quinta-feira, 26 de março de 2009

Em defesa do idoso


O passar dos anos traz maturidade com as experiências da vida. Mas, com essa bagagem também surgem as rugas, os cabelos brancos, a diminuição da força motora e algumas doenças degenerativas.
Para alguns, que sabem aproveitar a vida e conseguem ainda gozar momentos de felicidade, envelhecer não é um problema. Pode até ser uma dádiva.
P
orém, para outros, a idade traz consigo a fragilidade e todas as consequências que dela advem. Some-se a isso ingratidão: pronto! A fórmula para os abusos e maus tratos está completa.
Foi com sensibilidade em análise aos fatos, e munido de razoabilidade, que o juiz Roberto Laux Junior sentenciou, condenando a Sra. Vera Straich Soares, por maus tratos à mãe idosa e "quase" indefesa. Se não fosse pela tamanha lucidez do magistrado, poder-se-ia dizer: completamente indefesa.
COMARCA DE CRISSIUMAL VARA JUDICIAL
Av. Vinte de Setembro, 245
Nº de Ordem: Processo nº: 094/2.08.0000032-2
Natureza: Periclitação da Vida e da Saúde Autor: Justiça Pública
Réu: Vera Straich Soares
Juiz Prolator: Juiz de Direito - Dr. Roberto Laux Junior
Data: 30/06/2008
Vistos etc.
O Ministério Público denunciou Vera Straich Soares, brasileira, casada, natural de Crissiumal/RS, filha de Júlio Santos Soares e de Anadiles Machado Straich, nascida em 12/06/1979, com 28 anos de idade à época dos fatos, residente e domiciliada na Linha Mirim, interior do Município de Crissiumal/RS, como incursa nos crimes tipificados no caput dos arts. 99 e 102 da Lei 10.741/2003, na forma do art. 69 caput do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos:
1º fato
Em data e horário não devidamente especificados nos autos, mas no ano de 2007, na Localidade de Vila Mirim, interior de Crissiumal/RS, a denunciada Vera Straich Soares expôs a perigo a integridade e a saúde física e psíquica de idosa, qual seja, Anadiles Machado Straich, privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis. Na ocasião, a vítima estava residindo em um "galpão", nos fundos da casa da denunciada, sem luz elétrica, e sem os devidos cuidados higiênicos, conforme os fatos das fls. 16/20, fazendo suas necessidades fisiológicas na cama, sem que a denunciada providenciasse qualquer cuidado. Ainda, a vítima, há pouco tempo, sofreu um derrame cerebral e estava sem condições de se movimentar sem auxílio de outras pessoas. Além disso, a idosa não recebia a devida alimentação, apresentando-se emagrecida (fl. 06), embora a denunciada recebesse o benefício previdenciário de Anadiles.
2º fato
Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, a denunciada Vera Straich Soares apropriou-se de bem imóvel da idosa Anadiles Machado Straich e proventos desta, dando-lhe aplicação diversa de sua finalidade. Para perpetração do delito, a denunciada vendeu o imóvel localizado na Rua Rio Branco, em Crissiumal, de propriedade da vítima, na qual esta, inclusive, residida não lhe repassando o valor adquirido com a venda, dando aplicação desconhecida. Ainda, a denunciada aproveitava-se dos proventos que a vítima recebia, ou seja, dois salários mínimos, sem repassar qualquer valor à idosa. A denúncia foi recebida em 31 de março de 2008 (fl. 40). Em audiência, a ré foi interrogada (fls. 46/48), e lhe foi nomeado defensor (fl. 45), o qual, posteriormente, apresentou defesa prévia (fl. 53). Em solenidade posterior, foram inquiridas duas testemunhas de acusação e três de defesa. Tendo em vista o estado de saúde da vítima, o Ministério Público dispensou sua oitiva, tendo a defesa concordado com a inversão da ordem de coleta da prova. A defesa postulou pela substituição da testemunha Andréia por Cláudia (fls. 55/69). No prazo do art. 499 do Código de Processo Penal, o Ministério Público requereu fossem atualizados os antecedentes criminais da ré (fl. 71), os quais sobrevieram (fls. 72/73), enquanto que a defesa não se manifestou. Alegações finais apresentadas pelo Ministério Público às fls. 74/93 e pela defesa às fls. 94/97.
