Por Adriana Cardoso
São Paulo - Quando veio à tona o caso da menina pernambucana de nove anos, que foi abusada sexualmente pelo padrasto, de 23, desde os seis anos, a mãe da criança disse que só soube que o crime era cometido quando a garota engravidou de gêmeos e teve de ser submetida a um aborto porque corria risco de morte. Em outro caso horripilante, o do austríaco Josef Fritzl, de 73 anos, que manteve a filha Elisabeth por 24 anos em cativeiro e, nesse período, a violentou várias vezes e teve com ela sete filhos, a mulher dele também disse que não sabia. É possível nesses casos de abusos insistentes por anos, que as mães não saibam?
Para o promotor Tomás Busnardo Ramadan, coordenador adjunto do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público de São Paulo, não. "Acho difícil que a mãe não saiba, especialmente quando se trata de criança. Talvez por falta de educação, cultura, consciência, ela releve, porque quem traz o sustento para a casa é o marido e, na hora de pesar na balança, pode ser que ficar sem o provedor seja pior do que o resto", observa.
Na última quinta-feira (dia 26), a mãe da menina de nove anos foi indiciada pela Polícia Civil sob acusação de negligência. Segundo o delegado Antônio Luiz Dutra, responsável pelas investigações, houve omissão por parte da mulher, que poderia ter evitado a continuidade do crime e a consequente gravidez da filha. "Ela faltou na responsabilidade de proteger as filhas." Entretanto, a notificação oficial do indiciamento deve acontecer somente amanhã.
Nos processos de pedofilia, o promotor diz que são poucas as mães julgadas culpadas de coautoria no crime, porque geralmente afirmam que não sabiam. Mas, se ficar comprovado que eram conscientes, devem ser responsabilizadas criminalmente, geralmente por atentado violento ao pudor, além de perder a guarda do filho. "A mãe não precisa participar do ato em si para ser responsabilizada. É dever da mãe cuidar do filho e, se foi negligente ou omissa, deve responder por isso", diz Ramadan.
Daniela Pedroso, psicóloga do Serviço de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, em São Paulo, que há 12 anos trabalha com crianças vítimas de violência sexual, acredita que, sim, é possível a mãe não saber. "É difícil saber porque o ato geralmente acontece quando a mãe sai para trabalhar ou não está em casa. E a ameaça do agressor é tão grande que a criança, de tão amedrontada, consegue esconder." Por isso, Daniela salienta que, o importante, é a mãe acreditar no que o filho diz quando ele dá sinais de que algo está errado.
'Parte da loucura'
O componente cultural e a dificuldade em aceitar a realidade tão dura de um crime como a pedofilia podem fazer com que as mães, algumas vezes, sejam coniventes com o que acontece contra seus filhos. Na maioria dos casos os pequenos são vítimas de abuso sexual dentro de casa, debaixo de seus narizes, e o algoz é normalmente algum ente próximo. "Infelizmente, a cultura de uma região permite que o pai inicie sexualmente a filha, com a anuência da mãe", diz o promotor.
A psicóloga Elaine Levisky, especializada em psicanálise clínica para crianças e adolescentes, também acredita que o aspecto cultural pode influir. Mas ressalta que, às vezes, a mãe é omissa porque a aceitação da realidade pode ser muito dura. "A realidade é tão absurda que ela pode não suportar e, de alguma forma, justificá-la, porque o sofrimento é muito grande." Para Elaine, cada caso é um caso e pode ser que a mãe "faça parte da loucura", muitas vezes afligida pelo medo da ameaça, que é muito forte nesses casos, ou porque seja muito dependente emocionalmente do agressor.
Se a família significa a proteção da criança, como fica a situação dos filhos quando até a mãe é omissa ou conivente com a agressão contra eles? "O importante é que o fato sempre chegue ao Ministério Público", frisa Ramadan. E, segundo ele, pode ser de qualquer via: parentes, vizinhos e a escola. "Muitas vezes o sinal de que algo não vai bem em casa afeta o desempenho escolar da criança e a professora, se bem preparada, pode percebê-los."
