sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sob a custódia do roubo: quando a polícia deveria nos proteger e faz o contrário


Carro roubado chega, muitas vezes, a ser saqueado sob a custódia da própria Polícia

Acompanhe a sequência. Um carro é tomado de assalto a mão armada em um bairro nobre de Recife em 11 de julho de 2009. De lá, a quadrilha consegue passar por barreiras e blitze na Paraíba e Rio Grande do Norte até chegar ao Ceará. Dezessete dias depois, é localizado pela polícia, abandonado, na periferia de Fortaleza. No mês seguinte, começa a ser depenado na "calçada-depósito" da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e Cargas do Ceará. A delegacia na esquina das ruas Antônio Pompeu com Conselheiro Tristão, em pleno Centro da cidade. Lugar que se avizinha a um Batalhão de Choque da PM e duas delegacias especializadas.

O POVO rastreou, durante quatro meses, a trajetória de um Cross Fox modelo 2008/2009, que roubado no Recife veio parar Fortaleza. E constatou: boa parte dos carros roubados ou furtados, nem sob a custódia da polícia, está protegido e imune a novas investidas de ladrões.

O Cross Fox preto, de placas frias MNZ 2096-PB, é um exemplo do "roubo do roubo". Após ser "guardado" junto com pelo menos 50 carros roubados, estacionados na extensão do meio fio da rua Conselheiro Tristão, entre Antônio Pompeu e Meton de Alencar, o carro teve os cinco pneus furtados em duas noites de setembro do ano passado. Informado da "depenação" do veículo, em outubro de 2009, O POVO saiu à cata de informações e fotografou por meses o Cross Fox e outros carros que estão sob a custódia da Polícia Civil.

Saques, furtos de peças e até de um carro inteiro não são incomuns na rua que serve de "depósito e garagem" de veículos que esperam ser reclamados por seus donos ou seguradoras. Comum é não ser aberto inquérito e não haver estatística sobre o "roubo de veículos já roubado", admite o delegado Espártaco Esmeraldo, titular da delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e Cargas do Ceará.

Sincero, Espártaco Esmeraldo revela que só ouviu testemunhas do furto dos cinco pneus do Cross Fox após um ofício enviado pelos repórteres do O POVO no último dia 26 de janeiro deste ano. O carro saqueado foi entregue no dia 18 de novembro de 2009 à Nova Era Identificações e Reintegração de Veículos, representante da Bradesco Auto/RE Cia de Seguros, com a ressalva de que "se encontra parcialmente depenado faltando todos os pneus".

A essa altura, a questão é saber quem teria coragem para furtar um veículo estacionado na calçada da delegacia e vizinho ao Batalhão de Choque da Polícia Militar? O delegado Espártaco Esmeraldo arrisca dizer que não suspeita dos moradores de rua que usam os carros estacionados como dormitório nem pessoas que dormem em um albergue ao lado da delegacia.

O perfil, descreve Espártaco, estaria ligado a alguém que não se incomoda com a rotina de viaturas que são abastecidas no local e de policiais que circulam dia e noite no entorno das três delegacias e do quartel. "Para tirar os pneus há de se ter uma chave especial e alguém que está esperando para comprá-los", observa.

De acordo com pessoas ouvidas na rua, o roubo dos pneus teria se dado assim: numa noite, o ladrão veio com macaco e uma chave-de-boca e retirou os dois pneus que estavam voltados para o meio-fio, que ficam do lado do passageiro. "Foi o jeito usado para não dar na vista". Na noite seguinte, voltou e completou o serviço levando os dois pneus do lado do motorista e o estepe. Detalhe, para roubar o estepe de um modelo Cross Fox, a operação é um pouco complexa, porque, como lembra o delegado, é necessário equipamento especial.

A versão apurada pelo O POVO é semelhante a um depoimento colhido na Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e Cargas do Ceará. Perto das 12h45min de uma noite de setembro de 2009, um funcionário "terceirizado", que trabalhava de mecânico na garagem da delegacia, trouxe um macaco e saqueou o Cross Fox que, sete meses antes, havia sido comprado "zero" em uma concessionária no bairro de Boa Viagem em Recife.

Em média, 50 carros roubados e "recuperados" pela polícia ficam na rua Conselheiro Tristão entre Meton de Alencar e Antônio Pompeu.

Fonte: O Povo Online - por Demitri Tulio e Claudio Ribeiro.

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