes sociais, com consequências na vida profissional e legal do internauta desbocado.

Antes de Pedro, outras pessoas, incluindo aí os famosos, tiveram problema.

O comediante Danilo Gentilli foi investigado pelo Ministério Público por acusação de racismo após ter feito uma piada em que comparava, no Twitter, o gorila King Kong a jogadores de futebol.

Há casos em que a tuitada não vira caso de Justiça, mas acaba em boa dor de cabeça.

Rita Lee criticou a construção do estádio do Corinthians em Itaquera. Chamou o bairro da zona leste paulistana de "c... de onde sai a bosta do cavalo do bandido". Gal Costa disse que os conterrâneos baianos eram preguiçosos. As duas ouviram poucas e boas do público.

As empresas têm ficado de olhos nos perfis de seus funcionários. Dois rapazes, um da região de Campinas (SP), outro de Piracicaba (SP), acabaram demitidos por justa causa após postagens inconsequentes.

O primeiro publicou no Orkut que estava furtando notas fiscais da empresa onde trabalhava. O segundo postou no YouTube um vídeo em que dava cavalos de pau com a empilhadeira da empresa.

Ambos entraram com ações na Justiça do Trabalho a fim de reverter o caráter da demissão, mas perderam.

Juliana Abrusio, professora de direito eletrônico da universidade Mackenzie, aponta que o afã de fazer um desabafo, de exprimir uma opinião ou de simplesmente demonstrar atitude crítica em relação a algo faz com que as pessoas percam a ideia do alcance da internet.

"Se você fala mal de alguém numa mesa de bar com seis pessoas, ele fica ofendido, mas é suportável. Quando vai para 6.000 ou 6 milhões de pessoas, a pessoa pode ser destruída", afirma.

Renato Opice Blum, advogado especializado em crimes digitais, diz que o Brasil tem mais de 30 mil decisões judiciais relacionadas à internet. Só em seu escritório há cerca de 5.000 ações.

Um fotógrafo colaborador do Grupo Folha acabou afastado após publicar no Twitter uma declaração considerada ofensiva aos torcedores do Palmeiras, na sede do clube. Foi agredido fisicamente.

BOM SENSO

As crescentes ações na Justiça fomentadas pelo mau uso da internet podem ser facilmente evitadas, segundo advogados consultados pela Folha. Basta ter bom senso.

"As pessoas não podem esquecer que a lei não mudou. Na dúvida, não fale mal do companheiro de trabalho, não faça piada com o chefe, não se deixe fotografar em situação vexatória. Tudo vira evidência", afirma a advogada Gilda Figueiredo Ferraz.

Segundo Alessandro Barbosa Lima, dono da empresa E.Life, que oferece serviços de monitoramento de marcas, semanalmente surgem casos de uso indevido das redes sociais por funcionários.

O advogado Eli Alves da Silva, presidente da comissão de direito trabalhista da OAB-SP, diz que não apenas os empregados podem se dar mal com o uso indevido das redes sociais. Empregadores também podem ser punidos e sofrer consequências caso os funcionários reclamem de condições de trabalho.

"Se o empregado reclamar de condições de trabalho que revelem um descumprimento da lei trabalhista, o patrão pode vir a ser punido, caso haja prova dessa ação."

O advogado Renato Opice Blum descreve o que pode ser o limite entre a liberdade de expressão e o crime.

"Se o internauta avançar o limite da crítica normal e partir para o lado da ofensa, pode ser processado pelos crimes de calúnia, injúria e difamação, sem prejuízo de uma indenização. Tem sempre que evitar fazer juízo de valor", afirma o advogado.

Para Brum, a primeira coisa que a pessoa deve fazer ao aderir a uma rede social é ler as regras de uso e conhecer os recursos que o programa oferece ao usuário.

Ele cita como simbólico o casos do diretor da Locaweb, patrocinadora do São Paulo, que criticou o time durante um jogo e foi demitido.

Fonte: Folha OnLine

domingo, 30 de janeiro de 2011

Justiça autoriza família a educar filhos em casa


Sou uma grande defensora do sistema de educação em casa, conhecido como "homeschooling". Não consigo entender as restrições que o Governo impõe contra esse sistema. Ao invés de deixar que os pais eduquem seus filhos com esmero e dedicação, o Governo cria punições para esses casos e ainda exige que as crianças tenham que frequentar escolas sem professores, sem aulas, sem estrutura física, e o pior: sem vagas.

Na Bahia, inúmeros pais tiveram dificuldade para matricular os seus filhos na rede pública. Enfrentaram filas de espera e quando conseguiam ser atendidos não havia mais vaga para a criança ser matriculada. Algumas escolas arriscaram divulgar que a Secretaria de Educação do Estado da Bahia só teria vaga suficiente para suprir a atual demanda em 2016. O que essas crianças farão durante 4 anos sem escola? Essa é a prova da falência da educação fundamental no nosso Estado.

Diante desse panorama de caos, há motivo de sobra para que os pais queiram e possam ensinar os seus filhos em casa se assim quiserem e puderem. A educação familiar sempre foi a base do caráter que o indivíduo carrega por toda a vida. Melhor ainda se ela for complementada por estudos se os pais se acharem capacitados para assim o fazer. Não cabe ao "sistema falido" impôr restrições contra isso. Se o Governo quer crianças estudando nas escolas que crie condições para este fim. Pagar melhor aos professores já seria um bom início. Fazer parcerias com escolas privadas para que funcionem para a rede pública nos horários ou turnos que permanecem fechadas aproveitando, assim, a sua estrutura física. Aprimorar os professores com cursos de capacitação metodológica e proporcionar atualizações dos assuntos da sua disciplina.