É o relatório. Passo a fundamentar.
1º fato
A materialidade, assim como a autoria do delito prvisto no art. 99 da Lei 10.741/03 estão devidamente comprovadas pelo boletim de ocorrência de fl. 26, relatório de atendimento da fl. 10, estudo social das fls. 12/18, pelas fotos das fls. 21/25, e pelos depoimentos coligidos aos autos. As alegações da ré de que cuidava da vítima não encontram o menor suporte, pois as fotos acostadas aos autos falam por si. A condição da idosa era lastimável estando, inclusive, extremamente debilitada, o que se pode ver claramente nas fotos já referidas. As testemunhas arroladas pelo Ministério Público são uníssonas ao referir que as denúncias de maus tratos à idosa já ocorriam há muito mais tempo, inclusive, sempre que iam verificar o fato a ré já havia se mudado sob o argumento de que a vítima se desentendia com os vizinhos. Ora, se durante anos a idosa viveu em casa de sua propriedade e nunca precisou mudar sua residência em razão de desentendimentos, incabível tal argumento. Por que razão, só após o momento em que a ré foi morar com a vítima tal mudança seria necessária? Seria porque os maus tratos se iniciaram e os vizinhos, perturbados com os gritos e gemidos da vítima passaram a fazer denúncias de tal situação? Ainda, a vítima recebe dois benefícios previdenciários que deveriam ser usados para prover sua saúde e bem-estar. Pela situação em que foi encontrada, certo é que esses valores não eram destinados para manutenção de SUA moradia. Argumentar a ré que as fraldas eram muito caras, e dizer que a idosa estava toda urinada no momento da visita pois as que se podia comprar eram de má qualidade, ao contrário de escusar, muito mais revela o descaso constatado. Ainda, dizer que saía deixando a vítima na companhia das crianças, sendo a mais velha de 12 anos aproximadamente e a mais nova de 3 anos é inadmissível, primeiro porque não poderiam dispensar o devido cuidado à Dona Anadiles e, segundo, porque 5 crianças com idade entre 12 e 3 anos não têm capacidade de se cuidarem . Os maus tratos capitulados no art. 99 da Lei 10.741/2003 estão mais do que comprovados.
2º fato
A materialidade, assim como a autoria do segundo fato delituoso descrito na denúncia estão devidamente comprovadas pelo boletim de ocorrência de fl. 26, relatório de atendimento fl. 10, estudo social das fls. 12/18, pelas fotos das folhas 21/25, e pelos depoimentos coligidos aos autos. Quando em 2004 a testemunha Fernanda Isabel Martins Cavalheiro foi encarregada de realizar estudo social nos autos do processo 1.03.0000682-0, narrou Anteriormente a Sra. Anadiles morava na Rua Rio Branco sem número, em residência própria, onde conviveu com seu falecido marido juntamente com seu neto Lucas. A filha Sra. Vera não tendo para onde ir veio morar com sua mãe, onde construíram algumas peças ao lado da casa juntamente com sua família, sendo proprietária a Sra. Anadiles abrigou sua filha... Ainda, no seu depoimento em juízo enriqueceu tal fato dizendo ... era casa da dana Anadiles, ela tinha a sua casa própria, seus bens móveis, morava com o neto dela, só que ela não tinha a guarda, do qual ela tinha um amor enorme por essa criança. E quem morava numas pecinhas nos cômodos na frente, era a filha, Vera que veio pedir ajuda pra mãe, pelo que a dona Anadiles tinha colocado, e veio ali morar com os filhos e o companheiro. Depois disso, fui fazer visita domiciliar, depois de realizado o estudo social pra questão da guarda... fui encontrar a Dona Anadiles em outro lugar, numa casa alugada. Aí eu conversei com a Dona Anadiles e também conversei com a filha, com a Vera, que colocou que ela não se acertou com uma vizinha, parece uma história assim. Só que ela morou muito tempo