Há pouco mais de nove anos, o então senador José Roberto Arruda protagonizou uma cena marcante no Congresso. Arruda foi acusado de ordenar a uma servidora do Senado que violasse o sigilo do painel de votação do plenário para saber como seus colegas haviam votado na cassação do então senador Luiz Estevão. Arruda foi à tribuna e jurou inocência. Dias depois, chorando, Arruda voltou à tribuna para pedir desculpas e renunciar ao mandato. Arruda voltou à política no ano seguinte, elegeu-se deputado e depois governador do Distrito Federal em 2006. Até hoje, Arruda não foi julgado pela violação do painel. A investigação anda tão devagar que ele ainda vai prestar depoimento à Justiça. Nesse ritmo, Arruda deverá receber a sentença - a que podem caber recursos - até abril do ano que vem, quase dez anos depois.
Esse exemplo demonstra a grande dificuldade do combate à corrupção: a impunidade. Sempre é possível aperfeiçoar a lei. Mas nem a legislação atual - branda, de acordo com muitos especialistas - é cumprida. Isso encoraja todo tipo de irregularidade, como sabe qualquer cidadão habituado a dirigir depois de beber com os amigos. Essa atitude varia em razão de um único fator: a certeza de que encontrará - ou não - uma batida policial no caminho de casa.
De acordo com levantamento da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), de 1988 até a metade de 2007, dos 130 processos envolvendo políticos - presidente, deputados e senadores -, apenas seis haviam sido julgados pelo STF. Ninguém foi condenado. "Os prazos para o julgamento são muito esticados, e isso passa a impressão de que o crime compensa", diz Mozart Valadares, presidente da AMB. "A Justiça deveria funcionar mais rápido", diz o jurista Roberto Caldas, da Corte Interamericana de Direitos Humanos. "Teria de ser como um pronto-socorro, não como um spa, onde a sentença fica descansando."
Nos Estados Unidos, em pouco mais de um mês, o ex-governador de Illinois, Rod Blagojevich (Blago), foi investigado e banido da política. Ele foi flagrado tentando leiloar a vaga de senador deixada por Barack Obama, quando ele foi eleito presidente. Diante de provas irrefutáveis no escândalo Watergate, Richard Nixon renunciou à Presidência dos Estados Unidos. Ele deixou a Casa Branca para nunca mais voltar à vida pública - e não para retomar a carreira no pleito seguinte.
Nos EUA, a certeza da punição começa na formação de cada governo. Candidatos a postos no primeiro escalão podem ser vetados pelo Senado, antes de assumir seus cargos, caso surjam provas de que cometeram irregularidades. Eles nem precisam ter sido condenados pela Justiça, pois serão julgados pelos senadores. Os riscos são tão altos que muitos desistem do emprego antes mesmo da sabatina.
É verdade que o Brasil tem avançado na descoberta de novos casos de corrupção - um levantamento feito por ÉPOCA descobriu que, só entre 2003 e 2006, houve 216 operações contra corrupção feitas pela Polícia Federal. A última revelação aconteceu na semana passada, quando vazou um documento recolhido na Operação Castelo de Areia, que investigava a empreiteira Camargo Corrêa. O documento revelou uma relação de 200 políticos suspeitos de receber contribuições indevidas, entre eles o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), cujo nome aparece no documento 21 vezes entre 1996 e 1998. De acordo com a documentação, ele teria recebido US$ 345 mil. Temer negou com veemência ter recebido doações ilegais. Na lista aparecem ainda os nomes dos tucanos Walter Feldman, secretário municipal de Esportes de São Paulo, e Aloysio Ferreira Nunes, secretário da Casa Civil do governo de São Paulo. Eles consideraram as acusações "ridículas".
Embora a ação da PF traga novas denúncias, a etapa seguinte, na Justiça, ainda é lenta. De acordo com o levantamento feito por ÉPOCA no ano passado, apenas 7% das pessoas indiciadas pela PF por crimes ligados à corrupção foram condenadas e presas. A lentidão é especialmente grave nos casos que envolvem políticos com foro privilegiado, que atrasa o andamento dos processos. Um exemplo: só na semana passada, depois de quatro anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu abrir processo contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) no caso conhecido como "mensalão mineiro". Azeredo é acusado de ter se beneficiado de um esquema de desvio de verbas de contratos de publicidade para sua campanha à reeleição ao governo de Minas Gerais, em 1998. O caso de Azeredo tem outra característica comum aos políticos: negar os fatos. Ele diz que não assinou um recibo de R$ 4,5 milhões, uma das mais sólidas provas do processo. O documento tem um carimbo do cartório, que reconheceu sua assinatura.