Deve-se levar a educação mais a sério nesse País. O bolsa-escola é um programa que poderia dar certo em um sistema de educação que funcionasse. Atualmente, não consigo vislumbrar o mérito desse programa. De que adianta o Governo pagar uma bolsa para uma família se a criança não tem como estudar, e se assim o faz, não tem condições de aprender?

Esses são os meus motivos para defender o "homeschooling". Os seus adeptos têm totalmente o meio apoio e simpatia.

Karina Merlo

Juiz de Maringá (PR) permite que dois irmãos sejam educados fora da escola, mas devem ser avaliados por provas e analisados por psicólogos

Uma família de Maringá, no interior do Paraná, tirou os filhos da escola e os educa em casa com aval da Justiça. Com apoio do Ministério Público, os pais conseguiram convencer o juiz da Vara da Infância e Juventude de que a educação domiciliar é possível e, teoricamente, não traz prejuízos.


Ao contrário deles, conforme o Estado noticiou ontem, uma família de Serra Negra, que também tirou os filhos da escola, ainda tenta provar ao Judiciário que tem condições de educá-los em casa. Em Minas, isso não foi possível e um casal foi condenado pelo crime de abandono intelectual - no Brasil, a legislação determina que as crianças sejam matriculadas em escola de ensino regular.

Apesar de não existir uma decisão formal do magistrado a respeito do assunto, as crianças são oficialmente avaliadas pelo Núcleo Regional de Educação de Maringá a pedido da Justiça.

O núcleo, vinculado à Secretaria de Educação, elabora e aplica às crianças provas de português, matemática, ciências, história, geografia, artes e educação física. Eles também passam por uma análise psicossocial.

Após cumprir essa etapa, o núcleo elabora um relatório e o encaminha ao Judiciário, dizendo se as crianças têm ou não condição intelectual para cursar determinada série. Há três anos é assim e o juiz nunca se opôs aos resultados apresentados.

"Os pais conseguiram comprovar que elas têm o conhecimento intelectual necessário, de acordo com as diretrizes curriculares. Essas crianças nunca tiveram dificuldade para resolver as provas. Os resultados demonstram que elas têm aptidão para cursar a série seguinte", diz Maria Marlene Galhardo Mochi, assistente técnica do núcleo.

Recursos.
Segundo Maria Marlene, esse é o único caso de educação domiciliar atendido pelo núcleo de Maringá. "Os pais dessas crianças têm condições, instrução e recursos para educá-las em casa. Como elas ainda estão cursando o ensino fundamental, por enquanto está funcionando. Minha preocupação é quando elas chegarem ao ensino médio, quando as matérias ficam mais complicadas", avalia.

Segundo Ricardo de Moraes Cabezon, presidente da Comissão de Direitos da Criança da OAB-SP, o ensino fora da escola não é totalmente proibido, desde que seja justificado como algo excepcional. "Tem de ser realmente excepcional, senão banaliza. Eu recomendo que os pais não façam isso por conta e risco, mas tenham uma tutela do Judiciário", orienta o advogado.

Os irmãos Lucas, de 12 anos, e Julia, de 11, são filhos de pedagogos. O pai é professor da Universidade Estadual de Maringá. Eles foram tirados da escola há quatro anos, após duas tentativas frustradas de tentarem matriculá-los em uma escola regular.

As crianças cursam inglês e matemática fora de casa. As outras disciplinas ficam a cargo dos pais. Também praticam esportes e não podem ver televisão em qualquer horário - só quando os pais autorizam.

Para Luiz Carlos Faria da Silva, pai das crianças, além dos conflitos na educação moral dos filhos, a escola também oferecia conteúdos que ele considerava ruins. Ele reclama, por exemplo, que a escola ensinava arte moderna em vez de arte sacra.

Diz também que o aquecimento global é contraditório. "Só os vulcões lançam mais dióxido de carbono no ar que toda atividade humana", afirma o pai.

Para o educador português José Pacheco, idealizador da Escola da Ponte (em que não há salas de aula), o juiz teve sensibilidade para entender o caso. "É possível que haja o ensino domiciliar, desde que a escola avalie periodicamente essas crianças. É uma alternativa sábia, já feita em países da Europa há muito tempo."

Leia também: Educação domiciliar constitui crime? por Damásio Evangelista de Jesus.

Fonte: O Estado de São Paulo

sábado, 29 de janeiro de 2011

Terceira Seção dirá se é possível crime continuado entre estupro e atentado ao pudor



Um dos julgamentos mais esperados pelos advogados criminalistas, este ano, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), é o do recurso especial 1.103.194, de São Paulo, no qual se definirá a possibilidade da figura do crime continuado entre estupro e atentado violento ao pudor após a edição da Lei n. 12.015, de agosto de 2009. A lei reuniu os dois crimes em um mesmo artigo do Código Penal e abriu uma grande controvérsia que tem levado juízes e tribunais de todo o país a tomar diferentes decisões sobre casos juridicamente idênticos.

A interpretação final dos efeitos da nova lei na aplicação das penas caberá ao STJ, cuja principal missão é justamente uniformizar a jurisprudência sobre legislação federal. O recurso, entregue à relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura, será julgado pela Terceira Seção do STJ, que reúne as duas turmas julgadoras especializadas em direito penal. Ainda não há data prevista para o julgamento.

