por Vladimir Passos de Freitas*
Dia 11 de fevereiro, quinta-feira à tarde, reúne-se o Órgão especial do STJ, composto pelos 15 ministros mais antigos, para examinar o mais grave caso criminal trazido à Corte: o pedido de prisão preventiva do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e de outros membros da cúpula do seu governo. Os fatos já são conhecidos de todos. O governador do DF é acusado de ser o articulador de um esquema de cobrança de propinas e posterior distribuição entre seus aliados, entre os quais estariam Secretários de Estado, parlamentares do DF e membro do Tribunal de Contas local.
A chamada “Operação Pandora”, articulada pela Polícia Federal em novembro de 2009, sustentou-se em filmagens feitas pelo ex-secretário do DF, Durval Barbosa, que gravou vários encontros. Prova técnica, visível, exibida a todos os brasileiros em canais de TV aberta. Em um primeiro momento, o chefe do Executivo justificou o recebimento de R$ 50.000,00, para a compra de panetones a serem distribuídos no Natal.
O motivo da prisão preventiva foi a atitude do acusado e de seus auxiliares, no sentido de dificultar a apuração das provas a cargo do DPF. A ocorrência, pelo inusitado e pelos efeitos que causa entre a população brasileira, merece especial análise.
A primeira observação é a de que o Distrito Federal, ao contrário dos estados, sobrevive com recursos da União. Portanto, todos os habitantes deste país colaboram para que Brasília sustente os seus serviços públicos. Os seus servidores recebem, regra geral, o mesmo que os da União. Por isso, um delegado de Polícia do DF, que é equiparado a um delegado de Polícia Federal, recebe muito mais do que seus colegas de São Paulo, Minas Gerais ou Rio Grande do Sul. Se todos os brasileiros estão pagando a conta, a conclusão lógica é que todos têm o mais legítimo interesse no desfecho do caso.
A segunda observação é a postura do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, que desde o início mostrou total irresignação e insistiu em que se tomassem providências enérgicas. Esta é a meu ver a melhor postura. Entidades de classe devem assumir compromisso com o país e não se limitarem à defesa de interesses corporativos.
A terceira observação diz respeito à conduta do relator no STJ, ministro Fernando Gonçalves. Magistrado federal de carreira, com a aposentadoria marcada para os próximos meses, conduziu-se com a discrição que o cargo recomenda. Juiz, seja qual for a instância, deve ser recatado. Declarações, entrevistas, devem ser dadas pelos que ocupam a presidência de Tribunais, associações de magistrados ou funções equivalentes. Mas o juiz, ao exercer a jurisdição, deve ser recatado, respeitoso e não polêmico. É disto em grande parte que vem o respeito pela magistratura. É isso que a sociedade dele espera.
A quarta ainda é sobre a ação do relator. Preferiu ele levar sua proposta de prisão preventiva ao órgão especial e não a decidir individualmente. A isto ele não estava obrigado, pois as normas que tratam das ações com foro privilegiado nos Tribunais são omissas. Mas, pedindo a reunião do órgão especial e contando com o apoio da maioria de seus membros, conseguiu o relator dar mais força e legitimidade à sua pretensão. Afinal, não é usual determinar-se a prisão de um governador.
O governador, voluntariamente, entregou-se e impetrou Habeas Corpus no STF. Ao que tudo indica, já estava ciente e preparado para a possibilidade de sua prisão ser decretada. Todavia, não teve sucesso ao pedir liminarmente a liberdade. Distribuído o HC ao ministro Marco Aurélio, foi negada a liminar. Portanto, persiste a decisão colegiada do STJ.
Aí estão os fatos. Sem qualquer análise do mérito, que caberá a quem de direito oportunamente, registra-se que a ordem de prisão resgatou a combalida imagem do Poder Judiciário. Não havia taxista, barbeiro, dona de casa, enfim, qualquer pessoa do povo, que pudesse entender e aceitar que alguém apanhando dinheiro (a menos que o filme seja falso) ficasse impune. Nem se tente argumentar que há outras sanções como perda do cargo ou sequestro de bens. Estes detalhes não chegam e nem interessam à população.
O sentimento de Justiça da população é simples, não avança em considerações filosóficas nem se aprofunda em filigranas jurídicas. Se algo está provado, no caso por filmes exibidos pela TV, não passa pela cabeça de uma pessoa outra coisa que não seja a imediata punição. E punição é prisão. Nos casos graves evidentemente, pois nem os mais rigorosos pregam que o cárcere seja a solução para todos os desvios de conduta.
Quando o Estado não dá resposta a casos como esse serve mal à democracia. Estimula a descrença, a corrupção, a Justiça pelas próprias mãos. Legitima a revolta da criminalidade organizada (não no Poder Público, mas sim em organizações sabidamente existentes), que invoca ser a Justiça severa apenas contra os seus membros, mais expostos socialmente.
Resta saber quais serão os próximos passos desse complexo processo penal. Será que estamos diante de novos tempos? Será a Justiça mais severa em casos envolvendo agentes públicos? A meu ver, não. Este foi um caso excepcional. E não creio que a prisão demorará mais do que alguns dias. Arrisco-me a dizer, 5, 10, 20 dias. Não perdurará, por uma razão muito simples. Há prazo limite para um acusado ficar detido na fase de investigações (10 dias na área estadual, 15 na federal). E depois, também. As ações penais originárias têm tramitação tão complexa, que poucas chegam ao fim. É evidente que a prisão tem caráter temporário e, acima de tudo, didático. Mas não se deve ter a ilusão que disto passe. Mas nem por isso deixa de ser uma ação afirmativa importante do STJ e das instituições no regime democrático em que vivemos.
* Vladimir Passos de Freitas é desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e professor de Direito Ambiental da PUC/PR.
Fonte: Conjur
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