Entre os crimes políticos, só os eleitorais têm sido punidos, com a cassação do mandato e, às vezes, a perda dos direitos políticos por três anos. Em oito casos recentes envolvendo governadores, três terminaram em condenação. Uma explicação para isso é a regra em vigor até há pouco: o segundo colocado na eleição ficava com o cargo em caso de cassação do vencedor. O interesse político ajudava a acelerar o processo. A Justiça Eleitoral também anda mais rápido porque permite menos recursos, segundo Walter Costa Porto, especialista em legislação eleitoral.
Os especialistas ouvidos por Época afirmam que é possível melhorar o quadro no que diz respeito às denúncias por corrupção. Para Cezar Britto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os crimes de grande repercussão ou que provoquem dano coletivo deveriam ser julgados antes de outros. "Hoje, os julgamentos seguem a ordem das denúncias apresentadas pelo Ministério Público (MP)", afirma. É um universo que envolve desde o cidadão famélico acusado de furtar uma padaria até o tubarão que desvia recursos públicos. Outra saída, diz Britto, é autorizar os juízes de primeira instância a conduzir os processos daqueles políticos que têm foro privilegiado. Embora não possam julgá-los, eles poderiam colher depoimentos, analisar provas e pedir diligências. Com isso, seria possível liberar os juízes dos tribunais superiores. O ministro do STF Joaquim Barbosa já adota esse procedimento no julgamento do mensalão petista, segundo Britto. Também é essencial coordenar a comunicação entre todas as siglas envolvidas num processo, como CPIs, PF e MP. Sem essa coesão, a acusação fica frágil.
Para Costa Porto, o eleitor também pode ajudar a combater a impunidade. "Basta não eleger maus políticos. Isso já ajuda a poupar a Justiça e o país", diz. O índice de renovação do Congresso, que ultrapassa 50%, mostra que o eleitorado tenta renovar. Mas a permanência dos abusos mostra como é difícil fazer boas escolhas. Os políticos até mudam - mas os maus hábitos permanecem. (A matéria foi publicada na revista Época e é de autoria dos repórteres Murilo Ramos e Leonel Rocha)
Fonte: CF-OAB
Esse exemplo demonstra a grande dificuldade do combate à corrupção: a impunidade. Sempre é possível aperfeiçoar a lei. Mas nem a legislação atual - branda, de acordo com muitos especialistas - é cumprida. Isso encoraja todo tipo de irregularidade, como sabe qualquer cidadão habituado a dirigir depois de beber com os amigos. Essa atitude varia em razão de um único fator: a certeza de que encontrará - ou não - uma batida policial no caminho de casa.
De acordo com levantamento da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), de 1988 até a metade de 2007, dos 130 processos envolvendo políticos - presidente, deputados e senadores -, apenas seis haviam sido julgados pelo STF. Ninguém foi condenado. "Os prazos para o julgamento são muito esticados, e isso passa a impressão de que o crime compensa", diz Mozart Valadares, presidente da AMB. "A Justiça deveria funcionar mais rápido", diz o jurista Roberto Caldas, da Corte Interamericana de Direitos Humanos. "Teria de ser como um pronto-socorro, não como um spa, onde a sentença fica descansando."
Nos Estados Unidos, em pouco mais de um mês, o ex-governador de Illinois, Rod Blagojevich (Blago), foi investigado e banido da política. Ele foi flagrado tentando leiloar a vaga de senador deixada por Barack Obama, quando ele foi eleito presidente. Diante de provas irrefutáveis no escândalo Watergate, Richard Nixon renunciou à Presidência dos Estados Unidos. Ele deixou a Casa Branca para nunca mais voltar à vida pública - e não para retomar a carreira no pleito seguinte.