Por envolver questão jurídica presente em grande número de outros recursos apresentados contra decisões dos tribunais de justiça dos Estados, a matéria vem sendo tratada no regime dos recursos repetitivos, previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil. Por ordem da ministra relatora, todos os recursos sobre a mesma questão foram suspensos nos tribunais estaduais e aguardam o pronunciamento do STJ.

A decisão da Terceira Seção servirá também para pacificar o entendimento sobre o assunto dentro do próprio STJ, cujas turmas já adotaram posições divergentes. O centro da polêmica é saber se, após a mudança no Código Penal em 2009, a violência cometida com diferentes modalidades de ato sexual caracteriza concurso material ou admite continuidade delitiva. Da discussão técnica, o que vai resultar, na prática, é a possibilidade de penas maiores ou menores para os criminosos sexuais.

Benefício retroativo

A Lei n. 12.015 fundiu o artigo 213 (que tratava de estupro) e o 214 (que tratava de atentado violento ao pudor) em um novo artigo 213, adotando para os crimes sexuais a denominação geral de estupro: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: pena – reclusão, de 6 a 10 anos.” A expressão “atentado violento ao pudor” era usada na versão anterior em referência aos atos sexuais diversos da conjunção carnal (cópula vaginal).

Concurso material é a situação em que o réu, agindo mais de uma vez, comete dois ou mais crimes, idênticos ou não. Nesse caso, as penas são aplicadas cumulativamente. No entanto, se forem crimes da mesma espécie e ficar caracterizado – por fatores como tempo, lugar, modo de execução e outros – que os crimes subsequentes são continuação do primeiro, o réu poderá ser beneficiado pela figura da continuidade delitiva.

A hipótese de crime continuado significa que o réu que forçou a vítima à conjunção carnal e outro ato libidinoso (por exemplo, sexo oral ou anal) poderia ter o benefício de ser condenado à pena de um só dos crimes, aumentada de um sexto a dois terços em razão da continuidade, porque o segundo ato seria entendido como continuação do primeiro.

Em abril, em decisão unânime, a Sexta Turma do STJ concedeu habeas corpus para reconhecer o crime continuado e reduzir a pena de um homem que havia sido condenado por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro, ainda sob a legislação anterior. “Após as inovações trazidas pela Lei n. 12.015, os artigos 213 e 214 do Código Penal hoje estão condensados no mesmo dispositivo legal, constituindo crimes da mesma espécie, o que viabiliza a aplicação da regra do artigo 71 da Lei Penal (crime continuado)”, afirmou o ministro Og Fernandes, relator do HC 114.054.

A eventual adoção da tese do crime continuado pela Terceira Seção do STJ, por ser uma interpretação mais favorável ao réu, poderá beneficiar grande número de pessoas já condenadas com base na legislação antiga. Também foi assim no HC 129.398, julgado em maio pela Sexta Turma. O relator, desembargador convocado Celso Limongi, considerou que as condutas de estupro e atentado violento ao pudor foram unificadas, permitindo a continuidade delitiva e favorecendo retroativamente o réu com redução de pena.

Execução distinta

Na Quinta Turma, o entendimento tem sido outro. Ao julgar o HC 78.667, em junho, a ministra Laurita Vaz declarou que, “tendo as condutas um modo de execução distinto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso, mesmo depois de o legislador tê-las inserido num só artigo de lei”.

No mesmo mês, a Quinta Turma acompanhou por maioria o voto do ministro Felix Fischer no HC 104.724 e afastou a possibilidade de crime continuado. “Conforme a nova redação do tipo, o agente poderá praticar a conjunção carnal ou outros atos libidinosos. Assim, se praticar, por mais de uma vez, cópula vaginal, poderá, eventualmente, configurar-se a continuidade delitiva. Contudo, se praticada uma penetração vaginal e outra anal, neste caso jamais será possível a caracterização da continuidade, assim como já sucedia com o regramento anterior. É que a execução de uma forma nunca será similar à de outra”, afirmou o ministro Fischer.

“A realização de diversos atos de penetração distintos da conjunção carnal implica o reconhecimento de diversas condutas delitivas, não havendo que se falar na existência de crime único, haja vista que cada ato – seja conjunção carnal ou outra forma de penetração – esgota, de per se, a forma mais reprovável da incriminação”, disse o relator na ocasião.

Segundo ele, a tese de que penetração vaginal e outra forma de sexo forçado possam ser consideradas um único crime, com a pena aumentada apenas em razão do número de condutas, “enfraquece, e muito, a proteção que deve ser dispensada ao bem jurídico tutelado: a liberdade sexual. Trata-se de crime hediondo que, em sua esmagadora maioria, deixa marca indelével em suas vítimas, merecendo a devida atenção e repressão por parte do Estado”.

REsp 1103194, HC 114054, HC 129398, HC 78667, HC 104.724

Fonte: STJ

STJ não pode mudar prazo de prescrição da pena


por Lenio Luiz Streck e Wálber Araujo Carneiro*

Há muito sustentamos uma cruzada hermenêutico-filosófica contra o decisionismo judicial. Nela, o que está em jogo não é uma crítica ao Judiciário em si, tampouco um manifesto que nega a importância das Cortes e dos Juízes brasileiros, ao contrário! Se estamos preocupados com os limites do Poder Judiciário é porque, no fundo, entendemos que a sua participação na defesa pela autonomia do direito em face dos sistemas político e econômico é de fundamental importância.

O que está em jogo nessa cruzada é, portanto, a manutenção e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Se o Judiciário não julga conforme o direito, mas conforme a (livre) consciência de seus membros, não há democracia! O julgador não está livre das imposições do sistema jurídico e qualquer alternativa deve ser uma alternativa “do” direito que a sociedade construiu, por mais difícil que seja a sua revelação.