Na opinião dele, o papel da família, da sociedade e a divulgação de casos têm feito com que outras pessoas denunciem esse tipo de crime, num efeito dominó. Daí o fato de, nos últimos meses, vários casos de pedofilia estarem vindo à tona.
Sinais
Na maioria das vezes, aquela história fantasiosa contada por seu filho pode ser uma forma de ele comunicar que algo vai errado. Por isso, é preciso ouvi-lo com atenção e apurar o que é fantasia e o que é realidade. "É preciso dar credibilidade às crianças, especialmente aos detalhes, àquilo que ela não diria normalmente", aconselha a psicóloga Daniela Pedroso, do Serviço de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, na capital paulista.
No trabalho que faz no Pérola Byington, Daniela atende todas as camadas sociais, uma prova de que a pedofilia não escolha classe. E, tendo como base sua experiência, diz que muitos casos de abuso só vêm à tona quando a vítima engravida, como foi o caso da menina pernambucana. Por isso, ressalta a importância de a criança ser ouvida e acreditada.
A psicóloga clínica Elaine Levisky concorda que as mães, bem como os entes próximos, precisam estar atentos. Mas pondera que os sinais emitidos pela criança ou adolescente podem ser ambíguos. "Nem sempre (os sinais) são claros e imediatos, especialmente porque a vítima está em posição de desvantagem perante o agressor." Entre os sinais comuns, aponta Elaine, podem estar falta de apetite, depressão, insônia, agressividade, certos medos, como do escuro e de certas pessoas - geralmente o agressor.
As psicólogas também enfatizam a dificuldade de discernimento da criança, como a noção de que o ato seja certo ou errado. Ambas dizem que tudo depende da relação de troca entre vítima e agressor. "Às vezes fica difícil a criança entender que aquilo (o abuso) é errado. O agressor pode, por exemplo, sustentar a casa, comprar brinquedos a ela. Assim, demora para 'cair a ficha' de que o que está acontecendo seja errado e ruim para ela", diz Daniela.
Fonte: Agência Estado
São Paulo - Quando veio à tona o caso da menina pernambucana de nove anos, que foi abusada sexualmente pelo padrasto, de 23, desde os seis anos, a mãe da criança disse que só soube que o crime era cometido quando a garota engravidou de gêmeos e teve de ser submetida a um aborto porque corria risco de morte. Em outro caso horripilante, o do austríaco Josef Fritzl, de 73 anos, que manteve a filha Elisabeth por 24 anos em cativeiro e, nesse período, a violentou várias vezes e teve com ela sete filhos, a mulher dele também disse que não sabia. É possível nesses casos de abusos insistentes por anos, que as mães não saibam?
Para o promotor Tomás Busnardo Ramadan, coordenador adjunto do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público de São Paulo, não. "Acho difícil que a mãe não saiba, especialmente quando se trata de criança. Talvez por falta de educação, cultura, consciência, ela releve, porque quem traz o sustento para a casa é o marido e, na hora de pesar na balança, pode ser que ficar sem o provedor seja pior do que o resto", observa.
Na última quinta-feira (dia 26), a mãe da menina de nove anos foi indiciada pela Polícia Civil sob acusação de negligência. Segundo o delegado Antônio Luiz Dutra, responsável pelas investigações, houve omissão por parte da mulher, que poderia ter evitado a continuidade do crime e a consequente gravidez da filha. "Ela faltou na responsabilidade de proteger as filhas." Entretanto, a notificação oficial do indiciamento deve acontecer somente amanhã.
Nos processos de pedofilia, o promotor diz que são poucas as mães julgadas culpadas de coautoria no crime, porque geralmente afirmam que não sabiam. Mas, se ficar comprovado que eram conscientes, devem ser responsabilizadas criminalmente, geralmente por atentado violento ao pudor, além de perder a guarda do filho. "A mãe não precisa participar do ato em si para ser responsabilizada. É dever da mãe cuidar do filho e, se foi negligente ou omissa, deve responder por isso", diz Ramadan.
