quarta-feira, 2 de junho de 2010

Euclides da Cunha às voltas com o Direito


Dize-me com quem andas, dir-te-ei quem és!

Que o ditado popular é verdadeiro, ninguém duvida – tanto para o bem como para o mal. Mas um caso digno de nota na história é o do engenheiro Euclides da Cunha. Apesar de não ter formação jurídica, sua vida e obra perpassaram o Direito graças, em grande parte, às companhias que teve.

Ouvintes de folhetim

Conta o jornalista Viriato Correia, após entrevista realizada com Euclides, que a história d' "Os Sertões" foi ouvida em primeira mão por um juiz de Direito. Entre um cálculo matemático e outro, a respeito da reconstrução de uma ponte em São José do Rio Pardo, na qual estava empenhado, o engenheiro pôs-se a escrever seu livro : "a todo o momento tinha que levantar-se, para vir ver a marcha do trabalho da ponte, que se ia erguendo, quando estava num trecho, desses com que os escritores se torturam e dão um pedaço de vida para acabá-lo, eis que um operário vinha chamá-lo para resolver uma dificuldade. Apesar disso, Os Sertões ia caminhando. À tarde o juiz de direito, o presidente da Câmara Municipal, mais duas ou três pessoas de Rio Pardo, reuniam-se à casinha de Euclides, para ouvir o folhetim".

Quando a ponte ficou pronta, ficou pronto também o livro. Nessa época, Euclides da Cunha não se reconhecia como escritor. Foi o julgamento que fizeram os "ouvintes do folhetim" sobre a obra que impulsionou a publicação de "Os Sertões". Euclides
"resolveu publicá-lo. O juiz de direito, o presidente da Câmara do Rio Pardo e o matuto do 'estouro' haviam-lhe dito que o livro era bom".

Companheiros de cadeira

Em 1902, após um grande trabalho de revisão, a obra chega às livrarias. A primeira edição se esgota em pouco mais de dois meses. A repercussão é tão grande que em 1903 Euclides da Cunha é eleito para ocupar a cadeira nº 7 da ABL, cujo patrono é Castro Alves.

Quatro anos depois, no dia 2 de dezembro de 1907, outro episódio ligaria Euclides da Cunha ao Direito. O autor foi convidado pelo glorioso Centro Acadêmico XI de Agôsto, da Faculdade de Direito de São Paulo, a proferir uma palestra sobre o patrono de sua cadeira, Castro Alves, poeta que havia passado pelos bancos do Largo S. Francisco -
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Não bastasse, em todo o tempo que esteve na ABL (1903-1909), Euclides conviveu com pessoas ligadas ao meio jurídico, dentre eles : Rui Barbosa (cadeira nº 10), Lúcio de Mendonça (cadeira nº 11), Araripe Júnior (cadeira nº 16), Sílvio Romero (cadeira nº 17), Mário de Alencar (cadeira nº 21), Lafayette Rodrigues Pereira (cadeira nº 23), Joaquim Nabuco (cadeira nº 27) e Vicente de Carvalho (cadeira nº 29).

Evidente que tal convivência trouxe à mente de Euclides preocupações acerca da disciplina da convivência humana. Isso tanto é verdade que, em 1907, com a publicação do livro "Peru versus Bolívia" percebemos a observação de Euclides diante da discussão legal sobre a definição das fronteiras geográficas dos dois países.

Interessante notar que nessa ocasião a Argentina foi escolhida para arbitrar os limites estabelecidos a cada um deles. E esse fato - talvez a primeira vez que se viu uma arbitragem na América do Sul - foi mostrado por Euclides da Cunha.

Vida e morte nos tribunais

Por fim, até na morte Euclides da Cunha esteve ligado com questões jurídicas. Com efeito, Euclides foi morto no dia 14 de agosto de 1909, pelo tenente, sobrinho e amigo Dilermando de Assis. Assim, o boletim da ocorrência, juntamente com o atestado de óbito, serviram de material para a ação penal que terminou em polêmico júri que movimentou a sociedade na época. Era a "Tragédia da Piedade".

O sucesso que faltou a Euclides em sua vida amorosa, sobrou nos trabalhos que desenvolveu. O engenheiro mostrou ter habilidade não apenas nas áreas exatas, mas também em assuntos ligados a humanidades.

Fonte: Migalhas, em 18 de junho de 2009

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