Recentemente, a ConJur publicou uma matéria cujo título retrata o senso comum teórico no qual estamos imersos. Dizia ela: “STJ muda o prazo de prescrição da execução da pena”. Provavelmente, essa notícia despertou o interesse dos leitores muito mais pela novidade dogmática, que traria consequências práticas imediatas, do que pela ofensa à democracia.

A jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça e dos demais Tribunais brasileiros era (e continua sendo, se entendermos por jurisprudência aquilo que ela de fato é) pacífica ao estabelecer que o prazo de prescrição da pretensão punitiva deve ser contado a partir da data em que o trânsito em julgado ocorre para a acusação. Não há, por assim dizer, textos mais claros que o parágrafo 1º do artigo 110 e o inciso I do artigo 112 do CP ao estabelecer essa previsão (textos claros entendidos como “limites semânticos” minimamente inteligíveis).

Até então, não havia (e não há) razões para que se sustentasse a inconstitucionalidade desse critério, tampouco havia (e não há) dúvidas quanto ao significado pragmático do texto em questão. Assim como, havia (e ainda há) inúmeras razões para compreender o modelo previsto pelo Legislador, uma vez que esse critério permitirá ao Réu recorrer de decisões sem que o fator prescrição seja decisivo estrategicamente, bem como exigirá do Estado um rápido processamento dos recursos interpostos.

Queremos dizer que o Superior Tribunal de Justiça não pode mudar seus posicionamentos? É claro que não! Dizemos com isso que mudanças precisam ser fundamentadas em vetores de racionalidade que, de fato, legitimem o novo posicionamento “no” e “pelo” sistema. Isso significa dizer que, embora o Superior Tribunal de Justiça possa mudar sua linha jurisprudencial, a mudança não depende apenas da Corte e de seus Juízes. Não se trata de uma Wille zur Macht (vontade de poder).

Vejamos, então:

a) O Superior Tribunal de Justiça não poderia modificar seu posicionamento sem que a comunidade jurídica brasileira já, de algum modo, apostasse um novo caminho, mormente porque esse dispositivo é anterior à própria Constituição Federal de 1988. Isto é, sem que doutrinadores levantassem razões para que um novo posicionamento surja e sem que advogados e membros do Ministério Público requeiram com base nesses novos fundamentos. Essas razões não podem ser quaisquer razões.

A mudança no modo como compreendemos uma regra, principalmente quando exige a supressão de parte de seu texto, só é possível se fundamentada em um princípio constitucional. E aqui não estamos falando do princípio da felicidade ou de qualquer outro que tenha sido inventado na “onda” panprincipiologista, mas de princípios que conectem a Constituição com o seu fundamento existencial. Somente daí pode vir a mudança. Mesmo quando a mudança é dirigida por implicações de ordem fática, não são os fatos que a provocam, mas o novo sentido — pois eles não são outra coisa senão sentidos — assumido diante dos princípios e da base existencial de legitimação.

b)Diante disso, resta saber: há razões para que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tente modificar o termo a quo da prescrição quanto à pretensão punitiva? Razões existem, certamente. Resta-nos saber se elas foram expostas na fundamentação do julgado e se, de fato, se sustentam diante do sistema. No acórdão, parte-se da premissa de que a prescrição da pretensão executória é regulada pelo caput do artigo 110 do Código Penal, cuja rubrica é "Prescrição depois de transitar em julgado sentença final condenatória".

Como segunda premissa, considera-se o teor do referido caput ("a prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente") e, silogisticamente, conclui-se que a prescrição “para ambas as partes” seria a “única interpretação possível” para o caso em questão. Em seguida, afasta a aplicação do artigo 110, parágrafo 1º, do Código Penal (sem fazer nenhuma referência ao inciso I do artigo 112), pois, embora faça menção expressa ao trânsito em julgado para a acusação, regularia “tão somente a prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa”, hipótese que não se aplicaria ao caso. Essa, contudo, não pode ser considerada uma fundamentação válida.

Nota-se, explicitamente, um raciocínio típico do positivismo primitivo do século XIX, que mescla a codificação interna do exegetismo francês com o sistema externo do pandectismo alemão, este reduzido ao seu núcleo lógico-conceitual, na medida em que se ignorou inúmeros aspectos presentes no pensamento de autores como Puchta e Windscheid. A ideia central dessa metodologia é a de que o direito se constitui como um sistema abstrato de conceitos, escalonados em uma pirâmide (Puchta). No topo, o conceito de direito, e abaixo, em sucessivas cadeias dedutivas, conceitos menos abstratos.

Para o Superior Tribunal de Justiça, o Código Penal teria materializado essa relação lógico-conceitual, de modo que no conceito legal geral de prescrição devem caber todos os tipos de prescrição, razão pela qual concluiu que somente uma interpretação era cabível: considerar como termo a quo para a prescrição da pretensão punitiva o trânsito em julgado “para as partes”. Entretanto, abre mão dessa coerência lógico-conceitual, ao admitir que o parágrafo 1º do artigo 110 foge à regra e ao ignorar o inciso I do artigo 112. Neste caso, se para o caput do artigo 110 há, tão somente, uma interpretação possível, por que surge uma segunda interpretação no parágrafo 1º? Por que essa interpretação estaria limitada a um caso específico, se todos os conceitos particulares devem caber nos conceitos mais gerais? Haveria, no mínimo, uma contradição performática.

c) O fato é que nenhuma corrente contemporânea sustenta que o sistema jurídico se estruture dessa forma. De hermeneutas a sistêmicos, depois Viehweg e, até mesmo, de todas as transformações pelas quais passou o próprio positivismo jurídico, não é mais possível falar – muito menos reduzir — o direito a uma estrutura lógica. O sistema jurídico é orgânico e todas as vezes que sustentamos a sua coerência lógico-conceitual estamos, em verdade, camuflando os verdadeiros vetores de racionalidade que determinaram uma decisão. Foi justamente o que ocorreu com a referida decisão do Superior Tribunal de Justiça. A decisão em apreço não foi consequência dos acoplamentos lógico-conceituais, até porque essa coerência foi rapidamente quebrada para “salvar” a presença do parágrafo 1º no mesmo artigo 110.

