terça-feira, 6 de abril de 2010

Punição agradável


Curitiba (PR), 05/04/2010 - O editorial "Punição agradável" foi publicado na edição de hoje (05) do jornal Gazeta do Povo (PR):

"A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), instituída pela Lei Complementar n.º 35, de 1979, estabelece, dentre os vários deveres de qualquer magistrado deste país, o fundamental e especial dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular. Algo absolutamente normal a se esperar de homens e mulheres que têm a prerrogativa de dizer o certo e o errado na sociedade em que vivem e que, por isso mesmo, devem sempre zelar pela legalidade, pela moralidade e pela justiça dos seus atos. Infelizmente, porém, não têm sido tão raros os casos de afastamento de magistrados por condutas incompatíveis com aquelas desejadas para um bom e verdadeiro julgador.

Para se ter uma ideia, apenas nos três primeiros meses de 2010 e sem se considerar, ainda, os afastamentos promovidos pelos próprios tribunais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já determinou o afastamento de mais de dez magistrados, abrangendo juízes e desembargadores.

Mas não se está a falar aqui de um afastamento qualquer. Não se está aqui a falar de demissão ou da perda do cargo. A grande questão é que os afastamentos acima mencionados ocorreram mediante aplicação do famigerado e contraditório mecanismo da aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

Como assim? Ora, o art. 42, VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, estabelece, dentre as penas disciplinares aplicáveis aos magistrados, a aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

E é essa, atualmente, a mais severa das penas possíveis no âmbito administrativo, haja vista que, para os juízes que já gozam da chamada vitaliciedade, a perda do cargo depende, obrigatoriamente, de sentença judicial com trânsito em julgado, na forma do art. 95, da Constituição Federal: Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

[Vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado...].

Assim, ultrapassados dois anos de exercício do cargo e mesmo que constatada a prática de condutas criminosas, a pena máxima aplicável em sede administrativa é a de se aposentar compulsoriamente o magistrado envolvido, o qual terá direito ao recebimento de proventos proporcionais. Significa dizer que, mesmo que os membros de um tribunal ou do CNJ reconheçam a prática de condutas ilícitas, o magistrado sob julgamento é compulsoriamente aposentado, com rendimentos proporcionais ao seu tempo de serviço.

Como bem destacou Ophir Cavalcante, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em recente artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo: De fato, a previsão em causa não encontra base racional lógica. É, antes, uma construção que foge ao razoável e agride o bom-senso, configurando violação aos mais elementares preceitos de moralidade pública e administrativa que a Constituição de 1988 expressamente impõe. Sua derrisória e final mensagem é que brasileiros, sobretudo os que integram uma casta privilegiada, após banquetear-se em práticas criminosas, serão punidos com régia aposentadoria, mesmo que não preencham os requisitos legais para tanto.

Em linha de pensamento similar, Ives Gandra Martins Filho, conselheiro e relator de um dos processos julgados no Conselho Nacional de Justiça, reconheceu a incongruência da situação: Claro que a aposentadoria não é uma punição para os desvios que foram cometidos. O acusado receber como penalidade a autorização para continuar ganhando salário sem trabalhar é um absurdo.

Todo esse cenário pode ser alterado a partir de um projeto de alteração da Lei Orgânica da Magistratura Nacional que vem sendo elaborado pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) ou em razão da aprovação de algum dos outros projetos que já tramitam no Congresso Nacional e que também abordam o tema em questão.

O fato é que, sem a mudança da Loman e da própria Constituição Federal, não há o que se fazer. Diante da inexistência de regras mais flexíveis e similares (não necessariamente idênticas) àquelas aplicáveis aos servidores públicos em geral (art. 41, §1.º, da Constituição Federal), continuará a prevalecer a exigência do trânsito em julgado, como consequência direta da aplicação do princípio da não culpabilidade, insculpido no art. 5.º, da Carta Política: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

E, ainda, também não se sustenta a defesa da desnecessidade de alteração da legislação sob o argumento de que a aposentadoria compulsória (pena administrativa) poderia ser sempre revertida e cancelada após o trâmite de processo judicial, pois, com a morosidade e com as deficiências estruturais e legislativas existentes no Brasil, é sabido que a exigência do trânsito em julgado, mais do que uma garantia constitucional, transformou-se também, infelizmente e com razoável frequência, em garantia de impunidade.

Enfim, o assunto é, sem dúvida, bastante polêmico e, por isso, precisa ser cada vez mais debatido e enfrentado. Enquanto isso, a penalidade aplicável a uns poucos continua sendo o sonho de milhões de brasileiros honestos, dignos e trabalhadores."

Fonte: OAB

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