“Não se pode considerar como desprovida de valor ou de ínfimo valor cártula de cheque preenchida no montante de R$550,00, documento este que representa verdadeiro potencial em dinheiro, facilmente aceito no comércio, ou em barganhas”, salientou o relator
Para a aplicação do princípio da insignificância é necessário que a conduta perpetrada pelo agente se revista de mínima lesividade, sendo preciso que o bem atacado seja destituído de valor, a ponto de não justificar a movimentação da máquina judiciária para a punição do autor do delito. Com esse norte, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso proveu a Apelação nº 70249/2010, interposta pelo Ministério Público Estadual em desfavor de sentença que julgara improcedente a pretensão punitiva prevista no artigo 171, caput, do Código Penal, e absolvera a ora apelada da acusação de estelionato, sob argumento do princípio da insignificância.
De acordo com os autos, a apelante furtou uma cártula de cheque na residência onde trabalhava e após preenchê-la no valor de R$550,00 dirigiu-se até um estabelecimento comercial no Município de Canarana (823km a leste de Cuiabá), onde comprou uma bolsa e calçados pelo preço de R$390,00 e recebeu como troco o valor de R$160,00. O ato delituoso foi descoberto apenas quando a comerciante procurou sacar o cheque junto à instituição bancária, e constatou que a assinatura não conferia com a da correntista.
O apelante sustentou nos autos que no caso em questão não haveria que se falar em aplicação do princípio da insignificância, pois o fato de a apelada ter posteriormente restituído o bem não torna atípica sua conduta. Asseverou que o fato de a apelada ter restituído os objetos obtidos de modo fraudulento não seria suficiente para tornar atípica a conduta a ela atribuída.
Da análise dos autos o relator do recurso, desembargador Gérson Ferreira Paes, verificou que a materialidade do delito restou consubstanciada pelo boletim de ocorrência e pelo auto de exibição e apreensão. O magistrado ressaltou o fato de a autoria ser confessa. Para ele, as provas reunidas demonstram que houve o cometimento do crime mediante artifícios ardilosos, pois a conduta da apelada e o resultado não são considerados irrelevantes para o direito penal.
“Não se pode considerar como desprovida de valor ou de ínfimo valor cártula de cheque preenchida no montante de R$550,00, documento este que representa verdadeiro potencial em dinheiro, facilmente aceito no comércio, ou em barganhas”, salientou o relator. O desembargador enfatizou que o cheque, mesmo em branco, tem relevante valor de uso, tratando-se de poderoso instrumento de crédito e, por isso, não pode ser desprezado o seu valor econômico.
Amparado em decisões de tribunais superiores, o relator asseverou que a adoção do princípio da insignificância deve ser feita de forma ponderada, visando coibir que sua aplicação se torne um instrumento de estímulo à prática reiterada de pequenos delitos contra o patrimônio, desestabilizando o convívio social. Assim, a câmara deu provimento ao recurso, permitindo o prosseguimento da ação penal em seu rito regular.
Acompanharam o voto do relator, à unanimidade, o desembargador Alberto Ferreira de Souza (revisor) e o juiz substituto de Segundo Grau Carlos Roberto Correia Pinheiro (vogal convocado).
Fonte: TJMT
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