Toda a engenharia lógico-conceitual tinha um único objetivo: salvar a execução da pena e garantir o funcionamento do aparelho repressor do Estado. A prescrição seria ultrajante para o aparato repressivo do Estado que, ao longo de anos, “correu atrás” do Réu e que, por deficiências estruturais notórias, deixou-o escapar...! Seria ultrajante para o sistema (o orgânico!) que um Réu, agindo capciosamente para se beneficiar do próprio entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto ao momento em que a execução se inicia, sorrisse e ouvisse do seu advogado: “eu não disse que conseguiríamos”? Penas não devem prescrever. Não foram feitas para prescrever. O Estado não gasta milhões e milhões em uma estrutura repressiva para que condenações transitadas em julgado deixem de ser cumpridas.

d) Mas, atenção: embora sejam essas “as razões”, não são suficientes para justificar a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça, principalmente quando o paradigma epistemológico usado é do século XIX. A prescrição é uma proteção para que o próprio processo não se transforme em uma pena e, se algo precisar ser mudado no particular, essa mudança não caberia ao Poder Judiciário. Caberia ao Legislador, se fosse o caso, modificar o Código Penal, do mesmo modo que caberá ao Judiciário analisar se a mudança cabe ou não em um sistema orgânico-constitucionalizado. São essas as regras do check and balance da democracia.

e) O Superior Tribunal de Justiça ignorou os limites semânticos que a pragmática jurisprudencial e doutrinária construiu em torno do texto do Código Penal. Ou seja, fez soçobrar a “legalidade”, sem qualquer recurso à constitucionalidade. Ora, não se constrói um sistema jurídico coerente com mixagens teóricas e “pragmaticismos”. Quando interessa, o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, nega a possibilidade de pena aquém do mínimo, com fundamento na “letra da lei”; em outras oportunidades, essa “letra da lei” (limites semânticos que se consolidaram na tradição) de nada vale, como no caso aqui analisado. Afinal, quando é que um dispositivo “vale”? Quando o Judiciário assim o diz? Mas, isso basta? O sistema jurídico é construído somente a partir de decisões judiciais? No Rio Grande do Sul, recentemente, alguns juízes decidiram que o melhor, para agilizar os processos criminais, seria prolatar a sentença em audiência, conforme permite o artigo 400 do Código de Processo Penal (redação dada pela Lei 11.719/08). Eis aí um novo problema que demonstra a fragilidade da doutrina processual-penal de terrae brasilis.

Será esse dispositivo constitucional? Mais: a promulgação da sentença em audiência é escolha do juiz? Se o MP e a defesa requererem o prazo de 5 dias para os memoriais, pode o juiz recusar? Sua decisão depende de sua discricionariedade? Há quem acredite que é possível alguém memorizar os argumentos de cada parte (20 minutos) para, em seguida, proferir a decisão levando em conta esses argumentos orais? Isso é obedecer ao due processo of law que está na Constituição? Ora, convenhamos. Em entrevista ao Jornal Zero Hora de 17 de janeiro último, afirmou o magistrado cuja maioria das decisões é proferida em audiência: “Ao resolver a ação penal em audiência, o juiz está diante dos fatos que acabaram de ser reproduzidos em depoimentos e tem condições de decidir, inclusive levando em conta impressões pessoais percebidas durante a audiência. O juiz capta uma série de coisas que não vão para o papel. Percebe quando estão mentindo”. O que dizer sobre isso? Uma decisão é furto do solipsismo do juiz? Daí a pergunta: como a parte vai recorrer das “coisas que não estão no papel”? Observemos como é difícil superar o velho inquisitivismo e o protagonismo judicial. Qual é a diferença entre o juiz que “dispõe” das provas (veja-se o velho problema da “gestão probatória”) e o Tribunal Superior que “dispõe da lei”?

f) Numa palavra, ainda: na democracia, uma lei (ou um dispositivo legal votado pelo parlamento) somente pode ser ignorada em seis hipóteses: primeira, quando a norma compreendida a partir de seus dispositivos for inconstitucional; segunda, quando alterações no sistema, ainda que infraconstitucionais, modificarem a sua organicidade; terceira, quando se tratar de uma interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung); quarta, quando for o caso de se sustentar uma nulidade parcial sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung), quando o dispositivo permanece o mesmo, mas alguns usos são expressamente excluídos face à inconstitucionalidade de determinada(s) hipótese(s) de aplicação (Anwendungsfälle); quinta, quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto, ocasião em que a manutenção da constitucionalidade de uma norma exige a exclusão de fragmentos textuais do dispositivo que a possibilita; e sexta, quando princípios impedirem a aplicação de uma regra (solução standards) (Streck, L. L. Verdade e Consenso, 3ª ed. RJ, Lumen Juris, 2009). Não parece que o caso sob julgamento do Superior Tribunal de Justiça se enquadre em qualquer destas hipóteses.

