por Vitor Hugo Soares
Peço permissão aos legionários do "assunto superado" e à "turma do abafa", para insistir na questão. Acontece que, quando o ministro Joaquim Barbosa acusou seu colega Gilmar Mendes, presidente da Suprema Corte, de estar "destruindo a justiça deste País" e de "comandar capangas em Mato Grosso", durante o bafafá no STF, confesso que estremeci, ao imaginar que algo muito grave e de insondáveis desdobramentos acontecia diante do olhar pasmo de uma nação inteira. Em décadas de carreira profissional em redações de jornais, não lembro de ter visto nada parecido com a cena do bate-boca de dois magistrados, transmitida depois pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, para o País inteiro. Salvo, diga-se a bem da verdade, em outro "affair" entre os mesmos contendores, há algum tempo. Aquela, no entanto, parecia inocente disputa de lordes togados, se comparado com o que se viu esta semana, e que o You Tube reproduz agora em vídeos dos mais acessados. Na hora a memória do jornalista foi projetada para um período da infância na sertaneja cidade baiana de Macururé, cortada pela imensa rodovia que liga os estados do Nordeste à região sudeste - a Transnordestina. Então, costumava passar horas na frente de uma pensão de beira de estrada do lugarejo, coalhada de caminhões do tipo "pau-de-arara" parados para a refeição, carregados de retirantes da seca, que iam "tentar a sorte" na construção na São Paulo dos anos 50. Ali, enquanto parecia brincar, mantinha os ouvidos atentos de garoto para as "histórias de gente adulta". Da seca, da política, dos governos, dos sonhos dos viajantes, da vida atribulada e aventureira dos motoristas. De vez em quando, alguém revelava um fato ou contava algo de arrepiar, do tipo da briga desta semana no STF. Mesmo depois de tantos anos, lembro de ter escutado alguém comentar na pensão de Dona Lolóia, em seguida a uma dessas narrativas incríveis, apontando para o estirão da rodovia à sua frente: "Uma história dessa se pega um estradão como este, vai longe"! É esta a sensação que o jornalista preserva quatro dias depois do bate-boca no Supremo, em Brasília, em que pese a inimaginável visão do dia seguinte do presidente do Supremo, guardião da Justiça, esforçando-se ao máximo para passar, de público, a impressão de que nada de grave ou mais preocupante aconteceu. Cercado de câmeras, microfones e gravadores - como um galã de cinema, uma celebridade da política ou do "show business" - segue Gilmar Mendes, sorridente, em marcha (este é o termo) por corredores e saguões do Congresso. Ar de intrigante superioridade ele vai para uma mais intrigante ainda reunião "sobre Pacto Republicano" com o presidente da Câmara, deputado Michel Temer, ladina raposa do PMDB, mas, ainda assim, também em apuros com o escândalo das passagens aéreas, no qual se esforça no desempenho de duplo papel: magistrado e personagem da farra turística no Congresso. "Raposa em galinheiro", diria Leonel Brizola. A vivaz passagem de Mendes rumo ao sofá de Temer passa incômoda e indefinível sensação de espetáculo em reprise. Parece coisa mal ensaiada por assessores ou "gerentes de crises" que andam soltos por aí, tentando a todo custo (e bota custo nisso) livrar a cara de chefe ou patrocinador em aperto. No caminho, o presidente do Supremo aproveita as amáveis câmeras e microfones ao seu dispor para passar o recado que traz no bolso do colete: "Está superado. Não há crise, não há arranhão. O tribunal tem trabalhado muito bem. Nós temos resultados expressivos. Vocês podem avaliar que a imagem do Judiciário é a melhor possível", proclama. OK, "quem tem boca diz o que quer", ensinam os mais antigos, lição que o presidente do STF parece ter decorado como poucos. Em Buenos Aires, na Casa Rosada, antes do almoço com a colega Cristina Kirchner, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também fala sobre o episódio. Manda mensagem cifrada do Rio da Prata para Brasília e fica difícil saber se ele atua como bombeiro ou incendiário. "Foi uma troca de acusações verbais, se desentenderam, trocaram palavras duras um com o outro. Mas longe de ser uma crise institucional porque duas pessoas divergiram e não se entenderam. Se fosse assim, não teria mais jogo de futebol, porque tem briga em campo todo santo dia", raciocina o presidente. OK. Agora imaginem a ministra Dilma Rousseff dizendo na cara do presidente Lula a metade do que o ministro Joaquim Barbosa falou para o mundo inteiro ouvir na frente do presidente do Poder Judiciário. O caso pegou o "estradão" e serão necessárias muitas toneladas de panos quentes para abafar tudo o mais rápido possível, e assim retirar o presidente da suprema corte do apuro dos diabos em que o"guardião da Justiça brasileira" se meteu desta vez. A conferir. Fonte: Blog do Noblat - Globo.com
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