A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou ação penal em trâmite na 1ª Vara Criminal da Comarca de Barbacena, Minas Gerais, contra E.C.G., denunciado por corrupção de menores para a prática de mendicância. A Turma seguiu, por unanimidade, o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, que considerou a matéria inusitada, tendo em vista alteração superveniente da lei que aboliu o crime.
Isso porque as condutas previstas nos artigos em que a denúncia se baseou teriam sido, posteriormente, descriminalizadas. O caso foi analisado durante sessão ocorrida na tarde desta terça-feira (26), no julgamento do Habeas Corpus (HC) 103787.
O caso
Desde o mês de agosto de 2002, E.C.G. e uma corré induziram menores a pedir esmolas pelas ruas da cidade de Barbacena, incitando-os à prática da mendicância. Eles foram denunciados como incursos no artigo 1º, da Lei 2.252/54, e artigo 60, da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3688/41), respectivamente, corrupção de menores e mendicância.
Foi concedido o benefício da suspensão condicional do processo pelo prazo de dois anos e, após o transcurso do período de prova, foi extinta a punibilidade pela juíza da 1ª Vara Criminal da Comarca de Barbacena. Contra essa decisão, o Ministério Público estadual interpôs recurso no Tribunal de Justiça (TJ-MG), que o desproveu. Na sequência, o MP recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que cassou a decisão que declarou extinta a punibilidade do acusado.
Descriminalização
Com base no artigo 2º, do Código Penal, a defesa alegava que houve abolitio criminis, isto é, abolição dos crimes imputados aos denunciados em razão da revogação da Lei 2.252/54 pelo artigo 7º, da Lei 12.015/09, e também do artigo 60, da Lei das Contravenções Penais, pela Lei 11.983/09.
Sustentava a impossibilidade de revogação do benefício da suspensão condicional do processo após o término do período de prova, especialmente depois de declarada a extinção da punibilidade por decisão judicial. Os advogados insistiam no reconhecimento da atipicidade da conduta tendo em vista a abolitio criminis. Alternativamente, pediam que fosse restabelecida a sentença de primeiro grau que declarou extinta a punibilidade.
Crimes distintos
De início, o ministro Ricardo Lewandowski esclareceu haver distinção entre o delito de corrupção de menores previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 244-B) e o crime de corrupção de menores previsto no Código Penal (artigo 218-A e 218-B).
Segundo ele, o primeiro delito referia-se apenas a aspecto relacionado à inserção do jovem na criminalidade e o segundo, quanto à questão sexual. “Não se deve olvidar o disposto nos artigo 218-A e 218-B do Código Penal que cuidam da corrupção de menores no campo sexual, favorecendo a depravação precoce do adolescente que, levado pelo adulto, passa a praticar o ato sexual como se fosse algo banal, prejudicando a boa formação dos seus valores morais”, explicou.
Voto
Apesar de verificar que a alegada ocorrência de abolitio criminis da imputação feita ao acusado não foi analisada pelo STJ, Lewandowski entendeu que “as peculiaridades do caso recomendam a concessão da ordem de ofício”. Ele avaliou que o artigo 60 da Lei das Contravenções Penais foi revogado pela Lei 11.983/90 “descriminalizando, assim, a conduta antes descrita como mendicância”.
O relator também analisou que a Lei 12.015/99 realmente revogou a Lei 2.252/54, que tratava da corrupção de menores. “Todavia, inseriu o artigo 244-B no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90) cuja redação é a mesma da norma revogada”, disse o ministro. O dispositivo tem a seguinte redação: “Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticar”.
De acordo com o ministro Ricardo Lewandowski, o referido Estatuto busca proteger o menor em relação à influência negativa de adultos na fase de formação da personalidade, evitando, com isso, a sua inserção precoce no mundo do crime. “Logo, deixando de ser a mendicância infração penal, desaparece no caso sob exame objeto jurídico tutelado pelo ECA, uma vez que não mais existe a contravenção penal que os menores foram levados a praticar, ocorrendo, por consequência, lógica a abolitio criminis em relação aos dois delitos imputados ao paciente”, concluiu.
Assim, o relator concedeu a ordem de ofício para arquivar a ação penal relativamente às duas imputações – mendicância e corrupção de menor. Ele reconheceu a atipicidade dos atos atribuídos ao acusado e julgou prejudicado o habeas corpus quanto ao pedido da suspensão condicional do processo.
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Fonte: STF
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