g) Ou seja, não nos pareceu que o Superior Tribunal de Justiça tenha feito alusão, em algum momento, de que o artigo 112, I, seria inconstitucional (na modalidade de não recepção, é claro) ou haveria colisão com outra regra ou com algum princípio...! Nada disso foi feito. O que ocorreu é o que vem ocorrendo em terrae brasilis: as decisões dos Tribunais são proferidas de acordo com a visão pessoal de cada componente, soçobrando, com isso, a legislação e, o que é pior, a Constituição. Sob pretexto de o juiz não ser mais o “juiz boca da lei” (positivismo primitivo), agora temos o juiz (tribunal) para quem (para o qual) a lei é apenas - como diriam alguns doutrinadores adeptos de teorias voluntaristas - a ponta do iceberg. E, por vezes, nem mesmo isso...!

No fundo, volta-se ao velho positivismo fático, versão voluntarista do realismo jurídico: a lei é aquilo que os Tribunais dizem que é. Mas, é importante que tenhamos em mente que a decisão tomada pela 5ª Turma não é jurisprudência. É, tão somente, um precedente que tenta romper com a jurisprudência. Esperamos que a doutrina penal intervenha e avoque para si a responsabilidade de doutrinar, legitimando novas linhas jurisprudenciais e impedindo a formação de outras. Resta saber se a comunidade jurídica concorda com isso.

Se concorda, resta outra pergunta: para que existe a doutrina? E o que fazer com as 1231 Faculdades de Direito do Brasil? E, fundamentalmente, que a novidade desse julgado não ganhe relevância em razão daquilo que cairá nas provas de futuros concursos, mas sim pela importância que tem para a democracia. Nela, não é possível escrever certo por linhas tortas, muito menos errado. Nela, temos que escrever certo e por linhas certas. Mesmo quando acreditamos que o certo já se parece duvidoso, a mudança não depende de um único sujeito que avoca o acesso privilegiado à verdade, mas de uma estrutura de sentido complexa e reflexiva.

*Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, professor de Direito Constitucional e presidente de honra do Instituto de Hermenêutica Jurídica.
Wálber Araujo Carneiro é advogado, doutor em Direito pela Unisinos/Coimbra, professor da Unifacs e da UFBA.

Fonte: Conjur

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Maioria das vítimas que procura CEAV foi agredida por um conhecido


Entre as 192 pessoas que procuraram ajuda no Centro de Atendimento a Vítimas de Violência (CEAV), em um ano e meio de funcionamento, a maioria sofreu agressão – direta ou indiretamente – praticada por algum conhecido. Os dados divulgados pelo CEAV, coordenado pela Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos e o Grupo Tortura Nunca Mais, indicam que grande parte das vítimas era do sexo feminino, negras ou pardas, com idade entre 20 e 65 anos.

O CEAV é um programa que integra o Sistema Nacional de Proteção a Pessoas Ameaçadas e oferece acompanhamento social, psicológico e jurídico às vítimas de violência, bem como aos seus familiares e dependentes. Para fazer o atendimento preliminar à vítima, o Centro conta com dois psicólogos, dois assistentes sociais e uma advogada que atendem casos relacionados com homicídio, latrocínio, estupro, abuso sexual de criança e adolescente, atentado violento ao pudor, lesões corporais e violência psicológica.

Nos 107 atendimentos prestados pelo CEAV em 2010, os familiares são apontados como os principais agressores, representando 37,9% dos casos registrados. Entre os tipos de agressões, se destacam lesão corporal (37,7%), ameaça de morte (32,1%) e homicídio de algum familiar (28,3%). Em quase 80% dos casos, a vítima recebe atendimento psicossocial e jurídico.

Os atendimentos psicológicos, em sua grande parte, são prestados aos que sofreram alto grau de perturbações psíquicas por terem passado ou testemunhado uma situação trágica, ameaçadora ou violenta. “Quando essas pessoas chegam ao CEAV, geralmente estão sentindo muito medo, ansiedade e angustia. Isso acontece mesmo em situações em que a ameaça já não existe mais”, disse uma das psicólogas do Centro, Mariana Lima.

Ela afirmou que em muitos casos, mulheres procuram o local para denunciar o comportamento agressivo do ex-companheiro. Nessas situações, o Centro presta atendimento não apenas a essas mulheres como também aos filhos, caso tenham. “Além de prestarmos o atendimento à família, nós encaminhamos essas pessoas a uma Delegacia para que elas possam prestar queixa e solicitar medidas protecionistas”, afirmou a psicóloga.

Em outras situações, como ameaça de morte, a vítima é encaminhada para locais sigilosos. Para isso o Centro conta com a parceira com outros programas a exemplo do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte no Estado da Bahia. Entre os outros órgãos que integram a rede de referência do CEAV estão a Vara de Violência Doméstica, o Ministério Público, a Comunidade de Atendimento Socioeducativo de Salvador (CASE), a Pastoral da Criança, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Conselho Regional de Psicologia.

Endereço do CEAV

O Centro fica na Rua General Labatut, nº 26, Barris (próximo à Biblioteca Pública dos Barris). As pessoas também podem ligar para o número (71) 3328.4609 para agendar o atendimento.

Fonte: Tribuna da Bahia

Reconhecida repercussão geral de processo em que estado é responsabilizado por crime de detento


O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 608880, em que se discute a responsabilidade de estado – no caso, o de Mato Grosso – por crime de latrocínio cometido por detento que cumpria pena em regime semiaberto.