Nos EUA, a certeza da punição começa na formação de cada governo. Candidatos a postos no primeiro escalão podem ser vetados pelo Senado, antes de assumir seus cargos, caso surjam provas de que cometeram irregularidades. Eles nem precisam ter sido condenados pela Justiça, pois serão julgados pelos senadores. Os riscos são tão altos que muitos desistem do emprego antes mesmo da sabatina.
É verdade que o Brasil tem avançado na descoberta de novos casos de corrupção - um levantamento feito por ÉPOCA descobriu que, só entre 2003 e 2006, houve 216 operações contra corrupção feitas pela Polícia Federal. A última revelação aconteceu na semana passada, quando vazou um documento recolhido na Operação Castelo de Areia, que investigava a empreiteira Camargo Corrêa. O documento revelou uma relação de 200 políticos suspeitos de receber contribuições indevidas, entre eles o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), cujo nome aparece no documento 21 vezes entre 1996 e 1998. De acordo com a documentação, ele teria recebido US$ 345 mil. Temer negou com veemência ter recebido doações ilegais. Na lista aparecem ainda os nomes dos tucanos Walter Feldman, secretário municipal de Esportes de São Paulo, e Aloysio Ferreira Nunes, secretário da Casa Civil do governo de São Paulo. Eles consideraram as acusações "ridículas".
Embora a ação da PF traga novas denúncias, a etapa seguinte, na Justiça, ainda é lenta. De acordo com o levantamento feito por ÉPOCA no ano passado, apenas 7% das pessoas indiciadas pela PF por crimes ligados à corrupção foram condenadas e presas. A lentidão é especialmente grave nos casos que envolvem políticos com foro privilegiado, que atrasa o andamento dos processos. Um exemplo: só na semana passada, depois de quatro anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu abrir processo contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) no caso conhecido como "mensalão mineiro". Azeredo é acusado de ter se beneficiado de um esquema de desvio de verbas de contratos de publicidade para sua campanha à reeleição ao governo de Minas Gerais, em 1998. O caso de Azeredo tem outra característica comum aos políticos: negar os fatos. Ele diz que não assinou um recibo de R$ 4,5 milhões, uma das mais sólidas provas do processo. O documento tem um carimbo do cartório, que reconheceu sua assinatura.
Entre os crimes políticos, só os eleitorais têm sido punidos, com a cassação do mandato e, às vezes, a perda dos direitos políticos por três anos. Em oito casos recentes envolvendo governadores, três terminaram em condenação. Uma explicação para isso é a regra em vigor até há pouco: o segundo colocado na eleição ficava com o cargo em caso de cassação do vencedor. O interesse político ajudava a acelerar o processo. A Justiça Eleitoral também anda mais rápido porque permite menos recursos, segundo Walter Costa Porto, especialista em legislação eleitoral.
Os especialistas ouvidos por Época afirmam que é possível melhorar o quadro no que diz respeito às denúncias por corrupção. Para Cezar Britto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os crimes de grande repercussão ou que provoquem dano coletivo deveriam ser julgados antes de outros. "Hoje, os julgamentos seguem a ordem das denúncias apresentadas pelo Ministério Público (MP)", afirma. É um universo que envolve desde o cidadão famélico acusado de furtar uma padaria até o tubarão que desvia recursos públicos. Outra saída, diz Britto, é autorizar os juízes de primeira instância a conduzir os processos daqueles políticos que têm foro privilegiado. Embora não possam julgá-los, eles poderiam colher depoimentos, analisar provas e pedir diligências. Com isso, seria possível liberar os juízes dos tribunais superiores. O ministro do STF Joaquim Barbosa já adota esse procedimento no julgamento do mensalão petista, segundo Britto. Também é essencial coordenar a comunicação entre todas as siglas envolvidas num processo, como CPIs, PF e MP. Sem essa coesão, a acusação fica frágil.
Para Costa Porto, o eleitor também pode ajudar a combater a impunidade. "Basta não eleger maus políticos. Isso já ajuda a poupar a Justiça e o país", diz. O índice de renovação do Congresso, que ultrapassa 50%, mostra que o eleitorado tenta renovar. Mas a permanência dos abusos mostra como é difícil fazer boas escolhas. Os políticos até mudam - mas os maus hábitos permanecem. (A matéria foi publicada na revista Época e é de autoria dos repórteres Murilo Ramos e Leonel Rocha)
Fonte: CF-OAB
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