na rua Rio Branco, e eles resolveram então, porque ela não tinha se acertado com essa vizinha, se desfazer da casa e de tudo o que ela tinha. E compraram uma propriedade no interior, dessa propriedade no interior, na Linha Brasil, a Vera me colocou. A filha, que eles venderam de novo porque ela também não tinha se acertado com o vizinho. E ai tinha comprado no Caçador, aí eu perguntei se eles tinham ainda essa propriedade, ela disse, que sim, que eles tinham uma propriedade, mas não sabia dizer a localização. Ora, se em 2004 a situação da Dona Anadiles era a descrita anteriormente, tendo sido procurada pela filha que não tinha para onde ir, momento em que foi acolhida, passando a residir em umas peças construídas ao lado da casa da vítima. Quando da instauração do termo circunstanciado, pouco mais de três anos após o estudo social realizado pela Sra. Fernanda, a vítima não tem mais nada, sequer móveis um quarto adequado à sua condição de idosa, sendo relegada a residir em um galpão, "o que separava a porta desse lugar que chamavam de quarto pra ela, era uma cortina, um pano, que simplesmente fechava ali, uma luzinha num canto e deu" ( fl. 61). Ainda, neste mesmo período, a ré, que procurou a vítima por não ter para onde ir, conseguiu se tornar proprietária de um imóvel que, certamente, foi amealhado com o conjugação dos rendimentos resultantes do desvio do benefício previdenciário da autora e do dinheiro recebido pela venda do imóvel pertencente à Sra. Anadiles já que, como referiu à fl. 47 seu marido "trabalhou um tempo na fábrica ali, um pouco de pedreiro. Na fábrica ele ganhava um salário de R$ 400,00 e pouco, quando ele ia de pedreiro é por dia, não ganhava muito, não sei bem certo quanto era".
Afirmou a ré, ainda, quando interrogada em juízo os seguintes termos:
Juiz: E a Senhora recebia aposentadoria da sua mãe?
Interroganda: Sim
Juiz: Eram dois salários mínimos?
Interroganda: (Dois)
Juiz: Continua recebendo?
Interroganda: Não, eu entrego tudo pro asilo.
Juiz: Como?
Interroganda: Eu entrego pro asilo.
Juiz: E o que a senhora fazia com o dinheiro?
Interroganda: Comprava fraldas, remédios, comida.
...
Juiz: O dinheiro da sua mãe, a senhora usava só pra ela?
Interroganda: Não, a gente fazia, ajudava no rancho, e gastava...
Comprovado, portanto a aplicação diversa à que se destina dos benefícios previdenciários recebidos pela vítima. Portanto, presentes materialidade e autoria delitivas, bem como considerando a inexistência de causas de exclusão do crime ou isenção depena, inafastável a condenação da ré e conseqüente aplicação da relativa sanção penal.
DOSIMETRIA DA PENA
1º FATO
Pena-Base
A pena cominada para o delito previsto no art. 99, caput da Lei 10.741/03 é de detenção de 2 meses a 1 ano e multa. As circunstâncias subjetivas e objetivas do art. 59 do Código Penal são favoráveis à ré: esta não possui antecedentes judiciais (fl. 42); quanto à conduta social e à personalidade do agente, não há maiores elementos para que sejam analisadas, motivo pelo qual são ponderadas positivamente; não há outro motivo para o cometimento do delito senão aquele normal à espécie; as circunstâncias do crime e suas conseqüências permitem a elevação da quantidade da pena-base; o comportamento da vítima não pode ser considerado como colaborador para o desfecho da situação. Analisadas conjuntamente todas as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, bem como o grau de reprovabilidade da conduta do réu, tenho que a culpabilidade não se afasta do grau mínimo. Assim, fixo a pena-base em 02 meses de detenção.
Pena Provisória
Não havendo agravantes ou atenuante a serem cinsideradas, a pena provisória mantém-se no mínimo legal, qual seja, 02 meses de detenção.