Sob relatoria do ministro Marco Aurélio, o RE foi interposto pelo governo mato-grossense contra decisão do Tribunal de Justiça daquele estado (TJ-MT), que responsabilizou a administração estadual pela morte decorrente do latrocínio cometido por detento sob sua custódia e condenou o governo estadual a indenizar a família do falecido pelos danos morais e materiais sofridos, bem como ao pagamento de pensão.

Em sua decisão, o TJ-MT entendeu que o estado foi omisso na vigilância do preso, condenado a cumprir pena em regime fechado e já havia fugido duas vezes para cometer novos crimes. Segundo aquela corte, ante esse histórico criminal do autor do latrocínio, existia para a administração estadual o dever de zelar pela segurança dos cidadãos em geral. O tribunal considerou, também, ser incontroverso o dano causado, bem como o nexo de causalidade entre o crime e a conduta omissiva do estado, que deixara de exercer o devido controle do preso sob sua custódia.

Alegações

No Recurso Extraordinário interposto contra essa decisão na Suprema Corte, o governo mato-grossense contesta o entendimento do TJ-MT. Segundo ele, não existe nexo entre a fuga do preso e o ato por ele praticado, tendo em vista que ele se evadiu do presídio em novembro de 1999 e, três meses depois, em fevereiro de 2000, praticou o latrocínio. Assim, alega, o crime deve ser considerado ato de terceiro, capaz, por si só, de excluir a responsabilidade do estado em indenizar a família da vítima.

Alega, além disso, que a manutenção da condenação representa impacto significativo para os cofres públicos e destaca a importância jurídica do debate sobre os limites da responsabilidade estatal.

A parte contrária no recurso e autora do pedido inicial de indenização (filhos da vítima) insiste no acerto do acórdão (decisão) do TJ-MT de responsabilizar a administração estadual, lembrando que o autor do latrocínio era rebelde contumaz, cumpria pena em regime fechado e fugiu duas vezes para cometer novos crimes, cada vez mais graves.

Repercussão geral

Ao se pronunciar pela repercussão geral da matéria, o relator, ministro Marco Aurélio, disse que “a controvérsia dirimida pelo Tribunal de Justiça do estado de Mato Grosso extravasa, em muito, os limites subjetivos do processo com o qual se defrontou, podendo repetir-se em vários outros processos”.

“Está-se diante da definição do alcance do artigo 37 da Carta Federal quanto aos fatos, incontroversos, envolvidos na espécie”, observou o ministro. “No Brasil, a responsabilidade do Estado ainda não mereceu atenção maior. Cumpre ao Supremo defini-la, considerado o direito constitucional posto”.

Fonte: STF

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Direitos humanos, quantos abusos em seu nome


por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira*

Em nome dos direitos humanos, o plano ora apresentado pelo governo aborda várias situações não diretamente ligadas a esse elástico conceito, trazendo-o à baila como um salvo-conduto para propor a normatização dos mais variados temas. Não se trata de propostas a serem analisadas e discutidas pela sociedade ou por seus representantes, pois são impositivas, direcionadas sempre para um determinado sentido e estão prontas para se transformarem em normas cogentes.

As propostas que necessitarem de leis serão aprovadas, uma vez que o governo possui maioria parlamentar e, com certeza, não será admitida nenhuma alternativa em sentido diverso do desejado oficialmente. É possível que tenha havido discussões a respeito das propostas, mas em âmbito interno do partido do governo, uma vez que a sociedade delas não participou.

O exame do documento, por mais cuidadoso e atento que seja, não elucida a dúvida existente sobre a sua natureza. Pode parecer um plano de governo, uma mera carta de intenções, uma carta de princípios ideológicos ou um arremedo de Constituição.

Embora contenha ideias e propostas louváveis sob o aspecto ideal, o plano apresenta-se, em muitas de suas passagens, desprovido de rigor técnico, plausibilidade prática, seriedade - na medida em que muitas sugestões chegam a ser risíveis, outras, ininteligíveis e algumas, mera repetição do que existe. Portanto, necessário seria que seus autores esclarecessem a natureza jurídica do plano e declarassem quais os seus reais objetivos. Seria bom, até em nome de sua credibilidade, que parassem de dizer que se trata de um plano exclusivo de direitos humanos, pois efetivamente não o é.

Embora apenas alguns aspectos do plano tenham chamado a atenção, como as questões do aborto, da anistia, do controle dos editoriais da imprensa, outros merecem análise, pois também vão interferir na vida nacional, criando visíveis anomalias.

Assim, no chamado Eixo Orientador IV, que trata da Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência, dentre outros, alguns pontos merecem destaque.

Há propostas que chegam a ser ofensivas à inteligência, pois são desprovidas de bom senso e de um mínimo de racionalidade, como a absurda previsão de dotar as polícias e a Força Nacional de Segurança Pública de "munição, tecnologias e amas de menor potencial ofensivo". Com essa teratológica proposta o plano, incoerentemente, despreza os direitos humanos dos integrantes das polícias em particular e da população em geral, pois os deixa à mercê dos criminosos que, em regra, se apresentam muito bem armados (pág. 53).

Como um dos seus objetivos estratégicos o plano propõe o combate às "execuções extrajudiciais" por agentes do Estado (pág. 55). O termo "extrajudicial" nos leva a indagar: a não ser as execuções por dívidas, desde quando há execuções (assassinatos) judiciais no Brasil?

Outra pérola do mesmo quilate: a formulação de uma política de enfrentamento da "violência letal" contra crianças (pág. 56). Assim, se o combate é apenas contra as agressões que matam as crianças, aquelas que apenas as lesionarem não serão enfrentadas. Pela redação dada, a conclusão é essa ou o seu autor não conhece o significado do termo "letal".

