domingo, 27 de junho de 2010

Juiz fica indignado por ter que decidir causa repetitiva


COMARCA DE PORTO ALEGRE/RS

10ª VARA CÍVEL, 2º JUIZADO, FORO CENTRAL

PROCESSO nº: 001/1.09.035 352 5-8 (CNJ:.3535251-94.2009.8.21.0001)
NATUREZA: Prestação de Contas. Primeira fase. Improcedente.
[...]

Vistos etc.


I) Prestação de contas, primeira fase, promovida por ETELVINO DOS SANTOS MORAES contra BANCO BMG S.A. a fim de que esclareça, especificadamente, o acionado, os custos dos empréstimos que contraiu destinados aos financiamentos das compras parceladas pelo autor, conforme explicou. Deferido o benefício da AJG, fl. 10, em sua peça de bloqueio, fls. 13/18, defendeu-se o requerido como se o procedimento fosse de ação cautelar de exibição. Seguiram réplica, fls. 69/72, e desinteresse na produção de mais provas, fls. 73/75.

II) Julgamento conforme art. 330, I e II, do CPC(1).


Preliminar.

Revelia.

Como visto no relatório, o requerido ofereceu resposta como se o procedimento envolvesse ação cautelar de exibição de documentos, quando, em verdade, trata-se de prestação de contas.

Logo, é como se inexistisse defesa, aplicando-se, em parte, os efeitos da revelia, conforme art. 319 do CPC(2).

Fiz a ressalva, em parte, porque a espécie envolve discussão sobre matérias eminentemente de direito, como passo a examinar.


Mérito.

Costumo ser obediente ao entendimento das instâncias superiores. Máxime frente a matérias objeto de súmula, como no caso. Sempre fui avesso a que, sobre um tema rigorosamente idêntico, diversas possam ser as interpretações do Poder Judiciário.

Tal só o desacredita, além de estimular, de forma importante, novos ingressos. Matérias iguais deveriam merecer, elementarmente, tratamento igual.

No Brasil, não. Tem-se a lei, a jurisprudência, a súmula e, mais recentemente, a súmula vinculante ! Tanto, porém, ainda não basta, pois todos os dias somos chamados a julgar, de novo, pela bilionésima vez, a mesma matéria !

Aqui, contudo, vejo-me na contingência de contrariar a jurisprudência consagrada e, até mesmo, objeto de súmula, como registrado.

Não se pode partir da exceção para aplicar a regra geral, que é o que contemporaneamente vem ocorrendo. Acredito que excepcionalmente, desde que provada a causa de pedir que a justifique, até caiba prestação de contas contra administradoras de cartão de crédito ou contra Bancos e financeiras.

Não é o caso, porém.

A inicial não transcende de abstração jurídica. Limita-se a juntar cópia de uma só fatura, fl. 09. Pura teoria. De direito, absolutamente nada. Aparentemente, sustenta que para cada financiamento das compras do autor, a administradora de seu cartão iria ao mercado financeiro contrair empréstimos...

Não é assim, porém. As administradoras de cartões contraem empréstimos grandes, de vulto, para poderem financiar a todos os seus clientes, não de forma individual, como equivocamente sustentado pelo ora autor.

Os encargos do mês em curso, do mês que passou e do mês vindouro, são todos especificados em cada fatura, mensalmente encaminhadas aos endereços de todos os clientes. Nunca as leu o suplicante?

Depois, sabido, público e notório que o chamado 'dinheiro de plástico' é, de algum modo, vantajoso para seus usuários à medida em que obtenham parcelamento ou financiamento pela loja conveniada, nunca pela administradora, cujos encargos, também é público e notório, são sempre muito mais onerosos.

Não o sabia o autor?

Nesse cenário, só ele e seus patronos desconhecem os encargos cobrados pelas instituições financeiras e pelas administradoras de cartões de crédito.

Porém, como se disse, o papel, e o do processo muito mais, a tudo aceita. Especialmente, quando nada se paga. Tudo sob o deturpado amparo da AJG. Aliás, ainda não inventaram coisa melhor do que litigar de graça... Benefício que deveria ser interpretado restritivamente, mas, na prática, constata-se o contrário.

Processo é, ou deveria ser, coisa séria. Existe para solucionar uma lide em concreto, não para industriar espúrios e indevidos honorários advocatícios.

Por fim, conquanto não desconheça o entendimento esposado pelo egr. STJ através da Súmula n. 259 ('A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta-corrente bancária.'), imprescindível não converter a exceção em regra, como dito, eis não teria sido esse o verdadeiro sentido desse enunciado.

Constitui-se a prestação de contas no remédio jurídico cabível para esclarecer eventuais lançamentos indevidos, omitidos ou duvidosos, quando, na hipótese, nada disso é levantado ou especificado, tudo não transcendendo do plano da absoluta abstração jurídica, como exaustivamente demonstrado. A peça de abertura do processo, no ponto, é rigorosamente virtual.

O desacolhimento, assim, afigura-se como a única solução possível.


III) JULGO IMPROCEDENTE a demanda, pagando o autor custas e honorários advocatícios, que fixo em R$ 200 (duzentos reais), corrigidos desta data e atendidas as diretrizes dos §§ do art. 20 do CPC; ficando suspensa, porém, a exigibilidade de tais encargos por litigar sob o pálio da AJG.

Porto Alegre, 1º de junho de 2010.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.


Luiz Augusto Guimarães de Souza
Juiz de Direito, 10ª Vara Cível, 2º Juizado, Foro Central.

Fonte: Jurid

Um comentário:

Anônimo disse...

O acesso a justiça deve ser amplo e irrestrito, no entanto, partes e advogados, devem ser responsabilizados por seus atos temerários e destituídos de fundamento.
Quando os juízes começarem a condenar partes e advogados em litigância de má-fé, talvez ações como esta não sejam mais ajuízadas.
Enquanto isso, vamos continuar pagando o preço pela banalização das leis e do acesso ao judiciário.