Pena Definitiva
Não há quaisquer causas de aumento ou diminuição (majorantes ou minorantes), motivo pelo qual a pena permanece fixada em 02 meses de detenção em regime inicial aberto.
PENA DE MULTA
O art. 60 do Código Penal determina que na fixação da pena de multa se atenda, principalmente, à situação econômica do réu, que possui como se verificou, é dona de casa e o único rendimento da família é auferido pelo autor em valor não superior a R$ 1.000,00, renda esta que mantém, além do casal, seus 6 filhos. Dessa forma, arbitro a pena de multa em 10 DIAS-MULTA, sendo o dia-multa fixado em um trigésimo do valor do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato.
2º FATO
Pena-Base
A pena cominada para o delito previsto no art. 102 da Lei 10.741/03 é de reclusão de 1 a 4 anos e multa. As circunstâncias subjetivas e objetivas do art. 59 do Código Penal são favoráveis à ré: esta não possui antecedentes judiciais (fl. 42); quanto à conduta social e à personalidade do agente, não há maiores elementos para que sejam analisadas, motivo pelo qual são ponderadas positivamente; não há outro motivo para o cometimento do delito senão aquele normal à espécie; as circunstâncias do crime e suas conseqüências permitem a elevação da quantidade da pena-base; o comportamento da vítima não pode ser considerado como colaborador para o desfecho da situação. Analisadas conjuntamente todas as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, bem como o grau de reprovabilidade da conduta do réu, tenho que a culpabilidade não se afasta do grau mínimo. Assim, fixo a pena-base em 1 ano de reclusão.
Pena Provisória
Não havendo agravantes ou atenuante a serem cinsideradas, a pena provisória mantém-se no mínimo legal, qual seja, 1 ano de reclusão.
Pena Definitiva
Não há quaisquer causas de aumento ou diminuição (majorantes ou minorantes), motivo pelo qual a pena permanece fixada em 1 ano e 2 meses de de reclusão em regime inicialmente aberto.
PENA DE MULTA
O art. 60 do Código Penal determina que na fixação da pena de multa se atenda, principalmente, à situação econômica do réu, que possui como se verificou, é dona de casa e o único rendimento da família é auferido pelo autor em valor não superior a 1.000,00, renda esta que mantém, além do casal, seus 6 filhos. Dessa forma, arbitro a pena de multa em 10 DIAS-MULTA, sendo o dia-multa fixado em um trigésimo do valor do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato.
CONCURSO MATERIAL DE CRIMES
Como estabelece o art. 69 do Código Penal, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. Fixo a pena definitiva em 1 ano e 2 meses, sendo um ano de reclusão e 2 meses de detenção, cumprinso-se aquela em primeiro. Viável a substituição da pena privativa de liberdade por duas pena restritiva de direitos, de acordo com a perte final do § 2º do art. 44 do Código Penal; assim, substituo a pena privativa por prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, a ser discriminada pelo juiz da execução e prestação pecuniária em favor da vítima, a qual, com base no § 1º do art. 45 do Código Penal, arbitro em 2 salários mínimos.
PENA DE MULTA
A pena de multa resta fixada em 20 DIAS-MULTA, sendo o dia-multa fixado em um trigésimo do valor do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, como determina o art. 72 do Código Penal: no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente. Face ao exposto, julgo procedente a denúncia para condenar Vera Straich Soares, como incursa nas sanções dos arts. 99 e 102 da Lei 10.741/2003.
Custas pela ré, que suspendo em virtude do benefício da assistência judiciária gratuita, que ora concedo.
Fixo honorários advocatícios ao patrono dativo, na forma do Ato Nº 19/2005 - P, do Tribunal de Justiça, em R$ 260,00.
- Expeça-se certidão.
- Com o trânsito em julgado: Lance-se o nome no rol dos culpados; Expeça-se o PEC definitivo; Expeça-se boletim estatístico.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Crissiumal, 30 de junho de 2008.
Roberto Laux Junior,
Juiz de Direito.

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