Algumas das propostas, por outro lado, são absolutamente ininteligíveis, ao menos para nós, mortais de inteligência normal. Na página 48 está prevista a elaboração de políticas de prevenção da violência com o "objetivo de assegurar o reconhecimento das diferenças geracionais, de gênero, étnico-racial e de orientação sexual". Parece-me que nem sequer o mais aplicado e cuidadoso exegeta saberá decifrar a intenção contida nessa formulação.

É preciso reconhecer que o trabalho do governo possui algumas ideias respaldadas pela vontade de certos segmentos da sociedade. Não se entende, no entanto, o porquê da inclusão dessas ideias nesse plano, se a maioria delas já tramita nas Casas do Congresso como projetos de lei. Como exemplo temos a questão do aborto, já amplamente discutida por parte da sociedade e do Parlamento.

Outras questões que também apresentam algum interesse serão objeto de projetos de reforma de leis, que, no entanto, não são competentes para delas tratarem. Assim, como exemplo de desconhecimento do ordenamento jurídico, pode ser citada a proposta, constante da exposição de motivos do Eixo 4, concernente à reforma da Lei de Execuções Penais, para reduzir "a demanda por encarceramento" e priorizar penas e soluções alternativas. Ora, a Lei de Execuções não determina as sanções nem dosa as penas para as condutas delituosas. É o Código Penal e são as leis penais esparsas que, ao descreverem as condutas delituosas, preveem as sanções cabíveis. A Lei de Execuções limita-se a reger o cumprimento dessas mesmas penas.

Ainda na parte referente à Justiça, sobressai a flagrante agressão à Constituição federal, especificamente ao artigo 5º, incisos XXXIV e XXXV, pela previsão de um projeto de lei para condicionar a concessão de liminares pelo Poder Judiciário, nos conflitos agrários e urbanos, a uma audiência coletiva com os envolvidos. A condição impede o livre exercício do direito de petição e a imediata apreciação pela Justiça de uma violação de direito, direitos consagrados naqueles dispositivos.

São inúmeras as objeções de naturezas diversas encontradas nesse e em outros capítulos de um plano que, se foi elaborado com boas intenções, está mal construído, quer pelas ideias que contém, pouco claras algumas e sem sentido outras, quer pela redação confusa e descuidada, que é quase uma constante. Ele necessita de uma análise pontual de toda a sociedade, que saberá aproveitar ou corrigir o aproveitável e desprezar o imprestável.

* Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado, foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo e presidente da OAB-SP

Fonte: Estadao.com

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Polêmica marca definição da pena adequada para o traficante


A quantidade de entorpecente em poder do traficante nem sempre é suficiente para determinar o potencial ofensivo de sua ação

Qual a pena adequada para um traficante de entorpecentes? A questão é polêmica, divide opiniões no Judiciário e no Executivo e pode voltar a ser examinada pelo Congresso Nacional. Há cinco anos, ao aprovar a Lei Antidrogas (Lei 11.343/06), a opção do Congresso foi por descriminalizar o consumo e aumentar o rigor contra os traficantes.

O artigo 44 dessa lei tornou os crimes de tráfico de drogas inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Vedou-se, inclusive, a conversão das penas de encarceramento em penas restritivas de direitos - as chamadas penas alternativas, que envolvem prestação pecuniária, perda de bens e valores, desempenho de serviços comunitários, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.

Até o ano passado, a Justiça dispensava tratamento processual igual para condutas diferentes no tráfico de entorpecentes. Tanto o condenado por vender um grama de droga quanto o que guardava cem quilos não recebiam o benefício da pena alternativa, capaz de evitar o encarceramento.

Mas a situação mudou: no início de 2010, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ampliou a interpretação do princípio da individualização das penas. A conclusão foi que simplesmente vedar a substituição das penas nos crimes de tráfico viola preceito constitucional.

Potencial ofensivo

Ao julgar um habeas corpus em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) seguiu o mesmo caminho: a lei comum não tem força de subtrair do juiz o poder de impor ao delinquente a sanção que julgar mais adequada.

O relator, ministro Ayres Britto, lembrou que a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, ratificada por vários países e incorporada ao Direito interno em 1991, prevê tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize por seu menor potencial ofensivo.

Mas o que é potencial ofensivo? A interpretação fica a cargo de cada magistrado, já que o STF determinou ao juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da substituição da pena, na situação concreta do preso.

A recomendação nem sempre é seguida pelas instâncias inferiores: os pequenos traficantes (também chamados de mulas) são vistos por muitos juízes como engrenagens essenciais da rede de tráfico de drogas e, por isso, não se beneficiam de penas alternativas.

Danos

A quantidade de entorpecente em poder do traficante nem sempre é suficiente para determinar o potencial ofensivo de sua ação. Por isso, o senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) apresentou o projeto de lei (PLS) 187/09, que aumenta até o dobro a pena para quem traficar crack, a droga que, em sua opinião, é mais danosa à saúde dos dependentes. A proposta aguarda relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Outro critério para se avaliar o potencial ofensivo da ação do traficante pode ser encontrado no projeto de lei (PLS) 34/03, de autoria do senador Hélio Costa (PMDB-MG) e enviado à Câmara dos Deputados, onde tramita como PL 1827/07. A proposta aumenta de um terço ao dobro a pena para o tráfico de drogas praticado em estabelecimentos de ensino ou suas imediações.

Fonte: Agência Senado