por Lilian Matsuura e David Prado*
O Supremo Tribunal Federal está diante de uma tese ousada. A defesa de dois acusados de estupro pede a liberdade e a anulação da Ação Penal com base no argumento de que o Ministério Público não poderia ter apresentado a ação em nome da vítima, por mais que ela tenha alegado pobreza. Para a advogada Carla Rahal, que defende os acusados, cabia à Defensoria Pública entrar com a ação. O julgamento do Habeas Corpus foi adiado no dia 6 de março, por pedido de vista do ministro Marco Aurélio. Por enquanto, existem seis votos contra a tese da advogada.
O artigo 225 do Código Penal, em vigor há 69 anos, prevê que, em casos de vítimas de estupro que não podem pagar as despesas do processo, será proposta Ação Penal pública condicionada, de autoria do Ministério Público Estadual. Quando foi aprovado o Código Penal, entretanto, ainda não havia sido criada a Defensoria Pública no país, que só surgiu 44 anos depois, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Por isso, a advogada dos réus afirma que esse dispositivo do CP não foi recepcionado pela Constituição. A Defensoria, que existe para atuar pela população de baixa renda, deveria ter sido a autora da ação contra os seus clientes, sustentou Carla Rahal no HC. Em São Paulo, a Defensoria foi criada em 2006.
Para reforçar a sua tese, ressaltou em seu pedido que o Código de Processo Penal, de 1941, em seu artigo 32, diz que, “nos crimes de ação privada, o juiz, a requerimento da parte que comprovar a sua pobreza, nomeará advogado para promover a ação penal”. Outra estratégia da defesa foi apresentar um levantamento histórico no qual relaciona a trajetória da legislação criminal desde 1830. “Sempre na legislação brasileira, houve uma tradição em tratar os crimes sexuais como uma iniciativa privada”, conta Carla. Por enquanto, os ministros não entendem que a criação da Defensoria Pública possa ter restringido a legitimidade do Ministério Público para propor Ação Penal nos crimes contra os costumes. O relator, ministro Ricardo Lewandowski, reafirmou a legitimidade do artigo 225 do Código Penal. Doi seguido pelos ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carlos Britto.
Em abril de 2007, a 2ª Turma do Supremo, por unanimidade, concluiu que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor são passíveis de proposta de Ação Penal pelo Ministério Público, mesmo nos casos em que a vítima se declare pobre e conte com assistência jurídica gratuita. Para isso, basta que manifeste sua intenção de processar o acusado. O ministro Joaquim Barbosa foi o relator do RHC 88.143.
A advogada Carla Rahal critica a manifestação dos ministros no HC apresentado por ela. “O relator se limitou a dizer que já existe um precedente e todos acompanharam o voto do relator.” Para ela, o entendimento do STF sobre o assunto lhe trouxe um sentimento de desapontamento em relação à Justiça no país. “Os fundamentos são tão absurdos que demonstram uma inaptidão, uma vontade, por vezes, de exercer o não-direito. Isso decepciona”, lamentou.
Em relação à expectativa do voto do ministro Marco Aurélio Melo, a advogada é otimista. “É nítida a legitimidade da Defensoria Pública para isso. Eu espero que ele (ministro Marco Aurélio) consiga fazer com que os demais revejam os seus votos.”
Pública ou privada
O criminalista Alberto Zacharias Toron não concorda com a tese da advogada. “Tradicionalmente, quem sempre propôs a ação nesses casos foi o Ministério Público. Não me parece que a criação da Defensoria retire a atribuição do Ministério Público”, entende. Para o advogado, o artigo 225 do CP foi recepcionado pela Constituição e foi aplicado durante os últimos 20 anos.
O criminalista Alberto Zacharias Toron não concorda com a tese da advogada. “Tradicionalmente, quem sempre propôs a ação nesses casos foi o Ministério Público. Não me parece que a criação da Defensoria retire a atribuição do Ministério Público”, entende. Para o advogado, o artigo 225 do CP foi recepcionado pela Constituição e foi aplicado durante os últimos 20 anos.
Já o defensor público do Rio de Janeiro Denis Praça entende que o dispositivo não foi recepcionado. Para ele, a criação da Defensoria Pública acabou com a competência do Ministério Público para propor esse tipo de Ação Penal. “Em 1988, a Constituição Federal cria uma instituição para atender a população carente. Por isso, esse dispositivo do CP perde o sentido.”
A sua principal preocupação, diz, é em relação ao sofrimento da vítima. Durante o processo, a vítima revive toda a situação, por meio do depoimento, do exame de corpo de delito, das audiências com o juiz, conta o defensor. Na Ação Penal pública, movida pelo Ministério Público, ela não tem a possibilidade de desistir do processo. Na ação privada, a vítima tem essa escolha. “Se o Supremo manter o seu posicionamento, vai tirar o direito da vítima pobre de desistir do processo. O que é um sofrimento. Quem puder pagar advogado para se defender, vai ter esse direito.” Para Denis Praça, o Supremo deveria decidir no sentido de que o dispositivo não foi recepcionado e, portanto, a competência é da Defensoria Pública.
*Lilian Matsuura e David Prado são repórteres da revista Consultor Jurídico Fonte: Conjur
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