terça-feira, 21 de setembro de 2010

Para refletir: exame de ordem, constitucional ou não?

por Fernanda Marinela*

O Exame de Ordem, exigido aos bacharéis em Direito para o exercício da advocacia, sempre foi um tema polêmico. Atualmente o assunto volta a ter destaque não só pela existência de projetos de Lei e projeto de emenda constitucional em trâmite no Congresso Nacional, mas principalmente em razão das recentes decisões judiciais acerca da matéria. Assim, para fomentar o debate resolvemos trazer ao nosso leitor uma síntese sobre os principais pontos debatidos. 

O Projeto de Lei nº 186/06, do Senador Gilvam Borges (PMDB-AP), pretende acabar com o processo de seleção do Exame de Ordem. A proposição altera a Lei nº 8.906, de 1994 com a revogação do Inciso IV e o § 1º do art. 8º, o inciso VI do art. 58 e todo o art. 84 da Lei, que regulamentam diversos aspectos do Exame. 

Em sua justificativa o autor defende a extinção do Exame por entender que o estudante de direito, para a conclusão de seu curso, já é submetido a avaliações frequentes, durante todo o lapso de duração do curso e, além disso, submete-se também ao Exame Nacional de Cursos, promovido pelo Ministério da Educação, que é, também, obrigatório e se destina à avaliação dos cursos de direito, entre outros. Ainda, sustenta que a aplicação do exame de ordem constitui fonte de estresse e, não raro, de problemas temporários de saúde para os candidatos. 

Foi apresentada uma emenda a este projeto que sugere o aperfeiçoamento na avaliação e não a sua extinção. Para tanto, propõem a introdução de novos parágrafos no art. 8º da Lei nº 8.906, de 1994, para estabelecer novos critérios de administração do exame, de maneira a fixar a periodicidade mínima do exame e a forma de aplicação. Ademais, garante-se, ao aprovado na primeira fase a possibilidade de prestar a segunda sem ter de se submeter novamente à primeira, durante o período de um ano. 

Em abril deste ano, o senador Gerson Camata (PMDB-ES) apresentou requerimento, aprovado pelos senadores, para que o PLS 186/06 tramite em conjunto com o Projeto de Lei 43/09, do Senador Marcelo Crivella (PRB/RJ). O PLS 43/09 estabelece novo critério de avaliação de cursos e instituições de ensino superior, a partir do desempenho de seus egressos em exames de proficiência profissional. A proposta é alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para que a União, juntamente com entidades profissionais, promova exames de proficiência para egressos de cursos de graduação, de modo a condicionar o reconhecimento dos cursos das instituições de ensino ao desempenho médio dos seus formados. 

Existe ainda uma proposta de Emenda à Constituição (PEC 1/10), de autoria do Senador Geovani Borges (PMDB-AP) que pretende proibir a realização de exames da Ordem, estabelecendo que "diploma de curso reconhecido e oferecido por instituição de educação superior devidamente credenciada constitui comprovante de qualificação profissional para todos os fins". Essa proposta tramita na Comissão de Constituição e Justiça, onde é relatada pelo senador Demóstenes Torres (DEM-GO). 

No âmbito jurídico, a principal decisão é a tomada pelo Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer, no Recurso Extraordinário nº 6035831, repercussão geral na controvérsia sobre a constitucionalidade do artigo 8º, §1º da Lei 8.906/942 e dos Provimentos nº 81/96 e 109/05 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que condicionam o exercício da advocacia à prévia aprovação no Exame de Ordem. 

O Recurso Extraordinário nº 603583, que tem como relator o Min. Marco Aurélio, advém da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que não considerou o exame de ordem inconstitucional, afirmando que o Conselho Federal da OAB observou os limites de sua competência e que a exigência de aprovação no Exame de Ordem como requisito para advocacia não conflitaria com o principio da liberdade profissional previsto no art. 5º, inciso XIII da Carta Magna. 

Os argumentos dos recorrentes são os seguintes:
  • É atribuição de cada instituição de ensino superior certificar se o bacharel é apto para exercer as profissões da área jurídica.
  • A autorização constante no art. 8º da Lei 8.906/94 para regulamentação do Exame de Ordem pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil afronta o principio da legalidade e usurpa a competência privativa do Presidente da República para regulamentar leis.
  • Aponta violação a inúmeros princípios;
  • Afirma que a exigência da aprovação no Exame de Ordem representa censura prévia ao exercício profissional
  • Sustenta que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9394/96, já regulamenta, para todas as profissões, o art. 205 da Constituição Federal.
Para o Min. Marco Aurélio, estamos diante de uma situação concreta que atinge milhares de pessoas em face de inúmeros processos em âmbito nacional sobre o assunto e que o fato de bacharéis em Direito em todo o país se insurgirem contra o Exame de Ordem sob a argumentação de que há obstáculo de forma setorizada ao exercício da profissão, exige pacificação da matéria por parte da Suprema Corte. A decisão foi publicada no Diário Oficial do dia 16 de abril de 2010. 