Daniela Pedroso, psicóloga do Serviço de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, em São Paulo, que há 12 anos trabalha com crianças vítimas de violência sexual, acredita que, sim, é possível a mãe não saber. "É difícil saber porque o ato geralmente acontece quando a mãe sai para trabalhar ou não está em casa. E a ameaça do agressor é tão grande que a criança, de tão amedrontada, consegue esconder." Por isso, Daniela salienta que, o importante, é a mãe acreditar no que o filho diz quando ele dá sinais de que algo está errado.
'Parte da loucura'
O componente cultural e a dificuldade em aceitar a realidade tão dura de um crime como a pedofilia podem fazer com que as mães, algumas vezes, sejam coniventes com o que acontece contra seus filhos. Na maioria dos casos os pequenos são vítimas de abuso sexual dentro de casa, debaixo de seus narizes, e o algoz é normalmente algum ente próximo. "Infelizmente, a cultura de uma região permite que o pai inicie sexualmente a filha, com a anuência da mãe", diz o promotor.
A psicóloga Elaine Levisky, especializada em psicanálise clínica para crianças e adolescentes, também acredita que o aspecto cultural pode influir. Mas ressalta que, às vezes, a mãe é omissa porque a aceitação da realidade pode ser muito dura. "A realidade é tão absurda que ela pode não suportar e, de alguma forma, justificá-la, porque o sofrimento é muito grande." Para Elaine, cada caso é um caso e pode ser que a mãe "faça parte da loucura", muitas vezes afligida pelo medo da ameaça, que é muito forte nesses casos, ou porque seja muito dependente emocionalmente do agressor.
Se a família significa a proteção da criança, como fica a situação dos filhos quando até a mãe é omissa ou conivente com a agressão contra eles? "O importante é que o fato sempre chegue ao Ministério Público", frisa Ramadan. E, segundo ele, pode ser de qualquer via: parentes, vizinhos e a escola. "Muitas vezes o sinal de que algo não vai bem em casa afeta o desempenho escolar da criança e a professora, se bem preparada, pode percebê-los."
Na opinião dele, o papel da família, da sociedade e a divulgação de casos têm feito com que outras pessoas denunciem esse tipo de crime, num efeito dominó. Daí o fato de, nos últimos meses, vários casos de pedofilia estarem vindo à tona.
Sinais
Na maioria das vezes, aquela história fantasiosa contada por seu filho pode ser uma forma de ele comunicar que algo vai errado. Por isso, é preciso ouvi-lo com atenção e apurar o que é fantasia e o que é realidade. "É preciso dar credibilidade às crianças, especialmente aos detalhes, àquilo que ela não diria normalmente", aconselha a psicóloga Daniela Pedroso, do Serviço de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, na capital paulista.
No trabalho que faz no Pérola Byington, Daniela atende todas as camadas sociais, uma prova de que a pedofilia não escolha classe. E, tendo como base sua experiência, diz que muitos casos de abuso só vêm à tona quando a vítima engravida, como foi o caso da menina pernambucana. Por isso, ressalta a importância de a criança ser ouvida e acreditada.
A psicóloga clínica Elaine Levisky concorda que as mães, bem como os entes próximos, precisam estar atentos. Mas pondera que os sinais emitidos pela criança ou adolescente podem ser ambíguos. "Nem sempre (os sinais) são claros e imediatos, especialmente porque a vítima está em posição de desvantagem perante o agressor." Entre os sinais comuns, aponta Elaine, podem estar falta de apetite, depressão, insônia, agressividade, certos medos, como do escuro e de certas pessoas - geralmente o agressor.
As psicólogas também enfatizam a dificuldade de discernimento da criança, como a noção de que o ato seja certo ou errado. Ambas dizem que tudo depende da relação de troca entre vítima e agressor. "Às vezes fica difícil a criança entender que aquilo (o abuso) é errado. O agressor pode, por exemplo, sustentar a casa, comprar brinquedos a ela. Assim, demora para 'cair a ficha' de que o que está acontecendo seja errado e ruim para ela", diz Daniela.
Fonte: Agência Estado
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