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o assunto no ano de 2000. Na decisão proferida no Resp 214.671/RS, relatada pelo Min. Humberto Gomes de Barros, a Primeira Turma, de forma clara e contundente, afirma que não se deve confundir o status de bacharel em direito com o de advogado. Leciona: “bacharel é o diplomado em curso de Direito. Advogado é o bacharel credenciado pelo Estado ao exercício do jus postulandi”. Prossegue afirmando que a seleção de bacharéis para o exercício da advocacia deve ser tão rigorosa como o procedimento para escolha de magistrados e agentes do Ministério Público, concluindo que “não é de bom aviso liberalizá-la”. Salienta que a inscrição na OAB é “ato-condição que transforma o bacharel em advogado”. 

Aqueles que defendem a extinção da seleção do Exame de Ordem apresentam como argumentos, dentre outros, a fragilidade das provas, que não avaliam seriamente os candidatos, seja pela grande quantidade de questões dúbias e passiveis de anulação sejam pelo rigor excessivo e desnecessário em algumas avaliações já ocorridas. É também objeto de crítica o índice altíssimo de reprovações que, para alguns, acaba caracterizando uma fonte de arrecadação para autarquia tendo em vista o valor alto das inscrições para participar do certame. 

Há ainda o argumento de que o Conselho Federal da OAB não tem a atribuição de “qualificar”, não sendo o Exame de Ordem capaz de propiciar qualquer qualificação, cabendo somente às instituições de ensino superior estabelecer a formação e qualificação para o exercício da profissão. Fundamento utilizado na decisão liminar proferida no Mandado de Segurança nº 2007.51.01.027448-4 que tramitou na 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro que favoreceu temporariamente os impetrantes. Ocorre porém, que a decisão teve sua execução suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 

As reprovações passaram a revelar, segundo alguns, o retrato nefasto da má qualidade no ensino superior para a carreira jurídica. Esta questão tem sido apresentada como argumentos tanto favoráveis como contra a extinção da seleção do Exame de Ordem. 

É certo que é imprescindível um debate sério e efetivo no que se refere à qualidade do ensino jurídico, entretanto, o ponto suscitado quanto à avaliação da OAB é que eliminá-la seria propiciar que profissionais sem o mínimo de qualificação exercessem “função essencial à justiça” de maneira inconsequente e sem qualquer controle, trazendo danos irreparáveis à sociedade. Há aqueles que entendem que o Exame de Ordem não possui credibilidade e nem irá de forma alguma “corrigir” os erros das instituições de ensino, mas apenas penalizar o candidato. O senador Gilvam Borges afirma: “o exame não tem como avaliar de modo adequado a capacidade técnica do candidato a advogado. Se a intenção do exame é avaliar o desempenho das instituições de ensino não nos parece razoável que o ônus recaiam sobre o aspirante a advogado”. 

No calor desta discussão, outras categorias começam a exigir avaliação prévia para o exercício de suas profissões. No dia 14 de junho foi publicada a Lei 12.249/2010 que exige aos bacharéis em Ciências Contábeis a aprovação no Exame de Suficiência para exercer a profissão de Contabilista. Os detalhes da nova certificação e a fiscalização serão de responsabilidade do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e dos Conselhos Regionais. 

Percebe-se, portanto, que inúmeros são os argumentos tanto para a continuidade como para a extinção do Exame de Ordem. A discussão envolve tanto aspectos jurídicos quanto políticos. Enquanto se aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal e o trâmite das propostas de leis e também da emenda à Constituição, é salutar que se faça uma reflexão sobre a questão. 

* Especialista em Direito Público pela Universidade de São Paulo; Professora de Direito Administrativo no Instituto de Ensino Luiz Flávio Gomes - LFG; Professora da Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia; Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Público no Instituto de Ensino Luiz Flávio Gomes - LFG; Advogada atuante; Autora de diversas obras jurídicas. 

Fonte: Memes Jurídico

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